Nome: Fernanda Emanuelly Lagassi Correa – Agente de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, Formada em Pedagogia, com especialização em Educação, acadêmica do curso de Direito da Faculdade Estácio.
Resumo: A violência contra a mulher é considerada por organizações e governos internacionais como um problema de saúde pública de primeira ordem, que requer vontade política para estabelecer objetivos e estratégias eficazes, baseados na prevenção e no monitoramento constante, apesar da prática ocorrer a muito tempo, o tema só ganhou destaque a partir dos anos 90, com advento dos direitos humanos. O objetivo geral deste estudo é discutir a violência doméstica na atualidade e para alcançar essa meta será feito um panorama histórico sobre a temática. Para o desenvolvimento do trabalho, adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, ancorada nos seguintes procedimentos: revisão de literatura sob a temática abrangendo enciclopédias, livros, artigos, revistas e jornais on-line, retirados de banco de dados como Jusnavegandi e SciELO.
Palavras-chave: Violência contra mulher. Políticas Públicas para Proteção de Mulheres.Lei Maria da Penha
Abstract: Violence against women is considered by international organizations and governments as a public health problem of the highest order, which requires political will to establish effective objectives and strategies, based on prevention and constant monitoring, despite the practice occurring for a long time. The theme only gained prominence in the 90s, with the advent of human rights. The general objective of this study is to discuss domestic violence today and to achieve this goal, a historical overview of the theme will be made. For the development of the work, bibliographic research was adopted as methodology, anchored in the following procedures: literature review under the theme covering online encyclopedias, books, articles, magazines and newspapers, taken from databases such as Jusnavegandi and SciELO.
Keywords: Violence against women. Public Policies for the Protection of Women.Law Maria da Penha
Sumário: Introdução 1. Uma visão Histórica sobre o tema. 1.1 A criação da primeira legislação de proteção à mulher no Brasil: Os casos de violência diminuíram?. 1.2 violência contra a mulher no Brasil. 1.2.1 Espécies de violência. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Em termos de direitos humanos, os anos 90 registraram avanços importantes para as mulheres. A pressão constante que exerceram nas últimas cúpulas mundiais determinou que a comunidade internacional reconhecesse seus direitos como parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e que os Estados assumissem o compromisso de garanti-los. Em 1993, em Viena, Áustria, a violência contra mulheres e meninas foi classificada como uma grave violação de seus direitos e incompatível com a dignidade e o valor do ser humano, posição posteriormente reiterada no Cairo, Egito e Pequim, na China. Nesse mesmo ano, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) declarou que, devido à sua magnitude e efeitos na saúde e desenvolvimento.
A violência contra as mulheres é um fenômeno universal que persiste em todos os países do mundo. A violência doméstica, em particular, continua a ser terrivelmente comum e é aceita como “normal” em muitas sociedades ao redor do mundo. Portanto, erradicar a pandemia da violência de gênero é o verdadeiro desafio do século XXI, muito mais do que qualquer outro tipo de avanço científico, cultural ou tecnológico.
O primeiro passo para enfrentar o desafio de erradicar a violência de gênero é aprender a detectá-la. A violência de gênero geralmente se manifesta primeiro como agressão verbal em suas formas mais encobertas. É muito importante conhecer seus mecanismos, porque as consequências psicológicas do abuso psicológico são as mesmas ou mais graves que as do abuso físico. Sempre tem alguém que pergunta por que ela não sai desse relacionamento? Em vez de perguntar por que ele a agride? A sociedade tende a colocar o centro de gravidade dos maus-tratos na vítima, procurando as razões pelas quais ele merece ou se deixa ser maltratado, e justifica o agressor dizendo que está doente ou é alcoólatra. Profissionais de saúde, psicologia, assistência social e outros especialistas envolvidos no assunto têm um papel muito importante a desempenhar na detecção, atendimento, encaminhamento da vítima e denúncia, se necessário.
