Apontamentos Sobre a Lei de Enfrentamento ao Terrorismo (Lei 13.260/16)

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Cláudio Leite Clementino[1]

Resumo: O presente artigo tem como objetivo tecer algumas considerações sobre a Lei Contraterrorista Brasileira. Para tanto, proceder-se-á a uma análise do conceito legal e da tipificação do fenômeno terrorista, que, apesar de necessários e inovadores, não foram elaborados da maneira adequada. Na sequência, serão examinadas brevemente as infrações correlatas ao terror, para, por fim, abordar a causa de exclusão do delito de terrorismo prevista no artigo 2º, § 2º, da Lei 13.260/16.

Palavras-chave: Conceito legal. Tipificação. Infrações Correlatas. Causa de Exclusão do Delito de Terrorismo.

 

Resumen: Este artículo tiene como objetivo hacer algunas consideraciones sobre La Ley Antiterrorista de Brasil. Para ello, no se ha elaborado de La manera adecuada un análisis del concepto jurídico y La tipificación del fenómeno terrorista, que, aunque necesario e innovador, no se ha elaborado de La manera adecuada. Posteriormente, los delitos relacionados com el terrorismo se examinarán en breve, a fin de abordar la causa de exclusión del delito de terrorismo previsto em el artículo 2, apartado 2, de La Ley 13.260/16.

Palabras Clave: Concepto legal. Tipificación. Infracciones relacionadas. Causa de exclusión del delito del terrorismo.

 

Sumário: Introdução. 1. Do conceito e da tipificação do fenômeno terrorista. 2. Infrações correlatas ao terrorismo. 3. Causa de exclusão do crime de terrorismo (art. 2º, § 2º, Lei 13.260/16). Conclusão. Referências.

 

Introdução

O mandado de criminalização insculpido no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, que considera o fenômeno terrorista crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, foi efetivado com a edição da Lei Antiterror Nacional.

Porém, é importante destacar, de plano, que o legislador infraconstitucional não procedeu da forma correta, tendo extrapolado os limites da cláusula de penalização trazida pela Constituição de 1988.

O presente artigo demonstrará tal inadequação legislativa ao tratar da conceituação e da tipificação do terror, que se mostraram bastante equivocadas e vulneradoras de princípios penais clássicos, a exemplo dos postulados da legalidade, da ofensividade e da proporcionalidade.

Serão feitos, ainda, rápidos apontamentos atinentes às infrações correlatas ao terrorismo estampadas no novel diploma incriminador (artigos 3º, 5º e 6º, Lei 13.260/16).

Por derradeiro, trataremos da causa de exclusão de tipicidade penal estatuída no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de Enfrentamento ao Terrorismo.

 

  1. Do conceito e da tipificação do fenômeno terrorista

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 4º, inciso VIII, estabeleceu como princípio fundamental norteador das relações internacionais o repúdio ao terrorismo.

A Carta Magna estatuiu, ainda, no artigo 5º, inciso XLIII, mandado de criminalização, considerando o fenômeno terrorista crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

As cláusulas constitucionais de penalização impõem ao legislador infraconstitucional o dever de regulamentar os temas reputados de essencial importância pela Constituição, a exemplo da criminalização do terrorismo e da sua classificação como delito inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Nos dizeres de Ferreira, Caruncho, Scandelari e Cavagnari:

“Os mandados de criminalização expressam, no campo jurídico-penal, os deveres estatais de proteção. Delineiam-se, ipso facto, como uma projeção da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Garantem, assim, tanto a legitimidade quanto a necessidade constitucional de uma proteção normativa de índole jurídico-penal de um determinado bem jurídico. O conteúdo dele é um comando genérico de tutela penal a determinado valor constitucional; não define os preceitos primário e secundário do tipo penal incriminador. O objeto do mandado de criminalização constitucional retrata uma obrigação de caráter positivo: legislador, crie a norma incriminadora. Ao mesmo tempo, delimita, de um lado, um limite garantista intransponível e, de outro, um conteúdo mínimo irrenunciável de coerção[2].”

A despeito de a previsão constitucional datar de 1988, no Brasil, a primeira lei que versou sobre a conceituação e a tipificação do terrorismo foi a Lei 13.260/16, denominada Lei Antiterror. Antes dela foram promulgados alguns diplomas normativos que apenas mencionavam as expressões “atos de terrorismo” ou “terror”, sem, contudo, discorrer sobre a definição e a criminalização do fenômeno terrorista.

É o caso, por exemplo, da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), que, em seu artigo 20, trata do terror de modo superficial e insuficiente.

Embora a Lei de Enfrentamento ao Terrorismo tenha regulamentado o mandado de criminalização disposto no art. 5º, inciso XLIII da CF/88, definindo e tipificando o fenômeno terrorista, ela não o fez da maneira adequada, afrontando os princípios da legalidade, da intervenção mínima, da ofensividade, da culpabilidade, da materialização do fato, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha de raciocínio, Marcelo Rodrigues da Silva afirma que:

“A Lei 13.260/16 permitiu ao intérprete a extrapolação dos patamares de razoabilidade do mandado de criminalização, pois, adotando-se um discurso de legitimação, autorizou normativamente condutas Estatais com potencialidade antidemocrática, contrários aos direitos humanos, tal como ocorreu, por exemplo, com o USA Patriot Act, em que torturas são reguladas por normas[3].”

