Perspectivas da Responsabilidade no Direito Internacional do Meio Ambiente diante da Crise Planetária

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Renato Andrioli Jr

Resumo: Este artigo tem o objetivo de analisar a responsabilidade pelos danos causados ao Meio Ambiente através das lentes do Direito Internacional do Meio Ambiente num contexto em que a crise ambiental planetária se apresenta de forma complexa e interconectada. Explorando bibliografias, contribuições científicas e doutrinas existentes, parte-se de breve introdução ao tema para analisar aspectos da crise planetária ambiental com vistas à responsabilidade e responsabilização das partes. Na sequencia apresentará os contextos e circunstâncias que ensejaram a consolidação e amadurecimento do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e os diferentes tipos de responsabilidades relacionadas ao dano ambiental e sua interface com a soberania, passando às considerações finais que serão dadas na conclusão. No curso destas argumentações serão explorados o legado da Comissão de Brundtland e julgados dos casos de Ilha de Palmas (1928), de Smelter (1941) e do Canal de Corfu (1949).

Palavras-chave: Responsabilidade, Crise Ambiental, Meio Ambiente, Direito Internacional do Meio Ambiente, Comissão de Brundtland

 

Abstract: This piece aims at analyzing the liability for environmental damage through the lenses of International Environmental Law under a context where planetary environmental crisis takes place in a complex and interconnected manner. Exploring bibliography, scientific contributions and existing doctrine the article starts with a brief introduction and aspects of the planetary environmental crisis focusing on the liabilities and accountabilities. Next, context and circumstances which participated in the consolidation of the principle of common but differentiated responsibilities and different types of liabilities related to the environmental damage and how it interfaces sovereignty will be presented followed by the final considerations which will be given in the conclusion chapter. On the course of the arguments presented in this piece the legacy of the Brundtland Comission and decisions on the cases of Islands of Palmas (1928), Smelter (1941) and Corfu Channel (1949) will be explored.

Keywords: Liability, Environmental Crisis, Environment, International Environmental Law, Brundtland Comission

 

Sumário: Introdução. 1. A Crise Planetária Ambiental. 2. A Comissão de Brundtland (1987) e seu legado. 3. A Responsabilidade no Direito Internacional do Meio Ambiente. 3.1. Interface da Responsabilidade com a Soberania. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Desastres ambientais de proporções globais que ocorreram em meados do século passado chamaram a atenção da comunidade internacional e ensejaram o surgimento de uma série de medidas no sentido de refrear o avanço da deterioração do meio ambiente e mitigar os danos ambientais que têm sua origem radicada nas interações do homem com a natureza na busca pelo desenvolvimento econômico e científico. Desde os anos 2000, uma série de estudos do Nobel de Química (1995) Paul Crutzen, introduziu na literatura da área o entendimento de que a ação humana na natureza é a maior força transformadora do planeta comparável a uma força da natureza. Segundo o cientista, que é acompanhado por uma série de outros especialistas da área, vivemos hoje na era que ele denominou de Antropoceno. O termo foi cunhado em oposição ao Holoceno, nome atribuído à era geológica anterior que proporcionava um ambiente amigável à vida humana no planeta, no Antropoceno, não é mais assim, uma principal característica desta era geológica é a incerteza de que o ecossistema planetário será capaz de ser um ambiente viável para a manutenção da vida humana, a outra característica é que ela foi gerada pelas interações do homem com a natureza e, é compreendida como uma crise ambiental planetária complexa e interconectada. É neste cenário que se apresenta a relevância das discussões em torno da responsabilidade no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente, é pacífica na comunidade científica da área a ideia de que urge a criação e instalação de medidas eficazes para mitigar os danos causados ao meio ambiente e protegê-lo. O Direito Internacional do Meio Ambiente, por outro lado, é um ordenamento relativamente novo, teve suas origens entre as décadas de 50 e 60 do século passado, detém traços bastante distintivos de outros diplomas jurídicos em termos de nível hierárquico, de obrigatoriedade de suas normas. O diploma ambiental também tem como característica reconhecida na doutrina a profusão de normas produzidas por uma diversidade de fontes o que o torna de difícil implementação prática. O bem ambiental, por sua vez, também detém características próprias, pois é de interesse comum da humanidade, não obedece a limites geográficos e políticos e, quando objeto de danos, estes, dadas as circunstâncias complexas de nossas sociedades, são em sua maioria invisíveis e irreversíveis. O objetivo deste artigo, portanto, é lançar alguma luz sobre o entendimento da responsabilidade e algumas de suas interfaces dentro do Direito Internacional do Meio Ambiente; para isto, apresentaremos um panorama da crise ambiental no Antropoceno, passaremos às considerações e análise das responsabilidades e como se apresentam no ordenamento ambiental internacional.