A partir desse contexto é verificar que a prática de violência contra a mulher em nossa sociedade é algo incontestável e ocorre há muito tempo. No Brasil, apesar desse tipo de violência ser presente na vida de milhões de mulheres, até 2008 não existiam nem estatísticas sistemáticas e oficiais que apontassem a magnitude deste fenômeno (BRASIL, 2008, p. 95).
A organização desses números é algo recente no Brasil, e através deles fica fácil a comprovação desse cenário, para isso basta analisar os dados apresentados nos principais documentos estatísticos sobre segurança pública, como o Mapa da Violência, Altas da Violência e o Anuário de Segurança Pública.
Conforme registra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, o ano de 2018, teve 1.206 vítimas para o crime de feminicídio, sendo que 88,8% dos casos o autor do crime foi o companheiro ou o ex-companheiro da mulher assassinada, também houve um aumento de 4% de mortes em relação ao Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018 (BRASIL, 2019, p. 07).
Apesar do Brasil hoje ser considerado um país vanguardista no aspecto legislativo no que tange a proteção de mulheres contra a violência, as estatísticas apontam que existe uma grande falha na aplicação das normas existentes, sendo necessário o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas para o combate essa problemática.
Embora a violência seja um problema generalizado e de várias formas, ela pode ocorrer em todas as áreas da vida das pessoas, nas ruas, no trabalho e principalmente em suas casas. Tantas mulheres quanto homens exercitam e sofrem, embora a maioria da violência, independentemente de sua forma, natureza ou consequências, seja praticada pelos homens. Especialmente no caso da violência de gênero, os agressores são pessoas próximas ao agredido e ocorre na esfera doméstica ou quando a vítima e o agressor não coexistem mais, em espaços públicos ou privados.
O objetivo geral deste estudo é discutir a violência doméstica na atualidade. Para atingir tal objetivo, como objetivos específicos pretende-se: Analisar-se o contexto histórico de criação da principal lei de proteção da mulher do Brasil a Lei Maria da Penha nº 11.340/2006 e sua aplicação nos dias atuais.
Para o desenvolvimento do trabalho, adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, ancorada nos seguintes procedimentos: revisão de literatura sob a temática abrangendo enciclopédias, livros, artigos, revistas e jornais on-line, retirados de banco de dados como Jusnavegandi e SciELO.
Primeiramente, relatar-se-á um breve histórico sobre a construção histórica sobre a violência contra a mulher e em que contexto do surgiu a primeira lei de proteção à mulher no Brasil. Posteriormente, analisar-se-á se com a criação dessa norma a violência contra mulher diminuiu no Brasil. Por fim, apresentar-se-á a conclusão a que se chegou o estudo.
1. UMA VISÃO HISTÓRICA SOBRE O TEMA
Verifica-se que a violência que faz refém à mulher no ambiente doméstico, é atemporal, não sendo proveniente de uma época, nem de uma localidade, nem classe social ou cultural.
Na Antiguidade Clássica existia uma sociedade marcada pela desigualdade e exercício despótico da autoridade pelo “pater família”, senhor absoluto e incontestável, que detinha poder de vida e morte sobre sua mulher e filhos, e sobre quaisquer outras pessoas que vivessem sob seus domínios. Em resumo, sua vontade era lei soberana e incontestável. O homem como papel de senhor absoluto de seus domínios perdurou através dos tempos e, ainda no Brasil – colônia, era permitido àquele que surpreendesse sua mulher em adultério, matar o casal de amantes, previsto na legislação portuguesa (DIAS, 2007, p. 21).
Em 1830, o primeiro Código Penal Brasileiro, suprimiu tal permissão, mas como mudar, de forma tão rápida como a vigência das leis exige, a cultura de um povo que durante anos suas gerações cresceram, viveram e presenciaram tal comportamento como se correto fosse? Pois ainda se acreditava que a infidelidade da mulher feria os direitos do marido, onde sua honra manchada só se lavava com sangue da adúltera (CUNHA, 2007, p. 82).
