As terminologias do narcotráfico

Resumo: O presente artigo tem como escopo a investigação sobre as terminologias do narcotráfico, confluindo entendimentos de significantes e significados. As terminologias institucionais ligadas ao combate do Estado ao narcotráfico através de suas instituições policiais, bem como as terminologias jurídicas que embasam o primeiro viés, são os espeques que apoiam a presente investigação. Neste pé, se vislumbra percorrer de forma lógica, dentro do contexto de emprego, e dentro do contexto de uso, de palavras que influem diretamente no palco de eventos relacionados às instituições policiais, às leis que estipulam o combate ao narcotráfico, dando um balizamento norteador nesta confluência.

Palavras-chave: Lei de drogas; narcotráfico; investigação policial.

Abstract: This article has as scope the investigation on the terminologies of drug trafficking, converging understandings of signifiers and meanings. Institutional terminologies linked to the State's fight against drug trafficking through its police institutions, as well as the juridical terminologies that underlie the first bias, are the factors that support the present investigation. In this context, it is envisaged to logically traverse, within the context of employment, and within the context of use, words that directly influence the stage of events related to police institutions, laws that stipulate the fight against drug trafficking, giving a guiding beacon at this confluence.

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Keywords: Drug law; drug trafficking; police investigation.

Sumário: 1. Introdução. 2. As diversas terminologias institucionais do narcotráfico. 3. As diversas terminologias institucionais do narcotráfico. 4. Conclusão. 5. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O narcotráfico e sua escusa atividade criminal se trata de um dos maiores problemas de segurança pública no Brasil, sendo o entrave para o sucesso de índices de pacificação social, elevando as estatísticas criminais de maneira a termos números comparados com países comumente beligerantes.

O Brasil elencou na Constituição Federal de 1988 as suas forças componentes do sistema de segurança pública, criando no âmbito federal, bem como nos Estados e no Distrito Federal, as forças policiais.

As instituições policiais judiciárias, aquelas apontadas para a investigação do narcotráfico, criaram em seu âmbito de atuação, unidades específicas, conhecidas como delegacias especializadas e departamentos especializados.

Neste pé, no primeiro capítulo abordaremos o viés das terminologias institucionais do narcotráfico.

Por outro lado, os regramentos estipulados pelas leis vigentes no nosso país também especificaram terminologias para designar as substâncias proibidas. O que vai de encontro ao segundo capítulo, o qual versa sobre as terminologias jurídicas do narcotráfico.

Por fim, o trabalho pretende criar um elemento norteador de pesquisas e entendimentos técnico-jurídicos do trabalho policial.

2. AS DIVERSAS TERMINOLOGIAS INSTITUCIONAIS DO NARCOTRÁFICO

O enfrentamento mundial ao tráfico ilícito de drogas acabou por fornecer um vasto número de substantivos utilizados para designar substâncias e produtos que o Estado adotou como itens de proibição de negociações, transações, tradições, utilizações indiscriminadas, entre outras. Neste sentido, surgiram ao longo dos tempos uma gama de identificações como narcóticos, ópios, tóxicos, drogas, entorpecentes, alucinógenos, psicoativos, psicotrópicos, entre outros.

No Brasil, primeiro país do mundo em que foi editado uma lei para proibir a maconha, a primeira denominação foi de “pito de pango”, em uma lei criada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro no §7 da postura que regulamentava a venda de gêneros e remédios pelos boticários, conforme menção:

Diz o §7º do Título II:

“É prohibida a venda e uso do pito de pango, bem como a conservação dele em casas públicas; os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas que dele usarem, em oito dias de prisão”. (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2017)

“Pango” se referia a um cachimbo de barro comumente utilizado naquela época para se fumar a maconha, ou cânhamo, como também era designada à época, sendo um anagrama da palavra maconha. Boticários, por sua vez, tratavam-se da denominação do ofício que hodiernamente designamos como farmacêuticos. Observa-se, que no regramento a conduta de usar era mais gravemente punida do que a de vender, o usuário era preso, o vendedor ilegal (traficante) pagava multa.