 

1. A Crise Planetária Ambiental
Como vimos anteriormente, desde o século passado as discussões em torno da proteção e exploração sustentável do meio ambiente têm se aprofundado. Desde a Conferência de Estocolmo (1972), passando pela Conferência Rio-92 sobre o Meio Ambiente (1992) tem havido progressos no sentido de mitigação do dano ambiental, redução de emissão dos gases de feito estufa, maior conscientização da sociedade em geral sobre a escassez e finitude dos recursos naturais, o advento e consolidação da responsabilidade social fincada na sustentabilidade entre outros; acontece que estes avanços não tem sido suficientes para refrear a crise ambiental que se instala e diminuir as incertezas em relação à capacidade do planeta de continuar sendo ambiente viável para a manutenção da vida humana em seu ecossistema (ANDRIOLI, 2019); (BEZERRA, 2012); (LEITE, SILVEIRA e ROSA, 2018).
Ocorre que as tendências mostram que vamos caminhando rapidamente para o que os teóricos denominam de ‘desestabilização dos limites físicos do planeta’, isto para se referir às mudanças climáticas, à diminuição da camada de ozônio, ao conteúdo de aerossol na atmosfera, à acidificação dos oceanos, ao consumo de água entre outros. Dois destes limites segundo Artaxo (2014) estão em condições supercríticas e necessitam de medidas urgentes de estabilização, é o caso das mudanças climáticas e da integridade da biosfera. Vaticina o autor que “as pressões sociais, econômicas e ambientais vão aumentar nas próximas décadas, e precisamos urgentemente de um sistema de governança global para superar esses desafios” (ARTAXO, 2014, p. 21-22). A tal crise se caracteriza por sua complexidade uma vez que o progresso e o descontrole da corrida pela ciência, técnica e indústria conduzem a desolação ambiental, também se caracteriza pela interconectividade uma vez que os elementos ambientais em risco de desequilíbrio ultrapassam os limites dos Estados. Morin e Kern (2011 apud LEITE, SILVEIRA e ROSA, 2018. p. 247.) entendem que o “crescimento das incertezas, a ruptura de regulações e os perigos mortais são características da crise planetária” e consideram que o termo ‘policrise’ poderia bem representá-la uma vez de que se trata de uma crise desencadeada pela forma de pensar humana com base na relação moderna, cartesiana e predatória entre a sociedade e a natureza. Steffen, et al, (2013) entende que a riqueza material da humanidade que é característica do século XXI vem acompanhada da escassez de recursos fundamentais à manutenção da vida humana por causa da degradação dos serviços ecossistêmicos e da capacidade de regeneração do planeta. Ulrich Beck (2011) nos apresenta o conceito da modernidade reflexiva em que há uma realidade de produção de ameaças globais supranacionais e independentes de classes, com ameaças complexas e imprevisíveis e concluí que a abrangência planetária dessas ameaças é o que caracteriza a crise arrematando que a qualidade dos danos ambientais não é mais aquela sensorial que pode ser percebida pelos sentidos, mas sim a irreversibilidade e a invisibilidade porque tais danos são sistemáticos e complexos.
O caminho para se começar a refrear a crise planetária ambiental passa não somente pela necessária mudança dos estilos de vida e mentalidades, mas também do reconhecimento de que a responsabilidade é de todos, já que o ser humano é a principal força atuante no planeta que modificou “a atmosfera, a litosfera, a hidrosfera, a biosfera, a criosfera e a magnetosfera, de forma mais intensa do que quaisquer terremotos, vulcões, tufões, tempestades, avalanches, deslizamento de terras, inundações etc.” (ARAGÃO, 2015, p. 19), além disso, as gerações passam a ter o conhecimento de como as suas atividades no planeta influenciam o meio ambiente. (STEFFEN et al. 2011).