A violência contra a mulher traz em seu seio, relação com as categorias de gênero, classe e etnia e sua relação de poder. Tais relações estão retratadas numa ordem patriarcal proeminente da sociedade brasileira, a qual atribuiu aos homens o direito de dominar e controlar suas mulheres, podendo em certos casos, atingir os limites da violência, gerando a morte da vítima.
Nos anos 70, os movimentos feministas tinham uma força muito grande e eram muito atuantes, e um deles na época, o SOS Mulher catalogou 722 crimes impunes de homens contra mulheres cometidos por ciúmes. Diante dos dados coletados e do crime ocorrido em 1976, que abalou a sociedade brasileira, o caso Ângela Diniz que foi morta pelo seu companheiro com quatro tiros, houve uma comoção nacional. Como resultado, a mobilização da ala feminista e da sociedade, o agressor foi condenado e se tornou um marco na história da luta das mulheres, demonstrando que elas não estavam mais dispostas a aceitar passivos os desmandos de uma sociedade patriarcal, em que o homem é dono de sua vida e dela pode dispor (DIAS, 2007, p. 21).
Constata-se então que a violência contra a mulher tem raízes profundas que estão situadas ao longo da história, sendo, portanto de difícil desconstrução. A passos lentos, somente em 1988 foi que a Constituição Federal igualou os direitos entre homens e mulheres, retirando do nosso ordenamento os inúmeros dispositivos que tratavam de forma discriminatória a mulher e deu a responsabilidade ao Estado de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (CF, art. 226, § 8º).
Aplicava-se aos casos de agressão cometidos no âmbito doméstico a Lei nº 9.099/95, que previa nesses casos penas como o pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários. A falta de uma lei específica para tratar de tal violência de forma mais eficiente fez com que generalizasse a ideia da impunidade aos agressores, visto que a violência contra uma mulher era ridicularizada e renegada a um problema social, possuindo uma penalidade ínfima como o pagamento de cestas básicas.
Em 1983 outro crime chocou não só o país, mas a comunidade internacional também, que foi a violência ocorrida contra Maria da Penha, que ficou paraplégica após ter sido vítima de seu, a época, marido. Com sua luta e apoio de organizações de defesa dos Direitos Humanos conseguiu condenar seu agressor e mudar a legislação de seu país (CUNHA, 2007, p. 82).
Asssim surgiu a Lei 11.340/06, esta específica para tratar da violência doméstica contra a mulher, onde a edição desse diploma legal se reveste de grande importância por tratar de tal crime sob vários aspectos: punitivos, preventivos, protetivos e de integração e esforço em conjunto do Poder Público.
Contudo há de ser ressaltar que a criação dessa legislação não foi algo pacífico e sim de muita luta, pois apesar do Brasil ter assinado tratados de proteção e contra a violência da mulher, o sistema penal brasileiro era negligente com relação ao tema, conforme será tratado na proxima secção.
1.1 A CRIAÇÃO DA PRIMEIRA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO À MULHER NO BRASIL: OS CASOS DE VIOLÊNCIA DIMINUÍRAM?
O caso de violência doméstica contra mulher, que ganhou destaque no cenário internacional, foi o caso da doméstica Maria da Penha, a sua história deu origem a Lei n.11.340/2006. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Seu Marido, ainda tentou forjar um suposto assalto, para descaracterizar o crime. A consequência desse ato, foi a paraplegia para Maria. Como a impunidade e o descaso da sociedade em relação a tais delitos era enorme. Viveros, (nome do autor) efetuou a segunda tentativa de homicídio contra sua esposa, a qual aconteceu meses depois, ele empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocuta-la no chuveiro.
O crime foi denunciado no ano seguinte, entretanto somente após oito anos aconteceu o primeiro julgamento, tendo o agressor sido condenado em 1996, contudo o autor se valendo as brechas das legislações brasileiras e o descaso do nosso sistema jurídico com essa problemática, cabe mencionar que a maior parte do sistema judiciário é formado por homens a eles cabem as decisões sobre crimes contra mulheres, o processo prosseguiu por mais quinze anos.
