A (in)constitucionalidade Do Crime de Desacato: Uma Proposta de Substituição do Desacato Pelos Crimes Contra a Honra Para Equilibrar o Ordenamento Jurídico Brasileiro

Autoras: KATHELLYN ALINE OLIVEIRA DE SOUZA – Graduada em Direito no Centro Universitário Una de Betim, Conciliadora e mediadora pela Escola Judicial Desembargador Édesio Fernandes, ex conciliadora voluntária do Juizado Especial de Betim. e- mail: [email protected]

VANUSA DASMASCENA DE SOUZA – Graduada em Direito no Centro Universitário Una de Betim, Conciliadora e mediadora pela Escola Judicial Desembargador Édesio Fernandes, ex conciliadora voluntária do Juizado Especial de Betim. e-mail: [email protected]

Orientador
CRISTIAN KIEFFER – Pós- Doutorado, Doutorado e Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica/MG, Especialização em Direito Processual Civil pelo CEAJUFE, Especialização em Direito Público Aplicado pelo EBRADI. e-mail: [email protected]

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Resumo: O presente artigo relata como foi implementado o trabalho que visa trazer em discussão o crime de desacato, que está previsto no artigo 331 do Código Penal brasileiro, trazendo um debate e uma reflexão acerca da sua tipificação e aplicabilidade atual e a possibilidade de sua descriminalização. Em relação a constitucionalidade do crime de desacato não se dispensa a discussão a respeito da existência e identificação de um bem jurídico que esteja possivelmente protegido pela norma penal, tendo em vista que, a proteção de bens jurídicos serve como um bloqueio da norma penal, com o intuito de cumprir o que se propõe de validez e legitimidade, de modo a refletir sobre a proteção, ou seja, o Direito Penal, possui um papel importante na garantia de um mínimo ético. Traz um debate acerca do controle de constitucionalidade, que está ligado à supremacia da constituição sobre todo ordenamento jurídico e a proteção dos direitos fundamentais. O controle de convencionalidade tem por lógica conferir se as leis e os atos normativos causam ofensa ou não a algum tratado internacional que disponha sobre Diretos Humanos, dentre outros aspectos que dão um norte para a análise e discussões do referido crime.

Palavras-chave: Código penal; crime de desacato; descriminalização; controle de constitucionalidade.

 

Abstract: This article reports how the work that aims to bring up the crime of contempt, which is foreseen in article 331 of the Brazilian Penal Code, has been implemented, bringing a debate and a reflection about its typification and current applicability and the possibility of its decriminalization. Regarding the constitutionality of the crime of contempt, there is no need to discuss the existence and identification of a legal asset that is possibly protected by the penal rule, given that the protection of legal assets serves as a block of the criminal rule, with the intention of fulfilling what is proposed for validity and legitimacy, in order to reflect on protection, that is, criminal law, has an important role in guaranteeing an ethical minimum. It brings a debate about the control of constitutionality, which is linked to the supremacy of the constitution over the entire legal system and the protection of fundamental rights. The control of conventionality has the logic of checking whether the laws and normative acts are offensive or not to any international treaty that provides for Human Rights, among other aspects that provide guidance for the analysis and discussions of this crime.

Keywords: Penal code; contempt crime; decriminalization; constitutionality control.

 