Como já foi dito alhures, definir o terrorismo é tarefa árdua, das mais complexas, tanto que ainda hoje a Organização das Nações Unidas não elaborou um conceito universal para o fenômeno. No contexto nacional, só se conceituou o terror após o advento da Lei 13.260/16, que em seu artigo 2º, caput, preceituou:

“Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.”

Consoante o dispositivo legal em tela, para que reste configurado o delito de terrorismo é necessário obedecer a diversos requisitos.

O primeiro deles é o requisito instrumental, segundo o qual os atos de terrorismo praticados pelo agente são exclusivamente os elencados no parágrafo 1º, incisos I, IV e V, do artigo 2º, da Lei 13.260/16 (rol taxativo).

O segundo requisito a ser observado é o subjetivo, podendo os atos terroristas serem cometidos por um ou mais indivíduos, ou seja, serão executados por uma organização terrorista ou pelo lobo solitário. Neste particular, andou bem o legislador, visto que grande parte dos ataques terroristas recentes foram levados a cabo pelos chamados ratos solitários.

Compartilhando da mesma ideia, Bach, Bartolomeu, David, Pereira, Sá e Santossustentam que:

“A opção do legislador em punir tanto atos coletivos quanto individuais revela uma sintonia com os estratagemas utilizados pelas organizações terroristas. Recentemente em Nice foi praticado um atentado por um só membro, o qual vitimou 84 pessoas, todavia é muito comum a prática de atos terroristas por duas ou mais pessoas, como o ataque ao Charlie Hebdo, no começo do ano passado[4].”

Deve estar presente, também, o requisito causal, vale dizer, os atos de terrorismo precisam ser empreendidos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

No que pertine às motivações ensejadoras da conduta terrorista, a Lei 13.260/16, de maneira equivocada, não as detalhou, devendo o jurista proceder à interpretação para se chegar ao sentido da norma. Esta omissão do legislador conduzirá a inúmeros problemas de aplicação prática da Lei Antiterror.

Nesse diapasão, baseando-se na etimologia da palavra, xenofobia significa aversão, repulsa ao estrangeiro[5].

Raciocinando do mesmo modo, Greco explica que:

“A palavra xenofobia é de origem grega, sendo que o prefixo “xenos” significa “estrangeiro”, e o sufixo “phóbos” pode ser traduzido por “medo”. Assim, xenofobia, deveria significar, tão somente, medo de estrangeiros. No entanto, seu conceito é muito mais amplo, e importa em aversão, ódio, asco, intolerância, repugnância, hostilidade, não somente a pessoas como também a coisas provenientes do estrangeiro[6].”

Por sua vez, preconceito é o pré-julgamento desfavorável feito em relação a uma pessoa ou fato. Já a discriminação nada mais é do que a concretização ou instrumentalização do preconceito, por meio da distinção de tratamento conferida a indivíduos em situação de igualdade.

Raça é um conceito polissêmico, bastante controverso, que denota uma similitude de características biológicas de determinada população.

Destaque-se, de plano, que enquanto raça diz respeito, pelo menos de modo genérico, aos caracteres somáticos de uma pessoa, etnia concerne aos atributos culturais e sociais de um povo. Portanto, pode-se dizer que etnia está atrelada à identidade de aspectos sociais, econômicos, culturais e linguísticos de certa população homogênea.

De outro lado, cor representa a tonalidade da pele do indivíduo, que pode ser branca, preta, amarela e vermelha[7].

Por último, importa frisar que o vocábulo religião é praticamente impossível de se definir, podendo, entretanto, ser entendido superficialmente como o conjunto de crenças e práticas orientadoras da relação entre o ser humano e uma divindade por ele escolhida.

Em relação ao elemento normativo do tipo “religião”, é mister lembrar que a motivação religiosa é a prevalente atualmente para a prática de atos terroristas, ganhando notoriedade o fanatismo religioso das organizações terroristas islâmicas, como o DAESH e a Al-Qaeda.

Sob esse prisma, Rogério Greco pontua que:

“Como acontece também com outras religiões, o islã inflama paixões em pessoas que não se importam em dar suas vidas para defendê-lo, e para vê-lo dominar o mundo, com a instalação de um califado, ou seja, um mundo onde todos a ele se submetem sob a autoridade das palavras do Alcorão, e também, da Sharia, que veremos mais detalhadamente o que significa, posteriormente. Nascem, daí, portanto, os chamados fundamentalistas islâmicos, pessoas radicais que querem impor seus pensamentos religiosos a qualquer custo, principalmente mediante o emprego da violência e do terror[8].”

A partir da análise destas expressões, infere-se que a maioria delas é de difícil delimitação, por se tratarem de preceitos abertos e imprecisos, violando o princípio da legalidade penal, na sua vertente denominada de taxatividade.

Note-se, ademais, que o legislador ordinário foi omisso ao não prever como requisito para a configuração do ilícito penal de terrorismo a motivação política que, malgrado não seja na atualidade a preponderante, é, sem dúvida, uma das mais significativas.

De acordo com os ensinamentos de Rogério Greco:

“No Brasil, de maneira incompleta, a Lei nº 13.260/16, de 16 de março de 2016, apontou que somente se configuraria o terrorismo se o agente atuasse por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, deixando de fora um dos seus motivos mais marcantes, que é o terrorismo de cunho político. Infelizmente, foi editada durante o governo da Presidente Dilma Rousseff que, sabidamente, no passado, pertenceu a grupos terroristas de esquerda, que atuavam com motivações políticas[9].”

