Concurso de agentes no crime de infanticídio

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Resumo: A presente pesquisa tem como escopo o estudo do crime de infanticídio, suas características e peculiaridades, como também analisar o instituto do concurso de pessoas, suas regras e teorias adotadas pelo Código Penal. Volta-se ainda este trabalho ao estudo específico das divergências doutrinárias em torno do concurso de pessoas no crime de infanticídio, das teses defendidas pelos doutrinadores relacionadas ao cabimento ou não da extensão do privilégio ao coautor do crime em questão, bem como entender a razão destas discussões doutrinárias, levando-as ao campo de uma discussão acerca da justiça em seus variados conceitos.

Palavras chaves – Infanticídio, concurso de pessoas e justiça.

Sumário: Introdução. 1. Infanticídio. 1.1.Precedentes históricos do Infanticídio. 1.1.1. Primeiro período. 1.1.2. Segundo período. 1.1.3. Terceiro período. 1.2. O infanticídio no Brasil. 1.3.Conceituações. 1.2.1. Infanticídio. 1.2.2. Puerpério e estado puerperal. 1.2.3. Parto. 1.2.4. Nascente e neonato. 1.4. Objeto jurídico e Sujeitos do crime. 1.4.1.Bem juridicamente protegido. 1.4.2.Sujeitos do crime. 1.4.3.Sujeito ativo. 1.4.4.Sujeito passivo. 1.5.Elementares. 1.5.1.Elementos do crime de infanticídio. 1.5.1.1.Elemento objetivo. 1.5.1.2.Elemento subjetivo. 1.5.1.3.Elemento temporal. 1.5.1.4.Elemento fisiopsicológico. 1.6.Ação penal e classificação. 1.7.Perícia Médico-legal. 2. Concurso de pessoas e compreensão dos elementos do tema. 2.1Definição. 2.2Requisitos. 2.3Teorias sobre o concurso de pessoas. 2.3.1Teoria pluralista. 2.3.2Teoria dualista. 2.3.3Teoria monista. 2.3.4Espécies de concurso de pessoas. 2.3.5Autoria. 2.3.6Teorias.2.3.7Modalidades de concurso de pessoas. 2.3.8Coautoria. 2.3.9Participação. 2.7.Comunicabilidade e incomunicabilidade de elementares e circunstâncias. 3. Do concurso de pessoas no crime de infanticídio. 3.1.A problemática envolta do concurso de pessoas no crime de infanticídio. 3.2.Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do concurso de agentes no crime de infanticídio. 3.2.1.Corrente defensora da incomunicabilidade. 3.2.2.Corrente defensora da comunicabilidade. 3.3.A problemática em volta do delito autônomo. 3.4.O concurso de pessoas no infanticídio e as acepções da justiça. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

Se levantar dados históricos relacionados ao crime de infanticídio, verifica-se que anteriormente este era explicado pela questão da honra, em que considerava apenas fatores psicológicos o que consequentemente resultava em um julgamento objetivo da autora.

Com o advento do Código Penal de 1940, o infanticídio passou a ser interpretado por fatores fisiopsicológico, estabelecendo necessariamente a presença da influência do estado puerperal para configurar o crime. Tal mudança ocorreu embasada na argumentação de que os transtornos psíquicos os quais as mães apresentavam no parto ou logo após, eram provenientes das alterações ocasionadas pelo puerpério, o chamado estado puerperal.

O infanticídio é um crime que figura no rol dos crimes contra a pessoa, especificamente, nos crimes contra a vida. É um delito autônomo positivado no artigo 123 do Código Penal vigente. É classificado, dentre outras, como crime próprio, pois apenas figura como sujeito ativo a mãe puérpera e como sujeito passivo o filho, nascente ou recém-nascido.

O Código Penal Brasileiro de 1940 trouxe ao tipo penal do infanticídio uma nova rotulação que diz em seu art. 123, “matar sob influência do estado puerperal o próprio filho no parto ou logo após – Pena de detenção de dois a seis anos”. (BRASIL, 1940, p. 30).

Inevitavelmente, os estudos voltados ao crime de infanticídio quase sempre levantam uma questão controvertida sobre a possibilidade ou não de comunicar as circunstâncias pessoais do referido tipo penal àquele que colabora em concurso de pessoas.

Alguns doutrinadores defendem o não cabimento da comunicação das circunstâncias pessoais ao concurso de pessoas no crime em estudo. Entendem ser estas circunstâncias de caráter personalíssimas e intrinsecamente ligadas ao autor, fato este intransferível e se transferível poderia confrontar com o ideal de justiça, pois o coautor ou partícipe estaria em uma posição privilegiada sem o devido merecimento.

A corrente antagônica defende a tese de que, mesmo sendo circunstâncias pessoais, estas devem ser transmitidas aos que cometeram o crime de infanticídio em concurso, pois são elementares do tipo e, quando elementares se comunicam aos seus concorrentes por força do que determina a norma jurídica descrita no art. 30 do Código Penal.

Em uma interpretação legalista, os doutrinadores desta corrente defendem que aplica-se a norma geral ao crime de infanticídio, comunicando as elementares do crime em estudo para aqueles que participam em concurso de pessoas.

Imergindo nesse impasse de ideias, a pesquisa em tela tem como escopo o estudo destas divergências doutrinárias apontadas acima para compreender qual seria a corrente doutrinária mais coerente e adequada para se aplicar quando presente concurso de pessoas no crime de infanticídio, considerando a finalidade maior da lei que é a perseguição da justiça.

Ainda, objetiva a presente pesquisa analisar o crime de infanticídio, entender a aplicação do instituto do concurso de pessoas a este tipo penal, não com o fim de se esgotar a matéria, mas com o simples intuito de acrescentar novas discussões em relação ao tema proposto.

1. INFANTICÍDIO.

Neste capítulo, estudar-se-á especificamente o crime de infanticídio, sua evolução histórica, suas conceituações e seus elementos.

1.1. Precedentes históricos do Infanticídio;

É interessante, antes de adentrar ao mérito da questão, verificar a evolução histórica do instituto. Isto nos leva a uma melhor compreensão do tema e uma melhor contextualização do objeto a ser estudado.

O infanticídio, no decorrer dos tempos, teve várias formas de definições e maneiras de ser punido. Nenhum outro crime foi de um extremo ao outro quanto o infanticídio, nota-se que ele variava entre a impunidade absoluta à severidade brutal das penas.

Assim diz Muakad (2002, p. 09 e 10):

“de fato, em nenhum outro crime, os textos das diversas legislações, ao longo dos tempos, tem mostrado variações tão grandes de um extremo a outro, quer em referência à configuração da espécie, quer no que diz respeito à sua punição.”

Verifica-se a distinção em três períodos diferenciados em relação à forma de se ver socialmente o infanticídio bem como a sua forma de punição. O primeiro período é caracterizado por um período mais permissivo ou indiferente ao infanticídio, o segundo foi um período de opiniões e clamor em favor do recém-nascido enquanto o terceiro período voltou-se para o favorecimento da mulher infanticida.

1.1.1. Primeiro período

Os primeiros rastros históricos que evidenciam o período permissivo do infanticídio remontam à Grécia Antiga. Eram tempos em que segundo Fustel de Coulanges (1999, p 63):

“O pai era o chefe supremo da religião doméstica, cabendo ao mesmo a direção de todas as cerimônias do culto como bem entendesse, ou antes, como as vira praticar seu pai. Ninguém na família lhe contestava a supremacia sacerdotal. A própria cidade e os seus pontífices nada podiam alterar no seu culto. Como sacerdotes do lar, o pai não conhecia hierarquicamente superior algum. Daí deriva todo um conjunto de direitos, dentre os quais o de se desfazer de qualquer recém-nascido que tivesse resultado de seu casamento ilegítimo.”

A legislação grega da época não trazia nenhuma referência a punibilidade do infanticídio. Em seu livro intitulado Infanticídio, Gláucio Vasconcelos Ribeiro (2004, p 19) fala que “a própria estrutura jurídica ateniense tornava o infanticídio um crime impossível de ser punido”

A própria estrutura jurídica da época impossibilitava o estado de punir fato evidentemente considerado nos dias atuais como crime.

Gustave Glotz (1890, apud RIBEIRO 2004, P. 20) leciona que:

“Em Atenas não havia um ministério público que sustentasse a causa da sociedade. Cabia a parte lesada, ou ao seu representante legal, intentar processo. Mesmo um homicídio permaneceria impune, se um parente da vítima não se apresentasse como seu paladino. Se o próprio pai do recém-nascido fosse o assassino, não existiria mais ninguém que tivesse direito de levar o crime ao conhecimento dos magistrados e exigir justiça.”

A maioria das civilizações antigas não tinha o costume de ver como crime o assassinato de infantes. Segundo COSTA (2007, p 04) “Infanticídios eram comuns em rituais religiosos, havendo registro de sacrifícios feitos ao deus Moloch, entidade a quem os fenícios e cartagineses ofertavam a vida de seus filhos e crianças em geral”.

Maggio (2001, p 34) informa que:

“Entre os povos primitivos da humanidade, a morte dos filhos e das crianças não constituía crime, nem atentava contra a moral ou os costumes, pois, as mais antigas civilizações penais conhecidas, não fazem qualquer referência a esse tipo de crime, concluindo ser, então, permitida a conduta delituosa. “

Na civilização romana, a família também era liderada pelo pai, que detinha o poder de vida e morte sobre seus membros e o filho era totalmente submisso a vontade paterna. No primeiro período do direito romano (direito antigo), já previa a pena de morte a mãe que matasse seu próprio filho. Esta lei nada previu sobre o pai matar seu próprio filho, pois a este detinha o direito de matar. (RIBEIRO, 2004, P. 20 e 21).

1.1.2. Segundo período

O período mais favorável ao filho, caracterizado pela reação social e jurídica em favor do recém-nascido se deu com a influência do cristianismo, este legalizado como religião oficial no reinado de Constantino. Nesta época o infanticídio passou a ser considerado crime gravíssimo que tinha como punição a morte de quem o praticasse.

Para COSTA (2007, p. 04).

“De acordo com esta nova orientação encabeçada pela Igreja Católica Apostólica Romana, a vida de um recém-nascido deixou de ser algo sem valor e passou a receber um tratamento mais respeitoso por parte dos juristas, que passaram a considerar que ninguém tinha a o direito de tirar a vida de seu semelhante, principalmente em se tratando de uma criança indefesa, frágil e desprotegida”.

Leciona Nelson Hungria (1981. p.239-240) que

“O direito romano da época avançada incluía o infanticídio entre os crimes mais severamente punidos, não distinguindo do homicídio. Se praticado pela mãe ou pelo pai, constituía modalidade do parricidium e a pena aplicável era o culeus, de arrepiante atrocidad”

Na Idade Média, período também conhecido pela grande influência e domínio da Igreja Católica nas questões do Estado, não havia diferenciação entre homicídio e infanticídio. Essa idéia se perpetuou e se expandiu por toda a Idade Média e se prolongou até início da Idade Moderna, e que segundo COSTA (2007, p 04) “tendo este crime se revestido de aspectos muito mais repulsivos e condenáveis, figurando entre os mais severamente apenados”.

Convém mencionar as palavras de Nelson Hungria (1981, p. 240)

“que a Carolina (Ordenação penal de Carlos V) dispunha sobre o crime de infanticídio da seguinte forma: “As mulheres que matam secreta, voluntária e perversamente os filhos, que delas receberam vida e membros, são enterradas vivas e empaladas, segundo o costume. Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isso comodidade de água. Onde, porém, tais crimes se dão freqüentemente, permitimos, para maior terror dessas mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão, a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes”.

1.1.3. Terceiro período

O chamado terceiro período, ou período mais favorável à mulher infanticida, foi impulsionado com o advento do iluminismo, apresentando uma roupagem de idéias mais humanitárias. A partir do século XVIII, com o levante dos filósofos do direito natural, houve uma mudança de mentalidade e costumes, e um dos principais responsáveis por esta mudança foi Beccaria. Em seu livro Dos delitos e das penas trouxe para o universo jurídico a ideia da humanização da pena.

Beccaria afirmava que a função da pena é exclusivamente intimidatória e a finalidade maior da punição seria impedir novos danos causados pelo réu à comunidade. Entendia que para atingir esta meta que ele chama de “a doçura das penas”, estas teriam que ser garantidas e não cruéis. Entendia ainda que a certeza de ser punido causava mais medo ao criminoso do que a severidade da pena. Assim, defendia que a intimidação não nasce da intensidade da pena, mas de sua extensão. (BECCARIA, 2001, P. 43)

Outro argumento apresentado por Beccaria (2001, p. 171.) tem por objetivo propor o abrandamento da pena imposta a infanticida, o chamado “honoris causa”.

“o infanticídio é, ainda, o resultado quase inevitável da cruel alternativa em que se acha uma infeliz, ou que apenas sucumbiu so os esforços da violência . De um lado a infâmia, de outro a morte de um ser incapaz de sentir a perda da vida: como não haveria de preferir esse último partido, que a rouba à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho!”

Vicente de Paula Rodrigues Maggio (2001, p. 36) esclarece que

“os filósofos do direito natural, visando diretamente a influenciar os legisladores no sentido de privilegiar o delito, possuíam fortes e relevantes argumentos, como a pobreza, o conceito de honra, bem como a prole portadora de doenças ou deformidade.”

Sob a influência do iluminismo, as legislações elaboradas posteriormente ao advento destas idéias pautaram para o abrandamento da pena do infanticídio, desta forma este passou a ser considerado como homicídio privilegiado, quando praticado por motivo de honra pela mãe ou por seus parentes.

1.2. O infanticídio no Brasil

Até 1500, antes da chegada dos colonizadores ao Brasil, as pessoas que aqui viviam resolviam seus problemas motivados pela autotutela. Embasados unicamente pelas regras de costumes, estipuladas por cada grupo populacional, onde predominava a vingança privada. Neste contexto “o direito penal indígena não constituía qualquer forma de direito penal escrito e, quanto ao infanticídio, o próprio costume aceitava a sua prática com total indiferença ou como conduta irrelevante.” (MAGGIO, 2001, p. 37 e 38)

As leis vigentes no Brasil até o ano de 1822, época em que Brasil esteve como colônia de Portugal, também não faziam nenhuma referência específica ao crime de infanticídio. Foram as chamadas Ordenações do Reino. Entretanto, influenciadas pela vertente predominante na Idade Média da aplicação de pena dura a infanticida, trazia uma previsão inclusa no Título dos Homicídios Qualificados a seguinte disposição:

“a mãe que, esquecendo-se de o ser, matar de propósito o seu filho infante, não por malignidade do coração, nem por outra paixão vil e baixa, mas com o fim de encobrir o seu delito, e de salvar a sua fama e reputação, será para sempre presa e reclusa na casa de correção”. (MAGGIO, 2001, p38)

A primeira referência explícita ao tipo penal em estudo surgiu com o Código Criminal do Império de 1830. Este Código trouxe a influência das idéias iluministas quando tratou o infanticídio como um delictum exceptum externado pelo favorecimento da mãe infanticida.

O Código Criminal do Império de 1830 criou duas figuras do infanticídio em seu texto que compreende

“Art. 197. Matar alguém recém-nascido.

Penas – de prisão por três a doze annos, e de multa correspondente á metade do tempo.

Art. 198. Se a propria mãi matar o filho recém-nascido para occultar a sua deshonra.

Penas – de prisão com trabalho por um a três annos”. (BRASIL, 1830, p. 32)

O texto do artigo 197 gerou uma grande polêmica entre os estudiosos do direito da época que apontavam uma grande contradição no ordenamento jurídico.

Como poderia a lei trazer um visível privilégio aquele terceiro que, mesmo não sendo parente, tirasse a vida de um recém-nascido. O Código vigente deixou a entender que a vida de um recém-nascido era menos importante que a vida de um adulto, já que a pena para o homicídio simples era de, no mínimo, 20 anos, no médio, prisão perpétua e, no máximo, pena de morte. Enquanto que a pena para quem matasse um recém-nascido era de no máximo doze anos.

