Confissão na fase extrajudicial e posterior retratação em juízo

Resumo: A confissão na fase extrajudicial se dá, na maioria das vezes, por coação ou em decorrência da falta de oportunidade de se consultar com um advogado antes do interrogatório diante da autoridade policial. Este artigo tem como objetivo primordial fazer uma análise da questão acima aventada frente ao princípio da não auto-incriminação, por meio de reflexão acerca do valor probatório de tal confissão e da busca de maneiras para garantir a aplicação efetiva do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição de 1988, que assegura ao preso o direito ao silêncio e à assistência de advogado.

Palavras- Chave: Confissão extrajudicial.  Princípio da não auto-incriminação.

Abstract: The extrajudicial confession phase occurs, in most cases, by duress or due to the lack of opportunity to consult with a lawyer before interrogation under the police authority. This article aims to analyze the fundamental question suggested above against the principle of non-self-incrimination, through reflection on the probative value of such confession and seeking ways to ensure the effective application of art. 5, subsection LXIII, of the 1988 Constitution, which guarantees the detainee the right to silence and to legal counsel.

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Keywords: Extrajudicial confession. Principle of non-self-incrimination.

Sumário: Introdução. 1. O princípio da não auto-incriminação. 2. O valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo. 3. A efetiva aplicação do inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal. Conclusão.

Introdução

O presente trabalho abordará o debate referente à confissão extrajudicial. Essa abordagem se dará essencialmente sob dois aspectos, quais sejam, o valor probatório da confissão na fase policial retratada em juízo à luz do princípio da não auto-incriminação e a efetiva aplicação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, que garante ao preso o direito ao silêncio e à assistência de advogado.

A escolha da temática que será abordada neste trabalho se deu em virtude da impossibilidade de se alcançar prova indiscutível acerca da autoria dos delitos. Essa impossibilidade causa inquietação aos aplicadores do direito penal. Na maioria das vezes a materialidade do delito é patente, mas não é possível afirmar com certeza matemática a sua autoria. Assim, sempre se condena com um juízo de probabilidade e não com um juízo de certeza.

Isso leva a refletir sobre a aplicabilidade do princípio penal conhecido como nemo tenetur se detegere ou princípio da não auto-incriminação. Pela importância do bem jurídico diretamente afetado pelo direito penal, qual seja, a liberdade, condenar alguém com base apenas em sua confissão extrajudicial posteriormente retratada em juízo é altamente temerário.

Dessa forma, pesa sobre as cabeças dos profissionais do direito, especialmente do direito penal, o conflito entre a vontade de fazer prevalecer a justiça, sob um aspecto amplo, e o respeito às garantias constitucionalmente asseguradas, especificamente o direito do acusado ou suspeito de não produzir prova contra si mesmo.

Merece destaque nesse ponto a questão da confissão obtida durante o inquérito policial e posteriormente retratada nos autos do processo judicial. Ela é válida como prova direta[1]? É lícito fundamentar a sentença em uma prova produzida no inquérito policial e infirmada em juízo, sob o crivo do contraditório? É legítimo considerar que as alegações do réu no depoimento perante a Justiça não fazem sentido e condená-lo com base naquilo que restou apurado no inquérito? Qual o real valor probatório da confissão extrajudicial e sua influência na fase judicial? Quais alterações no sistema atual poderiam ampliar o alcance do princípio da não auto-incriminação no processo penal?

Para responder essas perguntas inicialmente teceremos alguns comentários acerca do princípio da não auto-incriminação, seu conceito, origem e outros aspectos históricos, bem como as principais discussões que envolvem o tema.

Na segunda parte do presente estudo trataremos do valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo. Para isso teceremos alguns comentários acerca da prova, considerada em si mesma, e da verdade processual, bem assim traçaremos a distinção entre prova e indício, pontos que consideramos fundamentais para que se chegue à conclusão pretendida.

Por último, apontaremos as medidas que entendemos necessárias para tornar efetiva a aplicação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, de modo a conferir maior legitimidade à confissão extrajudicial. Pensamos que isso será suficiente para, ao menos, diminuir consideravelmente o número de sentenças reformadas por conta de vícios na vontade, que acabam por tornar imprestável a confissão obtida no inquérito policial, sem observância das garantias constitucionalmente asseguradas, especialmente a de não se auto-incriminar, que abarca o direito ao silêncio e à assistência de defesa técnica.

1 O Princípio da Não Auto-Incriminação

Esse princípio designa, em processo penal, o direito que tem o acusado, pessoa física ou juridica, de não produzir provas contra si próprio. Dá vazão ao impulso natural do ser humano de buscar preservar sua liberdade e afastar as acusações que lhe sejam feitas, bem como serve de garantia contra abusos por parte do Estado e contribui para a distribuição do ônus da prova, isto é, cabe à acusação demonstrar o dolo ou culpa do acusado. Tal princípio está intimamente relacionado ao direito de defesa e a doutrina estrangeira costuma destacá-lo como expressão da dignidade humana.

Deita suas origens no sistema acusatório. Por essa razão, a Inglaterra foi o lugar mais propício para sua criação, uma vez que adotou o Júri em substituição ao sistema inquisitório. Surgiu do common law por meio do desenvolvimento jurisprudencial, antes mesmo do aparecimento nas legislações de outros Estados, e tem suas raízes na luta entre Igreja e Estado Inglês, servindo como uma proteção contra as perseguições religiosas que ocorriam na época. Vale dizer, era um meio de defender o cidadão dos interrogatórios estatais opressivos.

A criação e o desenvolvimento do direito ao silêncio teve seu berço na Inglaterra e tem íntima ligação com a oposição entre os sistemas acusatório e inquisitório, materializados nos tribunais do common law, de um lado, e nos tribunais eclesiásticos, de outro. Enquanto nos primeiros havia confiança nas provas independentes, aqueles últimos se firmavam principalmente na confissão, o que acabou por gerar as barbaridades que todos conhecemos acerca da Santa Inquisição.

Acredita-se que o princípio da não auto-incriminacao firmou-se na Inglaterra a partir de 1640. No final do século XVII o privilege against self-incrimination foi reconhecido no common law e, aproximadamente um século e meio mais tarde, foi elevado a status constitucional nos Estados Unidos por meio do Bill of Rights de 1791.

No Brasil, figurou pela primeira vez de forma expressa no texto constitucional por meio da Carta de 1988, que no seu art. 5º, inciso LXIII, dispôs da seguinte maneira: “o preso será informado dos seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da familia e do advogado.”

