Resumo: O art. 290 do Código Penal Militar versa sobre Tráfico, posse ou uso de entorpecentes ou substâncias de efeito similar e, em contra partida tem-se a lei 11.343/06 que trata, em todo seu conteúdo, sobre tráfico e uso de drogas. A Justiça Militar que já é uma justiça especializada, possui como pena reclusão de até 5 anos,noutro giro, a 11.343/06 prevê reclusão de 5 a 15 anos pelo tráfico de drogas. Sob a ótica hermenêutica jurídica, qual seria mais aplicável aos militares que consumarem este crime dentro de recinto militar? Usaremos a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro para resolver a lide apresentada.
Palavras chave: Codigo Penal Militar. Lei Antidrogas.
Abstract: The art. 290 of the Military Penal Code deals with traffic, possession or use of narcotics or substances of similar effect, and contrary to Law 11.343 / 06, which deals, in all its content, on trafficking and use of drugs. The Military Justice, which is already a specialized court, holds as imprisonment for up to 5 years, in another turn, 11,343 / 06 provides for imprisonment of 5 to 15 years for drug trafficking. From the juridical hermeneutics perspective, which would be more applicable to the military that consumes this crime within the military? We will use the Law of Introduction to the Norms of Brazilian Law to resolve the presented dispute.
Keywords: Military Criminal Code. Antidrug Law.
Sumário: Introdução. Justiça Militar. Código Penal Militar e a Lei 11.343/06. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Código Penal Militar foi decretado em outubro de 1969 pelos ministros de guerra, do exército e da aeronáutica militar os quais exerciam o poder executivo no país, uma vez que estavam vagos os cargos de presidente e vice-presidente da república através do AI 16. Ele é composto por 410 artigos que alcancam militares nos mais diversos ramos. Esse código apresenta, apenas, o artigo 290 tipificando a conduta de posse e/ou tráfico de drogas em local sujeito a administração militar em seu caput, bem como cassos similares.
A lei 11.346 foi decretada pelo Congresso nacional e sancionada pelo então presidente em agosto de 2006. Foi sancionada quase quatro décadas após o código penal militar num contexto histórico bem diferente do final da década de sessenta, por isso ao analisa-las, encontraremos discrepâncias enormes entre elas.
Tal situação deixa a entender, erroneamente, em alguns intérpretes da lei, que tais correlatos, não revogados expressamente, ainda estariam em vigor. Contudo, nenhum dispositivo pode ser analisado individualmente, sendo que a interpretação da norma deve-se levar em conta todo o sistema jurídico a qual ela se insere.
2 A JUSTIÇA MILITAR
A transferência da Corte Real Portuguesa para o Brasil Colônia, em decorrência da guerra contra o exército de Napoleão Bonaparte, fez com que fossem instalados no Brasil os órgãos do Estado português como os ministérios, conselhos e coorporações militares, no intuito inicial de proteção a familia Real. A posteriori, essas organizações foram incubidas de manter a paz e a ordem social na ex-colônia o que originou o Conselho Supremo Militar.
O Emergir do Conselho Supremo Militar deu-se por meio de um Alvará do Principe Regente á epóca Dom João VI, em abril de 1808, tendo em sua composição Conselheiros de Guerra, e, ainda nesta composição três juízes togados, sendo que a um deles cabia à função de relator dos processos. Estava, então, criado o primeiro Tribunal Superior no Brasil que a Constituição de 1934 denominou Superior Tribunal Militar, bem como a consagração da Justiça Militar Federal como órgão do Poder Júdiciário, pela mesma Carta Magna.
E foi a Lei Federal de janeiro de 1936 a responsável pela autorização da organização da Jusitça Militar dos Estados. Contudo, essa Justiça especializada foi considerada como consernente do Poder Judiciário pela Constituição de 1946.
As constituições advindas a posteriori (1946,1967 e 1969) mantiveram em seus textos a Justiça Militar como membros do Poder Judiciário, mantendo seu foro de jurisdição.