No entendimento de Galdino Siqueira (1924, apud RIBEIRO, 2004, p.25)

“A tese é insustentável, eis que beneficia os matadores de recém-nascidos, e de modo tão flagramente injusto, que suficiente era ter em vista a disparidade de situação do homicida que praticasse o fato por meio de veneno, de paga ou recompensa, passível de pena de morte, e do que matasse um recém-nascido através dos mesmos meios de execução, sujeito à sanção máxima de doze anos de privação de liberdade.”

O Código Penal Republicano de 1890 trouxe o seguinte tratamento jurídico:

“art. 298 – Matar recém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias do seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte.

Pena – de prisão celular por seis a vinte anos.

Parágrafo único. Se o crime for perpetrado pela mãe, para ocultar desonra própria:

Pena – de prisão celular por três a nove anos.”

Dentre as novidades introduzidas no Código Penal de 1890, temos pela primeira vez a definição do que seria um recém-nascido bem como o tempo de duraria a condição de infante. Outra mudança significativa foi o aumento da severidade das penas para o crime de infanticídio em relação ao Código Penal anterior, tanto para o terceiro que cometesse o crime, que responderia a pena de prisão celular de 06 a 24 anos, quanto para mãe infanticida que incorreria nas penas de prisão celular de 03 a 09 anos.

Este Código também foi alvo de inúmeras críticas, haja vista que o legislador adotou um conceito amplo de infanticídio. Nelson Hungria (1958, 241) foi um dos estudiosos que apontou falhas graves a este ordenamento, dizia

“O legislador de 1890 não percebeu que, com a adoção desse conceito genérico ou estrito, tornava injustificável a distinção entre infanticídio e homicídio, para incorrer, em seguida, no chocante absurdo de cominar contra o primeiro, ainda quando não perpetrado ‘honoris causa’, somente a pena aplicável ao homicídio simples, isto é, seis a vinte e quatro anos de prisão celular. Era positivamente, o critério de dois pesos e duas medidas.”

Face à insuficiência da legislação para atender aos anseios esperados na época, alguns juristas apresentaram sugestões para alterar o texto legal. Um deles foi Galdino Siqueira que, em seu projeto de alteração, trazia o infanticídio não como um tipo penal autônomo, mas como homicídio atenuado. Entretanto, Sá Pereira, em seu esboço, trouxe duas situações possíveis em que poderia ocorrer no infanticídio. Inovou este jurista em prever a influência do estado puerperal trazendo ao infanticídio o critério fisiopsicológico, mas ainda se prendeu a questão psicológica, explicada pela honra. Já Alcântara Machado manteve-se fiel ao critério psicológico.

Mesmo com todas as críticas em volta do texto do ordenamento Jurídico, a redação para o crime de infanticídio antes do Código Penal de 1940 manteve o critério psicológico, que dizia: “art. 191 – Matar infante, durante o parto ou logo depois deste, para ocultar desonra própria ou a de ascendente, descendente, irmã ou mulher. Pena – detenção ou reclusão por dois a seis meses.” Mantido assim o critério psicológico para a aplicação da pena. Todavia, estes projetos não prosperaram por inteiro, mas serviram para influenciar a Comissão Revisora do Código Penal de 1940, que retirou o critério psicológico optando assim para a implantação do critério fisiopsicológico, configurado a influência do estado puerperal.

Assim foi escrito na norma vigente até os dias atuais, Código Penal de 1940, “Art. 123 – matar, sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena: detenção de dois a seis anos”.

Com essa nova roupagem para o tipo penal do infanticídio, as divergências antigas foram sanadas, mas, entretanto, surgiram novas críticas. A principal delas se volta para o campo da admissão ou não do concurso de pessoas no crime de infanticídio, matéria esta que aprofundar-se-á mais adiante.

1.3 Conceituações

1.3.1. Infanticídio

Previsto no artigo 123 do Código Penal Brasileiro, o infanticídio é o crime em que a mãe mata próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após, considerado por muitos doutrinadores e juristas como um tipo penal privilegiado.

A exposição de motivos do Código Penal brasileiro traz o seguinte texto:

“o infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é obvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre em uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de autodeterminação da parturiente. Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio”. (VADE MECUM, 2010, p. 526)

O termo infanticídio tem origem da junção de dois termos latinos: infans (criança) e caedere (matar), que, em conjunto significa, dar a morte a uma criança.

Explica COSTA (2007, p. 06) que:

“para o Direito brasileiro, infanticídio não é a morte de uma criança qualquer. Para se dar uma definição de infanticídio compatível com o ordenamento jurídico pátrio (stricto sensu), é necessário que se leve em consideração cada elemento formador do tipo contido do art. 123 do CP brasileiro”

Nessa linha, a jurisprudência tem entendido que “se não verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém-nascido sob influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio”. (RT 491/292).

MASSON (2010, p. 60) explica que o infanticídio:

“em seu sentido etimológico significa a morte de um infante, é uma forma privilegiada de homicídio. Trata-se de crime em que se mata alguém, assim como no art. 121 do Código Penal. Aqui a conduta também consiste em matar. Mas o legislador decidiu criar uma nova figura típica, com pena sensivelmente menor, pelo fato de ser praticado pela mãe contra próprio filho, nascente ou recém-nascido, durante o parto ou logo após, influenciada pelo estado puerperal.”

Para CAPEZ (2009a, p. 114)

“Trata-se de uma espécie de homicídio doloso privilegiado, cujo privilegium é concedido em virtude da “influência do estado puerperal” sob o qual encontra a parturiente. É que o estado puerperal, por vezes, pode acarretar distúrbios psíquicos na genitora, os quais diminuem a sua capacidade de entendimento ou auto-inibição, levando-a a eliminar a vida do infante”.

Segundo GRECO (2009, p. 217)

“Percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial de homicídio, que é cometido levando-se em consideração determinadas condições particulares do sujeito ativo, que influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espaço de tempo, pois que o delito deve ser praticado durante o parto ou logo após.”

Nas palavras de RIBEIRO (2004, p. 35)

“Percebe-se que se trata de um “delictum exceptum”, na verdade em tipo especial de homicídio, com sujeito ativo (a mãe), sujeito passivo (o neonato ou nascente) a condição (estar sob influência do estado puerperal) específica e, que possui uma pena mais amena devido a tal condição especial.”

É importante salientar que, havendo morte do feto antes do parto, não há o que se falar em infanticídio e sim aborto.

1.3.2. Puerpério e estado puerperal.

Puerpério tem origem do latim e condiz na junção dos termos, puer (criança) e parere (parir). É o período compreendido entre o fim do parto e a volta do organismo materno às condições anterior a gravidez.

Para RIBEIRO (2004, p. 62)

“Caracteriza-se pelo período pós-parto, tendo este a duração de aproximadamente quarenta dias (de trinta a cinquenta dias) ou de seis a oito semanas. É normal a todas as parturientes, podendo ou não influir no sentido da mulher durante a manifestação.”

Em conceito voltado para área da medicina, REZENDE (1998, p. 373) define

“Puerpério, sobreparto ou pós-parto, é o período cronologicamente variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações involutivas e de recuperação da genitália materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente, importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do organismo às condições vigentes antes da prenhez. A relevância e a extensão desses processos são proporcionais ao vulto das transformações gestativas experimentadas, isto é, diretamente subordinadas à duração da gravidez.”

Não se pode confundir puerpério com estado puerperal. O primeiro é um estado fisiológico comum a todas as mulheres que dão a luz, com início, meio e término pré-determinado, podendo em alguns casos causar alterações psíquicas de intensidade variável, entretanto, de fácil diagnóstico. Segundo COSTA (2007, p 07):

“seria uma situação de alteração e transtorno mentais, advinda das dores físicas do parto e capaz de alterar temporariamente o psiquismo da mulher previamente sã a ponto de levá-la a agir instintiva e violentamente contra o próprio filho durante o seu nascimento ou logo após o parto”.

Ainda sobre o estado puerperal, aduz DAMÁSIO (2009, p. 107) que “este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto.

Vicente de Paula Rodrigues Maggio (2001, p.26) conclui que

“Na realidade, pelo entendimento penal, trata-se de um quadro fisiopsicológico próprio de mulheres, em geral desassistidas e decorrente de gravidez indesejada, que acabam, durante o seu curso, gerando relevantes conflitos emocionais. Este quadro de graves repercussões comportamentais conduz a mãe, neste momento de maior fragilização física e psíquica durante o parto, ou logo após, a matar o próprio filho.”

Para Gláucio Vasconcelos Ribeiro (2004, p. 71)

“O estado puerperal é uma forma fugaz e transitória de alienação mental, é um estado psíquico patológico que durante o parto, leva a gestante à prática de condutas furiosas e incontroláveis mas, após o puerpério, a saúde mental reaparece.”

Conquanto, pode-se concluir que puerpério é um acontecimento comum que abrange todas as mulheres no lapso temporal entre o parto e a volta do organismo as condições anteriores a gravidez. Enquanto o estado puerperal está relacionado a condição psicológica em que encontra a mulher no momento do puerpério, muitas vezes externadas por perturbações mentais ou até mesmo transtornos psíquicos.

1.3.3. Parto

É a partir do parto que se inicia o lapso temporal para a configuração do crime de infanticídio. Assim, é importante estudar seu conceito para entender sua relação com o tipo penal em pesquisa.

Sabe-se que o puerpério é estado momentâneo que a mulher adquire em decorrência do parto. Também que um dos elementos do crime de infanticídio é a prática deste sob a influência do estado puerperal, ou logo após. Daí a importância de se buscar entender o que é o parto e qual o seu momento.

Entende Hélio Gomes (1997, p. 602) ser parto o “conjunto de processos mecânicos, fisiológicos e psicológicos tendentes a expulsar do ventre materno o feto chegado a termo ou já viável”.

Segundo o membro titular da Academia Internacional de Medicina Legal e Medicina Social, Genival Veloso França (1998, p. 204), Parto,

“é o conjunto de fenômenos fisiológicos e mecânicos cuja finalidade é a expulsão do feto viável e dos anexos, e dá-se o seu começo, para os obstetras, com as contrações uterinas, e, para nós, com a rotura da bolsa, e termina com o deslocamento e o expelimento da placenta”.

“O parto […] é a saída do feto do útero materno. Pode ser visto como o oposto da morte, dado que é o início da vida de um indivíduo fora do útero”. (BABYLON, 2010, p. 1)

1.3.4. Nascente e neonato

MAGGIO (2001, p. 28) leciona que “o feto nascente é aquele que apresenta todas as características do infante, menos a faculdade de ter respirado.”

Nascente “[…] é o ser que se põe entre o feto e o neonato, podendo ser considerado como tal até o apnéico, isto é, aquele que ainda não respirou o ar ambiental, embora já acuse batimento do coração”. (MARREY, 1997, p. 380)

Neonato para MAGGIO (2001. p. 28-29) “é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu cuidado especial algum”.

MAGGIORE (1972, p. 312) entende que neonato ou

“recém-nascido é um ser que nasceu vivo. É indispensável um vida certa e concreta, porém, não somente uma esperança de vida, como no aborto, sem uma vida extra-ulterina, que geralmente se comprova mediante a respiração pulmonar. Não é necessária a viabilidade, ou seja, mesmo o ser disforme ou monstruoso é tutelado pela lei.”

Nascente é aquele já foi expelido do útero, entretanto ainda não tenha respirado, está na transição da condição de feto a neonato. Enquanto recém-nascido é aquele que passou por todas as etapas do nascimento e tenha respirado.

1.4 Objeto jurídico e Sujeitos do crime.

O bem jurídico tutelado pelo Código penal no crime de infanticídio é a vida humana.

Por ser crime próprio, o sujeito ativo é a mãe que mata o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, no parto ou logo após. O sujeito passivo, só pode ser o filho, nascente ou recém-nascido que tem sua vida ceifada pela sua própria mãe.

1.4.1. Bem juridicamente protegido

Para MASSON (2010, p. 171), “é o bem ou objeto contra o qual se dirige a conduta criminosa”.

Assim preceitua Mirabete (2004, p. 126).

“Objeto jurídico do crime é o bem-interesse protegido pela lei penal […] e bem jurídico como tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade humana, inclusive as de natureza moral, espiritual etc., e interesse com liame psicológico em torno desse bem,[…]”

Luiz Regis Prado (2006, p. 255), afirma que bem jurídico penal é um “ente material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, reputado como essencial à coexistência e desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido”.

No crime infanticídio, o bem jurídico tutelado é a vida humana, “tanto no sentido biopsicológico como social” (RIBEIRO, 2004, p. 42). As leis brasileiras tem a vida como um dos direitos fundamentais personalíssimo, exteriorizado, dentre outros, no artigo 5º, caput da Constituição da República Federativa do Brasil.

É um bem supremo e, se atingido, o estado tem o dever de punir quem ousou tocar na inviolabilidade deste bem. E uma das finalidades do Código Penal é garantir a punição àqueles que atingem os bens jurídicos dolosamente.

Afirma REALE (apud BALESTRA, 1978. p. 02) que “quando o Estado determina a eliminação do bem supremo, que é a vida, entra em desarmonia com a própria natureza do direito, pois destrói aquele a quem a pena se destina”

A tutela não é voltada apenas ao interesse individual, mas do “próprio Estado, visando garantir a harmonia, o equilíbrio comunitário bem como a paz e a ordem pública na vida em sociedade. Daí a natureza pública e indisponível da vida, como bem jurídico penalmente tutelado”. (MAGGIO, 2001, p. 45).

No crime de infanticídio, leciona Cezar Roberto Bittencourt (2003, p. 139) que

“Modernamente, não se distingue mais entre vida biológica e vida autônoma ou extra-uterina. É indiferente a existência de capacidade de vida autônoma, sendo suficiente à presença de vida biológica, que pode ser representada pela “existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispõe antes de vir à luz, e das quais é o mais evidente atestado a circulação sanguínea.”

Em resumo, Damásio de Jesus (2009, p. 106) reflete que “o objeto jurídico do crime de infanticídio é o direito à vida […] Diante disso, o direito à vida que se protege é tanto o do neonato como o do nascente”.

1.4.2. Sujeitos do crime

“Sujeitos do crime são as pessoas ou entes relacionados à prática e aos efeitos da empreitada criminosa. Dividem-se em sujeito ativo e sujeito passivo”. (MASSON, 2010, p. 165)

O infanticídio por ser classificado como crime próprio, traz em si de forma objetiva o sujeito ativo e passivo em caráter restrito. Apenas a mãe, sob influência do estado puerperal, pode ser sujeito ativo do tipo penal, ressalvadas as hipóteses de coautoria ou participação de outro agente. Figura como sujeito passivo, seu próprio filho nascente ou recém-nascido.

Reforça Mirabete (2004, p. 89) que “infanticídio é crime próprio, praticado pela mãe da vítima, já que o dispositivo se refere ao “próprio filho” e ao “estado puerperal”. E “que a vítima do delito é o filho nascente ou recém-nascido”.

1.4.2.1. Sujeito ativo

Segundo Mirabete (2004, p. 122), sujeito ativo do crime

“é aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o fato típico. Só homem, isoladamente ou associado a outros (co-autoria ou participação), pode ser sujeito ativo do crime, embora na Antiguidade e na Idade Média ocorressem muitos processos contra animais.”

Para Luiz Regis Prado (2002, p. 216) Sujeito ativo, autor ou agente

“é todo aquele que realiza a ação ou omissão típica, nos delitos dolosos ou culposos. Ou seja, é aquele cuja atividade é subsumível ao tipo legal incriminador. Apenas pode ser sujeito ativo do delito a pessoa humana, e não os animais ou as coisas inanimadas como ocorria na Antigüidade ou na Idade Média.”

Nas palavras de Fernando Capez (2004, p. 135), sujeito ativo

“é a pessoa humana que pratica a figura típica descrita na lei, isolada ou conjuntamente com outros autores. O conceito abrange não só aquele que pratica o núcleo da figura típica (quem mata, subtrai etc.), como também o partícipe, que colabora de alguma forma na conduta típica,[…]”

Damásio de Jesus (2004, p. 427) relata quanto ao sujeito ativo no infanticídio que a “autora só pode ser a mãe. Trata-se de crime próprio, uma vez que não pode ser cometido por qualquer pessoa”. O Código Penal Brasileiro prevê a comunicabilidade das elementares ao terceiro que participar em concurso de pessoas no infanticídio.