Sumário: Introdução; 1 A origem do crime desacato e a sua classificação doutrinária; 2 O crime de desacato no atual código penal brasileiro; 2.1 O elemento subjetivo do crime de desacato; 2.2 Sujeitos do delito no crime de desacato; 3 A constitucionalidade e convencionalidade do crime de desacato; 4 Convenções estrangeiras relacionadas ao crime de desacato aplicadas no Brasil; 4.1 Discussão acerca da inconstitucionalidade e descriminalização do crime de desacato; 5 Entendimentos jurisprudenciais acerca da inconstitucionalidade do crime de desacato; 5.1 O crime de desacato equiparado aos crimes contra a honra; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da organização do Estado, buscou-se, de alguma maneira, incessantemente, a proteção da administração pública e de seus agentes contra os atos contrários à lei praticados por particulares. O Estado busca o cumprimento de sua finalidade pública objetivando o bem-estar de toda uma sociedade.
No Estado, como organização política, vigora o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. O fim público é o objetivo almejado pelo Estado a fim de satisfazer as necessidades da administração pública e de seus administrados.
Para gerir interesses da administração pública, ao Estado lhe é facultado utilizar os meios coercitivos visando o bom funcionamento da coisa pública. De certo, como não poderia ser diferente o crime de desacato, que está previsto no artigo 331 do Código Penal brasileiro, trazendo um debate e uma reflexão acerca da sua tipificação e aplicabilidade atual e a possibilidade de sua descriminalização.
No dia 15 de dezembro, de 2016, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que desacato a autoridade não poderia ser considerado crime, pelo fato de contrariar leis internacionais de direitos humanos. A tipificação do desacato não é compatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), que garante a qualquer pessoa o direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Tal decisão teve origem em um recurso especial da Defensoria Pública, que foi contra a condenação de um homem pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a mais de cinco anos de prisão por roubar uma garrafa de conhaque, desacatar policiais militares e resistir à prisão e neste caso, o Superior Tribunal de Justiça anulou a condenação por desacato.
Diante a discussão que se iniciou após a decisão citada acima, este presente artigo tem-se por objetivo debater, pesquisar, conceituar, analisar, refletir acerca da tipificação e aplicabilidade do crime de desacato, comprovar que de fato é um crime subjetivo e por isso traz consequências muito relevantes para a sociedade.

1 A ORIGEM DO CRIME DE DESACATO E A SUA CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

Segundo Arno Dal Ri Júnior (2006) em sua obra “O Estado e seus inimigos” o crime de desacato encontra tipificado em nossa sociedade no período antes de Cristo, na cidade de Atenas (Grécia Antiga), aquele que desrespeitava o monarca, era severamente punido, isto porque, este era pessoa dotada de proteção divina. Esse fenômeno ficou conhecido por ostracismo e era considerada uma forma de manutenção da democracia.
A punição para o sujeito ativo era o exílio por dez anos, no entanto, não havia privação dos direitos e bens. Também é possível encontrar o delito em comento em diversas passagens bíblicas. O descumprimento a lei mosaica, popularmente conhecida por Dez Mandamentos, era considerada ofensa à vontade divina. No antigo testamento, visualizamos em diversos textos que desacatar Javé era considerado crime grave, e consequentemente os sujeitos ativos eram punidos com castigos divinos.
No Brasil, o primeiro texto legislativo abordar tal assunto, foi as Ordenações Filipinas, que vigorou de 1603 a 1830, ou seja, na época do Brasil-Colônia. Esse código legal português é constituído de cinco livros, sendo o último deles voltados exclusivamente ao Direito Penal.
No Código Penal Brasileiro de 1830, tal delito encontrava-se previsto no artigo 237, no entanto, houve um abrandamento da pena, isto porque, a partir do Iluminismo e após a revolução francesa, a sua configuração passou a sofrer questionamentos e diversas condutas passaram a ser descriminalizadas.
No Código Penal Brasileiro de 1890, surgiu pela primeira vez, no artigo 134, a nomenclatura “desacatar”. Vejamos a sua disposição: “desacatar qualquer autoridade, ou funcionário público, em exercício de suas funções, ofendendo-o diretamente por palavras ou atos, ou faltando á consideração de vida e a obediência hierárquica”. Observa- se que nessa época já predominava a laicidade no Brasil, ou seja, não havia a influência religiosa, razão pela qual, os membros da igreja já não integravam mais o rol de sujeitos passivos.
Já no ordenamento jurídico brasileiro vigente, por ter pena máxima não superior a dois anos, o crime de desacato constitui infração de menor potencial ofensivo, sendo regida pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (9099/1995). Ademais, verifica-se que a ação penal é pública incondicionada, uma vez que se trata de crime contra a administração pública em geral, independendo de provocação ou vontade da vítima para que proceda a ação penal.