Destarte, em 1998 Maria da Penha, encaminhou uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), diante do caso a instituição denunciou o Estado brasileiro pelo ato de impunidade e negligência em relação à violência doméstica da qual ela havia sido vítima. Foi assim que, o Estado Brasileiro prendeu Viveiro, em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão. Isto posto, a OEA orientou, que o Brasil criasse uma lei específica para punir casos de violência doméstica e familiar.
Dessa forma, depois de muita impunidade, visto que várias mulheres morreram no Brasil, vítimas de violência muitas vezes cometidas por homens e o descaso do órgão estatal diante desses fatos, que surgiu a Lei n.11.340/2006. Assim, a violência contra a mulher deixou de ser tratada com um crime de menor potencial ofensivo, outro avanço que essa norma trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro, foi a inclusão, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.[1] A Lei Maria da Penha, significa o reconhecimento da violência contra as mulheres como violação dos direitos humanos (MARTINS, CERQUEIRA E MATOS, 2015).
Para Martins, Cerqueira e Matos (2015) entretanto mesmo após quatorze anos desde a criação da Lei n.11.340/2006, as estatísticas sobre violência contra mulher demonstram que a vulnerabilidade delas ainda persiste em nossa sociedade.
A Lei Maria da Penha em seu art 8º prevê que “ A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não- governamentais, tendo por diretrizes. Para Martins, Cerqueira e Matos (2015, p. 7): Portanto, na análise da efetividade da LMP para prevenir a violência doméstica, faz- se necessário mapear o processo institucional envolvido. Considerando a diversidade de diretrizes e políticas de enfrentamento à violência decorrentes da Lei Maria da Penha, pretende-se nomear os principais esforços estatais empreendidos para fazer frente à violação do direito das mulheres a uma vida sem violência.
Diversos estudos nacionais e internacionais demonstram que, no Brasil, a violência doméstica contra as mulheres representa uma das mais graves violações aos seus direitos humanos, onde o maior de todos os danos, o que não tem reparo, são as marcas eternas que essa violência produz na dignidade das mulheres.
Com o empenho de todos os envolvidos, o primeiro passo para se alcançar os objetivos almejados com o advento dessa lei é a significante mudança na “cultura predominantemente machista brasileira”, conforme pronunciamento do Presidente Luís Inácio Lula da Silva no ato solene de promulgação da lei.
1.2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL
Segundo a FPA (Fundação Perseu Abreu), dentre as formas de violência mais comuns destaca- se a agressão física mais branda, sob a forma de tapas e empurrões, sofrida por 20% das mulheres; a violência psíquica de xingamentos, com ofensa à conduta moral da mulher, vivida por 18%, e a ameaça através de coisas quebradas, roupas rasgadas, objetos atirados e outras formas indiretas de agressão, vivida por 15%. Já 12% declararam ter sofrido a ameaça de espancamento a si próprias e aos filhos e também 12% já vivenciou a violência psíquica do desrespeito e desqualificação constantes ao seu trabalho, dentro ou fora de casa (DIAS, 2007, p. 27).
Após cinco anos de vigência da Lei 11.340/06, a quantidade de processos penais que chegam Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre violência doméstica contra a mulher é crescente, em 2006 foram 640 processos; em 2011, o número de processos autuados no Tribunal da Cidadania sobre a questão já chega a 1.600, um aumento de 150%.
Porém deve-se ressaltar que cerca de 43% das entrevistadas, afirmaram que a lei não é eficiente para garantir a proteção integral da mulher que sofreu agressão.
A OMS utiliza como definição para violência é o uso intencional de força ou poder, através de ameaça ou agressão real, contra si mesmo, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulta ou tem grande probabilidade de resultar em ferimentos, morte, prejuízos psicológicos, problemas de desenvolvimento ou privação (DAHLBERG; KRUGG, 2002, p. 5).