2. A Comissão de Brundtland (1987) e seu legado
Desde 1972, quando foi editada a Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente na Convenção de Estocolmo (1972) como ficou conhecida, foi criado pela Assembleia Geral da organização o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que tem como prioridades os aspectos ambientais das catástrofes e conflitos, gestão dos ecossistemas, governança ambiental, substâncias nocivas, eficiências dos recursos naturais e mudanças climáticas. Foi imbuído deste espírito que em 1983 o então Secretário-Geral das Organizações das Nações Unidas convidou a médica Gro Harlem Brundtland, mestre em saúde pública e ex-Primeira Ministra da Noruega para estabelecer e presidir a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento que, mais tarde, ficou conhecida como a Comissão de Brundtland. A visão de saúde da médica ultrapassava os limites do universo médico alcançando os assuntos ambientais e de desenvolvimento humano; foi em 1987 que a comissão editou o famoso relatório, que chamou de “Nosso Futuro Comum” responsável pela introdução do conceito de desenvolvimento sustentável no discurso público. O contundente relatório que associou a ocorrência dos danos ambientais em parte à desigualdade social, invocou a responsabilidade intergeracional também chamou a atenção da sociedade internacional para a necessidade de uma atuação sustentável no meio ambiente. De seu contundente texto, destacamos: “muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos padrões de consumo de energia… No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos (…) o desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que atende às necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades, um mundo onde a pobreza e a desigualdade são endêmicas estará sempre propenso a crises ecológicas, entre outras… O desenvolvimento sustentável requer que as sociedades atendam às necessidades humanas tanto pelo aumento do potencial produtivo como pela garantia de oportunidades iguais para todos.” (RELATÓRIO DE BRUNDTLAND, 1987).
A comissão que inspirou a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992), apresentou o conceito do desenvolvimento sustentável para que se alcançasse maior equilíbrio entre as demandas competitivas, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico. As tendências dentro do Direito Internacional do Meio Ambiente passaram a colocar em foco a obrigação dos Estados de não somente realizarem a boa gestão de seus recursos naturais de modo a evitar danos significantes ao território soberano de outros Estados, como também de que o fizessem de maneira a garantir o bem estar de seu povo, das gerações presentes e das gerações futuras. Tal conceito formou as bases que estabeleciam a necessidade de uma cooperação internacional em prol da proteção ambiental.
Outro legado da Comissão de Brundtland foi o reconhecimento de que a legislação ambiental está perdendo o controle das relações ambientais por causa do ritmo acelerado e escalada dos impactos ambientais em busca do desenvolvimento econômico; recomendou que as leis humanas devem ser reformuladas para manter as atividades do homem em harmonia com as imutáveis e universais leis da natureza (SCHRIJVER, 2009), o que, mais tarde, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992 que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, trouxe o reconhecimento de que o Direito Internacional carecia de maior aprimoramento ao tratar do desenvolvimento econômico sustentável.