 

2 O CRIME DE DESACATO NO ATUAL CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

O art. 331 do Código Penal, vem dispor sobre o crime de desacato, onde dispõe o seguinte: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa” (BRASIL, 1940) .
Quando se fala em bem jurídico que supostamente está sendo protegido pela norma penal, a doutrina se divide em duas correntes de pensamento, sendo a primeira referente aos que defendem ser um crime pluriofensivo, onde a tutela não frisa apenas a respeitabilidade da Administração Pública, mas também, a honra do agente atingido; e a segunda é referente aos autores que sustentam que, somente o prestígio da Administração Pública que está sendo protegido pela norma.
Em relação aos autores da primeira corrente de pensamento, destaque-se a Bitencourt (2012, p. 256), que dispõe que, o desacato “é considerado crime pluriofensivo, atingindo tanto a honra do funcionário, como o prestígio da Administração Pública.” No mesmo pensamento, Pierangeli (2015, p 890) explana que “trata-se de delito pluriofensivo, pois, enquanto atinge a Administração Pública, ofende também a honra do funcionário como pessoa.” Para os que seguem essa linha de pensamento, a honra, como um bem jurídico, está protegida como direito individual inviolável expressamente no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.
Existem argumentos no sentido de que, o desacato é praticado de forma abusiva por grande parte dos servidores públicos, que supostamente seriam as vítimas do delito. Nesse caso, as ações caracterizadoras do delito, seriam uma forma de impedir e controlar abusos daqueles que trabalham em função do Estado, bem como, permitir que os cidadãos se manifestem livremente quanto às ações e atitudes dos funcionários públicos.
A liberdade de expressão, é um dos direitos com garantias constitucionais consagrados pela Constituição, dessa forma, não encontra limitações meramente formais, nos termos do que defende a decisão destacada. Não se trata apenas de um direito absoluto.
Por outro lado, a liberdade de expressão, acaba sendo um direito absoluto, quando se trata dos limites à liberdade de expressão, onde viabilizam que a existência do delito de desacato, estão contidos em valores constitucionais como a honra individual do servidor e o regular funcionamento da Administração Pública.
Todavia, a própria Constituição vem impor limitações expressas e implícitas a todos os direitos nela consagrados, com o intuito de que possam coexistir sistema constitucional. Ao analisar o conflito entre o direito à liberdade de expressão e o crime de desacato, os fundamentos se identificam com os reproduzidos, tanto pela tipificação do desacato, quanto pelo seu afastamento.
Por fim, para que se definam quais os limites da liberdade de expressão e pensamento, deve-se verificar no plano fático e jurídico a incidência dos princípios que norteiam a liberdade dos indivíduos em geral, para que de fato haja um balanço entre estes, garantindo assim a ordem pública como um todo.

 

2.1 O ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME DE DESACATO

Podemos dizer que o elemento subjetivo do crime de desacato é o dolo. Pois, consiste na vontade consciente de praticar a conduta prevista no tipo penal, com o conhecimento de que a vítima é funcionário público e está no exercício de sua função ou em razão dela, e, por isso, não se admite a modalidade culposa.
Por isso, pode-se dizer, que, o desacato consiste no emprego de violência (lesões corporais ou vias de fato), na utilização de gestos ofensivos, no uso de expressões caluniosas, difamantes ou injuriosas, enfim, todo ato que desprestigie, humilhe o funcionário, de forma a ofender a dignidade, o prestígio e o decoro da função pública. Por fim, entendemos que o crime de desacato é considerado um crime comum e que, conforme dito, não caberá a modalidade culposa.