Para o doutrinador Cleber Masson, (2010, p. 61) “cuida-se de crime próprio, pois somente pode ser praticado pela mãe. Admite, todavia, coautoria e participação”. Com mesmo entendimento leciona CAPEZ (2009a, p. 115) que

“Trata-se de crime próprio. Somente a mãe puérpera, ou seja, a genitora que se encontra sob influência do estado puerperal, pode praticar o crime em tela. Nada impede, contudo, que terceiro responda por esse delito na modalidade de concurso de pessoas.”

Diferentemente do homicídio, o infanticídio, por ser considerado um crime próprio, possui sujeito ativo específico. Figura como autora, apenas a mãe puérpera que mata seu filho nascente ou recém nascido, no parto ou logo após. Existe a possibilidade de responder pelo mesmo crime quem com ela comete o delito, seja na forma de participação ou coautoria.

1.4.2.2. Sujeito passivo

Quanto ao sujeito passivo, GRECO (p. 48-49) diz que pode ser formal ou material:

“SUJEITO PASSIVO FORMAL – é sempre o Estado, que sofre danos toda vez que suas leis são desobedecidas.

SUJEITO PASSIVO MATERIAL – é o titular do bem jurídico tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa. Em alguns casos, pode ser o Estado. Ex.: crimes contra a Administração Pública”.

“Sujeito passivo do delito, a seu turno, é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão. Noutro dizer: aquele que tem a titularidade do bem jurídico protegido pela norma penal”. (PRADO, 2002, p. 216). Na mesma linha entende Mirabete (2004, p. 125) ser o sujeito passivo “o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado pela conduta criminosa”.

Legislação anterior, como estuda MAGGIO (2001, p.74 e 75), foram bastante influenciadas pelo entendimento de Casper, um grande médico-legista que defendia que a prova de existência de vida só era possível se o indivíduo respirasse, e assim dizia: “viver é respirar”. Neste argumento, apenas o recém nascido poderia ser objeto de infanticídio, haja vista que o nascente não lhe foi proporcionado à oportunidade de respirar.

Coube a Nelson Hungria (1981, p. 259) o condão de contestar o argumento e dizia que

“[…] o radical critério de Casper levaria, na prática, a conclusões intoleráveis. Assim, não responderia por infanticídio, por exemplo, a mãe que expulsasse o feto dentro de uma bacia com água, ou que o matasse antes que os orifícios respiratórios fossem desobstruídos de mucosidades ou restos de membrana amniótica.”

Todavia, a legislação traz de forma objetiva o sujeito passivo, prevalecendo a hipótese de equiparação do feto nascente ao ser recém-nascido.

Ainda “para configurar o infanticídio, é imprescindível que, no momento e instante da conduta incriminadora, houvesse vida no sujeito. Sendo natimorto o produto da concepção, no momento da ação lesiva, ocorrerá, então crime impossível por absoluta impropriedade do objeto (art. 17), onde a conduta não será punida nem a título de tentativa.”

1.5. Elementares

Segundo GRECO (2009b, p. 172) “Elementares são dados essenciais à figura típica, sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta ou uma atipicidade relativa”.

Para o Ordenamento Jurídico Brasileiro, a caracterização do infanticídio depende de três elementos pilares, que são: a) a morte de recém-nascido causada por sua mãe; b) sob influência do estado puerperal e; d) no parto ou logo após este.

Assim como no homicídio, a figura típica do infanticídio possui em seu núcleo o verbo matar. O que diferencia este do homicídio é que as circunstâncias são necessariamente específicas. O infanticídio, por ser crime material, precisa necessariamente do resultado naturalístico que comine na morte do recém-nascido, morte esta provocada pela mãe, em decorrência da influência do estado puerperal.

É fundamental para a configuração do infanticídio, a comprovação da presença dos elementos indispensáveis a este tipo penal. Todavia, se ausente os elementos necessários, ou um dos elementos necessários para a adequação da figura típica, pode ocorrer uma total atipicidade ou uma atipicidade relativa, chamada de desclassificação do crime.

“[…] a mãe que, logo após o parto, vier a causar a morte de seu filho sem que tenha agido sob influência do estado puerperal. Se não atuou motivada por esse especial estado psíquico, não poderá ser responsabilizada por infanticídio (art. 123), haja vista que a ausência da influência do estado puerperal na mãe que mata o próprio filho desclassifica a infração penal para o delito de homicídio (art. 121 do CP)”. (GRECO, 2009b, p. 172)

1.5.1.Elementos do crime de infanticídio

1.5.1.1.Elemento objetivo

Assim como ocorre no homicídio, a figura típica do infanticídio está no núcleo do verbo matar. Contudo, não se trata de matar qualquer pessoa, pois assim falaríamos de homicídio. A vítima, especificamente, deve ser nascente ou recém-nascido, enquanto quem pratica o crime, deve ser a mãe, sob a influência do estado puerperal e que cometa o crime no parto ou logo após.

Trata-se de crime próprio, haja vista que possui sujeitos específicos, somente a mãe pode cometê-lo e ainda deve ser contra seu próprio filho nascente ou recém-nascido.

“A causa da morte deve ocorrer durante ou logo após o parto. Com o falecimento do sujeito passivo, consuma-se o delito, que, sendo material, admite a tentativa. […] admite a tentativa, porque, iniciada a execução do tipo, o resultado poderá não ocorrer, por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo.

 De várias maneiras pode causar-se a morte: por sufocação, fratura do crânio, estrangulamento, submersão e lesões diversas. Estas são as mais frequentes” (RIBEIRO, 2004. p. 113)

1.5.1.2. Elemento subjetivo

É o dolo, admitido na sua forma direta, quando a mãe quer o resultado, ou eventual, quando a mãe não quer diretamente o resultado, mas assume o risco de produzi-lo.

Existe, entretanto, uma diferença entre o dolo homicida e o dolo infanticida, segundo MAGGIO (2001, p. 99) “O dolo homicida distingue-se do infanticida porque neste último a vontade do agente é impulsionada por uma influência anímica (proveniente da alma ou do psíquico) que não existe no dolo homicida”.

“Na realidade, para a caracterização do infanticídio, é necessário que em decorrência do puerpério, a mulher venha sofrer uma relativa incapacidade de autodeterminação. Se o puerpério causar na mulher uma doença mental que lhe retire a inteira capacidade de autodeterminação, matando o filho, não haverá o crime por ausência de agente culpável.” (MAGGIO. 2001, p.100)

Todavia, questão polêmica reside na esfera da culpa. A mulher, que mata culposamente seu filho, sob a influência do estado puerperal, no parto ou logo após este, responde por infanticídio na modalidade culposa?

No texto legal, o legislador não trouxe a previsão da modalidade culposa, específica para o crime de infanticídio.

Assunto este gerador de divergências doutrinárias. Uma corrente de doutrinadores, liderada por Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Cezar Roberto Bittencourt, Julio Mirabete, Luiz Regis Prado e Fernando Capez, entende que a mãe deve responder por homicídio culposo, em virtude de seu comportamento imprudente ou negligente, que segundo Mirabete “ a influência do estado puerperal não equivale à incapacidade psíquica e a puérpera responde pelo ato culposo, qualquer que seja ele.” (COSTA, 2007, p. 22) Entretanto, em entendimento contrário, Damásio de Jesus, afirma que:

“[…] a mãe não responde por crime nenhum, nem por homicídio culposo, nem por infanticídio. Isso porque a previsibilidade objetiva do crime culposo, aferida de acordo com o juízo do homem médio, é incompatível com os abalos psicológicos do estado puerperal. De fato, uma pessoa assim afetada não pode ser considerada detentora de inteligência e prudência medianas.” (MASSON, 2010b, p. 62)

Entretanto, para esta corrente, se a mãe matar o filho culposamente, sem a influência do estado puerperal, responderá por homicídio culposo.

1.5.1.3.Elemento temporal

No crime de infanticídio, considera-se como elemento temporal do tipo o termo “durante o parto ou logo após”. Significa dizer que só pode configurar o crime de infanticídio se a mãe que estiver sob influência do estado puerperal, matar seu filho no momento do parto ou logo depois desde que não exista uma demora significativa e que ainda perdure os sintomas do estado puerperal.

Em se tratando da expressão “durante o parto”, esta não gera dúvidas quanto ao tempo da execução e consumação do crime, haja vista tratar de um termo bastante objetivo, que compreende a iniciação até o fim do parto. Porém, paira sobre os doutrinadores divergências quando se trata do termo “logo após” o parto. Dada a subjetividade do termo, alguns estudiosos opinam qual seria o prazo estimado para ser considerado ainda infanticídio.

A doutrina converge para o entendimento de que a expressão “logo após” o parto tende-se a coincidir com a duração do estado puerperal. Desta forma, ausentes os sintomas do estado puerperal, findo se torna o prazo para alegar a questão temporal “logo após” o parto.

Nesse sentido, Magalhães Noronha (2000, apud RIBEIRO 2004, p. 89) lembrava que:

“A lei não fixou prazo, como outrora alguns códigos faziam, porém, não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha, mais ampla, de modo que abranja o variável período de choque puerperal. É essencial que a parturiente não haja entrado ainda na fase da bonança, em que predomina o instinto materno.”

Findada a fase das perturbações psíquicas ocasionadas pelo estado puerperal e tendo a mãe, entrado na fase de quietação em que prevalece o instinto maternal, não há mais o que se falar em infanticídio, e sim homicídio pela ausência das elementares necessárias.

“[…] a conclusão lógica é que nenhuma das elementares – nem a personalíssima nem a temporal – pode ser avaliada isoladamente. Ambas devem ser analisadas individualmente, é evidente, mas devem ser avaliadas conjuntamente. A elementar logo após o parto só alcançará seu verdadeiro sentido se estiver subordinada à elementar anterior – sob a influência do estado puerperal”. (RIBEIRO, 2004, p. 90)

1.5.1.4. Elemento fisiopsicológico

Convém ressaltar que uma corrente bastante difundida foi a sustentação ideológica da lei criminal anterior ao Código Penal de 1940. Trata-se da corrente psicológica, em que trazia para o crime de infanticídio o elemento psicológico. Este por sua vez, justificava-se na questão da honra.

Todavia, foi o Código Penal de 1940, que trouxe pela primeira vez a questão da influência do estado puerperal como elemento normativo do tipo penal de infanticídio, corrente esta, fisiopsicológica.

Ao falar sobre o critério fisiopsicológico, HUNGRIA (1981, p. 244) comenta que:

“Ao contrário do puramente psicológico, não distingue entre gravidez ilegítima ou legítima, abstraindo, portanto, ou pelo menos relegando para terreno secundário, a causa honoris: somente tem em conta a particular perturbação fiosiopsíquica decorrente do parto. […] “

Segundo MAGGIO (2001, p. 61)

“A influência do estado puerperal ampliou o privilégio do crime em questão para os casos de prenhez legítima, abrangendo todos os casos em que a parturiente sofresse distúrbios fisiológicos e psíquicos ou morais.”

Necessário se faz observar a relação de causalidade entre o estado puerperal e o delito, haja vista que o estado puerperal nem sempre causa perturbações psíquicas na mãe. Deve-se ater a estes detalhes, pois se inexistir redução da capacidade de discernimento da mãe, esta responderá por homicídio. (MAGGIO, 2001, p. 51)

No entendimento de MASSON (2010b, p. 63)

“Não basta, porém, seja o crime cometido durante o período do estado puerperal. Exige-se relação de causalidade subjetiva entre a morte do nascente ou recém-nascido e o estado puerperal, pois a conduta deve ser criminosa sob sua influência. […] Ausente essa elementar (influência do estado puerperal), o crime será de homicídio.”

No crime de infanticídio, é necessária a presença do elemento “influência do estado puerperal”. Este elemento é primordial para a adequação ao tipo. Evidente que precisa estar relacionado aos outros elementos, como, o elemento temporal, ser cometido o crime “no parto ou logo após”, e ainda que seja cometido pela mãe e a vítima necessariamente seu próprio filho. Ressalvado erro sobre a pessoa.

HUNGRIA (1981, p.246), ressalta que:

“As expressões ‘durante o parto’ e ‘sob a influência do estado puerperal’ não se equivalem, pois, do contrário, o texto legal seria redundante. Não basta o fato, puro e simples de ter sido o infanticídio praticado pela mãe durante o parto: é necessário que haja um vínculo causal entre o estado puerperal e a ocisão da criança. É bem certo que tal relação pode deixar de existir, isto é, nem sempre o estado puerperal acarreta a perturbação psíquica que justifica, na espécie, o privilegium legal. Pode ser inexistente a desnormatização do psiquismo da parturiente, e apresentar-se, não um crime cometido num estado particular de responsabilidade atenuada, mas sim um crime friamente calculado e perversamente executado.”

De suma importância salientar que “o estado puerperal é uma forma fugaz e transitória de alienação mental […] durante o parto leva a gestante à prática de condutas furiosas e incontroláveis mas, após o puerpério a saúde mental reaparece.” (MAGGIO, 2001, p. 53)

Tem de se concluir que se a perturbação mental já existia antes do parto, ou se prolonga após o término do período puerperal, não há o que se falar em influência do estado puerperal, haja vista que já existia a incapacidade relativa ou absoluta, independente da gestação.

1.6 Ação penal e classificação

O crime de infanticídio, tentado ou consumado, é um delito de ação pública incondicionada e por tratar do rol dos crimes dolosos contra a vida a competência para julgamento é do Tribunal de Júri do local onde se deu a morte da vítima.

Quanto à classificação do crime de infanticídio, na definição de MASSON (2010b, p. 64-65) é:

“Crime próprio (deve ser praticado pela mãe, mas permite concurso de pessoas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); comissivo ou omissivo; material (somente se consuma com a morte); instantâneo (consuma-se em momento determinado, sem continuidade no tempo); de dano (o bem jurídico deve ser lesado) unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o consurso); plurissubsistente (conduta divisível sem vários atos); e progressivo (antes de alcançar a morte, a vítima necessariamente suporta ferimentos”.

Por ser crime plurisubsistente, é possível a tentativa.

A pena para quem comete o crime de infanticídio e de detenção de dois a seis anos para o crime que foi consumado. O tipo penal não existe nenhuma qualificadora, atenuante ou agravante especiais e também não se admite a modalidade culposa. (RIBEIRO, 2004, p. 150)

1.7. Perícia Médico-legal

Através da perícia médico-legal é que se conclui a presença da influência do estado puerperal e se este foi determinante para a prática do delito.

Ao periciar os agentes em um crime de infanticídio, o perito precisa elucidar algumas questões importantes como, o recém-nascimento da criança. O nascimento com vida e a causa criminosa da morte. (FRANÇA, 1998, p. 242)

Ainda, é imprescindível na perícia a verificação de parto recente na mulher e se no instante em que praticou a conduta criminosa, esta se encontrava sob a influência do estado puerperal.

No crime de infanticídio o exame pericial envolve imprescindivelmente, tanto a vítima quanto a executora do crime.

A perícia realizada na mulher é direcionada para busca de evidências de parto recente e ainda se a mesma tem indícios de perturbação mental ocasionada pelo estado puerperal.