Em textos constitucionais anteriores podia-se fazer a inferência de que o principio da não auto-incriminação estava contido na garantia genérica do direito de defesa. Sobre a presença do aludido princípio nas Constituições pretéritas merece destaque, pela percuciência com que abordou o tema, o seguinte excerto da obra de Carlos Henrique Borlido Haddad (2005, p. 114-115): “A Emenda Constitucional de 1969, sem alterar a redação da Charta Magna de 1967, não previu no Titulo II – Da Declaração de Direitos – Capitulo IV – Dos Direitos e Garantias Individuais – o direito ao silêncio, não obstante tenham sido arrolados nos parágrafos dos arts. 150 e 153, respectivamente, inúmeros direitos e garantias relacionados ao processo penal. De igual forma, a Constituição de 1946, mesmo prevendo no Titulo IV, Capitulo II, arts. 141 a 144, os direitos e garantias individuais, omitiu-se quanto ao direito ao silêncio ou quanto a alguma outra manifestação do princípio nemo tenetur se detegere, sendo secundada pela Constituição de 1937, cujo rol de direitos e garantias individuais foi estatuído nos arts. 122 e 123. Idêntica opção política se revela na Constituição de 1934, porquanto o Capítulo II, que cuida dos direitos e garantias individuais, em nenhum momento fez alusão ao direito de permanecer calado. O mesmo se diz em relação à Constituição de 1891 (Titulo IV, Seção II – Declaração de Direitos). Por derradeiro, a Constituição do Império, em título único, abrangente das disposições gerais e das garantias dos direitos civis e políticos, não trouxe nova disposição sobre a matéria, efetivamente introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, em âmbito constitucional, pela Constituição Federal de 1988.”

No entanto, a legislação infraconstitucional já conhecia o mencionado princípio em normas anteriores à atual Carta Federal. Há sinais de sua positivação no Código de Processo Criminal de 1832, em seu art. 94[2], que faz alusão à liberdade de declaração do acusado; no Regulamento 737, de 1850, art. 208, § 1º[3], em que, pela primeira vez, foi facultado à parte silenciar para evitar prestar depoimento de conteúdo incriminatório; no Código de Processo Civil de 1939, art. 242[4]; bem como em diversos artigos do Código de Processo Penal vigente.

Com o advento da Constuição Federal de 1988 o legislador constituinte preferiu tornar explícita a presença do aludido princípio em nosso ordenamento, principalmente em virtude do momento histórico em que foi elaborada a referida Carta Politica, tendo sido ela: “o ponto culminante do processo de restauração do Estado Democrático de Direito e da superação de uma perspectiva autoritária, onisciente e não pluralista de exercício do poder timbrada na intolerância e na violência.” (HADDAD, 2005, p. 53).

O fato é que o uso de técnicas e métodos de investigação coercitivos e, por vezes, extremamente violentos, não era tão raro quanto se desejaria (e ainda não o é), de modo que o legislador teve que deixar bem clara a importância conferida à proteção dos cidadãos contra os abusos estatais. Tal característica de nossa Constituição permite transparecer a influência de traços do modelo garantista, caracterizado por Ferrajoli como um modelo de direito penal mínimo[5] (DUCLERC, 2004, p. 125-126).

Apesar de o texto constitucional aludir apenas ao direito de permanecer calado, o princípio em questão é mais abrangente, estando encobertos pelo mesmo todas as ações, físicas ou verbais, que possam trazer potencial lesão ao direito de defesa do acusado, contribuindo para sua própria condenação. Dessa forma, tal princípio colabora sobremaneira no combate à acomodação investigativa, na qual é inevitável que se recaia caso se busque incessantemente a confissão do acusado ou se infira de seu silêncio elementos probatórios que lhe são prejudiciais.

Alicerçado nos ensinamentos de Ferrajoli, Carlos Henrique Borlido Haddad, em sua obra “Conteúdo e Contornos do Princípio contra a Auto-incriminação”, agrupa, sob duas perspectivas, os casos concretos em que é possível invocar o princípio em questão: 1) liberdade de declaração do acusado; 2) não se pode exigir do acusado colaboração na produção de prova de caráter incriminatório.

A liberdade de declaração é dividida pelo autor em três classes de situações: inexigibilidade de confissão, supressão do juramento e direito ao silêncio. Essa primeira perspectiva diz respeito ao plano da oralidade processual. Quanto à segunda perspectiva apresentada por Haddad, há um número indeterminado de manifestações não-verbais que poderiam incriminar o acusado, não se afigurando possível identificar pontos comuns entre elas, a não ser a inexistência do dever de colaborar para a própria condenação.

A inexigibilidade de confissão busca afastar uma série de males, dentre os quais a propensão de se eleger um culpado para comprovar o sucesso das investigações, medida essa comum em regimes em que não se garante o direito de defesa e/ou o devido processo legal. Assim, a confissão não é um fim em si mesma, razão pela qual pouco ou nada vale se isolada de outros elementos de juízo, conforme resta bem claro da leitura do art. 197 do Código de Processo Penal: “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.”

Impende destacar ainda que, de maneira alguma, se pode cogitar de confissão ficta.  Há de ser sempre extraída do acusado, respeitada sua liberdade de declaração. Ademais, após a confissão o magistrado ainda indagará o réu acerca dos motivos e circunstâncias do fato, bem como se houve a participação de mais pessoas, nos termos do art. 190[6] do Código de Processo Penal. Isso se dá para que o juiz verifique se a confissão aconteceu de forma livre e consciente ou se foi motivada por elementos estranhos ao processo. Note-se que a precariedade desse elemento probatório é tão exacerbada que, no processo penal, a confissão é retratável.

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Do exposto, cabe ao juiz, ao proceder à verificação da idoneidade da confissão, observar se a mesma se deu ou não pela influência de métodos coercitivos, de forma a assegurar o respeito ao princípio da não auto-incriminação, que se realiza por meio da liberdade de declaração do acusado, o qual está absolutamente dispensado de confessar contra a sua vontade.

Outro pilar da liberdade de declaração é a proscrição do juramento. No direito processual brasileiro, de tradição romano-germânica, apenas as testemunhas são obrigadas a dizer a verdade, mediante compromisso, sob pena de cometerem o crime de falso testemunho (Código Penal, Art. 342)[7]. Em um sistema como o nosso constitui ofensa ao princípio da não auto-incriminação obrigar o acusado a depor contra si mesmo, de forma que não há de sua parte o dever de falar a verdade, embora nem sempre suas declarações mentirosas lhe saiam impunes.