A Carta Magna de 1988, atual e vigente, expressou que a Justiça Militar nos estados será criado por lei estadual, mediante proposta do Tribunal de Justiça, e aqui cessa qualquer discussão quanto a Constitucionalidade ou Incosntitucionalidade da Justiça Militar e, vale ainda ressaltar que essa justiça castrense estadual não pertence à Policia Militar já que possui expressa previsão de integrante do PODER JUDICIARIO e, por sua vez, PM e BM são órgãos que compoe o PODER EXECUTIVO.
Um equívoco muito comum, no que tange o exórdio da Justiça Militar, é a afirmação de que ela surgiu no periodo da Ditadura Militar (1964-1984) e devido a isso, ganhou voz geral de “resquício ditatorial”. Quiçá aqui esteja o fundamento cumulado com a terminologia “esquadrão da morte”, usada pela ONU, em uma recomendação feita ao Brasil para que extinguisse a Policia Militar, acusada de assassinatos, no intuito de combater os “esquadões da morte” formados por policiais militares. Contudo, a história dessa justiça especializada em nosso país, data-se desde 1775 (9 de junho) onde foi criada a primeira célula de infantaria que visava proteção da arrecadação do quinto constitucional em Minas Gerais. Fala-se, aqui, em matriz embrionaria do que, no futuro, denominariamos Policia Militar de Minas Gerais.
A Justiça Militar é, consoante Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, justiça especializa elencada no art.92, in verbis:
“Art. 92 – São órgãos do Poder Judiciário:
I – o Supremo Tribunal Federal;
I-A – o Conselho Nacional de Justiça;
II – o Superior Tribunal de Justiça;
III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI – os Tribunais e Juízes Militares;
VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”
Esta julga somente policial e bombeiro militar não possuindo, assim, competencia para julgar e processar civis, conforme art. 125,§4° do mesmo texto legislativo.
A Justiça Militar do Estado, após EC45/2004, adquiriu a competencia de julgar atos disciplinares o que anteriormente, era de competencia da fazenda publica.
Após a EC45, a Justiça Militar não sofreu ou ganhou nenhuma modificação legislativa o que propciou um atraso em relação aos outros ramos do Direito.
3 CÓDIGO PENAL MILITAR E LEI 11.343/06
Há muito que o Código Penal Militar, merece uma análise a fundo, pois este código já não apresenta o contexto social da Justiça Militar nos dias atuais. A realidade fática do tráfico de drogas na sociedade atual é notoriamente oposta ao tráfico de drogas em 1969 (epóca do Decreto-Lei 1.001 que nada mais é do que o CPM).
É fato que naquele período os traficantes não encontraram e não encontrariam terreno fértil para semear suas atividades ilícitas tendo em vista o ápice do controle social á época da ditadura. Em decorrência disso, temos o art. 290 do CPM, uma norma penal incriminadora capenga, a qual, tanto seu preceito primário quanto o secundário, resultam em descompasso com os fatos, diga-se de passagem, repugnantes, reinantes nas sociedades civil e militar. Vejamos:
“Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacôrdo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, até cinco anos”.
Nota-se que no referido artigo, o preceito secundário, que é a pena, limitou-se ao máximo de 5 anos de reclusão indo em sentido oposto do art. 33 da Lei 11.343/06 que aduz o mínimo de 5 anos de reclusão e maximo de 15 anos, in verbis:
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.”
Em análise sem preceitos júridicos, o leigo entende que lhe convém, a título de pena, ser um traficante policial militar do que ser um traficante comum, do povo, pois a pena no CPM possui o máximo de 5 anos de reclusão.
É óbvio, patente, manifesto que a pena apresentada no CPM direciona-se em sentido oposto ao combate das drogas que é a preocupação da sociedade atual. Claro está que tal tipo penal não mais corresponde à Política Criminal vigente no País. Contudo, faz-se imprescindível salientar que a Polícia e assim, a Justiça Militar são regidas pelos princípios de DISCIPLINA e HIERARQUIA o que torna ainda mais incongruente um traficante comum possuir uma pena maior em comparação com um traficante que seja policial militar.
Em uma visão processual, a possibilidade de ser condenado ao máximo de 5 anos de reclusão, nos retumba á uma condição mais favorável do que a imputação de pena da lei 11.343/06 que possui seu mínimo de 5 anos.
3.1 Os verbos do tipo: Art.290 do CPM versus ART.33 da Lei 11.343/06
No intuito de esclarecer a diferença entre os verbos presentes nos tipos penais e evidenciar a descontextualização do CPM, elencaremos os verbos que compõem cada tipo penal.