“[…] o parecer psiquiátrico, como exame subsidiário, ao fazer uma análise do estado psíquico da parturiente, apresenta sua inegável importância, pois deverá avaliar a possível influência exercida pelo estado puerperal no psiquismo da parturiente. Este exame irá apurar se o parto foi doloroso ou angustiante; se a acusada, após ter matado o filho, tratou de esconder seu cadáver; se ela se lembra do acontecido ou se finge que não se lembra; se ela possui um histórico de psicopatia ou se foi acometida de perturbação mental durante ou logo após o parto capaz de tê-la levado a cometer o crime.” (COSTA, 2007. p. 23)

Em relação a perícia para detectar a influência do estado puerperal, está esbarra em diversas dificuldades, tendo em vista que:

“A duração do estado puerperal é variável entre algumas horas ou poucos dias e, geralmente, regride espontaneamente e não deixa sequelas. Devido a tais características fica difícil a observação pericial pois ao realizar o exame os sintomas podem ter desaparecidos. Examinando uma puérpera, o legista nem sempre disporá de elementos para concluir pela realidade de um estado puerperal”. (PATARO, 1976, p. 197)

No mesmo sentido sobre estado puerperal GUIMARÃES (2003, p. 04) entende que:

“[…] trata-se de uma modalidade do “Transtorno de Estresse Agudo” estabelecido na DSM-IV da Academia Americana de Psiquiatria. Em decorrência desse fato a perícia médico-legal disporia de elementos para a comprovação material do estado puerperal. Contudo, a curta duração dos sintomas, o caráter transitório dessa perturbação, e a ausência de distúrbio mental prévio, fazem desse diagnóstico pericial um verdadeiro desafio, por muitas vezes, ao realizar o exame, os sintomas já desvaneceram. Ao examinar uma puérpera o legista nem sempre disporá de elementos para concluir pela realidade de um estado puerperal”.

Outra espécie de perícia que se faz necessária a realizar é o exame de parto pregresso, este é importante para:

“Determinar se ela pariu recentemente ou não, devendo levar em conta o aspecto geral de seu organismo, o aspecto dos órgãos genitais externos, a presença de corrimento genital, o exame dos órgãos genitais internos através do toque, a dilatação uterina, o aspecto das mamas, a presença de colostro ou leite, a dilatação abdominal, a presença de estrias, a presença de lóquios etc”. (COSTA, 2007, p. 23)

Tratando-se da perícia realizada na nascente ou neonato, vítimas de infanticídio, para averiguar a causa morte é preciso primeiramente constatar se teve existência de vida.

“Existem várias formas de perícias médicas que podem ser realizadas para provar que o feto estava ou que nasceu com vida. Para o nascente existem duas formas de provar a existência de vida que são: tumor de parto e reação vital. Enquanto para o recém nascido são realizadas as docimásias respiratórias que visam procurar vestígios de respiração”. (GRECO, 2009, p. 226 e 227)

É de primordial importância esta perícia, pois ela revela a condição do nascente ou neonato no momento do crime. Se constatado indícios de vida do nascente ou neonato aí pode configurar o crime de infanticídio, se presentes as elementares indicadas pelo Código Penal.

Quanto à função da Medicina Legal na investigação do infanticídio, FRANÇA (1998, p. 251) aduz que esta perícia “constitui o maior de todos os desafios médico-legais pela sua complexidade e pelas inúmeras dificuldades de tipificar o crime. Por isso, foi essa perícia chamada de crucis peritorum – a cruz dos peritos”.

Em virtude desta tamanha complexidade e da difícil comprovação da presença do estado puerperal, pela falta de vestígios deixados por este, nos Tribunais “prevalece o entendimento no sentido de ser desnecessária perícia para a constatação do estado puerperal, por se tratar de efeito normal e inerente a todo e qualquer parto”. (MASSON, 2010a, p. 63)

Neste sentido opina entendimento jurisprudencial em que:

“O fato de não ter sido constatado pelo exame pericial, por ter sido o crime conhecido muito tempo depois, não impede o reconhecimento do estado puerperal, que deve receber uma interpretação suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período puerperal, que não é privativo da primípara. TJSP. Rec., Rel. Dês. Bandeira de Mello)”

Mas, entretanto, a perícia médico-legal no infanticídio é um legado primordial a qual:

“[…] é de fundamental interesse pelo seu caráter esclarecedor, chegando-se à conclusão de que, sem sua contribuição, a Justiça jamais teria condições de fundamentar uma sentença dentro de um critério justo, pois lhe faltaria elementos técnicos consistentes e convincentes a respeito das condições de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém-nascidos; das provas de vida extra-uterina; da causa jurídica da morte; do estado psíquico da parturiente; e do diagnóstico de parto pregresso”. (FRANÇA, 1998, p. 251)

Em geral, os infanticídios ocorrem em partos clandestinos, “sem a presença de pessoas que pudessem interferir para evitar o acontecimento bem como testemunhar”. (MAGGIO, 2001, p. 64) Daí a dificuldade de se identificar um verdadeiro caso de infanticídio.

Em uma busca de resposta voltada ao sociológico em geral os casos de infanticídio está normalmente ligado as mulheres das camadas mais carentes da sociedade. (HUNGRIA, 1981, p. 253). Estas normalmente desprovidas de apoio familiar se vê diante de uma gravidez indesejada e junto a isto talvez seja vítima de agressões físicas ou psicológicas. Aspecto este, importantíssimo também para ser analisado em uma perícia médico-legal.

É oportuno trazer ao texto a lição de Beccaria, que “resumidamente entende que a pena de um crime não pode ser denominada precisamente de justa, até que a lei, em certas circunstâncias de uma nação, não tenha aplicado os melhores meios para preveni-lo. (MAGGIO, 2001, p. 65)

Traz-se aqui o provérbio in dubio pro reo, pois diante da incerteza, “[…] surge, então, a presença de uma válvula de escape que juridicamente, acaba por agraciar mães parturientes, aparentemente homicidas, premiando-as com a brandura e amenidade da punição”. (MAGGIO, 2001, p. 66)

2. CONCURSO DE PESSOAS E COMPREENSÃO DOS ELEMENTOS DO TEMA

2.1. Definição

Norma transcrita nos art. 29 a 30 do Código Penal Brasileiro de 1940, traz com detalhes o tratamento jurídico ao concurso de pessoas que assim especifica:

“Regras comuns às penas privativas de liberdade

Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. (BRASIL, 1940, p. 30)

Antes de adentrar ao estudo específico do concurso de pessoas, é imprescindível citar a exposição de motivos do Código Penal de 1940, que se trata do tema específico, pois aí se encontra a razão e o verdadeiro estímulo da existência do instituto.

“Ao reformular o título IV, adotou-se a denominação “Do Concurso de Pessoas” decerto mais abrangente, já que a coautoria não esgota as hipóteses do concursus delinquentium. O Código de 1940 rompeu a tradição originária do Código Criminal do Império, e adotou neste particular a teoria unitária ou monística do Código italiano, como corolário da teoria da equivalência das causas (Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos, item 22). Sem completo retorno à experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto aos críticos dessa teoria, ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção aliás reclamada com eloquência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas”. (VADE MECUM, 2010, p 519)

Para MASSON (2010b, p. 480) “É a colaboração empreendida por duas ou mais pessoas para a realização de um crime ou uma contravenção penal”.

Explica Damásio de Jesus (2004, p. 136) que

“A infração penal nem sempre é obra de um só homem. Com alguma frequência, é produto da concorrência das várias condutas referentes a distintos sujeitos. Por vários motivos, quer para garantir a sua execução ou impunidade, quer para assegurar o interesse de várias pessoas em seu consentimento, reúnem-se repartindo tarefas, as quais, realizadas, integram a figura delitiva. Neste caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em co-delinquência ou concurso de delinquências (concursus delinquentium). O Código Penal emprega a expressão “concurso de pessoas””.

Fernando Capez (2009b, p. 338) ao lecionar sobre o concurso de pessoas explica que este “é também conhecido por co-delinqüência, concurso de agentes ou concurso de delinquentes. Com a reforma penal de 1984, passou-se a adotar, no Título IV, a denominação “concurso de pessoas” no lugar de “coautoria””, denominação esta, de maior abrangência.

Por sua vez, GRECO (2009b, p. 427) explica que ocorre co-delinquência “quando duas ou mais pessoas concorrem para a prática de uma mesma infração penal. Essa colaboração recíproca pode ocorrer tanto nos casos em que são vários os autores, bem como naqueles onde existam autores e partícipes”.

MIRABETE (2004, p. 225) define concurso de pessoas “como a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal”.

HUNGRIA e FRAGOSO (1981, p 624), introduz o tema em seu livro Comentários ao Código Penal da seguinte maneira:

“A questão do concurso de agentes constitui difícil e complexa matéria, que nosso vigente CP procurou resolver com simplicidade, inspirado no código italiano. Adotou-se um conceito extensivo de autor, com base na teoria da equivalência dos antecedentes. Todos quantos concorrerem para o crime são autores, estando em princípio, submetidos à mesma escala penal.”

O concurso de pessoas é a colaboração de duas ou mais pessoa, prévia ou concomitantemente acordadas, com a finalidade de praticarem condutas criminosas ou contravenções penais.

2.2. Requisitos

Para a configuração do concurso de pessoas é necessário o atendimento de alguns requisitos.

GRECO (2009b, p. 428) relaciona os requisitos que são necessários ao concurso de agentes, que compreende: “pluralidade de agentes e de condutas; relevância causal de cada conduta; liame subjetivo entre os agentes, e; identidade de infração penal”. Cleber Masson, de forma mais completa, esquematizou os requisitos da seguinte forma: “pluralidade de agentes culpáveis; relevância causal das condutas para a produção do resultado; vínculo subjetivo; unidade de infração penal para todos os agentes e existência de fato punível”. MASSON (2010b, p. 480)

Quando se fala em pluralidade de agentes culpáveis, significa que necessariamente no concurso de pessoas conte com a colaboração de no mínimo dois agentes e também exista no mínimo, duas condutas. “Essas condutas podem ser principais, no caso da coautoria, ou então uma principal e outra acessória, praticadas pelo autor e pelo partícipe, respectivamente”. (MASSON, 2010b, p. 480)

GRECO (2009, p. 428) enfatiza que

“A pluraridade de agentes (e de condutas) é requisito indispensável a caracterização do concurso de pessoas. O próprio nome induz sobre a necessidade de, no mínimo, duas ou mais pessoas que, envidando esforços conjuntos, almejam praticar determinada infração penal.”

Vale ressaltar que é fundamental a culpabilidade dos coautores e partícipes para a configuração do concurso de pessoas.

Sobre a relevância causal das condutas para a produção do resultado, é necessária a concorrência de forma que a conduta do agente seja importante ou crucial para a obtenção do resultado esperado, ou seja, “a conduta deve ser relevante, pois sem ela a infração penal não teria ocorrido como e quando ocorreu”. (MASSON, 2010b, p. 482).

Informa GRECO (2009b, p. 428) que “se a conduta levada a efeito por um dos agentes não possuir relevância para o cometimento da infração penal, devemos desconsiderá-la e concluir que o agente não concorreu para a sua prática”.

Assim, não pode ser considerado coautor ou partícipe quem não deu causa ao resultado. Ainda, é necessário que a combinação da colaboração para prática de fato criminoso seja anterior ou concomitante ao fato. Se a concorrência for posterior a consumação, será crime autônomo, descaracterizando o concurso de pessoas.

Outro requisito do concurso de pessoas é a presença do vínculo subjetivo ou liame subjetivo. As pessoas que concorrerem para o crime precisam ter acordado entre si.

Explica MASSON (2010b, p. 482) que o vínculo subjetivo é

“Também chamado de concurso de vontades, impõe estejam todos os agentes ligados entre si por um vínculo de ordem subjetiva, um nexo psicológico, pois caso contrário não haverá um crime praticado em concurso, mas vários crimes simultâneos.”

Não visualizando liame subjetivo entre os agentes, estes responderão isoladamente por suas condutas. (GRECO, 2009B, p. 428)

Quanto à unidade de infração penal para todos os agentes, o Código Penal, ao adotar a teoria monista em seu artigo 29, enfatizou que respondem pelo mesmo crime, na medida de sua culpabilidade, todos aqueles que concorreram para o crime.

“Todos os coautores e partícipes se sujeitam a um único tipo penal: há um único crime com diversos agentes”. (MASSON, 2010b, p.483 e 484).

Ainda para existir concurso de pessoas, é necessário que haja fato punível, ou seja, depende que o fato praticado pelos agentes seja vedado pela lei.

2.3. Teorias sobre o concurso de pessoas

As principais teorias em volta do concurso de pessoas se resumem em pluralista, dualista ou unitária.

O Código Penal Brasileiro adotou, em regra, a teoria unitária, conhecida também como monista, tem como principal idéia o posicionamento que o coautor e o partícipe, respondem por um único delito. (CAPEZ, 2009b, p. 345)

2.3.1. Teoria pluralista

Na teoria pluralista ou pluralística cada pessoa participante do crime responde pelo delito que especificamente cometeu. Segundo lição de GRECO (2009b, p. 430), “seria como se cada autor ou partícipe tivesse praticado a sua própria infração penal, independentemente da sua colaboração para com os demais agentes”.

Para Fernando Capez, na teoria pluralista, “cada um dos participantes responde por delito próprio, havendo pluralidade de fatos típicos, de modo que cada partícipe será punido por um crime diferente”. (2009b, p. 345).

Entretanto, MIRABETE (2004, p. 226) traz uma observação pertinente quando aponta uma falha nesta teoria, “é a de que as participações de cada um dos agentes não são formas autônomas, mas convergem para uma ação única, já que há um único resultado que deriva de todas as causas diversas”.

2.3.2. Teoria dualista

Na teoria dualista ou dualística, observa-se a presença de dois crimes distintos: um relacionado aos autores do delito e outro voltado aos partícipes. “Existe no crime uma ação principal, que é a ação do autor do crime, o que executa a ação típica, e as ações secundárias, acessórias, que são as realizadas pelas pessoas que instigam ou auxiliam o autor a cometer o delito”.

Pode-se dizer, que nesta teoria existem dois crimes: um cometido pelos autores e o outro cometido pelos partícipes. (CAPEZ, 2009b, p. 345).

2.3.3. Teoria monista

Teoria adotada como regra pelo atual Código Penal Brasileiro, em seu art. 29 quando prevê que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Assim, nas palavras de CAPEZ (2009b, p. 345) “todos aqueles que, na qualidade de coautores e partícipes, deram a sua contribuição para o resultado típico devem por ele responder, vale dizer, todas as condutas amoldam-se ao mesmo tipo legal”.

Segundo GRECO (2009b, p. 430), “para a teoria monista existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorreram, autores ou partícipes”.

Pertinente lembrar que mesmo o Código Penal Brasileiro adotando a teoria unitária como regra, o Ordenamento Jurídico traz de forma excepcional, o método da teoria pluralista, como exemplo, os artigos 124 e 126, 235, 317, 333, 342 e 343. Segundo Cezar Roberto Bittencourt, o próprio artigo 29 em seus parágrafos, aproximou a teoria monista da dualista, quando determinou punições diferenciadas para a participação. (BITTENCOURT, 2000, p. 425). Um exemplo é o § 2º do citado artigo, “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”. Neste sentido, CAPEZ (2009b, p. 346) explica que:

“Com efeito, embora todos os coautores e partícipes devam, em regra, responder pelo mesmo crime, excepcionalmente, com o fito de evitar-se a responsabilidade objetiva, o legislador determina imputação por outra figura típica quando o agente quis participar de infração menos grave.”

Nelson Hungria e Heleno Fragoso (1981, p.624), demonstrando uma certa preocupação pela escolha de se adotar a teoria monista no Ordenamento Jurídico, salienta:

“A adoção pela lei do conceito unitário não exclui, portanto o trabalho teórico, no sentido de fixar o conceito e o alcance da autoria e da participação e de suas distintas formas de aparecimento […] como diz JIMENES DE ASÚA, a diferença real entre autor, instigador e cúmplice, lei alguma pode desconhecer.”

Retornando ao entendimento de HUNGRIA e FRAGOSO (1981, p.625), ao falar das possíveis falhas da teoria monista, explica:

“O conceito unitário, estabelecendo a punição de todos os partícipes secundários segundo a mesma escala penal prevista para os que realizam a conduta típica, conduz a soluções injustas, quando o limite mínimo é elevado. […] por outro lado, a aplicação da regra segundo a qual todos quantos concorrem de qualquer forma para o crime são autores dele, igualmente conduz a soluções injustas e a certos graves equívocos. O conceito extensivo de autor só pode ser adotado em regra legislativa simples e prática, se as escalas estabelecem mínimos reduzidos (o que não é o caso da legislação brasileira), ou se prevê atenuação especial para o partícipe secundário, o que poderia ser feito, inclusive, através de formula de aplicação facultativa”.

O Código Penal brasileiro, quando adota, em regra, a teoria unitária ou monista garante que será aplicado o mesmo tipo penal a todos os que concorreram para a prática delituosa. Claro que na medida de sua participação.