 

2.2 SUJEITOS DO DELITO NO CRIME DE DESACATO

O sujeito ativo no crime de desacato pode ser por qualquer pessoa. Qualquer pessoa pode desacatar um funcionário público, desde que não seja pessoa jurídica, por não ser capaz de cometer as atitudes que caracterizam o crime de desacato, que se tipifica na ação de proferir palavras, gestos, ameaças, agressões físicas diante do funcionário público.
No que diz respeito quanto a possibilidade de funcionário público cometer desacato contra outro funcionário há controvérsia doutrinária em relação a possibilidade de funcionário público cometer desacato contra outro funcionário, ou seja, um agente público ser sujeito ativo do presente crime. O sujeito passivo é o Estado e o funcionário público atingido que for atingido, pois, vale dizer que o funcionário público faz parte dos elementos do tipo.

 

3 A CONSTITUCIONALIDADE E CONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO

Segundo Alexandre de Morais, o controle de constitucionalidade está ligado a supremacia da constituição sobre todo o ordenamento jurídico e a proteção dos direitos fundamentais. O legislador encontra forma para a elaboração legislativa através da supremacia constitucional da hierarquia do sistema normativo tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito.
O Brasil adota o controle preventivo que funciona de forma legislativa que é as comissões de constituição e justiça, é executivo que tem o veto jurídico elencado no art. 66, §1° da constituição federal. Que diz assim:

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. (BRASIL, 1988)

E o repressivo divide-se em regra judiciário ou exceção legislativa que é interligado na medida provisória ou delegação elencando-nos arts. 49 v, 62 e 97, ambos da Constituição Federal, que dizem assim:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
V – Sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. (BRASIL, 1988)

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Já controle de convencionalidade tem por lógica aferir se as leis e os atos normativos ofendem ou não a algum tratado internacional que verse sobre Direitos Humanos. O controle de convencionalidade também pode ser realizado por outros órgãos que integrem a estrutura da administração pública direta e indireta, de modo que não é um controle exclusivamente jurisdicional.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados ou do Senado, por exemplo, da mesma forma que pode entender pela inconstitucionalidade de uma lei, pode entender também por sua inconvencionalidade. (neste último, caso se ela ferir tratado internacional de direitos humanos).
O Controle Jurisdicional de Convencionalidade é o mais comum de acontecer e pode ser realizado pelo Poder Judiciário em duas formas: difusa e concentrada. “O Controle Difuso é aquele realizado difusamente por todos os órgãos do Poder Judiciário, inserido em um processo constitucional subjetivo e que não tenha como causa a solicitação específica de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, convencionalidade ou inconvencionalidade”, afirma Lazari. (LFG, 2018)
No que tange o crime de desacato, a convencionalidade e a constitucionalidade foi objeto de análise pelos Egrégios STJ após o habeas corpus 379.269, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul e STF no Habeas corpus 141.949.
Porém, até então as decisões das Cortes Superiores não foram o suficiente para que se pusesse um ponto final às discussões, sendo que Juízos de primeira instância continuam rejeitando denúncias e absolvendo sumariamente e ao final do processo os acusados da prática do delito em questão.

 

4 CONVENÇÕES ESTRANGEIRAS RELACIONADAS AO CRIME DE DESACATO APLICADAS NO BRASIL

O Brasil vem advertindo sobre os critérios internacionais em consideração a liberdade de expressão, entendendo que essa prática emplacasse o plano de reforma do código penal brasileiro. Desta forma alguns países aboliram o crime de desacato, seja por intermédio de alterações legislativas ou por decisões de tribunais superiores, sendo: “a Argentina em 1993, o Paraguai em 1998, a Costa Rica em 2002, o Chile, Honduras e Panamá em 2005, a Guatemala em 2006, a Nicarágua em 2007 e a Bolívia em 2012” (CIDH, 2013).
Logo, em documento atual, o informe de la relatoría especial para la libertad de expresión, destacou como um grande progresso a sentença do Juiz Alexandre Morais da Rosa, presente nos autos nº 0067370-64.2012.8.24.0023, da comarca da Capital de Santa Catarina, que, ao efetuar o controle de convencionalidade, adotou a inexistência do crime de desacato em um Estado Democrático de Direito. Citando a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, deixando de aplicar a incidência do disposto no art. 331 do CP (CIDH, 2015) ’’.
Eleanor Roosevelt e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no artigo XIX estabelece que:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. (DUDH, 1948)