O termo DROGAS aparentemente é proveniente do francês antigo, “drouge”, que veio do termo “droge-vate”, usado pelas línguas germânicas (“droog”, holandês antigo) das partes baixas da Europa, designando mercadorias secas como remédios, os quais consistiam na época, na maioria das vezes, em ervas desidratadas (secas). Neste diapasão, temos uma gama de produtos que designam substâncias que possam prevenir ou curar doenças, aumentar o bem-estar físico ou mental, designando agentes químicos que alteram os processos bioquímicos e fisiológicos de tecidos e organismos, tendo como proa a visão farmacológica.

Carneiro (2005) aduz que uma conceituação para a palavra droga, vejamos:

“A palavra “droga” provavelmente deriva do termo holandês droog, que significa produtos secos e servia para designar, do século XVI ao XVIII, um conjunto de substâncias naturais utilizadas, sobretudo, na alimentação e na medicina. Mas o termo também foi usado na tinturaria ou como substância que poderia ser consumida por mero prazer”. (p. 11)

A utilização do termo “drogas” isoladamente, conforme acima exposto, acaba não apresentando a sua função designativa da atividade de repressão estatal, vez que existe o comércio de drogas lícitas, ou de forma lícita, que podem ser manejadas (produção, estocagem, venda e aquisição) com autorização legal. Ademais, essa noção de ervas secas não traduz, em sua genealogia, às substancias sintéticas que atualmente também são objeto de proibição estatal.

O legislador brasileiro optou, quando da gênese da Lei 11343/06, conhecida como Lei de Drogas, pelo termo “drogas”, definindo-a como sendo as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência.

“Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. (Lei 11343 de 2006)

Como exemplo comparado, temos nos Estados Unidos da América uma polícia federal específica para o combate ao macro tráfico ilícito de drogas, designada pela sigla DEA (Drug Enforcement Administration), que em tradução figura como Administração de Fiscalização de Drogas.

O termo TÓXICOS, nas lições de Genival Veloso de França, designa “um grupo muito grande de substâncias naturais, sintéticas ou semi-sintéticas que podem causar tolerância, dependência e crise de abstinência” (2007, p. 321). O termo “tóxicos” advém do latim “toxĭcum”, que advém, por sua vez, do grego “τοξικόν”, que significa “veneno”). Neste sentido é a qualidade que caracteriza o grau de dano de qualquer substância nociva para um organismo vivo ou para uma parte específica desse organismo (órgão), como um veneno ou uma toxina produzida por um agente microbiano. Por esta razão o termo é ligado em primeira testa, com pesticidas e venenos (defensivos) agrícolas.

O termo ENTORPECENTES se referem a substâncias que entorpecem. O verbo entorpecer significa o ato de produzir torpor em (alguém ou a si mesmo); estar ou ficar em estado de torpor; sendo que por sua vez, torpor designa o sentimento de mal-estar caracterizado pela diminuição da sensibilidade e do movimento; entorpecimento, estupor, insensibilidade. Acontece que algumas drogas não causam a diminuição da sensibilidade, pelo contrário, aumentam a sensibilidade, são estimulantes, como as anfetaminas.

SERGIO DE OLIVEIRA MÉDICI aduz que dependente é “aquele que está subordinado às substâncias entorpecentes, sujeito às drogas, sob o poder dos tóxicos”, entendendo-se por dependência “o estado de quem está sujeito, sob o domínio, subordinado aos entorpecentes” (1977, p. 36). Em que pese o significado do conceito ser latente, percebe-se um jogo de palavras, uma necessidade de incluir todas as substâncias.

O termo ÓPIO, apesar de ser tratado como sinônimo de droga, origina-se da substância extraída da “papoula do oriente” (Papaver somniferum), neste sentido infere-se na produção de tipos específicos de substancias, entre elas a morfina, a codeína, a heroína, e outras. Desta forma, a maconha, e.g., não é um ópio.

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“Ao se fazer cortes na cápsula da papoula, quando ainda verde, obtém-se um suco leitoso, o ópio (a palavra ópio em grego quer dizer “suco”). Quando seco, esse suco passa se chamar pó de ópio. Nele existem várias substâncias com grande atividade. A mais conhecida é a morfina, palavra que vem do deus da mitologia grega Morfeu, deus dos sonhos.” (CEBRID, 2014, p. 25)

Assim, temos já a ideia de que a ação dos opiáceos no homem são de substâncias depressores do sistema nervoso central, diferentemente da cocaína, por exemplo, que é um estimulante.