Nos países do common law a regulamentação se dá de maneira bem diferente, como explica Borlido Haddad (2005, p. 67): “Durante o julgamento, tanto no direito inglês quanto no norte-americano, se o acusado opta por depor, não lhe socorre o direito ao silêncio. Este somente existe até antes de se decidir a prestar o depoimento sob juramento. Depois de iniciada a inquirição, direta e cruzada (direct examination e cross-examination), o acusado somente pode valer-se do privilege against self-incrimination em relação a perguntas de que possam originar respostas demonstrativas da culpabilidade por outro delito. E a renúncia ao privilégio não pode ser parcial. Se o réu preferir depor a seu favor, será tratado como qualquer outra testemunha, sujeito ao juramento e às penas aplicadas ao crime de falso testemunho (perjury). Por essa razão, o silêncio ganha mais relevância no direito anglo-americano, pois ou nada fala ou diz a verdade. Não há o meio termo de prestar declarações mendazes.”

Chegamos finalmente à ultima das manifestações orais do princípio da não auto-incriminação a ser reconhecida pelo direito brasileiro. Trata-se do direito de permanecer calado, que só foi plenamente assegurado em nosso país com o advento da Constituição de 1988.

Esse direito, no âmbito do processo penal, veda a possibilidade de se reconhecer a culpa como motivação psicológica pelo fato de alguém permanecer em silêncio. No entanto, quando tal silêncio se dá de maneira intercalada, isto é, o acusado responde a algumas perguntas e em outras se cala, de maneira a apresentar contradições e inconsistências entre as declarações, é dado ao magistrado considerar tais circunstâncias na formação de seu convencimento.

Explicando melhor, é comum que, no interrogatório judicial, o acusado responda a um questionamento de maneira segura, dado que está falando a verdade, ou já preparou mentalmente alguma versão alternativa à realidade. No entanto, para outras perguntas elaboradas pelo juiz, complemetares àquele primeiro questionamento, ele não estava preparado, de maneira que deixa de responder, quedando-se silente, ou responde de maneira confusa ou contraditória, uma vez que não teve tempo de maquinar previamente o que diria em tal situação. Nesses casos, o juiz deve levar em consideração essa inconsistência no interrogatório para a formação de seu livre convencimento motivado.

Excluída essa exceção, o fato de o acusado permanecer calado não pode ser considerado em seu desfavor, sob pena de afronta à sua liberdade de declaração, sobre a qual se assenta o princípio da não auto-incriminação.

No processo civil, por sua vez, o mutismo acarreta a confissão ficta dos fatos alegados na petição inicial, razão pela qual se pode concluir que o princípio nemo tenetur se detegere não se aplica nessa esfera processual.

Com relação às manifestações não-verbais do princípio da não auto-incriminação, nota-se que há divergências interpretativas entre os vários países. Na Alemanha, por exemplo, onde esse princípio não está constitucionalmente expresso, mas é deduzido doutrinariamente a partir de outros três princípios constitucionais, quais sejam, a supremacia da dignidade humana, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e a proibição de afetação de um núcleo essencial do direito (PRADO e MALAN, 2008, p. 567-598), entende-se que o acusado não está obrigado a submeter-se ao exame do bafômetro[8]. A Corte Constitucional Espanhola (país em que o princípio em estudo tem status constitucional[9]), por sua vez, tem entendimento diametralmente oposto, ao afirmar que não há violação ao principio do nemo tenetur se detegere no dever de se submeter a testes periciais de dosagem alcoólica. Nos Estados Unidos, onde o princípio estudado também tem status constitucional[10], o entendimento é muito próximo ao espanhol, porquanto prevalece a garantia da não auto-incriminação apenas nas situações que envolvem a produção de declarações orais.

No Brasil o entendimento parece se balizar na máxima de que toda a colaboração ativa para o equacionamento dos casos deve passar pela liberdade esclarecida do réu, no sentido de que o princípio da não auto-incriminação pressupõe a existência de vontade em decidir o que fazer ou não. É o que se vê dos seguintes acórdãos do STF: “- HABEAS CORPUS – JÚRI – RECONSTITUIÇÃO DO CRIME – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO-INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PARA A RECONSTITUIÇÃO DO DELITO – PACIENTE QUE SE RECUSA A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO – INOCORRENCIA – PRISÃO CAUTELAR – INSTITUTO COMPATIVEL COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5., LVII) – CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA – MERA FACULDADE JUDICIAL – ORDEM DENEGADA. – A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME CONFIGURA ATO DE CARÁTER ESSENCIALMENTE PROBATÓRIO, POIS DESTINA-SE – PELA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS – A DEMONSTRAR O MODUS FACIENDI DE PRATICA DELITUOSA (CPP, ART. 7.). O SUPOSTO AUTOR DO ILICITO PENAL NÃO PODE SER COMPELIDO, SOB PENA DE CARACTERIZAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO, A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. O MAGISTERIO DOUTRINARIO, ATENTO AO PRINCÍPIO QUE CONCEDE A QUALQUER INDICIADO OU RÉU O PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO, RESSALTA A CIRCUNSTANCIA DE QUE E ESSENCIALMENTE VOLUNTARIA A PARTICIPAÇÃO DO IMPUTADO NO ATO – PROVIDO DE INDISCUTIVEL EFICACIA PROBATORIA – CONCRETIZADOR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. – A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME, ESPECIALMENTE QUANDO REALIZADA NA FASE JUDICIAL DA PERSECUÇÃO PENAL, DEVE FIDELIDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITORIO, ENSEJANDO AO RÉU, DESSE MODO, A POSSIBILIDADE DE A ELA ESTAR PRESENTE E DE, ASSIM, IMPEDIR EVENTUAIS ABUSOS, DESCARACTERIZADORES DA VERDADE REAL, PRATICADOS PELA AUTORIDADE PÚBLICA OU POR SEUS AGENTES. – NÃO GERA NULIDADE PROCESSUAL A REALIZAÇÃO DA RECONSTITUIÇÃO DA CENA DELITUOSA QUANDO, EMBORA AUSENTE O DEFENSOR TECNICO POR FALTA DE INTIMAÇÃO, DELA NÃO PARTICIPOU O PRÓPRIO ACUSADO QUE, AGINDO CONSCIENTEMENTE E COM PLENA LIBERDADE, RECUSOU-SE, NÃO OBSTANTE COMPARECENDO AO ATO, A COLABORAR COM AS AUTORIDADES PUBLICAS NA PRODUÇÃO DESSA PROVA. – A LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS NORMAS LEGAIS QUE DISCIPLINAM A PRISÃO PROVISORIA EM NOSSO SISTEMA NORMATIVO DERIVA DE REGRA INSCRITA NA PROPRIA CARTA FEDERAL, QUE ADMITE – NÃO OBSTANTE A EXCEPCIONALIDADE DE QUE SE REVESTE – O INSTITUTO DA TUTELA CAUTELAR PENAL (ART. 5., LXI). O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE, QUE DECORRE DE NORMA CONSUBSTANCIADA NO ART. 5., LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, NÃO IMPEDE A UTILIZAÇÃO, PELO PODER JUDICIARIO, DAS DIVERSAS MODALIDADES QUE A PRISÃO CAUTELAR ASSUME EM NOSSO SISTEMA DE DIREITO POSITIVO. – O RÉU PRONUNCIADO – AINDA QUE PRIMARIO E DE BONS ANTECEDENTES – NENHUM DIREITO TEM A OBTENÇÃO DA LIBERDADE PROVISORIA. A PRESERVAÇÃO DO STATUS LIBERTATIS DO ACUSADO TRADUZ, NESSE CONTEXTO, MERA FACULDADE.” (HC 69.026/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, julgado em 10/12/1991, DJ de 04/09/1992, p. 14091).

“HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido. (HC 77.135, Rel. Min. Ilmar Galvao, Primeira Turma, julgado em 08/09/1998, DJ de 06/11/1998, p. 03).

“RECONSTITUIÇÃO DE CRIME (REPRODUÇÃO SIMULADA DE DELITO DE HOMICIDIO) (ART. 7. DO C.P.PENAL). DILIGENCIA REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DEFERIDA PELO JUIZ, NA FASE DO INQUERITO POLICIAL, E A CUJA REALIZAÇÃO OS INDICIADOS SE TERIAM NEGADO A COMPARECER. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM BASE APENAS NESSA RECUSA DOS INDICIADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 'HABEAS CORPUS' DEFERIDO PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, COMO DECRETADA, SEM PREJUIZO DE EVENTUAL DECRETAÇÃO DE OUTRA, SE CARACTERIZADA QUALQUER DAS SITUAÇÕES DO ART. 312 DO C.P.P. E COM ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 7., 260 E 312 DO C.P.P.. SE A PRISÃO PREVENTIVA DOS PACIENTES FOI DECRETADA APENAS E TÃO-SOMENTE PORQUE NÃO SE TERIAM DISPOSTO A PARTICIPAR DA DILIGENCIA DE REPRODUÇÃO SIMULADA DO DELITO DE HOMICIDIO (RECONSTITUIÇÃO DO CRIME), FICOU CARACTERIZADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL REPARAVEL COM 'HABEAS CORPUS'.” (HC 64.354, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/1987, DJ de 14/08/1987, p. 16.086).

Dessa forma, pode-se concluir que, em nosso ordenamento jurídico, o acusado não é obrigado a produzir provas não-verbais em seu desfavor, dependendo tal comportamento de sua participação ativa voluntária e esclarecida.

Por fim, não cabe o encerramento deste capítulo sem a abordagem de outra importante discussão que se trava com relação ao princípio da não auto-incriminação, qual seja, o abarcamento ou não do direito de mentir. Alguns autores, como Giuseppe Floridia, Helio Tornaghi e Nikolaus Bosch, defendem que pelo fato de o réu não ter o compromisso de falar a verdade no interrogatório ele tem o direito de falsear a mesma, uma vez que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Assim, o que não é proibido é permitido, de forma que o direito de mentir seria inerente à própria autodefesa. Em outras palavras, a mentira seria uma conseqüência da liberdade de declaração.

No entanto, não é esse o entendimento de nosso Pretório Excelso, ao qual se perfilha o autor deste trabalho. O princípio da não auto-incriminação assegura ao acusado o direito de permanecer em silêncio ou até de prestar declarações mendazes, desde que estas não configurem ilícitos penais. Tome-se como exemplo um caso em que o acusado é abordado pela Polícia e se identifica com o nome de um terceiro. Nesse caso não há como se reconhecer o direito à mentira, tendo em vista que, além de a conduta ser tipificada como ilícito penal, causa prejuízo a um inocente, que certamente enfrentará imbróglios com a Justiça até que se esclareça toda a situação. Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê dos seguintes arestos, assim ementados: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". CRIME DE ROUBO: CONSUMAÇÃO. FALSA IDENTIDADE. SEQUESTRO. I. – Crime de roubo: consuma-se quando o agente, mediante violência ou grave ameaça, consegue retirar a coisa da esfera de vigilancia da vítima. II. – Tipifica o crime de falsa identidade o fato de o agente, ao ser preso, identificar-se com nome falso, com o objetivo de esconder seus maus antecedentes. III. – Crime de sequestro não caracterizado. IV. – Extensão ao co-réu dos efeitos do julgamento, no que toca ao crime de sequestro. V. – H.C. deferido em parte.” (HC 72.377, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 23/05/1995, DJ de 30/06/1995, p. 20.409).

“HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. O fato de o paciente ter apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão digital de outrem, configura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder antecedentes criminais consubstancia autodefesa. Ordem denegada.” (HC 92.763, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 12/02/2008, DJ de 25/04/2008, p. 1.186).

Entretanto, nos casos em que a mentira do réu não configura uma conduta penalmente tipificada o Supremo Tribunal Federal tem o entendimento de que o acusado tem o direito de falsear a verdade, como um corolário do princípio da não auto-incriminação. É o que se vê do seguinte acórdão: “‘Habeas corpus’. Falsidade ideológica. – No caso, a hipótese não diz respeito, propriamente, à falsidade quanto à identidade do réu, mas, sim, ao fato de o então indiciado ter faltado com a verdade quando negou, em inquérito policial em que figurava como indiciado, que tivesse assinado termo de declarações anteriores que, assim, não seriam suas. Ora, tendo o indiciado o direito de permanecer calado e até mesmo o de mentir para não auto-incriminar-se com as declarações prestadas, não tinha ele o dever de dizer a verdade, não se enquadrando, pois, sua conduta no tipo previsto no artigo 299 do Código Penal. ‘Habeas corpus’ deferido, para anular a ação penal por falta de justa causa.” (HC 75.257, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em 17/06/1997, DJ de 29/08/1997, p. 40.219).

Pelo exposto, pode-se concluir que o principio nemo tenetur se detegere não confere ao acusado o direito irrestrito à mentira. Não são aceitáveis comportamentos ativos típicos do acusado com o fim de obstar o esclarecimento da verdade. Ora, o direito de não se auto-incriminar, assim como todos os outros, não é absoluto, razão pela qual não é possível crer que um sujeito possa se valer de meios ardilosos, induzindo os órgãos policiais e judiciais a erro, inclusive incriminando terceiros inocentes para garantir sua liberdade, mesmo admitindo que seja esse um instinto humano. O fato é que as regras impostas pelo convívio em sociedade limitam o direito de permanecer calado, de forma que não é lícito ao acusado mentir caso sua conduta seja tipificada como crime.