Notável na tabela que o art.33 da Lei prevê 18 verbos e o art. 290 do CPM consiste em 11 verbos o que, evidencia na seara castrense, a ausência de 7 verbos que compõe o nucleo do tipo da lei especial.
Evidente que o significado de fornecer, não é o mesmo dos vocábulos receber, vender e ministrar constantes do caput. Caso assim fosse, o legislador penal militar não os teria elencado, de forma autônoma, como núcleos dos verbos do tipo (art 290 CPM). De fato, receber é aceitar em pagamento ou não; vender no ponto de vista jurídico, é transferir o domínio de uma coisa certa, recebendo, em contrapartida, uma contraprestação. Ministrar é servir, é a introdução no organismo humano por meio de qualquer via, gratuitamente ou mediante paga.
Em vista disso, exsurge como de possível ocorrência em concreto algumas das esdrúxulas e hipotéticas situações abaixo:
a) Um militar, fora de lugar sujeito à Administração Militar, ao fornecer substância entorpecente para outro militar, praticará, em tese, crime de natureza militar. Todavia, caso nosso protagonista venha a ministrar ou vender a aludida droga para um colega de caserna cometerá crime de natureza comum. Decerto, estas modalidades referidas (vender e ministrar) não foram previstas na norma penal em destaque (inciso I do § 1° do art 290 CPM).
b) Um militar ou um civil, em lugar não sujeito à Administração Militar, vende substância entorpecente para militar de serviço, ou em manobra ou em exercício militar.
Aplica-se aqui o mesmo raciocínio supra, ou seja, o crime é comum ante a inexistência de expressa tipicidade. Vale dizer, não figura o verbo "vender" dentre os mencionados núcleos do tipo descrito no artigo 290 do CPM.
3.2 Concurso de Normas Penais e a Hermenêutica Jurídica
Segundo Carlos Maximiliano, a Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar, ela descobre e fixa os princípios que regem a interpretação. Interpretar, nesse sentido, não seria apenas tornar claro, mas acima de tudo revelar o sentido apropriado para a vida real, seria possibilitar a aplicação do direito. A aplicação do Direito consiste em enquadrar um caso concreto em uma norma adequada, tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano.
“Cabe à Hermenêutica, buscar os meios de aplicar à riqueza, à infinita variedade dos casos da vida real, à multiplicidade das relações humanas, a regra abstrata objetiva e rígida.” (Carlos Maximiliano).
No ordenamento juridico, fala-se em interpretação á luz do caso concreto quando há um conflito aparente de normas, ou seja, para um mesmo fato existem duas normas que poderão sobre ele incidir. Esse possivel conflito de normas deve ser resolvido mediante a seguinte análise:
1. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE: a norma especial afastaria a aplicação da norma geral. Essa é a regra do brocado “Lex specialis derrogat generali”.
2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: é a norma conhecida como “soldado reserva”. Ou seja, na ausencia ou impossibilidade de aplicação da norma principal, aplica-se a subsidiária.
3. PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO: ocorre quando um crime é meio necessário ou fase de preparação do iter criminis ou, ainda, consiste em antefato e pós-fato impuniveis.
4. PRINCIPIO DA ALTERNATIVIDADE: tal princípio é convalidado mediante crimes de ação multipla ou conteúdo variável[1].
Esse método de resolução de conflito de normas é regido pela Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, pois advém desta todas as diretrizes para o nosso ordenamento jurídico. E essa mesma lei, possui o art. 2° que dispõe:
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (Decreto-Lei 4.657/1942)”
O caput desse artigo apregoa o princípio da continuidade das leis. Dessa forma, em regra, a lei permanece em vigor enquanto outra não a revogue. Em seus parágrafos, o artigo trata do possível conflito de normas. Para que se verifique uma antinomia faz-se necessário que estejam presentes duas condições: as normas devem ser do mesmo ordenamento jurídico; e devem ter o mesmo âmbito de validade, dentre os quatro possíveis (temporal, espacial, pessoal e material).