O termo ALUCINÓGENOS designa substâncias capazes de produzir alucinações nos usuários, alterando sentidos, a percepção, a concentração, os pensamentos, e a comunicação, tendo como exemplo o LSD ou o ecstasy. Desta forma, não são todas as substâncias reguladas pelo Estado que são capazes de produzir alucinações, sendo que nos leva a um entendimento de que alucinógenos seria espécie e não gênero.

“A palavra alucinação significa, em linguagem médica, percepção sem objeto; isto é, a pessoa em processo de alucinação percebe coisas em que elas existam. Assim, quando uma pessoa ouve sons imaginários ou vê objetos que não existem ela está tendo uma alucinação auditiva ou uma alucinação visual.” (CEBRID, 2014, p. 49)

O termo PSICOTRÓPICO, também relacionado como drogas psicoativas, referem-se a substâncias que agem principalmente no sistema nervoso central. Em sua etimologia temos psico– (grego: alma; atividade mental) + -tropico (tornar; volta; ter atração por), resultando em ter atração pela atividade mental. Existe também uma classificação de psicotrópicos em estimulantes, depressores e alucinógenos, que acabam por designar alterações psicológicas.

No sentido acima, temos uma combinação denominada drogas psicotrópicas, que por sua vez se divide em três grupos. O primeiro identificado como drogas psicotrópicas depressoras da atividade do Sistema Nervoso Central, sendo aquelas capazes de diminuir a atividade de nosso cérebro, “deprimem seu funcionamento, o que significa dizer que a pessoa que faz uso desse tipo de droga fica ‘desligada’, ‘devagar’, desinteressada pelas coisas” (CEBRID, 2014, p. 7). O segundo identificado como drogas psicotrópicas estimulantes da atividade do Sistema Nervoso Central, sendo aquelas capazes de aumentar a atividade do nosso cérebro, “estimulam o funcionamento fazendo com que o usuário fique ‘ligado’, ‘elétrico’, sem sono” (CEBRID, 2014, p. 7). Por fim, o terceiro, identificado como drogas psicotrópicas perturbadoras da atividade do Sistema Nervoso Central, sendo aquelas ligadas não a quantidade de percepção, mas à qualidade, “o cérebro passa a funcionar fora de seu normal, e a pessoa fica com a mente perturbada” (CEBRID, 2014, p. 8).

O termo NARCÓTICOS (do grego νάρκωσις, significa estupefação ou torpor) refere-se a uma variedade de substâncias que induzem o adormecimento e reduzem ou eliminam a sensibilidade. Em termos medicinais, o termo designa apenas o ópio, os derivados do ópio e os seus substitutos sintéticos ou semi-sintéticos (opióides ou opiáceos), usados como anestésicos. O estado de narcose, por sua vez, é o estado de consciência (letargia) provocado pelo uso de narcóticos, sendo que narcótico seria uma substancia que causaria uma sonolência, um adormecimento.

Desta forma, a variedade de termos e designações acabam adentrando no linguajar do senso comum, produzindo um fenômeno de formação de signos que culmina em alterações de significados no modo prático, sobretudo pelas agências e unidades de polícia judiciária que detêm proa voltada para apuração de crimes desta estirpe.

Em Minas Gerais a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais detém um Departamento Especializado, DENARC – Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico, o qual combate ao tráfico ilícito não apenas de narcóticos, mas de todas drogas estipuladas na Portaria n. 344, de 12 de maio de 1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A Polícia Federal, por sua vez, detém a DRE – Divisão de Repressão a Entorpecentes, a qual por sua vez não combate apenas o tráfico de drogas que causam torpor, desestimulam (entorpecentes), mas sim, as drogas estipuladas na mesma Portaria descrita alhures.

A tendência nacional das Policias Civis é a utilização da nomenclatura DENARC, embora tenhamos outras siglas e denominações, vejamos: PARANÁ (DENARC – Divisão Estadual de Narcóticos); MATO GROSSO DO SUL (DENAR – Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfico); DISTRITO FEDERAL (CORD – Coordenação de Repressão às Drogas); BAHIA (DTE – Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes, ligado ao DENARC-BA); MARANHÃO (DENARC- Delegacia de Narcóticos); AMAZONAS ( DENARC – Departamento de Investigações sobre Narcóticos); GOIAS (DENARC – Delegacia Estadual de Repressão ao Narcotráfico); TOCANTINS (DENARC – Delegacia Especializada na Repressão a Narcóticos).