É oportuno lembrar que a grande polêmica em volta do concurso de agentes no crime de infanticídio está direcionada para a aplicação da pena aos colaboradores do referido crime. Questão esta, que ainda será estudada no próximo capítulo.

Pode-se adiantar que parte da discordância doutrinária presente, acende-se em virtude da adoção, pelo Código Penal brasileiro, da teoria unitária, como regra. Em conseqüência, determina que responda pela mesma figura penal do autor, o coautor ou partícipe e, não previu, especificamente, no infanticídio, a diferenciação de penas para aqueles que não possuem a circunstância pessoal do puerpério.

2.4. Espécies de concurso de pessoas

Existem duas espécies de concurso de pessoas. O concurso necessário, que “refere-se aos crimes plurissubjetivos, os quais exigem o concurso de pelo menos duas pessoas”. (CAPEZ, 2009b, p. 339)

Nesta espécie de concurso, reivindica-se sempre a presença de mais de uma pessoa, ou seja, é obrigatório que tenha uma pluralidade de agentes para que o crime possa ser concretizado. Entretanto, “A coautoria é obrigatória, podendo haver ou não a participação de terceiros. Assim, tal espécie de concurso de pessoas reclama sempre a coautoria, mas a participação pode ou não ocorrer, sendo, portanto, eventual”. (CAPEZ, 2009b, p. 339). Um exemplo é o crime de rixa, que necessariamente precisa de três ou mais pessoas para acontecer, contudo pode haver a participação de outros agentes, auxiliando, instigando ou fornecendo armas para a facilitação do crime.

O concurso eventual está relacionado aos crimes monossubjetivos, ou seja, aqueles que são praticados em regra por uma pessoa, mas podem ser praticados por mais pessoas.

“Quando cometidos por duas ou mais pessoas em concurso, haverá coautoria ou participação, dependendo da forma como os agentes concorrerem para a prática do delito, mas tanto uma como outra podem ou não ocorrer”. (CAPEZ, 2009b, p. 339)

No infanticídio, ocorre o concurso eventual, por ser crime monossubjetivo, em regra, praticado por apenas uma pessoa.

2.5. Autoria

Por não ter o Código Penal trazido conceitos acerca da autoria e da participação, estes tornaram temas bastante discutido nas doutrinas. Para explicar melhor os conceitos estudaremos adiante as teorias que tratam o assunto.

2.5.1. Teorias

a)    Teoria subjetiva ou unitária – não há distinção entre autor e partícipe. Para esta teoria “autor é aquele que de qualquer modo contribui para a produção de um resultado penalmente relevante.” (MASSON, 2010b, p. 485).

Ao explicar sobre o assunto, CAPEZ (2009b, p. 339) escreve que “arrima-se na teoria da conditio sine qua non, pois, segundo esta, qualquer contribuição, maior ou menor, para o resultado é considerada sua causa.”

b)    Teoria extensiva – fundamentada na teoria da equivalência dos antecedentes, também não distingue autor de partícipe. Entretanto, “admite causas de diminuição da pena para estabelecer diversos graus de autoria.” (MASSON, 2010, p. 485) Um exemplo é a figura do cúmplice, considerado como um autor que colabora de forma menos gravosa para obtenção do resultado.

Para GRECO (2009b, p. 340):

“pode-se dizer, então, que embora não fazendo distinção entre autoria e participação, acaba por aceitar uma autoria mitigada (na realidade, uma forma de participação mascarada), que é aquela em que se aplicam as causas de redução de pena, em face da menor importância da conduta.”

c)     Teoria objetiva ou dualista – distingue nitidamente autor de partícipe, também chamada de teoria restritiva. Esta teoria foi adotada pela Lei nº. 7.209/1984, Lei esta responsável pela Reforma da Parte Geral do Código Penal.

CAPEZ (2009b, p.340) interpreta que “a autoria não decorre da mera causação do resultado, pois não é qualquer contribuição para o desfecho típico que se pode enquadrar neste conceito”. A teoria restritiva se desmembra em três vertentes para melhor explicar o conceito de autor.

A primeira delas é a teoria objetivo-formal. Nesta teoria, segundo Rogério Greco (2009b, p. 432) “autor é aquele que pratica a conduta descrita no núcleo do tipo; todos os demais que concorreram para essa infração penal, mas que não realizam a conduta expressa pelo verbo existente no tipo serão considerados partícipes”.

MASSON (2010b, p. 486) salienta que essa teoria é a preferida pela doutrina nacional, pois tem o mérito de diferenciar categoricamente autor de partícipe. Aponta falha apenas por deixar em aberto o instituto da autoria mediata.

CAPEZ (2009b, p. 340) define: “autor é quem realiza a conduta principal, entendida como tal aquela descrita na definição legal. Em contrapartida, partícipe será aquele que, sem realizar a conduta principal (o verbo), concorrer para o resultado”. Entretanto, CAPEZ ressalva crítica a essa teoria observando que “não só o verbo do tipo pode ser considerado conduta principal, o que o torna insatisfatório na solução de casos concretos”. (2009b, p. 341)

A segunda teoria é a objetivo-material. Esta por vez entende que autor nem sempre é aquele que realiza o verbo e sim aquele que tem a contribuição mais importante para a obtenção do resultado.

Para CAPEZ (2009b, p. 341), “trata-se de um critério gerador de insegurança, na medida em que não se sabe, com precisão, o que vem a ser “contribuição objetiva mais importante”. Desta forma, fica-se subordinado a interpretação de quem for julgar, o grau da relevância, o que definirá quem será o autor e o partícipe no caso concreto. Essa idéia não foi adotada pelo CP.

A terceira e última teoria a ser estudada sobre a autoria, refere-se à teoria do domínio do fato.

Liderada por Hans Welzel, esta teoria veio com a intenção de se posicionar de forma intermediária entre as teorias objetiva e subjetiva. A idéia defendida por esta teoria é que o autor é aquele que detém o controle final do fato, embasada no finalismo “dominando toda realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre a prática, interrupção e circunstâncias”. (CAPEZ, 2009b, p. 341)

Segundo GRECO (2009b, p. 434), “Senhor do fato é aquele que o realiza em forma final, em razão de sua decisão volitiva. A confirmação do fato mediante a vontade de realização que dirige em forma planificada é o que transforma o autor em senhor do fato”.

Para JESUS (2004, p. 136) “é uma teoria que se assenta em princípios relacionados à conduta e não ao resultado”.

As críticas em volta desta teoria pauta-se na questão do crime culposo. Segundo CAPEZ (2009b, p. 343), esta não explica de forma satisfatória o concurso de pessoas neste tipo de crime pelo fato do agente não querer o resultado, assim não pode ter o domínio de fato de algo que não ambiciona. (CAPEZ, 2009a, p. 342)

Ao falar do conceito de autor, MASSON (2010b, p. 487) lembra que este compreende o autor propriamente dito, o autor intelectual, o autor mediato e coautores.

O Código Penal, em seu artigo 29, adota a teoria restritiva, especificamente a objetivo-formal. “Em verdade, diferencia autor de partícipe. Aquele é quem realiza o núcleo do tipo penal; este é quem de qualquer modo concorre para o crime, sem executar a conduta criminosa”. (MASSON, 2010b, p. 488)

2.6. Modalidades de concurso de pessoas

2.6.1. Coautoria

Definição adotada pelo VI congresso Internacional de Direito Penal, ocorrido em Atenas em 1957, como cita FRAGOSO (1981, p. 628) entende-se que coautores são “os que conjuntamente realizam os atos de execução com a intenção comum de cometer a infração”.

“Ocorre coautoria quando várias pessoas, com adesão ou acordo subjetivo, participam da execução do crime. O coautor pode realizar ou não o verbo núcleo do tipo. Todos os coautores, de qualquer modo, possuem o co-domínio do fato (total ou parcial). Todos praticam fato próprio”. (GOMES, 2009, p. 373)

Conforme recorda Hans Welzel (1997, apud CAPEZ, 2009b. p344) “a coautoria é, em última análise, a própria autoria. Funda-se ela sobre o princípio da divisão de trabalho; cada autor colabora com sua parte no fato, a parte dos demais, na totalidade do delito e, por isso, reponde pelo todo”.

Todavia, a contribuição fornecida pelos coautores na execução da ação criminosa não precisa necessariamente ser a mesma. Podendo assim existir uma divisão de tarefas.

Na lição de MASSON (2010b. p. 490), coautoria “é a forma de concurso de pessoas que ocorre quando o núcleo do tipo penal é praticado por duas ou mais pessoas. Em síntese, há dois ou mais autores unidos entre si pela busca do mesmo resultado”.

“Em última palavra, podemos falar em coautoria quando houver a reunião de vários autores, cada qual com o domínio das funções que lhe foram atribuídas […] de acordo com o critério de divisão de tarefas”. (GRECO, 2009b, p. 438)

Quanto aos requisitos, na coautoria precisa necessariamente existir: pluralidade de agentes e de condutas; relevância causal e jurídica de cada uma e; vínculo subjetivo entre os coautores. “A identidade ou unicidade do delito, na verdade, não é um requisito, sim, uma consequência da coautoria”. (GOMES, 2009, p. 373)

O coautor pode ser:

a. coautor intelectual: “é o que tem o domínio organizacional ou direcional do fato e, desse modo, organiza ou planeja ou dirige a atividade dos demais”. (GOMES, 2009, p. 374)

b. coautor executor: é quem pratica diretamente o verbo do tipo

c. coautor funcional: “quem participa da execução do crime, sem realizar diretamente o verbo do núcleo do tipo”. (GOMES, 2009, p. 374)

Nos crimes de mão própria paira a dúvida se pode ou não existir a figura do coautor ou partícipe. Segundo GOMES (2009, p. 374) não se pode falar em regra da possibilidade de coautoria em crimes de mão própria, contudo, a doutrina moderna que defende a questão do domínio do fato resguarda a possibilidade da existência de coautoria nessa modalidade de crimes. Como exemplo, GOMES (2009, p. 374) cita que “no infanticídio, o ato de matar o próprio filho é necessariamente da mãe (porque se trata de crime de mão própria). Se um terceiro contribui para a execução, segurando a criança, por exemplo, será coautor funcional”.

2.6.2. Participação

MASSON (2010b, p. 497) aduz que participação “é a modalidade de concurso de pessoas em que o sujeito não realiza diretamente o núcleo do tipo penal, mas de qualquer modo concorre para o crime”.

Damásio de Jesus (2009c, p. 407) explica que o partícipe “[…] não realiza a conduta descrita na norma, mas realiza uma atividade que contribui para a formação do delito”.

Vale ressaltar que o partícipe não possui conduta amoldada no núcleo do tipo penal, também não tem poder diretivo sobre o resultado do delito e ainda não possui o domínio finalista do fato. (JESUS, 2009c, p. 407)

Nas palavras do mestre Nelson Hungria (1981, p.635) “A participação é necessariamente acessória, pois depende da realização da conduta típica e antijurídica pelo autor”.

Só se confirma a participação se presentes os requisitos indispensáveis. É necessária a pluralidade de condutas; relevância causal e jurídica de cada conduta e; o vínculo subjetivo do partícipe, ou seja, o conhecimento incontestável de que subsidiou para um fato criminoso. (GOMES, 2009, p. 376)

Como ensina HUNGRIA (1981, p 636):

“[…] inexiste participação depois que o crime se consumou […] o auxílio prometido com antecedência, no entanto, constitui participação. O crime permanente admite participação e coautoria enquanto durar a ação. [..] do ponto de vista subjetivo, a participação requer vontade livre e consciente de cooperar na ação delituosa de outrem. […] Não há participação culposa em crime doloso. Também não há participação dolosa em crime culposo. Não há concurso de agentes sem homogeneidade de participação subjetiva (princípio da convergência. […] pode haver participação por omissão, se o partícipe tinha o dever jurídico de impedir o resultado”.

A participação pode ser moral ou material. Fala-se em participação moral quando “a conduta do agente restringe-se a induzir ou instigar terceira pessoa a cometer uma infração penal”. (MASSON, 2010b, p. 498) Enquanto na participação material “a conduta do sujeito consiste em prestar auxílio ao autor da infração penal”. (MASSON, 2010b, p. 498)

Importante ressaltar que existe diferença entre participação e conivência. Esta existe “quando o sujeito não tem o dever de agir ou quando não aderiu subjetivamente ao delito”. (GOMES, 2009, p. 378) Enquanto na participação, existe necessariamente, com vínculo subjetivo, a colaboração do partícipe na conduta e esta contribuição deve relevante para a consumação do crime, mesmo não praticando diretamente sua execução.

Em relação aos crimes próprios, HUNGRIA (1981, p. 636) reforça que “as qualidades ou condições pessoais exigidas pela lei devem estar presentes no autor, não bastando que ocorram em relação ao partícipe”. E ainda que “a condição pessoal do autor deve ser conhecida pelo partícipe”.

É inevitável, antes de passar ao próximo assunto, falar das teorias que cercam a participação. Segundo GRECO (2009b, p. 453) existem quatro teorias que tratam da acessoriedade da participação. São elas:

a) teoria da acessoriedade mínima. “Basta para esta teoria, que o autor pratique um fato típico, para que possa haver a responsabilização penal do partícipe”. (GRECO, 2009b, p453)

b) teoria da acessoriedade limitada. “É preciso que o autor tenha cometido um injusto típico, mesmo que não seja culpável, para que o partícipe possa ser penalmente responsabilizado”. (GRECO, 2009b, p453)

c) teoria da acessoriedade máxima. “Somente haverá a punição do partícipe se o autor tiver praticado uma conduta típica, ilícita e culpável”. (GRECO, 2009b, p453)

d) teoria da hiperacessoriedade. “[…]a participação somente será punida se o autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível”. (GRECO, 2009b, p453)

2.7. Comunicabilidade e incomunicabilidade de elementares e circunstâncias;

O artigo 30 do atual Código Penal traz a seguinte redação: “Não se comunicam as circunstâncias elementares e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. (BRASIL, 1940, p. 22)

Antes de adentrar-se a matéria, necessário se faz expor alguns conceitos sobre circunstâncias, condições pessoais e elementares.

Circunstâncias “são dados periféricos, acessórios, que gravitam ao redor de uma figura típica, somente interferindo na graduação da pena”. (GRECO, 2009b, p 469)

No entendimento de MASSON (2010b, p. 506) as circunstâncias “são fatores que se agregam ao tipo fundamental, para o fim de aumentar ou diminuir a pena”.

Condições pessoais “são relações do sujeito com o mundo exterior e com outras pessoas ou coisas, como as de estado civil (casado), de parentesco, de profissão ou emprego”. (JESUS, 2009c, p. 434) E ainda “são as qualidades, os aspectos subjetivos inerentes a determinado indivíduo, que o acompanham em qualquer situação, isto é, independem da prática da infração penal”. (MASSON, 2010b, p. 507)

Já elementares “são os dados descritivos essenciais de cada crime”. (GOMES, 2009, p 381) Ou seja, “São fatores que integram a definição básica de uma infração penal”. (MASSON, 2010b, p. 506).

Para GRECO (2009b, p 469) elementares “são dados essenciais à figura típica, sem os quais ou ocorre um atipicidade absoluta, ou uma atipicidade relativa.

Em resumo conclui-se que “[…] as elementares compõem a definição da conduta típica, enquanto as circunstâncias são exteriores ao tipo fundamental, funcionando como qualificadoras ou causas de aumento ou de diminuição da pena”. (MASSON, 2010b, p. 507).

Existem duas espécies de elementares e circunstâncias: as de caráter pessoal ou subjetivas e as de caráter real, ou objetivas.

Elementares e circunstâncias de caráter pessoal ou subjetiva estão relacionadas à pessoa do agente, e não ao fato por ele praticado. Enquanto as elementares e circunstâncias de caráter real ou objetivas estão vinculadas a infração e não a pessoa que a cometeu.

Na mesma sintonia, os doutrinadores sistematiza a aplicação de três regras, quando tratar do artigo 30 do Código Penal.