Outro requisito relevante é o finalístico, mediante o qual as condutas terroristas devem ser perpetradas com o escopo de causar terror social ou generalizado, isto é, para que se configure o terrorismo é preciso que o agente atue com o propósito específico de ocasionar pavor social ou geral, não importando se ele vai conseguir ou não o seu objetivo.

É salutar ressaltar, entretanto, que a elementar “terror social ou generalizado” é bastante infeliz, por consubstanciar uma cláusula ampla, vaga e incerta, afrontando claramente o princípio da legalidade penal e seu subprincípio da determinação taxativa tão caros ao Direito Penal típico de um Estado Democrático de Direito.

Por último, há que se mencionar o requisito objetivo: os atos terroristas devem expor a perigo a pessoa, o patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. No entanto, não há a necessidade de acarretar danos aos bens jurídicos aludidos, mas apenas expô-los a perigo.

A Lei Antiterrorismo brasileira, além de ter definido, tipificou o crime de terrorismo em seu artigo 2º, parágrafo 1º, incisos I, IV e V.

Na dicção do artigo 2º, § 1º, I, da Lei 13.260/16, são atos de terrorismo usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa, desde que a motivação esteja relacionada com a xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião e haja o escopo de acarretar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Malgrado necessária, a tipificação do delito de terrorismo não foi realizada corretamente, posto que alguns termos que compõem e definem os “atos de terrorismo”, notadamente os estabelecidos no inciso I, são genéricos e inexatos, transgressores, pois, do primado da legalidade, em virtude da ausência de taxatividade. Como exemplo de expressão extremamente vaga e imprecisa pode ser citada a seguinte: “guardar, portar ou trazer consigo (…) outros meios capazes de causar danos” (inciso I).

É oportuno esclarecer, ainda, que a Lei 13.260/16 se mostrou bastante lacunosa ao não trazer em seu bojo os conceitos das elementares “explosivos”, “gases tóxicos”, “venenos”, “conteúdos biológicos”, “químicos” e “nucleares”, acarretando, com isso, incerteza e insegurança jurídica, que podem levar ao cometimento de arbitrariedades quando da aplicação da lex ao caso concreto.

São, também, atos de terrorismo, estatuídos no artigo 2º, § 1º, inciso IV,  sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento, tendo como motivações xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, com intuito de ocasionar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, paz pública ou incolumidade pública.

Da interpretação do dispositivo legal extrai-se que o pânico social ou geral pode ser provocado por meios violentos (regra geral) ou não violentos, a exemplo dos ciber ataques.

O ciber terrorismo pode ser definido como a espécie de terror pela qual crackers empreendem ataques destrutivos a computadores e suas redes, mormente a internet, atingindo meios de comunicação e de transportes, como também instalações públicas e privadas, causando terror generalizado à sociedade.

Conforme lecionam Débora de Souza de Almeida e Fábio Roque:

“A possibilidade de “servir-se de mecanismos cibernéticos” demonstra que o legislador estava atento a novas tecnologias e a novas táticas. De fato, o terrorismo pode ser perpetrado sem que se recorra a armamentos: com os avanços da era digital, o uso de mecanismos de inteligência por si só já seria capaz de causar estragos significativos. Um exemplo disso é a possibilidade de um terrorista manipular ou “derrubar” o sistema de controle de tráfego aéreo, causando uma grande tragédia, como a queda de aviões. Como se pode perceber, a ação não é armada, mas o resultado continua sendo altamente violento. Assim, é equivocada a noção de que as consequências do ciber terrorismo são sempre desprovidas de tangível violência[10].”

Em arremate, são considerados atos de terrorismo, pela Lei 13.260/16, em seu artigo 2º, § 1º, V, atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, com o desiderato de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, paz pública ou incolumidade pública.

Sem dúvida alguma, pode-se afirmar que o fenômeno terrorista consegue propalar, de forma mais intensa, o medo e o pânico na coletividade quando os seus ataques acarretam mortes e lesões corporais nos alvos desejados.

O crime em tela (art. 2º, § 1º, V, Lei 13.260/16) não exige como resultado a morte ou a produção de lesões corporais nos indivíduos, sendo necessário apenas o cometimento do atentado terrorista com o intuito de gerar danos à vida ou à integridade física das pessoas.

Como consequência imediata deste raciocínio, caso a ofensiva terrorista não chegue a produzir óbitos ou lesões corporais, o (s) agente (s) responderão apenas pelo delito de terrorismo estampado no artigo 2º, § 1º, V, da Lei 13.260/16. De outro lado, se houver, como consequência do episódio terrorista, mortes ou lesões a indivíduos, os terroristas deverão ser punidos pelas infrações penais de terrorismo e de homicídios e/ou lesões corporais em concurso formal impróprio, de acordo com o que estabelece o preceito secundário do artigo 2º da Lei Antiterror (“Pena – reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência”).

Ao examinar o tipo penal supracitado, constata-se que a Lei 13.260/16 não previu como “atos de terrorismo” condutas agressoras dos bens jurídicos liberdade individual e dignidade sexual, as quais são bastante utilizadas como tática para promover o terror em várias partes do mundo. Para corroborar tal afirmação, basta recordar que organizações terroristas se valem de sequestros, estupros e outras violações sexuais para atemorizar e disseminar o pânico entre os indivíduuos, a exemplo dos grupos terroristas Boko Haram e ISIS.