Conforme os relatórios a CIDH (comissão internacional de direitos humanos) que desaprova a existência do crime de desacato, tem o objetivo de estimular a consciência pelo pleno respeito do direito à liberdade de pensamento e de expressão nos países partes da OEA (organização dos estados americanos) em consideração a função essencial do direito tem no fortalecimento e desenvolvimento do sistema democrático, e na declaração e amparo dos demais direitos humanos. Inicialmente, tem a função de elaborar relatórios anuais que se baseiam em informar ou denunciar como estão tratando o direito à liberdade de expressão e de pensamento nesses países (CIDH, Relatório Especial para a Liberdade de Expressão).
No relatório anual de 1995, a CIDH já apoiava a concepção de que as leis de desacato são conflitantes leis desse gênero se prestam ao abuso como um meio para silenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas.
Conforme a CIDH, há outros elementos menos limitativos, além das leis de desacato, pelos quais o governo poderia amparar seu prestígio frente a insultos infundados, como resposta através dos meios de comunicação ou requerendo via ações cíveis o reconhecimento da difamação ou a injúria (CIDH, 1995). E em relatórios que correspondem aos anos 1998 e 2000, foi introduzido o tema conexo com as leis de desacato que vigoram nos países atrelados a CIDH.
Ao que nos interessa, os relatórios recomendam, realçando a conveniência em abolir o delito de desacato, trazendo por consequências convencionar a legislação interna aos padrões consagrados pelo sistema interamericano quanto a importância ao exercício da liberdade de expressão. No entendimento da CIDH, o desacato possui uma proteção soberana aos servidores públicos, o que não ocorre.

 

4.1 A DISCUSSÃO ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE E DESCRIMINALIZAÇÃO DO CRIME DE DESACATO

A discussão acerca da inconstitucionalidade é a descriminalização do desacato é um assunto que vem sendo discutido desde o ano 2016, várias são as opiniões a respeito do assunto. Apesar de ser uma grande mudança no ordenamento, não acarretará prejuízos aos servidores, pois os mesmos já estão protegidos pela legislação vigente.
O plenário do Supremo tribunal federal negou provimento a ação que pedia inconstitucionalidade do crime de desacato. A tese aprovada “foi que a constituição de 1988 deve ser recepcionada a norma do artigo 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato”. Isto é tornar o crime uma conduta. Para isso é necessário descrever com precisão a conduta e atribuir uma pena.
As turmas do STF confirmam a decisão pacificada jurisprudencial acerca do crime de desacato. Segundo alguns artigos da constituição federal como por exemplo: o art. 5º caput diz: que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O tratamento desigual não deveria existir os servidores públicos estão sendo tratados com diferenciação dos demais cidadãos.
Quando se diz: tratar os desiguais na medida em que se desigualam, o fato de um indivíduo está trabalhando como servidor público ou como particular, não os desigualam, todos são trabalhadores, com carga horária e responsabilidades a serem cumpridas, almejam um salário no final do mês, ou seja, todos têm direitos e deveres. Logo se torna ainda mais injusto o desacato, o fato de o tomador do serviço ser um ente público ou o particular não é suficiente para que haja uma tipificação penal especifica para os servidores.
O Brasil tem caminhado em passos largos rumo ao fim do desacato, o reflexo disso pode ser percebido, por exemplo, se analisarmos as últimas decisões do STJ quanto ao tema, o legislador se mostra bastante indeciso, hora descriminaliza, hora volta a ser crime. Isso são indícios de quão desnecessária se mostra essa tipificação na legislação vigente. Um crime específico para o cidadão comum superprotegendo o servido público.
O STJ entendeu que quando se pune o desacato está se ferindo o princípio da isonomia, tendo em vista que, nesse caso, estão sendo tratados de maneira desigual situações de que deveriam ser tratadas igualmente, o que é inaceitável no estado democrático de direito.
O relatório do ministro Ribeiro Dantas, sintetizou seu posicionamento com o que consideramos apropriado à nossa pesquisa. Sobre as justificativas em defesa ao antagonismo do delito de desacato com o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão e pensamento. (STJ, 2016)
O relator anota sua crítica à legislação por ainda criminalizara conduta do desacato e adverte sobre a proposta de ADPF feita pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão diante do STF, na qual expõe que, por muitas vezes, o desacato serviu de instrumento de abuso de poder pelas autoridades estatais, para suprimir direitos fundamentais, em especial a liberdade de expressão (STJ, 2016, p. 18).