A primeira delas trata-se da incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal: “Em caso de coautoria ou participação, os dados inerentes à pessoa de determinado concorrente não se estendem aos fatos cometidos pelos outros participantes”. (JESUS, 2009c. p. 436)

A segunda regra estipula que as circunstâncias objetivas comunicam-se, desde que todos tenham conhecimento. “as circunstâncias objetivas só alcançam o partícipe ou o coautor se, sem haver praticado o fato que as constitui, houverem integrado o dolo ou a culpa”. (JESUS, 2009c. p. 436)

E a terceira e última regra determina que as elementares comunicam-se, desde que todos tenham conhecimento. “exige-se que as elementares tenham entrado no âmbito do conhecimento de todos os agentes, para afastar a responsabilidade penal objetiva”. (MASSON, 2009b, p. 508)

3. DO CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO.

3.1. A problemática em volta do concurso de pessoas no crime de infanticídio;

As doutrinas especializadas em matéria penal, sempre que abordam o tema concurso de pessoas e infanticídio, inevitavelmente trazem a tona a questão da comunicabilidade ou não da elementar ‘sob influência do estado puerperal’ do crime de infanticídio aos coautores e partícipes. Questão esta largamente debatida e ainda fonte de uma longa discussão doutrinária e filosófica.

Estaciona-se a discussão na possibilidade ou não, da transferência do privilégio oferecido a mãe infanticida a terceiro que concorre para o mesmo crime. Observe-se que esta comete o crime quando mata seu filho, nascente ou recém-nascido, no parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal.

O motivo de toda esta discrepância doutrinária encontra-se nos artigos 29 e 30 do Código Penal Brasileiro. O artigo 29, embasado na teoria unitária, prevê que todos, de qualquer modo, que concorreram para o crime, incidirão nas penas a este cominadas, no limite de sua culpabilidade, ou seja, todos respondem pelo mesmo crime ao qual concorreram. Pela teoria monista só existe um tipo de crime para todos os executores e participantes e não um tipo penal para o autor, outro específico para o coautor e para o partícipe como sustenta a teoria pluralista. (GRECO, 2009b, p. 430).

O artigo 30 do mesmo Ordenamento Jurídico, por sua vez, fala sobre a incomunicabilidade das circunstâncias e das condições de caráter pessoal. Estas só irão se comunicar aos coautores e partícipes, se elementares do crime.

Através de todo desenvolvimento textual acima, nota-se que o crime de infanticídio é munido de elementares que o transforma em um tipo penal específico. Veja-se que por ser um crime de mão própria, somente a mãe, sob a influência do estado puerperal, pode cometer a conduta de matar o filho, nascente ou recém-nascido, no parto ou logo após.

Nesta figura típica específica, se terceiro participar na execução do crime ou auxiliar, instigar ou induzir a mãe infanticida, por qual tipo penal responderia o terceiro colaborador?

A corrente doutrinária que defende a incomunicabilidade das elementares do infanticídio, entende que o terceiro será julgado pelo crime de homicídio e não pelo do crime de infanticídio. A influência do estado puerperal é circunstância de caráter “personalíssima” da mãe que executou o crime, sendo esta intransferível a terceiro.

Não obstante, a corrente doutrinária que propaga a comunicabilidade das elementares do infanticídio, informa que o terceiro responde por infanticídio e não por homicídio, pelo simples fato da influência o estado puerperal ser uma elementar do tipo penal em estudo e este estende-se aos coautores e partícipes por força do artigo 29 e 30 do Código Penal Brasileiro, “salvo quando estes desconhecer a sua existência, a fim de evitar a responsabilidade objetiva”. (CAPEZ, 2009a, p. 121).

No tópico seguinte será estudada especificamente cada corrente doutrinária que divergem sobre o assunto em tela, com intuito de esclarecer todas razões das discordâncias.

3.2. Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do concurso de agentes no crime de infanticídio:

Existem duas correntes doutrinárias que se divergem quando trata-se da questão da comunicabilidade das elementares do crime de infanticídio ao terceiro coautor ou participante.

3.2.1. Corrente defensora da incomunicabilidade.

Liderada pelo respeitado jurista Nelson Hungria, esta corrente pauta-se pela defesa da não comunicação da elementar, influência do estado puerperal, a terceiros que concorrem para o crime de infanticídio.

Entre os doutrinadores que adotam esta corrente doutrinária, estão: Galdino Siqueira, Heleno Cláudio Fragoso, Salgado Martins, Aníbal Bruno, Álvaro Mayrink da Costa, Marcelo Fortes Barbosa, A. J. da Costa e Silva, Adriano Marrey, Salgado Martins, João Mestieri, Nelson Pizzotti Mendes e o já citado Nelson Hungria.

Ao falar sobre a incomunicabilidade do crime de infanticídio, HUNGRIA (1955, p. 266) explica que:

“Não diz com o infanticídio a regra do art. 25 (atual 29). Trata-se de um crime personalíssimo. A condição sob a influência do estado puerperal é incomunicável. Não tem aplicação, aqui, a norma do art. 26 (atual art. 30), sobre as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime. As causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na linguagem técnico-penal, ser chamadas circunstâncias, pois estas só dizem com maior ou menor intensidade do elemento subjetivo ou gravidade objetiva do crime. O partícipe (instigador, auxiliar ou coexecutor material) do infanticídio responderá por homicídio. O privilegium legal é inestensível. A quebra da regra geral sobre a unidade de crime no concursus delinquentium de evitar-se o contra-senso, que orçaria irrisório de imputar-se a outrem que não a parturiente um crime somente reconhecível quando praticado sob a influência do estado puerperal”.

Vale ressaltar que Nelson Hungria tentou inaugurar uma modalidade nova de condição, a chamada personalíssima, a qual era direcionada para intitular a influência do estado puerperal. Dessa forma “cuidando de estudar o crime de infanticídio, asseverava Hungria que se trata de um delito “personalíssimo em que a condição ‘sob a influência do estado puerperal’ é incomunicável”. (JESUS, 2009c, p 442)

Conclui-se que “a ‘influência do estado puerperal’ no ‘infanticídio’, embora elementar, não se comunica aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime”. (JESUS, 2009c, p 442)

Jurista também adepto da incomunicabilidade aos terceiros que colaboram no crime de infanticídio, Heleno Fragroso (1981, apud, RIBEIRO, 2004, p. 122-123) opina que:

“O infanticídio constitui homicídio privilegiado porque a ação de matar o próprio filho é praticada pela mãe sob a influência do estado puerperal. Surgem, em consequência de tal elemento, problemas difíceis relativamente à participação e a coautoria. Trata-se de saber se os que eventualmente participam da ação praticam o crime de infanticídio ou o de homicídio. […] Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria, fundada no direito suíço, segundo a qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de coautoria […] parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio.”

Importantes palavras trazem Aníbal Bruno (1979, apud, RIBEIRO, 2004, p. 123) seguidor também do pensamento da não comunicação, explica que:

“Só se pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à mulher sob a condição personalística do estado puerperal não pode estender-se a ninguém mais. Qualquer outro que participe do fato age em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em que se fundamente o privilégio é que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho impede que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime para o qual concorrem os vários partícipes. Em todos os atos praticados trata-se, direta ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher, pela condição particular em que atua, esse matar toma a configuração do infanticídio. Para outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que é o homicídio.”

Nesta linha de reflexão, Álvaro Mayrink da Costa (1990, p. 152) sustenta:

“Entendemos que o grupo de autores que se filiam à hipótese (a) estão com a melhor doutrina, sendo incontestável que um tipo privilegiado não pode ser adequado por sujeito que não apresenta requisito normativo personalíssimo. O extraneus que participa de infanticídio comete crime de homicídio”.

Igualmente, na defesa da incomunicabilidade Marcelo Fortes Barbosa (1973, p. 315) afirma:

“Na verdade, o terceiro que colabora na destruição da vida do neonato pela mãe, é antes um homicida que um infanticida, nada justificando que se beneficie do privilégio legal.”

Por esta tese, entende-se que aquele que concorre para o crime de infanticídio, seja na figura do coautor ou partícipe, juntamente com a mãe puérpera, deve responder por homicídio, haja vista não possuir a condição ‘personalíssima’ compreendida pela ‘influência do estado puerperal’.

Nelson Hungria, anos depois, abandonou seu entendimento da incomunicabilidade do crime de infanticídio a terceiros, retificando ser possível a comunicação aos cooperadores do delito, em razão do princípio da teoria monística, adotada pelo Código Penal. Não obstante, mesmo depois da mudança de opinião, sempre é citado, por unanimidade pelos doutrinadores atuais como referência de um posicionamento contrário a comunicabilidade. Mesmo sendo uma opinião já mitigada pela doutrina, mostra-se de grande relevância para discussão jurídica.

HUNGRIA (1981, p.266) usou o seguinte argumento para explicar sua mudança de posicionamento:

“Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do nosso, Logoz […] e Hafter […], repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acetuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o privilégium concedido em razão da ‘influência do estado puerperal’ é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código Helvético […] é irrestrita […], ao passo que perante o Código Pátrio é feita uma ressalva: ‘salvo quando elementares do crime’. Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face de nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio.”

De grande importância ressaltar que este entendimento foi alterado em razão do texto do Código Penal que traz objetivamente a possibilidade de comunicação aos terceiros que concorrem para o crime de infanticídio.

Não significa que a partir da reconsideração de Hungria, houve uma pacificação doutrinária. A questão avançou mais um degrau e deixou periférica a discussão quanto à interpretação literal do texto jurídico, levando-a para um campo ideológico, onde é posto em cheque a finalidade da lei.

Neste sentido, Basileu Garcia (1952, p.382) reforça o descontentamento da admissão da comunicabilidade pelo Código Penal. Acusa de absurdo “esse critério técnico-legislativo, permitindo aos coparticipes se beneficiarem do tratamento privilegiado da figura autônoma do infanticídio”.

Deste modo, mesmo que a regra adotada pelo Ordenamento Jurídico brasileiro seja claramente restritiva, não se olvide que existam indícios de falhas no texto legal, levando a questão da comunicabilidade das elementares do crime de infanticídio aos seus colaboradores ser bastante retorquida, o que gera vestígios da presença de aplicação injusta da lei.

3.2.2. Corrente defensora da comunicabilidade;

Os seguidores desta corrente defendem a comunicação da elementar ‘influência do estado puerperal’ aos colaboradores do crime de infanticídio.

Os principais doutrinadores que adotam este entendimento são: Sebastian Soler, Manzini, Maggiore, Bento de Faria, Basileu Garcia, Carrara, Roberto Lyra, Wiliam Wanderley Jorge, Luiz Régis Prado, Cézar Roberto Bitencourt, Ariovaldo Alves de Figueiredo, Joaquim Jorge de Sousa Filho, Alberto Silva Franco, Olavo Oliveira, Romeu de Almeida Salles Júnior, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Euclides Custódio da Silveira, Paulo José da Costa Júnior, Antônio José Miguel Feu Rosa, Júlio Fabbrini Mirabete, Damásio E. de Jesus, José Frederico Marques, Celso Delmanto, e Magalhães Noronha.

A tese desta corrente doutrinária funda-se na defesa de que a influência do estado puerperal é circunstância de caráter pessoal, “mas também é particularidade de caráter elementar do infanticídio, sem a qual a morte do infante caracterizaria homicídio, deixando o delito de ser crime próprio e excepcional”. (DEITOS, 1999, p. 23)

Em defesa da tese da comunicabilidade, Magalhães Noronha (1996, p 52) assegura que:

“Não há dúvida alguma de que o estado puerperal é circunstância (isto é, estado, condição, particularidade, etc.) pessoal e que, sendo elementar do delito, comunica-se, ex vi do artigo 30, aos co-partícipes. Só mediante texto expresso tal regra poderia ser derrogada. (…) A não comunicação ao co-réu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei.”

Damásio Evangelista de Jesus (2009b, p 111) adita:

“É certo e incontestável que a influência do estado puerperal constitui elementar do crime de infanticídio. De acordo com o que dispõe o artigo 30 do Código Penal, ‘não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime’. Assim, nos termos da disposição, a influência do estado puerperal (elementar) é comunicável entre os fatos dos participantes.”

Cezar Roberto Bittencourt (2003, p.148) acrescenta que:

“Ninguém discute o fato de que a “influência do estado puerperal” constitui uma elementar típica do infanticídio. Pois é exatamente essa unanimidade sobre a natureza dessa circunstância pessoal que torna estéril e sem sentido a discussão sobre sua comunicabilidade. Como elementar do tipo, ela se comunica, e o terceiro que contribuir com a parturiente na morte de seu filho, nas condições descritas no art. 123, concorrerá para a prática do crime de infanticídio e não de homicídio, como sugeria Hungria.”

Dentre esses juristas, existem alguns, como Basileu Garcia, José Frederico Marques e Euclides Custódio da Silveira, adotantes da teoria da comunicabilidade, entretanto com a ressalva de que o colaborador no crime tenha participação meramente acessória na efetivação da conduta criminosa, como assim leciona José Frederico Marques (1961, apud DEITOS, 1999, p. 23):

“O infanticídio é crime próprio, pois somente o pode cometer a mãe em relação ao filho recém-nascido (…). Outras pessoas, no entanto, podem figurar como co-autores; e como se trata de delito privilegiado, mas autônomo, comunicam-se as circunstâncias subjetivas que integram o tipo, aos co-autores (…), muito embora pense de modo contrário o insigne Nelson Hungria. Mas é preciso que o co-autor tenha, como é óbvio, participação exclusivamente acessória. Se for ele o autor da morte, isto é, a pessoa que executa a ação contida e definida no núcleo do tipo, então a sua conduta, matando ao nascente ou ao recém-nascido, será enquadrada no artigo 121”.

Damásio de Jesus (2009b, p 112) contradizendo os defensores desta teoria, expõe que não compactua “da opinião dos que afirma que o terceiro só responde por infanticídio se participar de maneira meramente acessória,” e instrui que “diante da lei, tanto faz que pratique o núcleo do tipo ou participe do fato induzindo ou instigando a autora principal. De outra forma, haveria soluções díspares”. (JESUS, 2009b, p 112).

O crime de infanticídio é tipo penal autônomo e depende de elementares específicas para sua configuração. Se ausente qualquer dos elementos, ocorre a desclassificação do crime para outra figura penal.

Assim, entende por esta linha doutrinária, por ser o crime de infanticídio um tipo penal autônomo, se a autora do delito está revestida das elementares previstas no tipo, o terceiro colaborador, sabendo da existência destas elementares, responde também por infanticídio e não por homicídio. A ‘influência do estado puerperal é elementar do tipo e por isto categoricamente comunica-se ao coautor.

A corrente defensora da comunicação aponta a fragilidade do argumento da tese dos que defendem a não comunicação ao colaborador do crime de infanticídio. Para essa corrente um dos fatos mais estridentes é a falta de previsão legal que dê sustentação às idéias defendidas por estes doutrinadores. As chamadas circunstâncias ‘personalíssimas, resguardada pelos defensores da não comunicação simplesmente não são amparadas normativamente. (JESUS, 2009b, p 442).

Ao falar da falta específica de previsão legal para o tratamento do terceiro participante nos crimes próprios, destaca Damásio de Jesus (2009b, p. 443) crer não ser correto “o raciocínio dos que dizem que o terceiro só responderia por infanticídio se a lei de maneira expressa, como fazem alguns códigos, a ele fizesse referência”. Ressalta ainda que se assim fosse, o coautor do peculato responderia por furto, por não ter a qualidade de funcionário público, haja vista que neste tipo penal não tem a previsão expressa admitindo a codelinquência. (JESUS, 2009b, p. 443).

Tratou-se desta divergência o IV Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, que foi realizado na cidade de Recife, dos dias 02 a 08 de agosto de 1970. De acordo com o entendimento unânime dos presentes, disse entender que “o coautor ou partícipe do fato responde por infanticídio. Sugerimos a conversão do infanticídio em causa de diminuição de pena do homicídio (homicídio privilegiado), inovação que recebeu aplauso geral”. (JESUS, 2009b, p 443).

3.3. A problemática em torno do delito autônomo.

Vários estudiosos atribuem a existência de tamanha discussão em função de ser o crime de infanticídio estipulado pelo Código Penal como um delito autônomo.