O § 1º prescreve o critério cronológico. Nesse caso, deverá prevalecer a lei posterior, que revogará a lei anterior quando expressamente o declare, quando não forem compatíveis, ou quando regular por inteiro a matéria de qual ela tratava.
Além desse, existem mais dois critérios: o hierárquico, segundo o qual a lei superior revoga lei inferior, e o da especialidade, que determina que a lei especial revoge a geral.
As antinomias podem ser classificadas em:
1. – Antinomia de 1º grau: conflito de normas que envolvem apenas um dos critérios acima expostos.
2. – Antinomia de 2º grau: choque de normas válidas que envolvem dois dos critérios antes analisados.
3. – Antinomia aparente: situação em que há meta-critério para solução de conflito.
4. – Antinomia real: situação em que não há meta-critério para solução de conflito, pelo menos inicial, dentro dos que foram anteriormente expostos.
E aqui, vamos ao encontro do que possa vir a ser o impasse da questão: a antinomia real. A antinomia real versa sobre a dificuldade encontrada quando se tem conflito entre uma norma geral superior e outra norma, especial e inferior. Nesses casos, não há um meta critério estabelecido para a solução do conflito. Aqui, a norma geral (que é o Código Penal Militar) encontra status superior, pois a própria justiça militar já é uma justiça especializada onde basta que o crime se adeque ao art.9° do CPM cumulado com art. 290 do mesmo texto legal, para vislumbramento de crime militar. Contudo, a lei 11.343/06 além de mais recente e adepta ao contexto social do momento juridico presente, ainda goza de status de lei especial, pois versa unicamente sobre o tráfico de drogas e seu procedimento judicial. E creio ser este o caminho da possível solução deste empasse.
Ao avaliarmos, em minucias, o art. 2°, §1° do Decreto-Lei 4.657/1942 nos deparamos com a seguinte expressão: “ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. (Decreto-Lei 4.657/1942 – Grifo Nosso)
O STM[2], em sua súmula 14 dispoe que não há aplicabilidade da lei 11.343/06 em ceara castrense, contudo, ao analisarmos o artigo acima citado, por uma questão de interpretação, observamos que existe sim a possibilidade de revogação tácita do art.290 do CPM, pois a 11,343/06 versa, em seu inteiro teor, única e exclusivamente sobre tráfico de drogas. Ou seja, desde que regule a máteria em seu inteiro teor, da qual a lei anterior tratava, existe sim a possibilidade de revogação.
O Código Penal Militar apresenta somente o art.290 no que versa tráfico de drogas e a lei especial além de diferenciar usuário de drogas e traficante, ela traz no seu corpo, um procedimento próprio á reger esses tipos penais. Mediante exposto, averigua-se a possibilidade de revogação tácita do art. 290 do COM pela lei 11.343/06.
O STM, em azimute contrário, refuta a possibilidade acima declarando a inaplicabilidade da 11.343/06 com fundamento somente na primeira parte do art.º, §1° da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro que versa sobre a data da lei, vejamos:
“EMBARGOS Nº 2006.01.049706-8 – MG – Relator Ministro FLÁVIO DE OLIVEIRA LENCASTRE. Revisor Ministro JOSÉ COÊLHO FERREIRA. (Sessão de 17/04/2007).EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES DO JULGADO. SOLDADO DO EXÉRCITO. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE “MACONHA” EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. PRINCÍPIO DA NSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA. LEI Nº 11.343/2006.INAPLICABILIDADE À JUSTIÇA MILITAR. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR PELA “NOVATIO LEGIS”. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. 1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. “In casu”, o fato de ser pequena a quantidade de “Maconha” apreendida em poder do agente não configura insignificância penal. Isto porque, a Jurisprudência do Superior Tribunal Militar e do Egrégio Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que o Princípio da Insignificância ou da Bagatela não se aplica no caso de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar.2. LEI Nº 11.343/2006. ALEGADA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. Conforme prescreve o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, opera-se a revogação de uma lei anterior por outra superveniente, quando a nova lei expressamente assim o declare ou quando for incompatível com a lei anterior e/ou quando regular integralmente a mesma matéria. No caso concreto, nenhuma