Conforme se vê, a tendência nacional das unidades de polícia judiciária que combatem o tráfico ilícito de drogas ilícitas é a denominação de combate ao narcotráfico, aderindo em sua repressão/ investigações, as variadas espécies de drogas estipuladas na Portaria n. 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Em 2014 a Secretaria Nacional de Segurança Pública –SENASP, vinculada ao Ministério da Justiça, elaborou um caderno temático baseado na terminologia POP – Procedimento Operacional Padrão. Um procedimento operacional padrão (POP) é uma espécie de estudo técnico que procura descrever requisitos e atividades necessários para alcance de um determinado resultado esperado, muito embora não seja de aplicação obrigatória, acaba por ser tornar um referencial aplicável a determinados contextos e operações da segurança pública como um todo.

No documento acima referenciado a SENASP adotou a terminologia “Drogas ilegais”, sendo que o referido caderno temático detém o título: “A Polícia Judiciária no enfrentamento às Drogas Ilegais”. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2014)

Em que pese o termo “narcóticos” ter tido um crescente uso no Brasil pelas polícias judiciárias, no mundo todo a designação “drogas” é a mais comum nas instituições, como nos exemplos: na ONU o Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (UNODC); na Rússia o Serviço Federal para o Controle de Drogas; e, também, nos Estados Unidos da América com o Drug Enforcemente Administration – DEA.

Percebe-se uma separação de significantes, mas não de significados vez que temos, de forma mais costumeira, a designação de “drogas” quando falamos em políticas públicas, e de como o tráfico ilícito de drogas afeta o Estado; e temos, por outro lado, a determinação de “narcóticos” quando apontamos a repressão policialesca do Estado. Como outro exemplo temos o Chile, país sul-americano, onde existe a Jefatura Nacional Antinarcóticos y Contra el Crimen Organizado, tal seja, Sede Nacional Anti-Narcóticos e Contra o crime organizado.

A palavra “tráfico” detém sentido semelhante da palavra “tráfego”, apontando a circulação de mercadorias, mas no sentido stricto aponta o viés de ilicitude, ou seja, aquilo que circula de forma ilegal. A palavra vem do italiano traffico. Em um estudo da Universidade Federal do Pará, realizado pelo Professor José Maia Bezerra Neto, temos o esclarecimento do caráter polissêmico da palavra Tráfico, bem como de um apontamento histórico referindo à escravatura e sua abolição no Brasil:

“Antes disso, era uma atividade comercial legal e lícita, senão legítima, sendo uma das formas de comércio denominadas como tráfico ou trafego, realizada por mercadores ou comerciantes também chamados de traficantes, isto é, aquele que leva uma mercadoria de um lugar ao outro, negociando-a com terceiros. Quando de sua proibição legal e, principalmente, quando de sua efetiva repressão, o comércio de escravos africanos tornou-se prática ilícita e condenada moralmente, sendo por isso muitas vezes denominado como tráfico ilícito, distinguindo-se, portanto, esse comércio infame de outras práticas comerciais denominadas como tráfico. Iniciava-se assim a construção da identidade dos comerciantes de escravos como traficantes e de seu comércio como tráfico, com o sentido negativo que essas palavras são usualmente empregadas no Brasil contemporâneo; ou seja, tráfico como negócio ilegal ou sujo e traficante como sujeito imoral e criminoso”. (NETO, 2009)

Observa-se, no contexto exposto, que temos substâncias nocivas à saúde pública definidas pelo Estado que não podem ser portadas, vendidas, ofertadas, sem autorização do Estado, ensejando àqueles que a manejam em conformidade com os núcleos dos tipos penais da legislação, a subjunção penal da sua conduta, ou seja, a prática de crime.