Como sugestões resolutivas, existem diversas propostas para que o delito de infanticídio deixe de existir como tipo penal autônomo e passe a figurar como uma espécie de homicídio privilegiado. Assim, ocuparia um espaço específico em um inciso do artigo 121 do Código Penal e a razão do privilégio seria a presença da ‘influência do estado puerperal’ na mãe que matasse seu próprio filho no parto ou logo após.

Damásio de Jesus (2009c, p. 446) apresenta sua sugestão:

“[…] basta o legislador converter os elementos típicos especializantes do crime de infanticídio (art. 123) em circunstâncias legais específicas de uma forma privilegiada de homicídio […] Dessa maneira, a honoris causa e a relação de parentesco não mais seriam elementares do crime de infanticídio, mas circunstâncias legais específicas de natureza pessoal ou subjetiva do homicídio e, em caso de concurso de agentes, incomunicáveis. Em conseqüência, a conduta da infanticida constituiria homicídio privilegiado com a mesma pena prevista no art. 123, enquanto o terceiro responderia por homicídio […]”.

Defendem então uma parte dos doutrinadores que a forma de se resolver a questão divergente é transferir a figura autônoma do crime de infanticídio para o interior do tipo penal homicídio. Seria a maneira de aplicar ao terceiro colaborador do crime a pena condizente a sua conduta sem que fosse transferido a ele as circunstancias pessoais que desrespeita apenas a mãe infratora.

Nesse propósito opina SOLER (1978, apud JESUS, 2009c, 447) que a “negação do benefício ao partícipe ou coautor só teria fundamento se o infanticídio fosse caso de atenuação da pena do homicídio e não delito autônomo”. Seguia a mesma tendência Magalhães Noronha (1996, p 58) afirmando que “a não comunicação ao corréu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei”.

Rogério Greco, ao comentar sobre o crime de infanticídio, afirma não se tratar de modalidade de homicídio privilegiado, como traz algumas doutrinas, persuade que:

“cuida-se, portanto, de verdadeiro delito autônomo, razão pela qual tudo aquilo que estiver contido em seu tipo será considerado elementar, e não circunstância, devendo, pois, nos termos da determinação contida no art. 30 do Código Penal, comunicar-se ao co-partícipe, desde que todos os elementos sejam de seu conhecimento. Fosse o deleito de infanticídio previsto simplesmente como um parágrafo do art. 121 do Código Penal, deveria ser reconhecido como modalidade de homicídio privilegiado e, consequentemente, seus dados seriam considerados circunstâncias, deixando, a partir de então, de acordo com a mesma regra já apontada no art. 30 do diploma repressivo, de se comunicar aos co-partícipes”. (GRECO, 2009a, p. 233)

A respeito da autonomia do crime de infanticídio a circunstância ‘influência do estado puerperal’, aduz COSTA (2007, p. 27):

“não dá para continuar como está, com o critério fisiopsicológico fazendo parte do tipo penal do art. 123 do CP. É necessário que haja mudanças com vistas a se tornar a lei mais clara e, portanto, de melhor aplicabilidade prática. A sociedade não vê mais motivos para se tratar o infanticídio como um homicídio privilegiado, com uma pena mais amena”.

Como sugestão ao legislador, COSTA (2007, p. 27) opina que:

“uma saída para o legislador seria suprimir o delito de infanticídio do ordenamento jurídico brasileiro como delito autônomo. Simplesmente revogar-se-ia o artigo 123 do Código Penal, e acrescentar-se-ia um sexto parágrafo ao art. 121 do CP, que disporia da seguinte forma: §6º Incide nas mesmas penas do homicídio simples aquele que matar infante nascente”.

Assim, não há o que se falar em ‘influência do estado puerperal, e a mãe que matar seu filho responderia por homicídio, mais agravantes e atenuantes específicos para cada caso concreto.

Quando ao estado puerperal, COSTA (2007, p. 27) explica que este “não teria mais vez. Em seu lugar, analisar-se-ia se a mulher, no momento consumativo do crime, era plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento”.

Tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de Leis que versam sobre uma mudança na legislação que se trata do crime de infanticídio.

O Projeto de Lei nº 1.262, de 2003, de autoria do deputado José Divino, pede a revogação do art 123 do Código Penal (infanticídio). Já o Projeto de Lei nº 3.398, de 2004, de autoria do deputado Roberto Fraga pauta-se pela tipificação como homicídio a coautoria em delito de infanticídio.

Contudo o Projeto que defende a revogação do crime de infanticídio do Código Penal, que passaria a ser considerado homicídio, não foi acatado pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação, em razão do mérito. Já o Projeto que defende que o colaborador da mãe infanticida responda por homicídio teve sua redação aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação.

Assim diz o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação:

“Reconhecendo que haja, a respeito da co-autoria dos crimes de infanticídio, divergência doutrinária que torna ambígua a responsabilidade penal de terceiro, e que a diversidade das concepções decorre da interpretação do art.30 (“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a ele cominadas”), considero admissível o projeto de lei n.º3.398, de 2004, do Deputado Alberto Fraga, nos termos da conclusão seguinte: dadas as razões já expostas o parecer é no sentido de que o projeto de lei n.º 1.262, de 2003, que pretende revogar o art.123 do Código Penal, de forma a considerar como homicídio o tipo penal descrito como infanticídio, é constitucional, jurídico e redigido com boa técnica legislativa, mas inaceitável, quanto ao mérito; quanto ao projeto de lei n°3.398, de 2004, de autoria do Deputado Alberto Fraga, o parecer é no sentido de que o mesmo não contém vícios de inconstitucionalidade ou de injuridicidade, sendo, portanto, favorável à sua aprovação, quanto a estes aspectos. Quanto ao mérito o parecer é pela aprovação, nos termos do substitutivo, que acolhe a proposta, mas forma a cautela de adaptá-la à linguagem do próprio art.30 do Código, ensejador da polêmica existente”. (PROJETO DE LEI Nº 1262, 2003, p. 03)

Percebe-se baseado no parecer acima que os legisladores não pugnam para a revogação do artigo 123 do Código Penal, levando a crer que perpetuará por muitos anos a problemática em volta do crime de infanticídio enquanto delito autônomo.

O que, por ventura, pode ocorrer é a específica estipulação por lei de que o terceiro participante do crime de infanticídio, se não possuir as circunstâncias elementares elencadas no tipo penal, não poderá responder por infanticídio e sim por homicídio. Mas esta situação precisa estar expressa em lei, caso contrário, aplicar-se-á a regra geral do artigo 30, em conformidade com a teoria unitária adotada pelo Código Penal Brasileiro.

3.4. O concurso de pessoas no infanticídio e as acepções da justiça.

Dedica-se, este capítulo, em trazer as questões divergentes em volta do concurso de pessoas no crime de infanticídio. Ainda, entender, as razões de toda essa divergência para uma análise sob o ponto de vista do justo e injusto, partindo do conceito de justiça.

Na corrente em que se defende a comunicabilidade das elementares do crime de infanticídio ao coautor e partícipe, defende-se a aplicação da lei como é transcrito pelo Código Penal, em respeito aos seus princípios adotados afim de garantir a eficácia da lei, mesmo esta exteriorizando ineficaz.

Hungria, quando liderou a corrente que defendia a incomunicabilidade das elementares do crime de infanticídio ao terceiro participante, foi imbuído de questões ultralegis, fundamentando seu entendimento no direito comparado. Tanto é que posteriormente admitiu que havia interpretado de maneira equívoca o texto legal, juntando seu entendimento aos demais defensores da corrente da comunicabilidade.

Veja que o problema da comunicabilidade ou não das elementares do crime de infanticídio ao terceiro participante, já é um assunto bastante debatido e esgotado pela doutrina jurídica brasileira. Interessante é que os doutrinadores da atualidade, ao deparar com tal discussão, são enfáticos em afirmar ser o texto da lei claro em admitir ao colaborador do crime de infanticídio, responder obrigatoriamente pelo mesmo crime da autora, em virtude da adoção do princípio da teoria monística.

Impulsiona daí uma questão que é bastante válida para uma discussão jurídica. Se o coautor ou partícipe colabora para a prática do crime de infanticídio, qual figura típica a ser aplicada a este coautor ou partícipe, considerando o alcance aos anseios da justiça?

O objetivo da análise não é se prender apenas ao texto legal já existente e sim entender profundamente qual seria a forma eficaz de se aplicar a norma jurídica, de maneira a não gerar um sentimento de injustiça.

A priori, para analisar a questão proposta, é preciso entender um pouco sobre o conceito de justiça. Antes de tudo, convém ressaltar que trata-se de um conceito bastante complexo e abrangente, considerando a sua tamanha subjetividade.

André Franco Montoro em uma análise sobre o conceito de justiça resume que esta em sentido direto “significa a “virtude” ou a vontade constante de dar a cada um o seu direito. A rigor só podem ser “justas” ou “injustas” as ações humanas”. (MONTORO, 2008, P 162)

BITTAR (2005, p 175) ao analisar o conceito de justiça na visão aristotélica, explica que:

“Sob o ponto de vista estritamente jusfilosófico, ressalte-se que a justiça é entendida como a adequação da conduta individual ao conjunto em que se encontram inseridas as individualidades subjetivas, necessidade real de estabelecimento de uma ordem que viabilize a conjunção de interesses múltiplos e variegados sob tutela da racionalidade legislativa.”

Ademais, “a justiça é critério social são só de correção, mas de prevenção e organização, enquanto entendida em sua totalidade. Todas as suas acepções favorecem esse entendimento”. (BITTAR, 2005, p. 177)

Aristóteles afirma, segundo BITTAR (2005, p 165) que a abstração e a universalidade da norma é o que gera, frequentemente o problema legislativo. “Lacunas aparecem em todo sistema legislativo escrito e estas podem existir por vontade do legislador de que existam ou mesmo contra a vontade deste”. (BITTAR, 2005, p 165) Explica o autor que pelo fato da impossibilidade do legislador conseguir prever todos os fatos que por ventura vier a ocorrer, “quando, não podendo precisar tudo, eles tem de estatuir princípios gerais que não são aplicáveis sempre, mas só as mais das vezes”. (BITTAR, 2005, p 165)

Pela lógica aristotélica:

“A justiça se faz presente na sociedade pela aplicação dos preceitos legais, nos julgamentos, na observância da lei, na utilização da equidade para a amenização dos rigores jurídicos-positivos advindos da estrututa intrínseca e do conteúdo de toda e qualquer legislação.” (BITTAR, 2005, p 177)

Entende-se então que a justiça é um instituto de abstração e subjetivo que deveria se materializar na expressão da norma jurídica. Em caso contrário, deve prevalecer os princípios que norteiam a busca pela justiça, como o respeito ao princípio da equidade, este por sua vez “é a medida corretiva da justiça legal quando engendra a injustiça pela generalidade de seus preceitos normativos”. (BITTAR, 2005, p 166)

Aristóteles por muitas vezes “distingue o “justo natural” do “justo legal” ou positivo, estabelecidos por leis emanadas da autoridade pública ou por convenção das partes”. (MONTORO, 2008, p. 304)

Assim, “ter em conta não a letra da lei, mas a intenção do legislador; não a parte, mas o todo”. (BITTAR, 2005, p 166) Implica em dizer que o “justo legal” não está sujeito a mudança enquanto a realidade prática está sempre se renovando, daí se nota a tamanha necessidade de se conhecer o real propósito do legislador para que a lei não se perca em meio a inúmeras interpretações.

Em uma discussão sobre justiça, S. Tomás de Aquino não poderia ser esquecido, seu fundamento de justiça resume-se da seguinte forma:

“[…] a essência da justiça consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo uma igualdade. […] há uma justiça geral ou social, cujo o objeto é o bem comum, e uma justiça particular, que tem como objeto o bem dos particulares. […] esta se subdivide em justiça comutativa, que rege as relações entre particulares, e justiça distributiva, que se refere às obrigações da sociedade para com os particulares. […] o fundamento das obrigações de justiça é a própria natureza humana. […] o direito é objeto da justiça”. (MONTORO, 2008, p. 310)

BECCARIA (2001, p. 10) ao falar sobre a justiça, indica que:

“A justiça divina e a justiça natural são, por sua essência, constantes e invariáveis, porque as relações existentes entre dois objetos da mesma natureza não podem mudar nunca. Mas, a justiça humana, ou, se se quiser, a justiça política, não sendo mais do que uma relação estabelecida entre uma ação e o estado variável da sociedade, também pode variar, à medida que essa ação se torne vantajosa ou necessária ao estado social. Só se pode determinar bem a natureza dessa justiça examinando com atenção as relações complicadas das inconstantes combinações que governam os homens. Se todos esses princípios, essencialmente distintos, chegam a confundir-se, já não é possível raciocinar com clareza sobre os assuntos políticos. Cabe aos teólogos estabelecer os limites do justo e do injusto, segundo a maldade ou a bondade interiores da ação. Ao publicista cabe determinar tais limites em política, isto é, sob as relações do bem e do mal que a ação possa fazer à sociedade.”

Hans Kelsen, um dos defensores do positivismo jurídico, ao falar da justiça em seu livro, “O problema da justiça” introduz com o seguinte raciocínio: “A justiça é uma qualidade ou atributo que pode ser afirmado de diferentes objetos”. (KELSEN, 2003, p. 03)

Destarte, na lógica kelsiana, quando diz que alguém é justo ou injusto, a justiça é “representada como uma virtude dos indivíduos, como todas as virtudes, também a virtude da justiça é uma qualidade moral; e, nessa medida, a justiça pertence ao domínio da moral”. (KELSEN, 2003, p. 03)

Segundo entendimento de Kelsen, é na conduta do indivíduo que se exterioriza a qualidade ou a virtude da justiça, conduta esta praticada no meio em que se vive o indivíduo, a chamada conduta social. (KELSEN, 2003, p. 03)

Explica Kelsen que a conduta pode ser justa, quando estiver de acordo com as normas estabelecidas para uma determinada conduta, constituindo assim um valor social, ou injusta, quando contrariar a referida norma. Deste modo, considera-se as normas da justiça como normas morais. (KELSEN, 2003, p. 03 e 04)

Porém, esclarece o autor que:

“nem toda norma moral é uma norma de justiça […] Apenas uma norma que prescreva um determinado tratamento de um indivíduo por outro indivíduo, especialmente o tratamento dos indivíduos por parte de um legislador ou juiz, pode ser considerada uma norma de justiça”. (KELSEN, 2003, p. 04)

Por fim, em um conceito sintético de justiça, pode-se dizer que: “[…] é, portanto, a qualidade de uma conduta humana específica, de uma conduta que consiste no tratamento dado a outros homens”. (KELSEN, 2003, p. 04)

“Argumenta Kelsen que, se se está diante de um determinado Direito Positivo, deve-se dizer que este pode ser um direito moral ou imoral. É certo que se prefere o Direito moral ao imoral, porém, há de se reconhecer que ambos são vinculativos da conduta. Em poucas palavras, um direito positivo sempre pode contrariar algum mandamento de justiça, e nem por isso deixa de ser válido. Então, o direito positivo é o direito posto (positum – posto e positivo) pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer as condições formais para tanto, pertencente a um determinado sistema jurídico. O direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito, para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico. Então, direito e moral se separam. Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais. Validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto (uma norma pode ser válida e justa; válida e injusta; inválida e justa; inválida e injusta)”. (BITTAR, p. 01)

Seguindo ainda este entendimento, BITTAR (p. 01) explica que para Kelsen:

“O valor justiça é relativo, e não há concordância entre os teóricos e entre os povos e civilizações de qual o definitivo conceito de justiça. Discutir sobre a justiça, para Kelsen, é tarefa da Ética, ciência que se ocupa de estudar não normas jurídicas, mas sim normas morais, e que, portanto, se incumbe da missão de detectar o certo e o errado, o justo e o injusto. E muitas são as formas com as quais se concebem o justo e o injusto, o que abeira este estudo do terreno das investigações inconclusivas.”

Pela visão kelsiana, entende-se que, a norma, mesmo se considerada injusta por determinadas pessoas, continua válida. Isso decorre da tamanha subjetividade do conceito de justiça, considerando a situação de uma determinada norma ser entendida para uns como justa e para outros pode ser considerado injusta.