De acordo com os ensinamentos de João Batista Moura:

“Outro aspecto de omissão legislativa relaciona-se ao inciso V do § 1º, ao prever apenas a vida e a integridade física da pessoa como bens jurídicos tutelados, deixando de antever a liberdade individual e a dignidade sexual das pessoas. Ora, é sabido que muitas ações terroristas cometidas em outros países consistem em sequestrar pessoas, com o fim de obtenção de resgates ou escambo de reféns. Por outro lado, mulheres comumente são sequestradas e aprisionadas como objeto de valor e uso por terroristas, de forma a sustentar suas ações e aterrorizar[11].”

No que tange à sanção penal cominada aos delitos de terrorismo elencados no artigo 2º, § 1º, incisos I, IV e V (“reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência”), verifica-se claramente que houve desrespeito ao postulado da proporcionalidade, pois o legislador ordinário atribuiu a mesma pena a comportamentos de níveis distintos de gravidade. Para se ter ideia, comina-se a mesma sanção de 12 a 30 anos de reclusão para as condutas de “usar ou ameçar usar, transportar (…) explosivos” e “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”.

Vislumbra-se, também, a transgressão do princípio da proporcionalidade (proibição de excesso) ao se imputar reprimendas penais draconianas para o crime de terrorismo. Uma prova disso é o fato de o homicídio (art.121, CP), que protege o bem jurídico de maior valia do ordenamento jurídico-penal (vida), seja na modalidade simples ou na qualificada, ser punido com um patamar inferior ou igual ao delito de terrorismo.

Para arrematar, é vital acrescentar que é delito de terrorismo apenas o previsto no artigo 2º,caput, c/c o parágrafo 1º, incisos I, IV e V. Logo, apenas essa infração penal é equiparada a crime hediondo, aplicando-se somente a ela os consectários da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos).

Fazendo coro a esse entendimento, Débora de Souza de Almeida enuncia que:

“Neste horizonte, conclui-se que o art. 2º é o responsável por buscar tipificar o terrorismo, crime equiparado a hediondo. Os demais delitos da lei, não tipificam o terrorismo, mas condutas a ele relacionadas (e, por isso, não são equiparados a hediondos). Nesta relação, é mantida a autonomia de cada tipo penal, mas que encontra na vigência e validade do art. 2º um pressuposto abstrato para a sua aplicação, por exemplo: para que reste caracterizado o crime de integrar uma organização terrorista, exige-se que esta esteja voltada para a prática do art. 2º, § 1º (art. 3º c/c art. 19); para que seja configurado o delito de fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, deve o agente ter o propósito de praticar algum dos atos do art. 2º, § 1º (art. 5º, § 1º, II); para que se incorra no crime do art. 6º, a conduta precisa estar voltada para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei, o que significa estar voltada para o art. 2º ou aos demais delitos, que, por seu turno, têm no art. 2º um pressuposto abstrato[12].”

Possuindo a mesma opinião sobre o tema, Marcelo Rodrigues da Silva preleciona que “diante desta análise inicial, podemos inferir que o terrorismo autêntico está explicitado no artigo 2º, caput, c.c. seu § 1º da Lei 13.260/16”[13]. E arremata o autor:

“Na realidade os crimes relacionados nos artigos 3º, 5º e incisos I e II e 6º da Lei 13.260/16 não são atos terroristas (não se trata de terrorismo autêntico), mas sim atos que antecedem, fomentam ou organizam condutas terroristas[14].”

Assim, o artigo 3º prevê o delito de promoção de organização terrorista; o artigo 5º, caput, incrimina os atos preparatórios de terrorismo; o artigo 5º, § 1º, incisos I e II, pune, respectivamente, o recrutamento e o treinamento de terroristas; e o artigo 6º tipifica o financiamento direto (caput) e o indireto (parágrafo único) do fenômeno terrorista, não podendo ser aplicados os rigores da Lei 8.072/90 a quem for condenado pelo cometimento de tais delitos, já que não são crimes equiparados a hediondo.

 

  1. Infrações correlatas ao terrorismo

Partindo do pressuposto de que é crime de terrorismo apenas o previsto no artigo 2º, caput, c.c. o § 1º, incisos I, IV e V, da Lei 13.260/16, faz-se mister realizar, na sequência, um breve exame das infrações penais correlatas ao fenômeno terrorista estampadas nos artigos 3º, 5º e 6º da Lei Antiterror brasileira.

O artigo 3º da Lei em comento trata do delito de participação em organização terrorista, incriminando as condutas de promover, constituir, integrar ou prestar auxílio a organização terrorista, pessoalmente ou através de interposta pessoa.

Promover significa dar impulso, favorecer o progresso da organização terrorista. Por sua vez, o verbo nuclear constituir concerne à criação, à fundação de um grupo terrorista e integrar diz respeito à associação, fazer parte de tal grupamento. Finalmente, a conduta de prestar auxílio revela a ajuda material, a cooperação com uma organização que pratique atos de terror.

No que tange à elementar “prestar auxílio”, é importante frisar que o fato praticado somente se amoldará ao tipo penal do artigo 3º da Lei 13.260/16 se houver uma colaboração efetiva para o sucesso da organização terrorista, não se configurando apenas com manifestações de apoio e simpatia.

O ilícito penal de participação em organização terrorista pode ser classificado como comum (pode ser praticado por qualquer pessoa), plurissubjetivo ou de concurso necessário (deve ser cometido por mais de uma pessoa, já que não pode existir um grupo com apenas um indivíduo), doloso (não admitindo modalidade culposa), formal (não exige resultado naturalístico para a consumação), plurissubsistente (sendo permitido o fracionamento do iter criminis e, consequentemente, a tentativa), de ação múltipla ou de conteúdo variado (a concretização de várias condutas típicas no mesmo contexto configura delito único) e de perigo abstrato (vez que o risco é presumido por lei).