A designação “tráfico ilícito de drogas” nos apresenta como a terminologia mais adequada para a referência proposta, sendo que, embora o mais lógico seria unidades de polícia com a denominação de Delegacia Especializada na Repressão do Tráfico Ilícito de Drogas, temos a polissemia de palavras, bem como a construção de signos, ou seja, elementos gráficos de identificação que já levam ao receptor do signo um conjunto de mensagens, e que acabam por aproximar a população dos propósitos da instituição, fato que hodiernamente ocorre com a marca/signo DENARC e NARCÓTICOS.

Temos que ao investigar um fenômeno (tráfico ilícito de drogas), encontramos diferentes prismas, sejam eles referentes a normas jurídicas, referentes a instituições policiais, instituições sociais, e, neste sentido, situar-se sobre as facetas diversas que o tema referenciado pode nos chegar, é situar-se no seu objeto de investigação.

Drogas se referiam no passado a ervas desidratadas, mas agora detém novos significados, e o pesquisador que lida com essa estirpe de repressão acaba por ter a necessidade de deter um mínimo de entendimento morfológico e etimológico dos termos, pois assim, irá compreender a perspectiva proibitiva dos dias atuais.

3. AS DIVERSAS TERMINOLOGIAS JURÍDICAS DO NARCOTRÁFICO

No capítulo anterior, quando vimos algumas terminologias utilizadas no estudo da temática do tráfico ilícito de drogas, verificamos que os regimentos, ou seja, as leis que criminalizam a conduta do comércio de drogas também denominaram as substâncias proscritas de substantivos diferentes ao longo da história.

Como já dito, a primeira proibição brasileira para o uso da maconha foi em um código de posturas que previa na redação da referida lei a descrição “pito de pango”, ou seja, proíbe-se o pito (fumo) que se usa no “pango” (cachimbos de barro), que era, a saber, a maconha. Aqui há um dado importante, vez que, nem no momento histórico em que o legislador detinha tamanha facilidade para legislar (escrever leis), vez que ele só tinha uma substância para proibir o uso, e nem nessa vez, conseguiu ser objetivo e escrever diretamente a substância “maconha”.

Certa feita, uma equipe de investigadores da Polícia Civil recebeu Ordem de Serviço para investigar e apurar determinado fato criminoso, tal seja: policiais militares realizavam patrulhamento em uma via pública quando avistaram um indivíduo segurando uma sacola, este mudou seu comportamento ao avistar a viatura policial, demonstrando nervosismo. Os milicianos continuaram o patrulhamento rumando ao referido indivíduo, o qual em um ato de valentia criminosa, evadiu por dentro de um beco até não ser mais visto pelos policiais, deixando para trás a sacola plástica contendo diversos papelotes com substâncias brancas de características e texturas semelhantes à cocaína, e cerca de R$130,00 (cento e trinta reais). Também deixou para trás, sua carteira de identidade, sendo identificado pelos policiais através da fotografia no referido documento.

Diante das diversas terminologias que verificamos no capítulo anterior, realmente se nota uma dificuldade em manter um discurso objetivo quanto à representação gráfica das substâncias que o Estado queria proibir ou controlar a venda e o uso.

No caso do indivíduo que evadiu da abordagem policial, a equipe realizou primeiramente uma análise do panorama, ou seja, verificaram se o local onde o indivíduo seria abordado, era ou não um ponto de venda de drogas conhecido socialmente. Assim, os investigadores conseguiram aquilatar informações relevantes para indicar o local como ponto de venda amplamente conhecido, isto porque, entrevistaram moradores do logradouro que foram categóricos em afirmar que já não aguentavam mais a tamanha insegurança que sentiam ao ter tão próximo um ponto de venda de drogas frequentado por “pessoas estranhas”. Também adicionaram à investigação algumas ocorrências policiais que indicavam prisões de traficantes de drogas no mesmo local de onde o nacional evadiu, e cumpriram uma importante etapa da investigação do tráfico varejista.

Quando o Brasil ainda era império, vigeu o Código Penal do Império, o qual previa em sua norma do artigo 200 o tipo penal de fornecer “drogas” para o aborto. Em um regulamento da Junta de Higiene Pública datado de 1851, encontramos a menção às “substâncias venenosas”. Em 1919, encontramos a menção “ópio e outras substâncias perigosas” quando da criação na Liga das Nações do Comitê Consultivo sobre o Tráfico de Ópio e Outras Substâncias Perigosas. Em 1925 encontramos a menção “drogas nocivas”, quando da Convenção Internacional de 1925 sobre Drogas Nocivas. Em 1932, na Consolidação das Leis Penais, o termo usado foi “substâncias entorpecentes”, expressão também usada em 1940 quando da edição do Código Penal Brasileiro.