dessas situações se verifica.Ao contrário, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, não revogou expressamente o artigo 290 do CPM. Quisesse o legislador revogar qualquer dispositivo do Código Penal Militar, poderia tê-lo feito no artigo 75 da referida norma, quando determinou a revogação de outras leis. De igual modo, a “Nova Lei de Tóxicos” não é incompatível com a matéria disciplinada no precitado artigo 290 da Lei Substantiva Castrense, pois a primeira é norma geral e a segunda, norma especial. Assim, se o objetivo principal da Lei nº 11.343/2006 é prescrever MEDIDAS DE PREVENÇÃO AO USO INDEVIDO DE DROGAS no âmbito civil, recomendando tratamento terapêutico ao respectivo usuário, o Código Penal Militar, em seu dispositivo específico, preocupou-se com o tráfico, posse e uso de entorpecente ou de substância de efeito similar, EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR, definindo essa hipótese como infração penal e estabelecendo uma pena “InAbstracto” a ser aplicada ao sujeito ativo de tal delito.3. Restando comprovado nos autos que a substância encontrada em poder do ora Embargante, em lugar sujeito à Administração militar, era “CANNABIS SATIVA LINEU”, vulgarmente denominada “Maconha”, e inexistindo, em favor do Acusado, qualquer causa excludente de culpabilidade e/ou de ilicitude, não há que se falar em absolvição. Rejeitados os Embargos, mantendo-se integralmente o Acórdão hostilizado, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Decisão majoritária.Brasília, 15 de maio de 2007”
A decisão visa impossibilitar a aplicação do princípio da insignificância da 11.343/06 na vida castrense o que não é o foco deste escrito. Apontamos aqui a adesão do art. 33 para qualificar o tráfico de drogas em âmbito castrense tendo em vista seu conjunto de verbos e a penalidade aplicável. Pois, a lei especial ratifica a DISCIPLINA e HIERARQUIA ao enumerar os 18 verbos contidos no tipo o que, assim, não caracterizaria as possibilidades já mencionadas. E, como já não fosse suficiente, a pena do CPM é muito branda em comparação com a mesma lei citada. Por isso, é com caráter de urgência que o art. 290 do CPM deve ceder lugar ao art. 33 da Lei 11.343/06.
CONCLUSÃO
O CPM (Código Penal Militar) apresenta uma pena ínfima em comparação do art. 290 do seu texto face ao art. 33 da lei 11.343/06. O artigo 290 do CPM necessita de reformulação para que se possa adequar à conjuntura atual. E esse mesmo artigo, não faz a devida distinção entre a figura do usuário frente à do traficante, tratando condutas de gravidades diferentes com penas iguais. Configurarando, assim, uma visão ultrapassada de Política Criminal e uma violação do Princípio da Proporcionalidade das Penas.
Vale ressaltar que O CPM foi criado num período em que o tráfico no país era principiante, sem a dimensão e o alcance dos dias de hoje, em que, por vezes, quando não tangenciam, ingressam na órbita da vida da caserna. E essa possibilidade de não apenar um traficante, seja militar, seja comum, com as mais severas penas plausíveis, é uma idéia que instala medo e pânico na sociedade como um todo. Pior fica, se o traficante estiver revestido de policial militar, alguem que detém, por dever, servir e proteger.
A possibilidade de existir uma pena menor para um traficante “policial” em comparação ao traficante “comum” é um defeito gravíssimo no CPM, pois imaginemos a abertura que essa possibilidade concede ao tráfico. Tráfico esse que destroe famílias, agrega crianças inocentes e instala pavor na sociedade.
Essa lide só irá dar-se por finda, quando a Justiça Militar posicionar-se ou quando o legislativo decidir modernizar as leis que abarcam a seara Militar. Pois, muito se discute em Direito Penal Comum e não nos lembramos do Penal e Processual Penal militar que é, em tese, o principal, pois tem o objetivo de julgar os protetores da ordem pública que são os militares.
Mediante o explícito, é necessária uma discussão em torno do artigo 290 do CPM entre os três poderes e seguimentos sociais, propondo alteração de sua redação ou até mesmo a sua revogação, pois caso o artigo 290 seja revogado, será aplicada aos militares a lei 11343/06.
Informações Sobre o Autor
Desiree Tavares da Silva
Pós Graduada Lato-sensu em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar pelo Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da Academia da Polícia Militar de Minas Gerais. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva 2013