Afinal, importa frisar que o crime de promoção de organização terrorista infringe os princípios da legalidade penal, sob o aspecto do mandado de certeza (uso de termos vagos e incertos); da ofensividade (por ser um delito de perigo abstrato e punir autonomamente a preparação) e o da proporcionalidade (pune com a mesma sanção condutas com graus diferentes de gravidade).

Noutro giro, o artigo 5º, caput, da Lei 13.260/16 sanciona quem realiza atos preparatórios de terrorismo, com o propósito inequívoco de consumar tal delito.

Todavia, é tarefa hercúlea senão impossível precisar a abrangência das elementares que integram a figura típica em análise, dado que é composta por termos abertos, gerais e incertos, desrespeitando, por conseguinte, o princípio da legalidade, por ausência de taxatividade. Como apontar quais atos preparatórios de terrorismo seriam idôneos para consumar o delito? Como determinar as condutas com o intuito inequívoco de consumar o crime? Parece ser totalmente infrutífera a tentativa.

Além de descumprir o postulado da legalidade, a infração penal do artigo 5º, caput, da Lei Antiterrorismo, desrespeita, identicamente, o primado da lesividade, porquanto pune atos preparatórios de atos preparatórios, contribuindo para um demasiado adiantamento das barreiras de punibilidade.

O ilícito penal de atos preparatórios de terrorismo é comum, doloso, comissivo, de concurso eventual, de perigo abstrato, formal e unissubsistente, não admitindo a tentativa, vez que esta exige pelo menos o início da execução, nos termos do artigo 14, inciso II, do Código Penal. Como o art. 5º, caput, da Lei 13.260/16, incrimina atos preparatórios de terrorismo não há possibilidade de incidência do conatus.

É oportuno salientar, ainda, a total impossibilidade de aplicação dos institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz (art.15, CP) ao crime de atos preparatórios de terrorismo, como ordena o artigo 10, da Lei Antiterror.

Chega-se a essa conclusão, após se constatar que tanto a desistência voluntária (quando o agente, por sua vontade, abandona a execução após iniciá-la) como o arrependimento eficaz (em que o sujeito ativo esgota os meios executórios, mas toma providências para evitar a consumação) exigem para a sua incidência o início da prática de atos executórios, o que não é possível, já que o delito do artigo 5º, caput, pune atos preparatórios. O legislador agiu mais uma vez de modo equivocado.

Por sua vez, o artigo 5º, parágrafo 1º, inciso I, da Lei 13.260/16, tipifica a conduta do agente que, com o propósito de cometer atos de terrorismo, recruta, organiza, transporta ou municia pessoas que viajem para país diferente daquele de sua residência ou nacionalidade.

Recrutar significa aliciar, arregimentar pessoas com um objetivo específico. De outra banda, organizar quer dizer sistematizar, coordenar e transportar consiste em conduzir de um local para o outro. Por último, a ação de municiar indica o provimento, abastecimento ou armamento.

Lado outro, o artigo 5º, parágrafo 1º, inciso II, da Lei 13.260/16, sanciona o agente que, com o intuito de praticar atos de terrorismo, fornece ou recebe treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.

Fornecer treinamento quer dizer ministrar, propiciar, proporcionar conhecimento a alguém sobre algo, ao passo que receber treino revela a aceitação de alguma oferta, no caso, adquirir conhecimentos sobre o terrorismo e/ou como praticá-lo.

Nota-se que o legislador teve boa intenção e manifestou estar atento às novas formas de expansão do terrorismo ao criminalizar os ilícitos penais estabelecidos no art. 5º, § 1º, incisos I e II, visto que o recrutamento de novos terroristas, principalmente dos chamados ratos solitários, mediante a rede mundial de computadores (revista digital Dabiq, do Estado Islâmico) ou outros meios (periódico Inspire publicado pela Al-Qaeda) é uma realidade que têm contribuído bastante para o crescimento dos ataques terroristas.

Dissertando sobre o recrutamento realizado pelos grupos terroristas, nos dias de hoje, Rogério Greco assevera:

“A criatividade desses grupos extremistas é tão grande, a ponto de criarem sua própria versão do facebook, chamada de muslimbook, além de aplicativos para celulares, a exemplo do chamado Dawn of Glad Tidings, que mantém o usuário atualizado sobre a organização do grupo terrorista. Se não bastasse, também copiam e adaptam jogos de videogame, onde matam soldados americanos, colocam artefatos explosivos, fazem emboscadas a grupos que lhe são rivais, enfim, seus especialistas criam todo um aparato para atrair outros simpatizantes para as suas fileiras, como também para entreter seus próprios combatentes, como nos informa Ángela Rodicio, em sua obra sobre o recrutamento de meninas para a yihad islâmica[15].”

Do mesmo modo, o treinamento tem papel significativo no aumento vertiginoso dos atentados, bastando lembrar que pessoas de diversas nacionalidades migraram de seus países, com o fito de receberem treino de organizações terroristas, como o Estado Islâmico.