Portanto, até onde vai o direito à mentira como corolário do princípio da não auto-incriminação? Qual o seu limite? Pensamos que vai até onde não configure uma conduta penalmente tipificada. Ou seja, a mentira é um direito do acusado desde que não resulte em crimes.

O desfecho acima proposto permite uma nova conclusão. É dado ao acusado decidir se colabora ou não na produção da prova. Em outras palavras, comportamentos omissivos, mesmo que típicos, são uma conseqüência do princípio da não auto-incriminação. Trata-se de direito constitucionalmente assegurado. Por outro lado, comportamentos ativos, se penalmente tipificados, fogem à esfera do mencionado princípio.

No próximo capítulo abordaremos com maior profundidade a questão da confissão como decisão voluntária do acusado no sentido de colaborar na produção da prova, bem como firmaremos posição acerca de seu valor probatório quando emitida na fase extrajudicial e posteriormente retratada em juízo.

2 O valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo

Dando prosseguimento a este trabalho, iremos agora discorrer acerca do valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo, tendo em vista ser esta uma questão prática recorrente para quem lida com o processo penal no cotidiano. Para isso se faz necessário, preliminarmente, tecer alguns comentários concernentes à prova, considerada em si mesma, e à verdade processual.

Como previamente alinhavado no primeiro capítulo deste trabalho, pode-se afirmar que nosso modelo processual penal sofreu a influência de alguns traços do modelo garantista de Ferrajoli. Dentro dessa realidade, o renomado autor destacou a importância do critério do favor rei como um verdadeiro ponto de equilíbrio de todo o sistema, garantindo-lhe a previsibilidade necessária para que sejam atingidos os ideais de racionalidade e certeza característicos do garantismo. Desse critério se irradiam princípios essenciais de nosso ordenamento jurídico e do Estado Democrático de Direito como um todo, tais como, a presunção de inocência, o in dubio pro reo, a interpretação das normas penais (restritiva, para as normas incriminadoras, e extensiva, para as normas permissivas ou atenuantes de pena), a analogia in bonam partem etc (FERRAJOLI, 2002, p. 84).

Entretanto, tanto os modelos de direito penal mínimo, quanto os de direito penal máximo, se fundam em um critério de certeza relativa, subjetiva, incerta, como não poderia deixar de ser, uma vez que a certeza ou verdade absoluta é mera utopia. Assim sendo, o que distingue um modelo do outro? Enquanto o direito penal mínimo se funda no princípio de que nenhum inocente deve ser condenado, nos sistemas de direito penal máximo a baliza é a de que nenhum culpado deixará de ser punido (FERRAJOLI, 2002, p. 84). Segundo Duclerc, nos dois casos a construção da certeza a partir da incerteza constitui a expressão de um poder. Poder interpretativo, no caso da verdade jurídica, e poder comprobatório, ou de verificação fática, no que concerne à verdade dos fatos. Esse poder se tornará maior ou menor, absoluto ou relativo, conforme se façam presentes as garantias penais e processuais decorrentes da estrita legalidade e da estrita jurisdicionalidade. Dessa forma, isto é, uma vez constatada a existência desses espaços de poder, faz-se necessário encontrar condições que garantam sua redução e legitimem as decisões judiciais. Não vem ao caso se aprofundar nessa questão, uma vez que não é esse o objetivo deste trabalho, no entanto, pode-se antecipar que no que se refere à verdade jurídica essas condições se confundem com as garantias penais, enquanto que no que concerne à verdade fática as condições se confundem com as garantias processuais do sistema garantista (DUCLERC, 2004, p. 126-127).

O que se pode concluir do que foi dito acima é que a verdade processual está alicerçada nas garantias penais e processuais do sistema. Assim, em um Estado Democrático de Direito não se pode buscar a certeza[11] a qualquer custo, devendo estar condicionada ao fim do processo penal, que é a contenção do poder punitivo. Em outras palavras, não se pode chegar à verdade processual senão por meio do efetivo respeito a tais garantias. Dentre elas podemos enumerar (DUCLERC, 2004, p. 145-146): o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV); a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, inciso LVI); o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, inciso LVII); o sistema das provas legais negativas; o princípio do livre convencimento; o princípio da atribuição do ônus da prova para a acusação; a exigência de fundamentação das decisões (CF, art. 93, inciso IX); o princípio da publicidade (CF, art. 93, inciso IX); o princípio da oralidade; o princípio da identidade física do juiz com a causa; o princípio do juiz natural (CF, art. 5º, incisos XXXVII e LII); as garantias e vedações funcionais da magistratura (CF, art. 95, caput e Parágrafo único); o duplo grau de jurisdição (Convenção americana sobre Direitos Humanos, art. 8º, nº 2); a exigência de conformidade entre acusação e sentença; o princípio do contraditório (CF, art. 5º, inciso LV); o princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, inciso LV).

Outro ponto importante, e que será fundamental para que se conclua acerca do valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo, é a diferença entre prova e indício. Para isso, utilizaremos a distinção feita por Ferrajoli, segundo o qual prova é o fato probatório ocorrido no presente e do qual se infere o delito ou outro fato do passado e indício é um fato provado no passado do qual se infere a ocorrência do delito ou de outro fato do passado que, por sua vez, tem valor probatório de indício (FERRAJOLI, 2002, p. 106).

Pela clareza com que abordou o tema, tomaremos a liberdade de transcrever um exemplo citado por Ferrajoli em sua obra “Direito e Razão”, que deixa muito clara a diferença entre prova e indício, senão vejamos: “De que é prova, por exemplo, o fato de Ticio atestar que viu Caio sair brandindo um punhal ensanguentado da casa de Semprônio pouco antes de este ser encontrado morto com uma facada no coração? É prova, mais ou menos provável, dependendo da sinceridade que creditemos a Ticio, do fato de que este vira Caio sair com um punhal na mao da casa de Semprônio, pouco antes de este ser encontrado morto com um ferimento no coração. Este segundo fato, contudo, é apenas um indício mais ou menos provável, por sua vez, segundo a confiabilidade que possamos atribuir a visão de Ticio do fato de que Caio saíra realmente da casa de Semprônio nas suspeitosas circunstâncias referidas por Ticio. Este terceiro fato é de novo apenas um indício, por sua vez mais ou menos provável, segundo a plausibilidade dos nexos causais propostos por nós, do fato de que Caio assassinara culpavelmente Semprônio. Temos, assim, nesta breve história, não uma mas três inferências indutivas: aquela que do testemunho de Ticio induz como verossímil que ele vira realmente a cena por ele descrita; aquela que de tal indício induz como verossímil que Caio tivera efetivamente o comportamento suspeito referido por Ticio; aquela que deste indício mais direto induz como verossímil a conclusão de que Semprônio fora assassinado por Caio. Se, além disso, não escutamos o testemunho de Ticio de viva voz, mas dispomos apenas da ata na qual foi ele transcrito, igualmente o testemunho fica reduzido a indício ou, se se quiser, a prova indiciária, e às três inferências deveremos acrescentar uma quarta: aquela que vai da ata ao fato, do qual a ata é apenas prova de que no passado verossimilmente Ticio declarou tudo o que fora transcrito, sem que seu depoimento fosse mal entendido, distorcido ou coarctado.” (FERRAJOLI, 2002, p. 106).