Em 1971, a Lei n.º 5.726 de 29 de outubro, teve como ementa o seguinte texto: “Dispõe sobre medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica e dá outras providências”. (grifo nosso) (BRASIL, 2017)

Em 1976, a Lei 6.368 de 21 de outubro, teve como ementa o seguinte texto: “Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências”. (grifo nosso) (BRASIL, 2017)

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Por fim, em 2006, a Lei 11.343 de 23 de agosto, teve a seguinte ementa:

“Institui o Sistema Nacional de Polícias sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”. (BRASIL, 2017)

Conforme exposição acima, vemos que vez a lei chamou de substâncias venenosas, outrora a lei chamou de substâncias entorpecentes, e em 2006 a lei chamou de drogas.

De volta ao caso da investigação citado alhures, os investigadores realizaram novos levantamentos sobre a pessoa que evadiu da abordagem policial, mas identificado por conta de sua carteira de identidade. O indivíduo já havia sido preso por tráfico ilícito de drogas em duas oportunidades, sendo que em ambas estava realizando o tráfico varejista, ou seja, em pontos de venda de drogas. Neste pé, além das informações que os policiais militares já haviam registrado, os investigadores de polícia arregimentaram informações referentes ao passado policial do investigado, bem como sobre o ponto (localização geográfica) onde ocorreu o crime investigado.

Entretanto, um ponto chamou a atenção da equipe de investigação, o endereço do indivíduo investigado era em um bairro da regional Pampulha, situada na capital Belo Horizonte, mas o local onde ocorreu a tentativa de abordagem era em uma via pública na Pedreira Padre Lopes, outro bairro muito conhecido por policiais de Belo Horizonte como possuidor de diversos pontos de venda de drogas. Analisando as prisões anteriores do investigado, notaram que estas ocorreram no bairro onde ele residia, faltando, então, aos investigadores, o entendimento desta circunstância, ou seja, porque o “traficante” teria saído de seu local (onde costumeiramente vendia drogas) e teria ido para bairro um pouco distante? A equipe fez enésimas ilações lógicas. Teria o investigado feito amizades com integrantes de outro magote do tráfico e teria migrado para outra região? Teria o investigado mudado de bairro com sua família: Teria ele parentes nesta outra região? Mil diligências necessárias para “arredondar”, tornar cristalina, a investigação.

Em que pese o hercúleo trabalho da equipe, a resposta às inquietudes dos bons investigadores, é suprimida com o conhecimento que este artigo propõe, a criação de um raciocínio lógico. Veremos.

Como vimos, as concepções semânticas que as instituições policiais, os órgãos do Estado, a ciência, as leis, deram para as substâncias que são controladas (ou proscritas), variam de forma a levar aos sujeitos aplicadores da lei, defensores dela, no caso de policiais, a um confuso caminho. Mas a Lei 11343, já referenciada, grafou em seu artigo 66, um norte geográfico sem desvio de bússola, porque, segundo esta norma, não importa qual o nome genérico irá se atrelar ao conjunto das substâncias, vez que se delimitou como drogas as substâncias controladas pela referida lei, ou seja, o conjunto das substancias proibidas/controladas é denominado drogas, e as espécies deste conjunto são descritas por uma Portaria (espécie de lei em sentido amplo) do Ministério da Saúde.

“Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998”.(BRASIL, 2017)

Quando a equipe colecionava as informações da investigação que haviam progredido, tiveram acesso ao laudo pericial advindo da seção de perícias criminais, sendo que o respectivo laudo descrevia que as substâncias apreendidas pelos militares, não se tratavam de cocaína, mas, sim, de talco. Ora, os investigadores detinham, neste momento, o seguinte panorama: um indivíduo estava em um ponto de venda de drogas, assustou ao ver a equipe policial, evadiu e deixou para trás sua identificação, papelotes endolados e prontos para a venda, e dinheiro. Este indivíduo não residia no bairro e já detinha outras passagens policiais por tráfico. O único fato que não se encaixava era o porquê ele estava vendendo suas substâncias tão longe de casa, mas acabou sendo explicado pelo resultado do laudo, vez que talco não é droga. E porque não é droga? Porque não está na lista das substâncias que tem a Portaria 344, e somente as substâncias que estão nesta lista são consideradas drogas, conforme o artigo 66 da Lei 11343/06.