A respeito do treinamento empreendido pelos mais diversos grupos terroristas, Greco relata que:

“Tal como ocorre com as forças de segurança pública estatais, que possuem campos de treinamento para aqueles que nelas ingressam mediante concurso público, como é o caso do Brasil, e fazem testes para sua permanência, existem também campos de treinamento terroristas, a exemplo do que ocorre com a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, onde o candidato poderá ser aprovado ou mesmo rejeitado pelo grupo terrorista, caso não obtenha sucesso nos testes para sua permanência. São submetidos a desde avaliações psicológicas, até aquelas de natureza física, podendo ser reprovados, mesmo após o recrutamento inicial[16].”

Em contrapartida, o legislador infraconstitucional mostrou todo o seu despreparo e atecnia ao prever, no artigo 5º da Lei Antiterrorismo, o parágrafo 2º, que traz uma causa especial de diminuição de pena nas hipóteses em que a viagem ou o treinamento ocorrerem no mesmo país de residência ou nacionalidade dos indivíduos envolvidos. Tal parágrafo é inaplicável, visto que os tipos penais esculpidos nos incisos I e II do § 1º do artigo 5º exigem para a sua configuração o treinamento ou viagem para país diferente daquele de sua origem ou nacionalidade, não se admitindo, sob pena de transgressão ao postulado da legalidade (não há crime nem pena sem lei certa, precisa, livre de incoerências) que, de maneira completamente contraditória, haja um dispositivo com o teor do § 2º.

Melhor seria ter o legislador previsto um tipo penal específico destinado a abarcar as condutas de treinamento e recrutamento que ocorressem em solo nacional.

Ao cabo, é relevante analisar sinteticamente os crimes tipificados no artigo 6º, caput e no parágrafo único, da Lei 13.260/16, que foram criados com o escopo fundamental de lutar contra todas as formas de financiamento do fenômeno terrorista elencadas na Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo de 1999, da qual o Brasil é signatário e que foi internalizada pelo Decreto nº 5.640/2005.

O combate ao financiamento do terror é uma medida louvável e importantíssima no desbaratamento das organizações terroristas, posto que estas precisam de dinheiro para executar os atentados, não importando se as fontes são lícitas (v.g., doações feitas por simpatizantes ou provenientes de trabalhos legais desenvolvidos pelo grupo) ou ilícitas (oriundas da prática de vários crimes, como o tráfico de drogas, de armas, sequestros, assaltos a bancos, extorsões etc). O que interessa no final das contas é obter recursos para cumprir o desiderato terrorista.

Contudo, convém anotar que as duas modalidades de financiamento ao fenômeno terrorista trazidas pela Lei 13.260/16 (autofinanciamento e heterofinanciamento) possuem caracteres intrínsecos à tese do Direito Penal do inimigo, pois desrespeitam os princípios da ofensividade (são crimes de perigo abstrato) e da proporcionalidade, sob o prisma da vedação de excesso, ao cominar a pena altíssima de 15 a 30 anos de reclusão, uma das maiores de todo o sistema penal brasileiro.

O artigo 6º, caput, da Lei Antiterror tipifica o financiamento direto do terrorismo, consistente nas condutas de receber (aceitar algo, admitir), prover (promover, abastecer, guarnecer), oferecer (prometer, ofertar), obter (alcançar, granjear), guardar (preservar, conservar algum bem ou coisa), manter em depósito (estocar, armazenar), solicitar (requerer, pedir), investir (aplicar, empregar) de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos delitos estatuídos na Lei 13.260/16.

Do tipo penal em comento, extrai-se que o sujeito ativo administra os ativos, mediante os diversos fatos incriminados, a fim de planejar, preparar ou executar os ilícitos criminais elencados na Lei Antiterror brasileira. Trata-se, assim, de uma modalidade imediata de financiamento do terrorismo.

O crime preceituado no artigo 6º, caput, da Lei de Enfrentamento ao Terrorismo poder ser classificado como: comum, doloso, comissivo, pluriofensivo, de ação múltipla ou de conteúdo variado, de perigo abstrato e formal.

Por sua vez, o artigo 6º, parágrafo único, da Lei Antiterrorismo pune quem oferece ou recebe, obtém, guarda, mantém em depósito, solicita, investe ou de qualquer modo contribui para a obtenção de ativo, bem ou recurso financeiro, com o escopo de financiar, total ou parcialmente, pessoa, grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa que tenha como atividade principal ou secundária, embora em caráter eventual, o cometimento dos delitos estampados na Lei 13.260/16.

Vislumbra-se, aqui, o financiamento indireto ou mediato do terror, já que o agente angaria ativos, com o fito de subsidiar pessoas ou organizações terroristas perpetradoras das infrações penais previstas na Lei 13.260/16.

O artigo 6º, parágrafo único, da Lei Antiterrorismo é um crime comum, doloso, comissivo, pluriofensivo, tipo misto alternativo, formal, de concurso eventual e de perigo abstrato.

 

  1. Causa de exclusão do crime de terrorismo (art. 2º, § 2º, lei 13.260/16)

Antes da promulgação da Lei 13.260/16 havia o receio de que manifestações, movimentos político-sociais e outros congêneres fossem tipificados como terrorismo, o que não ocorreu, uma vez que o parágrafo 2º, do art. 2º, da Lei Antiterror vedou expressamente tal possibilidade.

A liberdade de expressão, premissa de uma sociedade pluralista e de um regime democrático, desdobra-se, basicamente, nos direitos de manifestação do pensamento (art. 5º, incisos IV, VIII e IX, da CF/88) e de reunião (art. 5º, inciso XIV, CF/88).