No Brasil, a violência contra mulher ocorre de diversas formas, são violências físicas como murros, pontapés, socos que causam hematomas, feridas, enfim marcas externas. A violência psicológica e social é a pior, a física deixa marca externo, mas a psicológica é invisível e atinge a essência da mulher com consequências sérias causando traumas sem reversão. No próximo tópico será melhor detalhado as espcieis de violência sofrida pelas mulheres.
Segundo Rocha (2001, p. 112) a violência contra a mulher vem se constituindo uma das mais graves formas de violação dos direitos humanos em nosso País. Violentadas pelo fato de tais crimes enfrentam a complacência e a legitimidade social que garantem aos seus agressores a impunidade.Melo (2000, p. 56) entende a violência doméstica como uma violação dos direitos humanos. Ela tem significativas implicações políticas, sociais e até econômicas com raízes históricas e culturais.
Pesquisas demonstram que a violência praticada contra as mulheres não tem época nem fronteiras, sempre existiu em todos os lugares, em todas as culturas. Ela está inscrita em todas as leis, em todas as mentalidades, basta pensar nos pés bandados das chinesas, nas viúvas indianas imoladas sobre os túmulos de seus maridos, nas mulheres do Afeganistão que não podem estudar, trabalhar ou passear sem serem escoltadas por seus maridos ou por outros familiares (BANDEIRA, 2000, p. 14).
A violência contra a mulher, em função da maneira como está socializada, nem sempre é percebida, tornando-se muitas vezes invisível. Geralmente, ocorre em relações privadas entre os membros da mesma família e tem o domicílio como o espaço físico onde frequentemente se manifesta, sendo denominada violência doméstica (MEDEIROS, 2004, p. 68).
Nesse contexto, pode-se dizer que são vários os fatos que levam a mulher a sofrer calada, não denunciando a violência sofrida pelo companheiro. O mais comum é a presença de filhos no casamento, ou falta de estabilidade financeira para se manter sozinha.
Normalmente a mulher sofre agressões por não concordar com o seu companheiro, em se vestir ou se comportar de maneira que este não aprova, pelos ciúmes patológicos, pelo uso de substâncias psicoativas pelos agressores dentro diversos outros fatores culturais ou sociais.
Na Índia, por exemplo, é muito comum que as mulheres sejam mortas em disputas por dote. Na África, cerca de 6 mil meninas sofrem mutilação todos os dias. Na China e em algumas tribos da América do sul, é muito comum que as mães matem ou abandonem as filhas mulheres, como demonstra o relato a seguir:
”Se minha Mãe me houvesse enterrado quando eu nasci, estaria morta; todavia não teria sentido a morte e haveria escapado de tantos sofrimentos amargos como a própria morte. Padre penso no que sofre uma pobre índia entre estes índios; eles vão conosco pra lavoura carregando apenas seu arco e flecha; nós, porém vamos com um cesto cheio de trastes nas costas, um filho no peito e outro sobre o cesto; eles vão caçar aves ou pescar peixes, enquanto nós levamos as raízes para comer e o milho para fazer sua bebida, além de carregar nossas filhas, chegando em casa eles vão conversar com seus amigos, enquanto nós vamos buscar lenha, trazer água e preparar-lhe o jantar; após jantarem eles vão dormir enquanto nós, quase toda noite, ainda temos que moer o milho para preparar-lhe a chica. E para que todo esse trabalho? Bebem a chica, embriagam-se e já fora de si nos batem com pau, nos agarram pelos cabelos e nos maltratam. E sabe que a pobre índia serve ao marido como escrava, suando no campo e em casa, trabalhando quase sem dormir pro fim de vinte anos ele ficar com outra mulher, mais moça, sem juízo? E essa ele quer bem e embora ela bata e castigue nossas filhas, não podemos dizer nada porque ele não se importa mais conosco e nem nos quer mais; a moça manda na gente, trata-nos como suas criadas e se protestamos, faz calar a pauladas. Padre, minha mãe me tivesse feito o favor de me enterrar logo que nasci. Assim meu coração não teria tido que sofrer tanto e meus olhos não teriam tido porque chorar (AZEVEDO CORTEZ, 1985)”.