 

5 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO

Ao analisar a constitucionalidade em relação ao crime de desacato não pode prescindir de uma discussão acerca da existência e identificação de um bem jurídico eventualmente protegido pela norma penal, já que validez e legitimidade, deve necessariamente refletir a sua proteção. E aqui surge uma primeira dificuldade, a qual consiste na árdua tarefa de identificar um ponto de referência conceitual dos bens jurídicos.
Ademais, a missão do Direito Penal consiste na proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à comunidade. Punir as condutas ofensivas à vida, à liberdade, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela Constituição e pelas leis. Não se limitando, portanto, à figura do Estado como disposto a seguir:

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 141949) a um civil condenado pelo crime de desacato a militar que se encontrava no exercício de suas funções. Segundo entendimento da maioria do colegiado, a tipificação do delito (artigo 299 do Código Penal Militar) não é incompatível com a Constituição Federal e com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
Caso: O civil foi condenado à pena de seis meses de detenção, em regime aberto, e obteve o benefício do sursis (suspensão condicional da pena) pelo prazo de dois anos e o direito de apelar em liberdade. Conforme a denúncia, ele desacatou um 2º sargento que se encontrava no exercício de sua função na 4ª Seção do Batalhão da Guarda Presidencial, em Brasília, ao chamá-lo de “palhaço” na presença de outros militares. A condenação foi mantida pelo Superior Tribunal Militar (STM) ao julgar apelação.
No STF, a defesa alegava a inconstitucionalidade e a inconvencionalidade do crime de desacato aplicado a civis no âmbito da Justiça Militar da União. Sustentou, em síntese, que a condenação de um civil no âmbito da Justiça Militar ofende não só o artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica como também a Constituição Federal, que garante a liberdade de expressão e de pensamento (artigos 5º, incisos IV, VIII e IX, e 220).
Lembrou ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) descriminalizou a conduta tipificada como crime de desacato por entender que esta ofende o Pacto de São José. (STF, 2017)

Segundo o relator do HC (141949), ministro Gilmar Mendes (STF, 2017), o sujeito passivo do crime de desacato é o Estado, onde o funcionário público é a vítima secundária da infração. De acordo com o ministro, a tutela penal no caso visa assegurar o normal funcionamento do Estado, protegendo-se o prestígio do exercício da função pública. Mendes destacou ainda que é essencial para a configuração do delito que o funcionário esteja no exercício da função ou, estando fora, que a ofensa seja empregada em razão dela.
Ao analisar a 5ª turma do STJ, que descriminalizou a conduta tipificada como crime de desacato, pode-se identificar que a autoridade entende que a tipificação é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
A decisão tem como fulcro o controle de convencionalidade. Em decisão inédita, no dia 15 de dezembro de 2016, a quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1640084/SP, por intermédio do seu Relator Ministro Ribeiro Dantas, decidiu pela descriminalização da conduta de desacato previsto no art. 331 do Código Penal. O foco foi a violação da Convenção Americana de Direitos Humanos em descompasso com o art. 13 da referida convenção.