As liberdades de manifestação e de reunião, exteriorizadas, primordialmente, por meio de protestos, passeatas, comícios, procissões, lastreiam-se na multiplicidade e diversidade de pontos de vista, não podendo ser restringidas através de processos de criminalização, já que buscam, via de regra, reivindicar modificações necessárias nos campos social, cultural, econômico, político etc. Portanto, a tentativa de incriminação de movimentos sócio-políticos e assemelhados consistiria grave violação à liberdade de expressão e, em última análise, acarretaria o fim da própria democracia.

Nessa perspectiva, adverte Giancarlo Silkunas Vay:

“É por igual razão que toda e qualquer tentativa legislativa de criminalizar movimentos sociais e protestos, ou conceber tratamento mais gravoso para os que deles tomem parte, deve ser veementemente rechaçada por padecer de inconstitucionalidade em sua gênese, uma vez que não respeita o conteúdo essencial dos direitos fundamentais[17].”

Diferentemente do terrorismo, as manifestações almejam alterações no seio da sociedade e não propalar o pavor característico do fenômeno terrorista. Além do mais, os movimentos sociais e outros similares são tutelados pela Constituição Federal em vários dispositivos, mormente pelo artigo 5º, incisos IV e XVI, que, respectivamente, garantem a liberdade de manifestação de pensamento e o direito de reunião, sendo peculiares de um Estado Democrático de Direito.

Pensam da mesma maneira Callegari e Linhares ao enunciarem:

“Contudo, além de serem as manifestações o exercício de um direito democrático de reivindicação, já em um primeiro momento, se faz ausente nesses movimentos reivindicatórios a característica do discurso do terror. Por mais que algumas manifestações acarretem o sentimento de amedrontamento em determinadas pessoas, esse não é um objetivo do grupo manifestante como o é do grupo terrorista em sua instrumentalização das pessoas[18].”

Embora não haja o risco razoável de manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, serem enquadrados como ilícito penal de terrorismo encartado no art. 2º, § 1º, incisos I, IV e V, da Lei 13.260/16, existe a possibilidade destes comportamentos se amoldarem aos outros tipos penais da Lei Antiterror, já que o legislador, erroneamente, utilizou-se da expressão “o disposto neste artigo não se aplica”, revelando a ideia de que somente não se aplicariam as disposições do parágrafo segundo da Lei ao delito de terrorismo estampado no artigo 2º, § 1º, incisos I, IV e V.

Nessa esteira de raciocínio, ensinam Débora de Souza e Fábio Roque:

“Diante deste último panorama, revela-se justificável a preocupação das organizações sociais e dos organismos internacionais de Direitos Humanos de que indivíduos em manifestações políticas ou movimentos sociais e assemelhados resultem criminalizados pela Lei Antiterrorismo (ainda que não seja pelo art. 2º). E dentre as figuras delitivas deste diploma, a que mais parece provável de incidir nestes casos é o art. 5º, caput, que trata dos atos preparatórios de terrorismo. Com descrição altamente genérica, este tipo penal permite a inclusão de praticamente qualquer ação sob sua égide, até o envio de uma simples mensagem por WhatsApp cujo teor possa, segundo a subjetividade do intérprete da lei, denotar alguma relação com terrorismo[19].”

Logo, agiu mal o legislador ordinário ao não ampliar a causa excludente de crime do parágrafo 2º, do art. 2º, aos demais tipos incriminadores da Lei Antiterrorismo, o que acabaria com qualquer viabilidade de criminalização de movimentos político-sociais e outros análogos.

Questão interessante e que poderá gerar celeuma na doutrina e na jurisprudência está relacionada à natureza jurídica do art. 2º, parágrafo 2º, da Lei Antiterrorismo.

Conquanto haja quem defenda ser o artigo 2º, § 2º, da Lei 13.260/16 uma justificante penal, parece mais apropriado entender que o dispositivo legal supracitado é causa excludente de tipicidade, uma vez que quem participa de manifestações sociais e outras assemelhadas objetiva exercitar os seus direitos constitucionais de liberdade de expressão e manifestação, não havendo o dolo de praticar os atos de terrorismo (§ 1º, incisos I, IV e V, do art. 2º) nem muito menos o dolo especifico de causar terror social ou generalizado.

Portanto, ausente a conduta dolosa não há que se falar em fato típico nem crime, tratando-se o instituto em tela de causa excludente de tipicidade penal.

Por último, é relevante destacar que, de acordo com a parte final do preceito ora analisado (“sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”), não se permitiu um abuso dos direitos à livre manifestação e expressão, amoldando-se eventuais excessos cometidos (depredações ou deteriorações de bens públicos e privados, vandalismo etc) aos diversos tipos penais trazidos pelo Código Penal ou pela legislação extravagante. Aqui, atuou de forma correta o legislador, já que nenhum direito é absoluto, devendo ser punido quem atuar de forma criminosa.

Exemplificando muito bem a possibilidade de punição em caso de cometimento de infrações penais durante movimentos político-sociais e assemelhados, Marion Bach leciona:

“Pense-se, a título ilustrativo, em uma manifestação legítima que buscasse chamar a atenção das autoridades políticas para a questão da saúde em determinado município. Caso os manifestantes, dentre os atos de manifestação, decidissem pichar monumento urbano com dizeres conscientizadores, incorreriam nas sanções previstas no art. 65, da Lei 9605/98. Caso os mesmos manifestantes se excedessem em suas manifestações e acabassem por quebrar as janelas de uma residência particular, com pedradas, incorreriam nas sanções previstas no art. 163 do Código Penal, que prevê a pena de 01 (um) a 06 (seis) meses ou multa para quem, dolosamente, destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia. Caso o dano praticado fosse contra patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena imposta seria de 06 (seis) meses a 03 (três) anos[20].”