Para a controvérsia em estudo, em que traz ao questionamento a discussão se é justo ou não estender o benefício do crime de infanticídio ao terceiro participante, ao analisar, sob a visão de Kelsen, entende-se ser válido aplicar a pena ao colaborador do crime de acordo com o que está determinado em lei. Implica dizer que ao colaborador do crime de infanticídio deve-se estender todos os benefícios alcançados pela mãe infanticida, pelo fato da existência de previsão da norma escrita. Desta forma, é imprescindível se ater estritamente ao que está positivado, sem que levante aqui o questionamento de validade ou justiça da lei. Logo entende Kelsen, que se uma norma é justa ou não, esta discussão deve ser levada ao campo da ética por ser matéria inexata, em razão disso não deve ser tratada no âmbito da Ciência Jurídica.

Em análise a teoria pura do direito, MONTORO (2008, p. 179) esclarece que:

“Como a questão da origem da lei, a questão de estabelecer se uma regra legal é justa ou injusta não pode ser respondida dentro da estrutura e pelos métodos específicos de uma ciência orientada para a análise estrutural da lei positiva. Isso não significa necessariamente que a questão sobre o que seja justiça não possa ser respondida científica e objetivamente. Mas, mesmo que seja possível decidir objetivamente sobre o que é justo e o que é injusto, […] justiça e lei devem ser consideradas como dois conceitos diferentes. Se a ideia de justiça possui alguma função, é a de ser um modelo para a leitura da boa lei e um critério para a distinção entre uma lei boa e uma lei má”.

Logo entendem os seguidores do positivismo jurídico, que o direito nada é, além de uma imposição da força social, “e a justiça é considerada um elemento estranho à sua formação e validade. Para Kelsen, os critérios da justiça são simplesmente emocionais e subjetivos e sua determinação deve ser deixada a religião e a metafísica”. (MONTORO, 2008, p. 160)

Segundo Kelsen, a teoria positiva do direito “não pretende sustentar que a justiça não exista ou que qualquer ordem jurídica positiva não possa ser julgada justa ou injusta”. (MONTORO, 2008, p. 327)

Todavia, existem posições divergentes a de Kelsen, como o pensamento de Renard. Entende-se por este fundamento que é necessário se fundamentar na justiça uma parte das instituições jurídicas, porém a outra parte em questão se fundamenta na segurança ou na ordem social. (MONTORO, 2008, p. 161)

Posições contrárias a de Hans Kelsen encontra-se em um dos grandes estudiosos do direito contemporâneo, Gurvitch:

“É preciso reconhecer, […] que um elemento constitutivo de todo direito é um elemento ideal, a JUSTIÇA. […] Direito e Estado serão criações ininteligíveis, arbitrárias e inoperantes, se não houver um princípio ideal que legitime sua existência, organização e conteúdo. Este princípio é a justiça. A noção de justo é fundamental ao direito. Daí a necessidade de um exame a que a nossa consciência não pode subtrair e que constitui a tarefa suprema da filosofia do direito.” (MONTORO, 2008, p. 161)

Na visão de MONTORO (2008, p. 163):

“A justiça, como o direito, não é uma simples técnica da igualdade, a utilidade ou da ordem social. Muito mais que isso, ela é virtude da convivência humana. E significa, fundamentalmente, uma atitude subjetiva de respeito à dignidade de todos os homens. […] A justiça não é um sentimento que cada um tem de seu próprio bem-estar ou felicidade, como pretendem alguns. Mas pelo contrário, é o reconhecimento de que cada um deve respeitar o bem e a dignidade dos outros”.

Para concluir toda esta discussão em volta do conceito de justiça, o pensamento filosófico-jurídico moderno faz-se necessário vir à tona.

Segundo MONTORO (2008, p. 327) a justiça é sem dúvida um valor fundamental do direito e ainda não se trata de um “conceito meramente formal e vazio de conteúdo. […] Pelo contrário […] ela representa a exigência concreta de respeito à personalidade de cada homem e de todos os homens.

Com o objetivo de tratar do grande problema do mundo moderno relacionado ao desrespeito aos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, traz em seu preâmbulo, de forma expressa o seguinte: “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. (MONTORO, 2008, p. 312)

No mesmo sentido e ainda mais abrangente, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, não obstante, mencionou também a busca pela justiça como medida assecuratória:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (BRASIL, 1988, p. 1) Grifo nosso

Ainda na Constituição Federal pode-se encontrar trechos específicos que fazem referência a justiça, seja como um objetivos fundamentais ou interligados em outros fundamentos, como a dignidade humana e no princípio da prevalência dos direitos humanos.

Após caminhar entre diversos conceitos de justiça volta-se ao questionamento citado no início deste tópico.

O que seria justo? O terceiro colaborador do crime de infanticídio responder por homicídio ou infanticídio?

Pela corrente positivista liderada por Kelsen, o terceiro participante do crime de infanticídio responderia pelo crime de infanticídio, em razão do que está estabelecido na norma positivada. Ou seja, a norma jurídica em questão independente de ser justa ou injusta, pelo fato de ser válida deve ser cumprida para manutenção da ordem social.

No entanto, pelo entendimento daqueles que acreditam ser a justiça um aparelho que caminha junto ao direito, compreendendo-a como um princípio norteador das normas, e que tem uma finalidade maior que é o respeito à dignidade de todos os homens, não há porque se restringir apenas ao ordenamento jurídico, se ele for manifestamente injusto.

Analise se o terceiro colaborasse para a morte de um nascente ou recém nascido em que a autora não fosse a mãe, ou mesmo se fosse, mas não estivesse ‘sob a influência do estado puerperal’, este responderia por homicídio. Todavia, quando participa da morte de um nascente ou recém-nascido, em que a autora é a própria mãe, ‘sob a influência do estado puerperal’, assim como a mãe infanticida, este responde também por infanticídio, de acordo com a teoria da unidade de delitos, em razão de possuir a autora do delito, condições específicas que a enquadra no crime de infanticídio, estas comunicadas ao terceiro participante.

Entende-se então que o coautor ou partícipe se colaborar com a morte de um nascente ou recém-nascido, em que o autor seja qualquer pessoa, responderá por homicídio, em conseqüência, terá uma pena maior que compreende a reclusão de 06 a 20 anos. Porém se esta colaboração for a uma mãe puérpera que mata seu próprio filho nascente ou recém-nascido, a pena é reduzida significativamente para detenção de 02 a 06 anos.

A exceção a esta regra apenas se aplica quando provado a falta de vínculo subjetivo entre os autores do delito, requisito este indispensável ao concurso de pessoas, ou seja, ambos, tanto a mãe quanto o outro agente tinha subjetivamente a vontade de ceifar a vida do recém-nascido, porém suas condutas são autônomas, sem existir qualquer relação subjetiva entre os agentes.

Logo, quando se transfere um privilégio, privilégio este que foi instituído pensando nas condições especiais da mãe puérpera, ao terceiro que não possui esta condição específica. É possível que haja um forte indício de afronta a justiça.

Como aduz BITTENCOURT (2003, p. 148) “a justiça ou injustiça do abrandamento da punição do terceiro participante no crime de infanticídio é inconsistente para afastar a orientação abraçada pelo Código Penal brasileiro”.

Entretanto, alguns dos próprios defensores da corrente da comunicabilidade do crime de infanticídio ao coautor e partícipe, confessam que, de longe, esta não é a maneira mais justa de se punir o colaborador do crime de infanticídio. (JESUS, 2009c, p 446)

Damásio de Jesus também se pronuncia, afirmando ser um absurdo o partícipe acobertar-se sob o privilégio do infanticídio, sendo que sua conduta muitas vezes representa homicídio caracterizado. (JESUS, 2009c, p 446)

Como sugestão, Damásio de Jesus (2009c, p 446 e 447) expõe que “na descrição legal do crime de homicídio (art. 121), logo após o tipo fundamental, o legislador inseriu a forma privilegiada”. Trata-se do §1º. Segundo Damásio, estas circunstâncias elencadas no parágrafo 1º do artigo 121, são específica e de natureza subjetiva, assim não se comunicam em caso de concurso de agentes. “Seguindo a mesma linha de orientação, basta o legislador converter os elementos típicos especializantes do crime de infanticídio (art. 123) em circunstâncias legais específicas de uma forma privilegiada de homicídio. (JESUS, 2009c, p. 447)

““Teríamos, então no art. 121, dois parágrafos descrevendo tipos privilegiados, […] o primeiro permaneceria como se encontra descrito; o segundo contendo a descrição do infanticídio, teria a seguinte redação: “se o crime é cometido pela mãe contra o próprio filho, para ocultar sua desonra, durante o parto ou logo após o parto: Pena – detenção de dois a seis anos”. Dessa maneira, a honoris causa e a relação de parentesco não mais seriam elementares do crime de infanticídio, mas circunstâncias legais específicas de natureza pessoal ou subjetiva do homicídio e, em caso de concurso de agentes, incomunicáveis”.” (JESUS, 2009c, p. 447)

Nota-se, pela sugestão concedida por Damásio de Jesus, a opção pelo retorno da honoris causa como circunstância específica do infanticídio, abandonando a inovadora circunstância do elemento biopsicológico, a ‘influência do estado puerperal’.

“a única forma de se afastar a comunicabilidade da elementar em exame seria, de lege ferenda, tipificar o infanticídio como outra espécie de homicídio privilegiado, quando então o “estado puerperal” deixaria de ser elementar do tipo (comunicável), para se transformar em simples circunstância pessoal (incomunicável), como sugeria Magalhães Noronha.” (BITTENCOURT, 2003, p. 149)

“A não comunicação ao corréu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei”. (NORONHA, 1996, p. 58)

Percebe-se então que o problema reside no fato de ser o crime de infanticídio um delito autônomo. Se este deixar de ser independente e integrar ao crime de homicídio em sua forma privilegiada, a discussão doutrinária torna-se infrutífera.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

No decorrer das civilizações, o crime de infanticídio teve diversos tratamentos, ora pautava para a insignificância da vítima, considerando irrelevante para o mundo jurídico a punição de tal delito, outrora voltava-se para uma super valoração da vítima, punindo com excessiva severidade a mãe infanticida.

Com o advento dos ideais iluministas, Beccaria levantou-se em defesa da humanização das penas, repugnando a prática de execução de penas cruéis. Desta maneira, sob a influência do Iluminismo, o crime de infanticídio foi relativizado, entrando em uma esfera de crime privilegiado em razão da situação social e psicológica que geralmente se encontravam as mães infanticidas.

No Brasil, não diferente de outros países, o crime de infanticídio também conteve diversos tratamentos. Nos códigos criminais anteriores ao Código Penal de 1940, o crime de infanticídio era justificado pela causa psicológica, a chamada honoris causa. Já o referido Código Penal de 1940 inovou em trazer para o ordenamento jurídico como elemento do crime de infanticídio uma causa fisiopsicológica, a chamada ‘influência do estado puerperal’.

O Ordenamento Jurídico Penal brasileiro de 1940, ao versar sobre o concurso de pessoas em delitos, optou em adotar como regra a teoria monista ou unitária, conforme estipulado no artigo 29 do Código Penal. Isso significa que todo aquele que concorrer para a prática de um delito, responderá pelo crime ao qual concorreu. Todavia o artigo seguinte traz algumas exceções que se presentes não são comunicáveis aos agentes, são as chamadas circunstâncias incomunicáveis. Porém, ao final do texto do artigo 30 do Código, o legislador ressaltou que as circunstâncias incomunicáveis, se tornam comunicáveis quando elementares do tipo penal.

O crime de infanticídio é rodeado de circunstâncias pessoais que para a sua configuração, exige-se que a mãe, ‘sob influência do estado puerperal’, no parto ou logo após, ceife a vida de seu próprio filho nascente ou recém-nascido.

Percebe-se que neste tipo penal, chamado de próprio, apenas a mãe puépera pode ser a autora do delito. Note-se também que pelas circunstâncias especiais em que se encontra a mãe, o Código Penal entendeu que esta deveria receber um tratamento privilegiado em razão de sua momentânea perda de capacidade, não sendo inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta.

Todavia, quem concorrer para o crime de infanticídio junto à autora, considerando a adoção pelo Código Penal da teoria unitária, e ainda que as circunstâncias específicas do crime de infanticídio são elementares do tipo, em razão de ser o infanticídio, um tipo penal autônomo, o colaborador do crime responderá assim como a autora por infanticídio.

Levanta-se então duas correntes doutrinárias que passam a discutir a comunicabilidade ou não das circunstâncias elementares do crime de infanticídio ao coautor ou partícipe.

A corrente que defende a não comunicabilidade ao colaborador do crime de infanticídio entende ser as circunstâncias presentes neste crime, consideradas de caráter personalíssimas, assim impossível transferi-las a quem não as possuem. Nesse entendimento responde por homicídio quem concorre para o crime de infanticídio.

A corrente defensora da comunicabilidade, entende que independente de as circunstâncias do crime de infanticídio serem de caráter pessoais, essas necessariamente se comunicam ao terceiro participante do crime em razão de serem elementares do tipo penal, que por ventura é autônomo.

Pugna-se, doutrinadores modernos, pela superação do entendimento da teoria da incomunicabilidade do crime de infanticídio ao seu concorrente, haja vista tratar-se de interpretação objetiva, ou seja, o Código Penal é claro em prever a comunicação das circunstâncias elementares aos concorrentes de um crime.

Não significa que esteja pacificada a questão, ela apenas se transferiu a outro plano. Qual seja, a autonomia do crime de infanticídio.

Os doutrinadores atuais concordam que o Código Penal admite ao coautor e partícipe do crime de infanticídio, responder por este crime. Todavia, alguns estudiosos manifestam ser um absurdo jurídico permitir este privilégio a quem não possui as condições específica exigidas no referido crime. Acreditam ser um atentado a justiça.

É na esfera da justiça a busca por respostas para entender o que seria justo ou injusto para a situação em tela.

No sábio entendimento de Aristóteles, a justiça nada mais é do que uma abstração, subjetividade esta que precisa ser materializada na norma jurídica. Todavia, existe uma distinção entre o “justo natural” e o “justo legal”, e o que precisa ser compreendido não é apenas o texto da lei e sim a intenção do legislador, para que o justo prospere. (BITTAR, 2005, p 166)

Kelsen, defensor da positivação das normas, por sua vez, entende ser a justiça proveniente de regras estabelecidas através de condutas sociais. No entanto a norma jurídica pode ser justa ou injusta, o que não interfere na sua validade, haja vista que a discussão sobre o que é justo ou injusto, certo ou errado, deve ser levado ao campo da Ética.

Desta maneira, é salutar entender, na visão dos estudiosos modernos, que a justiça está entrelaçada ao direito, faz parte da vida dos homens como promoção da dignidade humana. Sem a observância do princípio da justiça as normas seriam vazias. Em fim, o sentimento de justiça, por mais que seja subjetivo, é a dosagem que o homem possui para respeitar o outro.

Esta discussão tem como objetivo entender se ao terceiro participante do crime de infanticídio, mesmo não possuído as condições pessoais exigidas no crime, seria justo responder pelo mesmo crime da mãe infanticida.

Na visão positivista de Kelsen, entende-se que a questão do justo ou injusto não é levado em consideração quando da aplicação da lei, haja vista estar a norma em sua plena eficácia.

Entretanto, na visão aristotélica e até mesmo dos doutrinadores modernos, a justiça deve prevalecer em detrimento da norma positivada, ou seja, em um caso concreto de concurso de pessoas no crime de infanticídio deve-se analisar se o cumprimento da norma irá ferir um fundamento maior, a justiça.

Por fim, e não menos importante, ressaltar as inúmeras sugestões elaboradas pelos doutrinadores com o intuito de reforçar a necessidade de uma alteração da norma para que as divergências sejam sanadas e que a lei não seja considerada injusta sob o ponto de vista da desigualdade de tratamentos.

 

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Informações Sobre o Autor

 

Macsilania Ribeiro da Silva Calheiros

 

Advogada e Servidora Pública do Estado de Goiás

 


 

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