3. A Responsabilidade no Direito Internacional do Meio Ambiente

As bases do entendimento da responsabilidade entendida aqui como ambiental podem ser encontradas já na Conferência de Estocolmo (1972) que foi um grande marco no que se refere à questão do Meio Ambiente na sociedade internacional. A conferência deu origem a resoluções e recomendações além da Declaração de princípios sobre o tema que procura conjugar harmonicamente o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental que já nasceu inspirada numa ideia que mais tarde veio a se consolidar como o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pois os países em desenvolvimento resistiram frente à ideia de que o tema ambiental fosse tratado de maneira singular, como se todos os povos pudessem combater os danos ambientais e à tutela do meio ambiente com igual afã; se fosse assim, não estaria ali a isonomia necessária no tratamento das responsabilidades atribuídas pelo dano ao meio ambiente. Destacaram-se nas discussões em torno do tema as circunstâncias e necessidades especiais dos países em desenvolvimento com enfoque no necessário apoio financeiro que precisariam receber para atuar na tarefa de proteção da natureza. Ao observar tratamento diferente aos diferentes países (desenvolvidos e em desenvolvimento) ficou reconhecido, ainda que de maneira implícita, que a responsabilidade pelo dano ambiental deveria recair sobre os Estados parte da sociedade internacional na medida de sua culpa por quanto havia custado sua prosperidade à saúde do planeta (REZEK, 2011); (LIMA, 2009). Mais tarde, o Protocolo de Montreal (1987) trouxe em seu preâmbulo a importância da promoção da cooperação internacional da pesquisa e desenvolvimento da ciência e de tecnologias relacionadas ao controle e à redução de emissões e substâncias nocivas à camada de ozônio com observância às necessidades dos países em desenvolvimento. (PROTOCOLO DE MONTREAL, 1987). A Convenção de Basileia (1989) que objetivou Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito enfatizou as responsabilidades comuns, mas diferenciadas estabelecendo que os Estados membros empregariam meios adequados de cooperação entre si na assistência dos países em desenvolvimento para a implementação de suas iniciativas, além de ajudar a instalar centros regionais para treinamento e transferência de tecnologias em alguns países.
A superficialidade do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas havia sido tocada até este momento se comparado com o que houve na Conferência Rio 92, também conhecida como ECO 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente foi marcada por forte pressão dos países em desenvolvimento defendendo que a responsabilidade de controlar, reduzir e eliminar danos contra o meio ambiente deveria recair sobre os países que os causaram, guardando a devida relação com o dano causado e se relacionando às capacidades e responsabilidades de cada Estado membro. Em 1997, o Protocolo de Quioto que tratou da emissão de gases de efeito estufa expressou o princípio das responsabilidades comuns, mas compartilhadas ao entrar em vigor somente depois de que 55 participantes da convenção ratificassem o protocolo, sendo que os países desenvolvidos responsáveis por 55% das emissões de CO2 para a atmosfera em 1990 deveriam figurar no rol de signatários do acordo. Além disso, tanto os países desenvolvidos como os países de economia em transição deveriam reduzir suas emissões totais de seis dos gases causadores do efeito estufa em 5% no mínimo, durante o período compreendido entre 2009 e 2012; os objetivos a serem alcançados eram diferenciados e alguns países signatários do documento estavam excluídos da obrigatoriedade, como se vê em “As Partes incluídas no Anexo I devem empenhar-se em implementar políticas e medidas a que se refere este Artigo de forma a minimizar efeitos adversos, incluindo os efeitos adversos da mudança do clima, os efeitos sobre o comércio internacional e os impactos sociais, ambientais e econômicos sobre outras Partes, especialmente as Partes países em desenvolvimento e em particular as identificadas no Artigo 4, parágrafos 8 e 9, da Convenção, levando em conta o Artigo 3 da Convenção. (PROTOCOLO DE QUIOTO, ART. 2º §3º), dando, portanto reconhecimento às desigualdades dos signatários quanto a sua contribuição para o aquecimento global e sua capacidade de minorá-lo e, consequentemente, ao princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Vê-se que a impossibilidade de ações efetivas isoladas, ou singulares advindas de um Estado para refrear a crise ambiental demanda participação global e distribuição equitativa de esforços para a realização da justiça (ANDRIOLI, 2019); (LIMA, 2009).
Outra perspectiva que não foge ao recorte escolhido para este escrito, é a perspectiva da responsabilidade histórica, que, entre outras obrigações, institui as obrigações intergeracionais o que significa que a civilização precisa ter uma relação com o meio ambiente sem perder de foco a sustentabilidade a fim de proteger a manutenção dos recursos naturais para as gerações presentes e futuras, sob pena de responsabilização e de reparação. Fala-se também na doutrina em responsabilidade de longa duração estando esta mais direcionada à responsabilidade de criar medidas de tutela ambiental que garantam a sobrevivência da espécie humana e da existência das gerações futuras. (BODNAR, 2014).
Alexandra Aragão (2015), pesquisadora portuguesa que participou do 20º Congresso de Direito Ambiental que se realizou na cidade de São Paulo em 2015, apresentou o que chamou de ‘uma radiografia da responsabilidade em matéria ambiental’, com isso fez um estudo aprofundado das responsabilidades no direito ambiental dividindo-as em quatro grandes grupos sendo eles 1] o grupo das responsabilidades complexas que olham para questões de origem e desenvolvimento da responsabilidade, 2] o grupo das responsabilidades alargadas que procura responder questões subjetivas como quem assumirá e perante a quem será assumida tal responsabilidade, 3] o grupo das responsabilidades prospectivas relacionado a questões temporais como quando surge e quando se efetivou tal responsabilidade e finalmente 4] o grupo das responsabilidades reforçadas que enfoca a forma de efetivação de tal responsabilidade.
A autora ainda subdividiu estes quatro grupos perfazendo uma lista não exaustiva de 29 tipos de responsabilidades decorrentes do Direito Ambiental. Não caberá aqui esmiuçar cada um dos tipos de responsabilidades apresentados, entretanto, a título de conhecimento, os 29 tipos apresentados são: responsabilidade 1] alargada; 2] boomerang,; 3] comum, mas diferenciada; 4] em cadeia; 5] complexa; 6] cumulativa; 7] dinâmica; 8] ecológica; 9] erga omnes (e aqui traz a ideia do ecocídio); 10] extrapatrimonial; 11] facultativa compulsória; 12] global; 13] indireta; 14] integral; 15] mediata; 16] não linear; 17] objetiva; 18] por omissão; 19] partilhada; 20] precaucional; 21] preventiva; 22] prospectiva; 23] quantificada; 24] reforçada; 25] restaurativa; 26] pelo resultado; 27] solidária; 28] subsidiária e 29] transparente. (ARAGÃO, 2015)