 

Conclusão

Diante de tudo que foi exposto neste trabalho podemos tecer as seguintes conclusões.

O legislador brasileiro obedeceu ao mandado constitucional de penalização encartado no artigo 5º, inciso XLIII, da CF/88 ao editar a Lei 13.260/16, conceituando e incriminando o fenômeno terrorista.

Não obstante tenha observado uma norma constitucional obrigatória, o legislador ordinário o fez de maneira totalmente equivocada, já que a definição jurídica e a tipificação do terror violou claramente diversos princípios do Direito Penal, como os primados da legalidade, da ofensividade e da proporcionalidade.

As transgressões aos postulados estruturantes do Direito Penalnão se restringiram apenas ao conceito e à criminalização do terrorismo, mas também às infrações penais correlatas estatuídas, a exemplo dos delitos de promoção de organização terrorista, de atos preparatórios de terrorismo, de treinamento e de recrutamento de terroristas e de financiamento ao terror.

Ademais, a Lei Antiterror falhou ao não estender a cláusula de exclusão do delito de terrorismo (artigo 2º, parágrafo 2º) aos demais tipos penais previstos no novel diploma, ou seja, os movimentos político-sociais e outros assemelhados não podem sofrer adequação típica ao crime de terrorismo, mas podem, dependendo da interpretação que se faça, se amoldarem aos outros ilícitos criminais da Lei 13.260/16.

 

Referências

ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais. Salvador: JusPodivm, 2017.

 

BUSATO, Paulo César e outros. Lei antiterror anotada. Paulo César Busato (Coord.). Indaiatuba: Editora Foco, 2018.

 

CALLEGARI, André Luís; LINHARES, Raul Marques. O Direito Penal do Inimigo Como Quebra do Estado de Direito: A Normalização Do Estado De Exceção. Disponível em: https://periodicos.unichristus.edu.br/opiniaojuridica/article/view/552/261.

 

GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019.

 

MOURA, João Batista. Crime de Terrorismo: uma visão principiológica à luz da Lei 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017.

 

SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações terroristas: intersecções e diálogos entre as Leis 12.850/13 e 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017.

 

VAY, Giancarlo Silkunas. O direito de protestar e sua relação com o direito penal. Boletim IBCCrim, ano 22, nº 255, fevereiro/2014.

 

MATERIAL NORMATIVO

           

BRASIL. Lei 13.260 de 13 de Março de 2016.

 

BRASIL. Lei 7.170 de 14 de Dezembro de 1983.

 

BRASIL. Lei 12.850 de 2 de Agosto de 2013.

 

BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 1988.

 

BRASIL. Código Penal.

 

BRASIL. Lei 8.072 de 25 de Julho de 1990.

 

BRASIL. Decreto nº 5.640 de 26 de Dezembro de 2005

.

 

 

[1] Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Penal pela Faculdade IBMEC/SP. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. E-mail: [email protected].

[2] CARUNCHO, Alexey Choi; CAVAGNARI, Rodrigo Jacob; FERREIRA, Alex Wilson Duarte; SCANDELARI, Gustavo Britta. In: BUSATO, Paulo César (Coord.). Lei Antiterror Anotada: Lei 13.260 de 16 de março de 2016. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2018. Pág. 09.

[3] SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações terroristas: intersecções e diálogos entre as Leis 12.850/13 e 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 195.

[4] BACH, Marion; BARTOLOMEU, Priscilla Conti; DAVID, Décio Franco; PEREIRA, Giulliana Gadelha; SÁ, Priscilla Placha; SANTOS, Evandro Vinicius Leonel dos. In: BUSATO, Paulo César (Coord.). Lei Antiterror Anotada: Lei 13.260 de 16 de março de 2016. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2018. Pág. 26.

[5] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 185. Conforme Débora de Souza de Almeida e Fábio Roque, “a agressão por razões de intolerância à pessoa jurídica de origem estrangeira (por esta ser ou conter uma marca vinculada a um suposto ‘símbolo do capitalismo’ internacional, por exemplo) não caracteriza xenofobia”.

[6] GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019. Pág. 256.

[7] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 189.

[8] GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019. Pág. 222.

[9] GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019. Pág. 16.

[10] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 212.

[11] MOURA, João Batista. Crime de Terrorismo: uma visão principiológica à luz da Lei nº 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 168.

[12] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 162-163.

[13] SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações terroristas: intersecções e diálogos entre as leis 12.850/13 e 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 201.

[14] SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações terroristas: intersecções e diálogos entre as leis 12.850/13 e 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 202.

[15] GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019. Pág. 184-185.

[16] GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019. Pág. 183-184.

[17] VAY, Giancarlo Silkunas. O direito de protestar e sua relação com o direito penal. Boletim IBCCrim, ano 22, nº 255, fevereiro/2014, pág. 18.

[18] CALLEGARI, André Luís; LINHARES, Raul Marques. Terrorismo: uma aproximação conceitual. Disponível em: https://revistas.uexternado.edu.co/index.php/derpen/article/view/4152/4495. Acesso em: 14/05/2019.

[19] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 229.

[20] BACH, Marion. In: BUSATO, Paulo César (Coord.).  Lei Antiterror Anotada: Lei 13.260 de 16 de março de 2016. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2018. Pág. 78.

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