 

5.1 O CRIME DE DESACATO EQUIPARADO AOS CRIMES CONTRA A HONRA

O crime de desacato é um delito disposto na parte especial do Código Penal nos crimes contra a administração pública. Sendo o servidor público aquele que prática ou exerce um trabalho público em um cargo, mesmo que temporariamente, remunerado ou não. Assim relata o artigo 327 do Código Penal .O delito de desacato não é praticado pelo funcionário público, igualmente, a conduta é puramente do particular.
Quando um particular e ofendido ele tem que se valer dos crimes contra a honra, enquanto o servidor público tem o desacato, para a mesma conduta, nos dois casos o bem tutelado e a honra. O servidor público já tem um dispositivo que aumenta a pena em um terço quando crimes são praticados contra os mesmos, em razão de suas funções (art.141, II, CP) já devidamente exposto.
Os crimes contra honra disposto no Título I, parte especial, Capítulo V, do Decreto Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 do Código Penal. São eles a calúnia, difamação e injúria dispostas nos artigos 138 a 140 do respectivo dispositivo. Neste ponto já temos a devida proteção contra o funcionário público, no entanto, não achando suficiente, o legislador criou uma tipificação específica para os crimes contra servidores públicos, os desigualando dos cidadãos comuns, o desacato.
Portanto, os crimes de calunia, difamação e injuria apesar de ofender a honra da vítima no que diz respeito sua reputação perante a sociedade ou sua dignidade frente o pensamento que tem de si, o desacato contrapõe na questão do ataque contra honra do servidor público no exercício de sua atribuição, fato que a administração pública não pode deixar de prestar seu serviço à comunidade por intermédio de vontades de terceiros.

 

CONCLUSÃO

Por todos esses fatos apresentados fica comprovado que o crime de desacato fere o princípio da isonomia é uma maneira do Estado limitar a liberdade de expressão, deste modo sua descriminalização é a forma mais prudente, juridicamente falando, de sanar esse erro cometido pelo legislador. Se for retirado do nosso ordenamento jurídico não fara nenhuma falta, nenhuma das partes será prejudicada.
O crime de desacato tem se tornado uma conduta penal irrelevante, que afoga o judiciário. E sua descriminalização significa um amadurecimento jurídico, pois o legislador reconhecerá quanto tempo tem perdido analisando fatos que poderiam ser resolvidos pelos próprios envolvidos.

 

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial.v.5. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 09 out.2020.

 

BRASIL. Decreto – Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Desacato e Crimes Contra a Honra. Vade Mecum Saraiva. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 544-545, 568.

 

BRASIL. Decreto n° 847. Código Penal Brasileiro de 1890. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm> Acesso em: 09 out. 2020.

 

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BRASIL. Lei nº 9.099 de 1995. Lei dos Juizados Especiais cíveis e Criminais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em: 09 out. 2020.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.640.084 – SP (2016/0032106-0), 5ª Turma de Direito Criminal, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, Brasília, DF, d ata de julgamento: 15 dez. 2016; data de publicação: DJe 01 fev. 2017. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1564541&num_registro=201600321060&data=20170201&formato=PDF>. Acesso em: 09 out. 2020.

 

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Convenção Americana – Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: em 22 de novembro de 1969. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.Convencao_Americana.htm> Acesso em: 09 out. 2020.

 

DAL RI Jr., Arno. O Estado e seus inimigos. A repressão política na história do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em:<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos> Acesso em:09 out.2020.

 

LFG, Blog Acontece. Entenda o controle de convencionalidade. 2018. Disponível em: <https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/entenda-o-controle-de-convencionalidade> Acesso em: 04 nov. 2020.

 

PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Vol. 2. Parte especial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015. p. 890.

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