3.1 Interface da Responsabilidade com a Soberania

O interesse pelo estudo das responsabilidades no Direito Internacional do Meio Ambiente surgiu a partir das considerações sobre o caráter especial do bem ambiental que é de interesse comum da sociedade internacional, e, que, portanto, se vê afetada em seu todo frente ao dano, que dadas às características da crise planetária global, já mencionadas neste escrito, é invisível, irreversível, complexo e interconectado. Diante do fato de que o dano causado em uma região geográfica ultrapassa os limites políticos de um Estado, tem repercussão em toda uma ordem natural estabelecida e diante da inabilidade de alguns Estados em tutelar o bem ambiental sob sua jurisdição e da preocupação e sentimento da sociedade internacional em ver um bem de interesse comum universal como é o caso do bem ambiental violado, surge o questionamento sobre as soberanias permanentes como limitantes de medidas aptas a refrear a crise planetária e cessar o dano ambiental. Tal perspectiva nos levou a analisar os casos de Ilha de Palmas (1928), de Smelter (1941) e do Canal de Corfu (1949) para concluir que existe uma interface da responsabilidade com a soberania, a qual, nas próximas linhas passaremos a explorar.
O caso de Ilha de Palmas (1928) foi uma disputa entre os estados Unidos e os Países Baixos pela soberania da região em que Max Huber, então presidente da Corte Permanente de Justiça Internacional, árbitro do caso entendeu que: “A soberania territorial envolve o exclusivo direito de exercício das atividades do Estado. Este direito tem como corolário um dever: a obrigação de proteger, dentro do território os direitos de outros Estados, especialmente os de integridade e inviolabilidade tanto em tempos de paz como de guerra, assim como os direitos que cada Estado pode reclamar para seus cidadãos em terras estrangeiras” (JULGAMENTO DA ILHA DE PALMAS, 1928. p. 839). No julgamento de Max Huber vemos que se destaca a ideia de que o exercício da soberania vem acompanhado do dever de proteção dos direitos dos outros Estados e de seus cidadãos.
No caso de Smelter (1941) que foi uma disputa entre os Estados Unidos e o Canada entre os anos de 1928 e 1941 o tribunal decidiu que o Canadá deveria implementar medidas de contenção da contaminação do ar do Vale do Rio Columbia por dióxido de enxofre advindo de uma indústria de fundição de zinco e chumbo localizada a 11,2 km da fronteira do país com os Estados Unidos e responsabilizou o Canadá pelo dano causado às plantações, árvores e ao meio ambiente do estado de Washington em geral fixando quantum compensatório a ser pago; concluiu o Tribunal que: “(…) sob os princípios do Direito Internacional (…) nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir o uso de seu território de modo que cause dano por vapores, tanto no território sob sua jurisdição como ao de outrem ou a propriedades ou a pessoas lá localizadas, quando o caso é de sérias consequências e causa danos evidenciados de maneira clara e convincente” (JULGAMENTO DO CASO DE SMELTER, 1941, p. 1965). Aqui a decisão do tribunal que se aplicou à poluição do ar, mas que alcança a compreensão de que se estende também aos casos de poluição das águas, reconheceu a proibição de causar danos a outrem ou a áreas de fora da jurisdição do Estado assim como o dever de reconhecer e proteger os direitos de outros Estados.
A responsabilidade também apareceu atrelada à soberania no caso do Canal de Corfu, que foi uma disputa judicial entre o Reino Unido e Albânia, ocorrido em 1949 em que a Corte de Justiça Internacional julgou a responsabilidade da Albânia por minas que explodiram no canal sob jurisdição do país ocasionando a morte de marinheiros britânicos e danos ao navio em que navegavam, no mesmo julgamento decidiram também se haveria o Reino Unido violado a soberania albanesa. Sob o argumento de que o Canal de Corfu é um estreito utilizado para navegação internacional sem que seja necessário o pedido de autorização prévia à Albânia para passar por ali a corte entendeu que não haveria que se falar em violação de soberania e decidiu ainda que caberia a Albânia, detentora da jurisdição da área, diante do perigo iminente de explosão ocasionada pelo trânsito na área do campo minado, informar aos navegantes. Determinou que o país pagasse uma compensação ao Reino Unido.
Estes três casos bastam para ilustrar que embora a soberania seja respeitada, enaltecida e reconhecida como um dos basilares princípios no Direito Internacional, as responsabilidades e os deveres também o são, e, não somente isto; pois se a responsabilidade caminha sozinha às vezes, como é o caso que acontece quando um Estado parte da sociedade internacional precisa implementar medidas de prevenção ou reparação de dano ambiental em seu próprio território por um evento que afeta ninguém mais senão ele mesmo, o mesmo não ocorre com o exercício da soberania que necessariamente vem acompanhado da obrigação de observar, respeitar e proteger o direito dos pares membros da sociedade internacional e seus cidadãos.