Concluíram a investigação com os elementos acima, os quais indicam que o vendedor fujão, estava, em termos esdrúxulos, vendendo gato por lebre, ou seja, talco por cocaína, induzindo os usuários a erro. Estava longe de casa, pois sua farsa não poderia durar muito, e ele devia estar longe de lá antes que um dos compradores voltasse para reivindicar os seus direitos de consumidor.

Assim, temos que a lei proíbe determinadas condutas como portar, trazer consigo, expor à venda, vender, ceder, drogas em desacordo com autorização legal. Para entender a proibição acima, é necessário se valer de uma lista que vai nos dar a relação de quais substâncias serão consideradas drogas. Essa relação de substâncias vem em listas da Portaria n.º 344, de 12 de maio de 1988, a qual regulamenta as substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.

Após avançarmos na nossa investigação literária, vamos analisar alguns casos policiais reais. Uma equipe de investigadores recebeu em uma Delegacia de Polícia um homem que lá aportou para denunciar seu vizinho, o qual foi visto entrando no interior de sua casa com duas sacolas contendo substâncias brancas, acreditando, o denunciante, que se tratavam de sacolas de cocaína. A equipe realizou levantamentos que acabaram por revelar que o indivíduo que entrou com as sacolas em seu lar se tratava de um traficante conhecido pela polícia, visto já ter sido preso outras vezes por tráfico de cocaína. Os levantamentos também apontaram que este indivíduo não estava trabalhando, e que utilizava um veículo do ano para se locomover, chamando a atenção dos vizinhos. Após a representação por mandado de busca e apreensão domiciliar, foi localizado, arrecadado e apreendido na residência deste indivíduo 5 quilos de ácido bórico.

No exemplo acima, não se trata de localização e apreensão de drogas, vez que, ácido bórico (ácido ortobórico) não consta nas listas da Portaria n.º 344 de 1998 do Ministério da Saúde. Entretanto, a conduta pode se enquadrar no Art. 33, §1 da Lei 11343/06, vez que este tipo penal tipifica a conduta de posse, guarda, venda, entre outros verbos, de substância que seja matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. Mas o que temos de entendimento necessário neste caso é o de que não se trata de drogas, ou seja, ácido bórico não é droga para a lei.

Outro caso ocorrido junto ao DENARC/MG versou sobre grande operação policial, na qual os policiais civis cumpriram simultaneamente cerca de 40 mandados de busca e apreensão domiciliar, no intuito de desarticular uma organização criminosa que realizava a venda de anabolizantes através de aplicativos de celulares, pela rede mundial de computadores e com entrega pelos Correios. Em uma das residências em que foi cumprida as buscas foram encontrados 100 frascos de acetato de trembolona produzidos no Paraguai.

Novamente temos que fazer a pesquisa junto à Portaria 344 de 1998 do Ministério da Saúde, e ao fazermos, verificamos que acetato de trembolona não consta na lista C5, a qual enumera substâncias anabolizantes consideradas como droga para efeitos da Lei 11343/06. Entretanto, vislumbra-se que o comércio desta substância de maneira clandestina ainda é crime, não de tráfico ilícito de drogas, mas, sim, de Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no Art. 273 do Código Penal Brasileiro, pois esse medicamento é produzido não é produzido dentro das normativas reguladas pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA.

Por fim, apontamos o fato de um indivíduo que foi flagrado pela força policial em posse de 7 litros de acetona, sendo preso pela conduta de tráfico ilícito de drogas, isto porque, a Portaria 344 de 1988 do Ministério da Saúde elenca em suas listas a substância ACETONA, e portar a substância sem a correta autorização legal, tendo como destino a preparação de drogas, configura crime, vejamos:

TJ-SP – Apelação APL 597053520098260576 SP 0059705-35.2009.8.26.0576 (TJ-SP)

Data de publicação: 11/04/2011

Ementa: Lei de Tóxicos . Artigo 33, § 1º(I). Agente que guardava em sua residência frascos de acetona e éter e que, confessadamente, utilizava tais matérias-primas no refino da cocaína. Condenação criminal decretada.”