Assim sendo, a aplicação de um plano de ação e protocolos específicos para atendimento, assim como o investimento na capacitação dos /as profissionais que atendem a essas mulheres, são fundamentais para conquistar a confiança das mulheres e, em consequência, tornar visíveis as dimensões reais do problema, criando assim condições para o seu enfrentamento. No Brasil, já existem diversas iniciativas neste sentido (SILVA, 2006, p. 123).
Como iniciativas de prevenção a violência contra mulher, destaca-se as campanhas de âmbito nacional e internacional, dentre as quais podemos citar: “Onde tem violência, todo mundo perde”, “Quem ama, não mata”, Está em suas mãos: pare a violência contra as mulheres”.
Em relação às políticas sociais, existem as Delegacias da Mulher, que atende apenas mulheres, a defensoria pública da mulher, as casas de abrigo, que atende crianças e mulheres que sofrem violência ou ameaça de morte. Porém, mesmo com as políticas sociais para combate a violência doméstica crescendo a passos largos, ainda tem muito que evoluir. Existem muitas leis, porém a maioria é ineficaz, impondo penas muito brandas aos agressores.
Percebe-se que a mulher vem constantemente ganhando espaço na sociedade, sempre com muita luta. Conquistou o direito ao voto, o direito a trabalhar, o direito a frequentar uma escola / universidade, o direito a seguir a profissão que escolher. Em relação a políticas sociais, ainda tem muito pela frente.
1.2.1 ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA
A violência é um problema universal que atinge milhares de pessoas, em grande número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente. Sua importância é relevante sob dois aspectos; primeiro, devido ao sofrimento indescritível que imputa às suas vítimas, muitas vezes silenciosas e, em segundo, porque, comprovadamente, a violência contra mulher incluindo aí a Negligência Precoce e o Abuso Sexual, pode impedir um bom desenvolvimento físico e mental da vítima (DIAS, 2007, p. 23).
É importante lembrar que todas essas manifestações podem ser encontradas tanto isoladamente, como em conjunto; isto é, a mulher, por exemplo, pode ser vitimizada, só sexualmente, ou fisicamente ou ainda psicologicamente. Como também de ambas as formas ao mesmo tempo. Visto que, os agressores, para exercerem o abuso físico ou até mesmo o sexual, utilizam-se do psicológico, que serve como uma espécie de preparação para o ritual de violência.
Violência Física: é qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Inclui uso da força, desde socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras até condutas caracterizadoras de crimes como o homicídio, aborto, lesão corporal, deixando ou não marcas aparentes (FARAH, 2004, p. 140).
Violência Psicológica: a violência psicológica pode ser entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”. Tão ou mais grave que a violência física, a psicológica se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima para se valer de um prazer em ver a mulher amedrontada, inferiorizada e diminuída (DIAS, 2007, p. 26). Camargo (2000, p. 36) afirma que: Um tipo comum de Agressão Emocional é a que se dá sob a autoria dos comportamentos histéricos, cujo objetivo é mobilizar emocionalmente o outro para satisfazer a necessidade de atenção, carinho e de importância. A intenção do(a) agressor(a) histérico(a) é mobilizar outros membros da família, tendo como cuidado, compreensão e tolerância.
Violência Psicológica e Sexual: A violência psicológica e sexual pode ser entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar , a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição , mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (DIAS, 2007, p. 17).
Violência Patrimonial: no que tange à violência patrimonial, esta pode ser qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Podem ser aqui enquadrados casos em que a mulher, por medo, coagida ou induzida a erro, transfere bens ao agressor. O exemplo do ocorrido com a própria Maria da Penha, foi caracterizado a premeditação do ato, pelo fato do seu agressor, dias antes da primeira tentativa de assassinato ter tentado convencê-la a celebrar um seguro de vida, do qual ele seria o beneficiário. Sem falar, que, cinco dias antes da agressão, ela assinara, em branco, um recibo de venda de veículo de sua propriedade, a pedido do marido (CUNHA , 2007, p. 87).