Estabelecida essa diferença convém ressaltar que a prova, ou melhor, o sistema ou conjunto de regras por meio do qual se chega às provas, é uma garantia do acusado contra o arbítrio estatal. Diz-se isso porque: “A prova, ao conduzir à certeza da inocorrência de um fato definido como crime ou da existência de alguma causa que exclua o crime ou isente o acusado de pena, interrompe o exercício do poder punitivo pelo Estado. Por outro lado, ao conduzir à certeza da sua ocorrência, permite a contenção do exercício daquele poder nos limites tolerados pela Constituição Federal, impedindo-se, assim, o arbítrio estatal.” (PRADO, 2006, p. 142-143).

Ultrapassada essa pequena digressão acerca da prova e da verdade processual, faz-se necessário um estudo complementar de alguns aspectos da confissão extrajudicial. Com isso, acredita-se que será possível esboçar um entendimento sobre o valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo.

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É fato que entre os meios de prova admitidos em direito, o mais buscado pelos profissionais da área ainda é a confissão. No entanto, e até por esse anseio quase ancestral, infelizmente não são raras as ocasiões em que a mesma é obtida de maneira irregular, mediante violação das retrocitadas garantias penais e processuais, o que evidentemente deturpa a almejada verdade processual.

Segundo ótima definição de Guilherme de Souza Nucci (1997, p. 76): “Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso.”.

Como é sabido, o aspecto mais problemático do conceito é a questão do discernimento do acusado ou suspeito e a admissao voluntária, expressa e pessoal de sua culpa. Inclusive, esse é o principal problema da confissão extrajudicial. Grande parte daqueles que confessam em sede policial alegam, quando à frente do magistrado, a existência de algum vício em sua vontade (ausente a vontade, inexistente a confissão). Isso porque na maioria das vezes não tem acesso a um advogado que o oriente a permanecer em silêncio (CF, art. 5º, inciso LXIII), nem há a presença de um órgão de controle externo nos recintos policiais para garantir a incolumidade das declarações prestadas pelo interrogando, o que abre margem a abusos por parte dos interrogadores e a falsas acusações por parte dos interrogados.

Outro aspecto fundamental nessa questão é o fato de que no inquérito, sede dos interrogatórios extrajudiciais, não há garantia de contraditório nem ampla defesa. Dessa forma, se torna mais fácil distorcer a verdade, tanto em uma direção quanto em outra. Tanto é mais fácil induzir o suspeito a confessar, quanto é mais cômodo ao acusado dizer ao juiz que foi coagido a prestar as declarações constantes do interrogatório.

No mais, a confissão deve se dar diante de autoridade competente. Assim, as declarações prestadas por um suspeito ao policial na viatura não podem configurar uma confissão, visto não ser ele a autoridade legalmente capacitada para ouví-la, nem ser aquele o recinto próprio para tal ato. Tanto é que o policial poderá prestar depoimento em juízo relatando o que viu e ouviu, mas jamais será considerada uma prova confessional, senão meramente testemunhal (NUCCI, 1997, p. 79).

Além disso, a confissão deve se dar em ato solene e público, isto é, no interrogatório ou em outro momento processual em que o acusado é chamado oficialmente a prestar declarações. Assim, não é confissão uma conversa informal mantida entre o suspeito e o delegado (NUCCI, 1997, p. 79-80).

Noutro giro, a confissão deve ser dar em ato público, ou seja, deve ser produzida a portas abertas, de modo a preservar a garantia da publicidade, sem a qual restará violado preceito constitucional que visa assegurar a higidez do ato. Há exceções em que se admite a confissão a portas fechadas, como nos inquéritos policiais com caráter sigiloso, mas, em todo caso, o advogado sempre poderá, e é bom que o faça, estar presente.

Por fim, outro ponto importante do conceito de confissão é a necessidade de sua redução a termo. Nucci (1997, p. 80) defende que se o delegado não colocar as declarações por escrito, terão qualidade de mera prova testemunhal.

Uma vez abordados esses aspectos introdutórios, poderemos finalmente emitir um juízo balizado acerca do valor probatório da confissão extrajudicial retratada em juízo.

Como vimos no capítulo anterior, o princípio da não auto-incriminação garante ao réu o direito de permanecer calado diante das autoridades policiais e judiciais, de modo a não produzir prova contra si mesmo.

Nesse ponto, merece destaque a questão da confissão obtida durante o inquérito policial e posteriormente retratada nos autos do processo judicial. Ela é válida como prova direta? Em muitos casos o réu confessa o crime com minúcias e riqueza de detalhes no momento em que é preso, entretanto, depois de se consultar com um advogado e por ocasião de seu depoimento em sede judicial ele resolve negar tudo que disse na seara policial, sob a alegação, na maioria das vezes, de que sua confissão se deu mediante coação. Dessa forma, é lícito fundamentar a sentença em uma prova produzida no inquérito policial e infirmada em juízo, sob o crivo do contraditório? É legítimo considerar que as alegações do réu no depoimento perante a Justiça não fazem sentido e condená-lo com base naquilo que restou apurado no inquérito?

A garantia do contraditório e da ampla defesa é prevista na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LV, in verbis: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Ora, não é possível imaginar um Estado Democrático de Direito em que estejam distanciadas as normas processuais penais dos princípios e fundamentos da Constituição e das normas internacionais de proteção ao indivíduo. Assim, o acusado goza do direito de defesa e de contrariar as acusações que lhe forem feitas, pois não há processo justo, nem imparcialidade estatal, nem justa aplicação da lei caso não sejam observadas tais garantias. Em outras palavras, é direito do réu suscitar a dúvida na consciência do julgador (in dubio pro reo) e tentar influir em seu livre convencimento motivado.