 

Conclusão

Diante do que foi apresentado, foi possível compreender aspectos importantes do que se reconhece como crise ambiental planetária. Entendemos o potencial transformador da força humana sobre o meio ambiente que é comparável a uma força geológica da natureza e que foi responsável por fazer com que passássemos da era geológica conhecida como Holoceno para o Antropoceno. O principal fator distintivo destas duas eras é que enquanto aquela apresentava para o futuro um ecossistema seguro, equilibrado e apto a hospedar a vida humana de maneira amigável, esta tem como característica principal a crise planetária e a incerteza quanto à estabilidade do ecossistema planetário, além de colocar em perspectiva um futuro em que o planeta se apresente como ambiente hostil à vida humana.
Ainda como características da crise ambiental planetária aprendemos que se destacam a complexidade dada pela corrida desenfreada e descontrolada pelo desenvolvimento econômico, tecnológico e científico que trazem desolação ambiental; a interconectividade fundada no fato de que os elementos ambientais em risco de desequilíbrio interatuam uns com os outros e ultrapassam os limites políticos dos Estados; e que o dano ambiental no Antropoceno tem características complexas, irreversíveis e invisíveis. Vimos que em resposta a este cenário fez parte dos movimentos empenhados pela sociedade internacional,a Comissão de Brundtland, responsável por introduzir o conceito da sustentabilidade nas relações humanas com a natureza, que foi inspirada pelos acontecimentos que a antecederam no que diz respeito aos impactos ao meio ambiente e pela a Convenção de Estocolmo (1972); a Comissão de Brundtland repercutiu na Convenção das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) que, dentre outras coisas, introduziu o pensamento de que o Direito Internacional do Meio Ambiente carecia de aprimoramento ao regular o desenvolvimento econômico de maneira sustentável, e de que a tutela e manutenção do meio ambiente é uma responsabilidade de todos.
Foi possível compreender que a responsabilidade, assim como o bem ambiental e o Direito Internacional do Meio Ambiente detêm características singulares quando advém das relações com o meio ambiente. Identificamos que a solução encontrada diante da impossibilidade de ações efetivas isoladas para refrear a crise ambiental demanda participação global e distribuição equitativa de esforços e responsabilidades, daí surgindo o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, que foi tangenciado, de maneira mais leve desde a Conferência de Estocolmo (1972), sendo reconhecido no preâmbulo da Convenção de Montreal (1987), contemplado na Convenção da Basileia (1989), aprofundado e consolidado na Convenção das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e concretizado e exteriorizado no Protocolo de Quioto (1997).
Compreendemos que o exercício da soberania impõe a responsabilidade de não somente respeitar, mas também de tutelar o direito de outrem e dos cidadãos estrangeiros em territórios sob jurisdição do Estado soberano. Ademais, identificamos os conceitos da responsabilidade histórica e da responsabilidade de longa duração e seu preponderante papel dentro do Direito Internacional do Meio Ambiente, além de compreender que há esforços na doutrina jurídica no sentido de aprofundar o entendimento e definir a responsabilidade no Direito Internacional do Meio Ambiente como o trabalho que foi apresentado no 20º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental que classificou, numa lista não taxativa, 29 tipos de responsabilidade, divididos em quatro grandes grupos sendo grupo das responsabilidades complexas, alargadas, prospectivas e reforçadas.
O estudo apresentado também mencionou que a melhor tutela do bem ambiental depende de um novo olhar jurídico sobre a relação do homem com a natureza, fato este que aguça o desejo do pesquisador interessado em vislumbrar os caminhos que o Direito Internacional do Meio Ambiente têm pela frente a fim de que possa de maneira mais eficaz proteger este bem, tão caro à vida humana e às futuras gerações que é o bem ambiental.

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