Violência Moral: a violência moral, pode ser entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Ou seja, são as hipóteses de crimes contra a honra tipificada no Código Penal: calúnia (imputar à vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso), difamação (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso) ou injúria (atribuir à vítima qualidades negativas). A Lei Maria da Penha veio inovar quando enquadrou no rol das violências contra a mulher a violência moral e patrimonial. Nada mais justo da peculiaridade em que se encontra essa relação no que diz respeito à dependência financeira e econômica, além dos comuns insultos e maus tratos verbais a que é submetida à vítima, de forma intíma ou até, muitas vezes, pública.
Nos últimos vinte anos, a situação de violência doméstica contra a mulher tem adquirido visibilidade social e se tornado tema de vários estudos e conferências mundiais. Segundo Fontana e Santos (2001, p. 71): A identificação da ocorrência de abusos e violações contra a mulher dentro do quadro de referência maior das ‘relações de gênero’ permitiu compreender o contexto em que esses comportamentos se realizam, desvendando se cenário de iniqüidades e dominação que permeiam a vida privada e pública e as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade. Segundo Farah (2004, p. 140), o conceito atual de violência doméstica contra a mulher abrange todos os atos de violência física, psíquica, sexual e desrespeito aos direitos na esfera da vida reprodutiva ou da cidadania social, cometidos por um membro da família ou pessoa que habite ou tenha habitado o mesmo domicílio.
CONCLUSÃO
Com o final do presente trabalho, conclui-se que a violência pode surgir de vários modos, pode ter caráter cultural ou de gênero, existem várias regras “morais” que a sociedade impõe a menina desde cedo, colocando-a como submissa ao poder masculino, e diversas vezes, até culpando-a pelas agressões sofridas.
Apesar dos avanços políticos obtidos, nos aspectos legais e de proteção social as mulheres vitimadas pela violência, ainda falta aumentar a rede de apoio, sempre investindo nas mais variadas formas de atenção, promovendo sempre a formação de novos valores sociais.
Ao longo desse trabalho podemos vislumbrar que a violência doméstica é um problema de grande abrangência, pelo seu crescimento nos últimos anos, mesmo em pleno século XXI e pela própria complexidade de sua instalação, conforme relatada na bibliografia pesquisada.
Em relação aos avanços das leis de proteção a mulher, pode-se notar que o sistema jurídico parece “caminhar a passos curtos” já que medidas para minimização deste contexto somente são tomadas secundariamente, não atingindo as questões primárias que são os motivos das agressões, nem sendo efetivas na proteção da mulher como podemos notar com a proliferação na mídia de casos de inúmeras mulheres que mesmo com medidas de proteção são assassinadas pelos companheiros ou ex companheiros.
A violência contra a mulher tem um carácter histórico em nossa sociedade. Tratava-se de uma situação negligenciada pelo poder público, nem pesquisas existiam sobre o assunto até os anos 90, contudo com advento dos direitos humanos e movimentos feministas essa temática começou a ganhar espaço no cenário mundial e o tema passou a ser tratado como um ato de violação aos direitos humanos.
O Brasil apesar de ser assinante de tratados que fomentam a criação de normas de proteção à mulher, a criação de uma lei específica sobre somente aconteceu em 2006 e devido por uma recomendação da Comissão Internacional dos direitos Humanos que ocorreu a criação a Lei Maria da Penha, assim a temática passou a ter mais visibilidade em nosso país.
Por fim, com a sistemática desse conteúdo, os números estatísticas denunciaram a gravidade do problema, obrigando o Estado a implantar medidas públicas e ações de monitoramento sobre a questão. Ainda há um longo caminho para conseguir acabar com essa mal que assola a nossa sociedade.
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[1] OBSERVATÓRIO LEI MARIA DA PENHA. Histórico. Disponível em:<http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha>. Acesso em 20 de março de 2020.