Um dos corolários das garantias supramencionadas é o princípio da não auto-incriminação, anteriormente abordado neste trabalho. É direito do cidadão, reconhecido nas Constituições democráticas e nos tratados internacionais, o de não produzir prova contra si mesmo. Portanto, sob aquele mesmo fundamento deve-se preservar o investigado da auto-acusação, afinal, qualquer prova produzida sem observância ao referido princípio deve ser considerada ilícita e, portanto, não se prestará a produzir seus normais efeitos.

Entretanto, como é sabido, no inquérito policial não há contraditório ou ampla defesa, pois a investigação policial é inquisitória e seu resultado é meramente informativo. Sua finalidade é investigar o crime e desvendar sua autoria, com o fito de fornecer ao autor da ação penal elementos para instruí-la em juízo. Por esse motivo, não se pode admitir que a condenação seja fundada apenas em confissão colhida no inquérito policial e retratada em juízo, tendo em vista a necessidade de repetição das provas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A confissão na fase policial é mero indício. Não se trata, portanto, de prova, e ninguém pode ser condenado sem provas, sob pena de ofensa ao devido processo legal.

Nesse ponto, pela propriedade com que abordou o tema, impende ressaltar o seguinte excerto da obra de Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 190): “(…) não se pode aceitar que as provas produzidas no inquérito, e possíveis de serem renovadas em juízo (tais como os testemunhos, as acareações e o interrogatório) tenham alguma validade, a não ser como mero indício, vale dizer, sozinhas, são imprestáveis para uma condenação ou para um juízo de pronúncia.” – os negritos não constam do original.

Esse autor entende que a investigação preliminar deve servir de garantia ao cidadão e à sociedade. Tratando-se de procedimento preparatório e preventivo não tem contorno judicial, razão porque, isoladamente, é inválido para produzir provas.

Assim sendo, Nucci defende que a prova colhida oralmente no inquérito deve ser valorada como mero indício. Necessita, para ter valor de prova direta, da confirmação em juízo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, garantias constitucionalmente asseguradas aos lindes do processo penal, mas que não são afetas ao inquérito policial, conforme mencionado em linhas anteriores.

Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 203): “A confissão extrajudicial, pois, por se tratar de peça extraída de um procedimento inquisitivo, sem a incidência do contraditório, normalmente sem publicidade e avesso às oportunidades de produção de prova defensiva, deve ser examinada pelo juiz como um mero indício e jamais como prova direta do fato criminoso.

Tendo ocorrido na fase policial, a confissão significará ao juiz um dos indícios que poderão compor o seu convencimento, mas, sozinha ou desprovida de sustentação, é totalmente imprestável para produzir efeitos em juízo.”

Prossegue o autor salientando que muitas vezes a confissão se dá porque o réu é interrogado antes de se consultar devidamente com um advogado e ainda fora de suas condições emocionais ordinárias, sempre alteradas pela prática delituosa. Portanto, pode até não se dar mediante coação, mas é procedida sem qualquer garantia processual ao acusado, razão porque não se pode afirmar que essa seria a real intenção do réu ou que não tenha havido qualquer tipo de pressão ou sugestionabilidade no interrogatório policial. Daí verbera (NUCCI, 1999, p. 205-206): “Essa distorção, que é a aceitação da confissão extrajudicial como prova direta no processo penal, dá ensejo ao arraigado costume da investigação às avessas, vale dizer, a polícia, ao invés de investigar amplamente o fato criminoso e buscar todas as pistas e opções possíveis, elege um suspeito e parte dele em busca das provas para incriminá-lo. Por isso, às avessas. Deveria, mesmo com um aparente suspeito à frente, checar todas as hipóteses prováveis, mas não o faz. Uma vez tendo o suspeito, contenta-se em forçá-lo a confessar e, depois, a partir disso, conseguir mais algumas provas para concluir o inquérito, enviando-o ao Ministério Público como caso encerrado.”

Em suma, o Estado tem o dever de prevenir e reprimir a criminalidade, mas também tem a obrigação de garantir ao cidadão a justa aplicação da lei. Não é porque a criminalidade aumenta que devem ser flexibilizados os direitos assegurados no texto constitucional. Assim, cabe ao Poder Público assegurar a existência de um sistema processual penal justo e imparcial, como garantia de pacificação social. E esse estado ideal das coisas passa pelo estabelecimento de regras mais claras quanto ao interrogatório na fase policial, de modo a evitar futuras contradições em sede judicial, que tornam o processo mais moroso e confuso e, por vezes, diminuem a confiabilidade dos jurisdicionados no Poder Judiciário.

3 A efetiva aplicação do inciso LXIII do artigo 5º da constituição federal

Chegamos, finalmente, ao derradeiro capítulo deste trabalho, no qual nos propomos a buscar maneiras de se garantir a efetiva aplicação do inciso LXIII, do art. 5º, de nossa Carta Federal, verbis: “o preso será informado dos seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado”.

Consoante vimos anteriormente, a questão mais complexa nessa discussão é a do discernimento do acusado ou suspeito no momento do interrogatório em sede policial. Normalmente não resta claro nos autos do inquérito até que ponto a admissão da culpa se deu de maneira voluntária, expressa e pessoal, fato este que gera diversos problemas de legitimidade e até mesmo de licitude das provas arroladas ao processo judicial. Essas dúvidas em torno da higidez da confissão extrajudicial contribuem para a desconfiança da população com relação ao Poder Judiciário, gerando desgaste desnecessário da imagem do Poder Público.

Portanto, o principal problema da confissão extrajudicial é a legitimação das declarações do acusado ou suspeito em sede policial, uma vez que, em grande parte das vezes, os interrogados alegam, no momento em que estão frente a frente com o magistrado no interrogatório judicial, que foram coagidos pelos policiais a confessar, de forma que seus depoimentos na seara administrativa não devem ser utilizados para a formação do convencimento do juiz, haja vista que estariam eivados de vício irreparável na vontade. Impende ressaltar, como já alinhavado em outra oportunidade neste trabalho, que, ausente a vontade, inexistente a confissão.

Ora, essas turbulências com relação ao valor probatório da confissão extrajudicial posteriormente retratada em juízo só ocorrem porque até os dias de hoje não foi efetivada a aplicação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição de 1988. É fato, por exemplo, que grande parte dos interrogatórios em fase pré-processual se dá sem a presença do advogado do suspeito, que poderia orientá-lo a permanecer em silêncio, bem como sem qualquer mecanismo de controle externo nos recintos policiais, de forma a garantir a incolumidade das declarações prestadas pelo acusado, o que dá margem a discussões intermináveis, a desconfianças compreensíveis e a abusos por parte dos interrogandos e dos interrogadores.