STJ – HABEAS CORPUS HC 219311 SP 2011/0226165-9 (STJ)

Data de publicação: 19/12/2011

Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS.INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. VALIDADE DA VEDAÇÃOCONTIDA NO ART. 44 DA LEI N.º 11.343 /06. CONDIÇÕES PESSOAISFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Paciente preso em flagrante como incurso no art. 33 da Lei de Tóxicos, uma vez que foi surpreendido em 21/12/2010 na posse de 7litros de acetona, utensílios com resquícios de cocaína e R$ 900,00divididos em maços de R$ 100,00.2. Quanto à alegação de inocência, além de demandar incursão na seara probatória, tarefa insuscetível de ser realizada na presente via, o tema não foi analisado pela Corte de origem, o que inviabiliza o conhecimento da matéria nesta instância superior, sob pena de vedada supressão de instância.3. É firme a orientação da Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a vedação expressa da liberdade provisória nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes é, por si só, motivo suficiente para impedir a concessão da benesse ao réu preso em flagrante por crime hediondo ou equiparado, nos termos do disposto no art. 5.º , inciso XLIII , da Constituição da República, que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. Precedentes desta Turma e do Supremo Tribunal Federal.4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, no mais, denegado.”

A ACETONA, por exemplo, é usada por manicures, bem como vendida em pequenos comércios, como a posse dela pode ensejar crime. Pois bem, a Portaria 344 ao colocar a acetona em uma de suas listas, também coloca um adendo, referenciando que estas substâncias estarão sujeitas à controle da Polícia Federal. Neste sentido, existe uma regulamentação feita pela Polícia Federal, Portaria 1.274 de 2003, a qual descreve regras para manejo, venda e estoque de substâncias como a ACETONA, o THINER, etc.

Necessário, pois, que o policial esteja atento às diretrizes acima explanadas, pois, sabedor de elementos como os acima descritos, terá sequências lógicas, “sacadas”, “tirocínio policial”, para realizar seu trabalho investigativo com maior robustez. Uma vez ocorreu uma operação policial para o cumprimento de mandados de busca e apreensão em diversas residências, tendo em uma destas sido localizado pelos investigadores algumas dezenas de frascos de acetona, cerca de 10 litros, o tirocínio policial não rendeu frutos naquela ação, visto que não conseguiram à época ligar o fato da acetona ser usada pelos traficantes para refinar a cocaína. A Lei 11343/06 também criminaliza a posse de substâncias percussoras, e acetona é uma substância precursora. Observa-se que a posse, guarda, destas substâncias para serem consideradas crime deve ter como destino a preparação de drogas.

“A matéria-prima, o insumo ou o produto químico não precisam ser tóxicos em si, bastando que sejam idôneos à produção de entorpecentes. Assim é que a posse de éter ou acetona pode configurar o delito, desde que exista prova de que destinavam à preparação de cocaína”. (GONÇALVES; JUNIOR; 2016, p. 103)

Analisamos as diversas terminologias institucionais do narcotráfico, lembrando que optamos pela terminologia “narcotráfico” para designar o tráfico ilícito de drogas, após, analisamos as diversas terminologias jurídicas do narcotráfico.

4. CONCLUSÕES

Diante de todo exposto, conclui-se o presente artigo, o qual traz informações que possibilitam o norteamento do pesquisador profissional diante das diversas facetas e terminologias que fazem parte do mundo dos fatos no tocante ao narcotráfico.

Cotidianamente os operadores policiais se encontram em situações fáticas que podem levar a uma dificuldade de entendimentos, vez que as diversas nomenclaturas utilizadas pelas instituições e pelas legislações criaram um limbo onde quase todos termos vão tendo o seu significado alterado.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Breno Eduardo Campos Alves

Delegado de Polícia Civil do Estado de Tocantins; Pós-Graduado em Ciências Criminais. Pós-Graduado em Direito da Administração Pública


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