Nesse ponto, vale a pena trazer à tona novamente o princípio da não auto-incriminação. De fato, é direito de todo e qualquer cidadão brasileiro o de não produzir prova contra si mesmo. Portanto, deve-se preservar o investigado da auto-acusação, pois, como se pôde concluir ao fim dos primeiros capítulos, qualquer prova produzida sem observância ao referido princípio deve ser considerada ilícita e, portanto, não se prestará a produzir seus normais efeitos.

Justamente para evitar que a confissão se dê mediante pressão ou sugestão (direcionamento) por parte de maus policiais, alijado o réu de qualquer garantia processual, de maneira a levantar suspeitas acerca de sua real intenção em declarar aquilo que foi reduzido a termo na delegacia, é que não se pode mais adiar a discussão acerca da efetiva aplicação do inciso LXIII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

Nessa seara, entendemos que, para a realidade brasileira, o sistema Miranda[12] de proteção, previsto na 5ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América[13], possui pouco efeito prático, isto é, aplicado no Brasil sem qualquer adaptação à nossa realidade social, histórica e cultural, tem caráter meramente simbólico.

Expliquemos melhor: entendemos que, no Brasil, não basta informar ao preso, antes do interrogatório policial, que a Constituição lhe garante o direito de permanecer calado e de ter a assistência de um advogado. Em virtude da truculência policial crônica e histórica instalada em nosso país e do baixo nível de conscientização, cidadania, educação e cultura de nosso povo, principalmente se comparado à população dos Estados Unidos da America, deve-se garantir ao acusado ou suspeito não apenas a informação acerca de seus direitos, mas a efetiva disponibilização dos meios necessários à sua garantia.

Ora, grande parte de nossa população sequer folheou as páginas de nossa Constituição. É esperar demais que compreendam a amplitude e a profundidade dos direitos e garantias ali vazados. Ainda mais se levarmos em conta o histórico de desmandos e abusos, físicos e psicológicos, a que os brasileiros têm sido submetidos nos estabelecimentos policiais. Quem pode garantir a higidez de um depoimento prestado diante destas circunstâncias? Assim, a simples informação ao preso de que tem direito à assistência de advogado, sem que o Estado lhe disponibilize, ainda na fase inquisitorial, o acesso a um, não possui qualquer efeito prático diante de nossa realidade.

Cabe repisar: o Estado tem o dever de prevenir e reprimir a criminalidade, mas também tem a obrigação de garantir aos cidadãos a justa aplicação da lei. Um sistema processual penal justo e imparcial deve ser parte de um processo muito maior, que vise, ao final, a promoção da pacificação social.

Bem, como dito no final do último capítulo, entendemos que o alcance da meta acima mencionada passa pelo estabelecimento de regras mais claras quanto ao interrogatório na fase policial, de modo a evitar futuras contradições em sede judicial, que tornam o processo mais moroso e confuso e, por vezes, diminuem a confiabilidade dos jurisdicionados no Poder Judiciário.

Diante desse quadro, deve-se preservar o investigado da auto-acusação mediante a efetiva aplicação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, assegurando-lhe o acesso a um advogado antes do interrogatório extrajudicial. Entendemos que apesar de não haver contraditório em sede de inquérito policial, esta garantia deve ser antecipada nessa situação. É fato que as declarações do acusado ou suspeito na fase pré-processual tem altíssima relevância probatória, estendendo seus efeitos à fase judicial, uma vez que se trata de verdadeira antecipação de prova. Nessa situação o interrogando é mais que objeto da investigação, é um sujeito de direitos, tendo em vista que o interrogatório policial não é apenas um meio de prova, mas também um meio de defesa, pois o acusado pode negar as acusações que lhe são direcionadas[14].

Dessa forma, a garantia prevista no dispositivo acima só estará resguardada com a disponibilização de um causídico antes mesmo do interrogatório no estabelecimento policial. No caso de o réu, por determinado motivo, não querer se consultar previamente com um advogado, abrindo mão daquilo que o Estado lhe assegurou, deverá assinar um termo de renúncia, juntamente com a autoridade policial e o defensor público ou dativo designado para o caso, de forma a evitar futura  alegação de que houve violação do direito à assistência de advogado.

Com isso pretendemos que o acusado, o suspeito, o preso em flagrante, enfim, qualquer um que seja submetido a um interrogatório policial, esteja ciente de seus direitos, e que tome sua decisão, seja ela se calar ou confessar, com ou sem a consulta ao advogado disponibilizado pelo Estado, de maneira consciente. Assim estará garantida não apenas a aplicação substancial do direito ao silêncio e à assistência de defesa técnica, mas também a higidez da prova colhida, seja ela usada para condenar ou para absolver o interrogando.

Em suma, essa “confissão consciente” conferiria maior valor probatório à auto-acusação na fase policial, trazendo benefícios não só ao acusado, mas também à Polícia, ao Ministério Público e ao próprio Judiciário, tendo em vista que restaria reduzida a possibilidade de confissões mediante coação, bem como o número de sentenças reformadas por ausência de provas.

Dando prosseguimento, podemos afirmar que são necessárias algumas mudanças no sistema investigativo vigente para que se evite que a confissão extrajudicial venha a perder sua eficácia probatória frente à retratação em juízo. Ora, a auto-acusação na fase policial pode até fundamentar, juntamente com outros elementos de prova, uma condenação. No entanto, cabe ao Estado garantir que tal confissão seja feita de forma legítima, assegurando que não se dê mediante coação, nem por ignorância do princípio da não auto-incriminação, pois se nota que muitas vezes os investigados não são coagidos, mas confessam por puro nervosismo diante da acusação que lhe pesa e da figura da autoridade policial.

Para que se alcance o objetivo acima relatado crê-se que seria necessário garantir ao acusado que, antes do interrogatório policial, tenha a seu dispor um causídico. Caso não tenha condição de arcar com um o Estado deve nomear-lhe defensor dativo ou defensor público. Essa medida tem como objetivo evitar que o investigado, por ignorância de seus direitos, inclusive o de não se auto-incriminar, confesse o crime no interrogatório, principalmente nos casos de prisão em flagrante, em que são inegáveis o nervosismo e confusão mental do preso, e depois, ao consultar um advogado, se retrate em juízo, tornando imprestável a confissão policial, caso desacompanhada de outras provas ou indícios.

Deixemos claro: o problema não é que o acusado ou suspeito confesse o crime. O que pode causar transtornos ao funcionamento da Justiça é a “confissão inconsciente”, pois dá margem à futura retratação em juízo e à alegação de violação ao direito de não se auto-incriminar.

Conforme já afirmado neste capítulo, a simples informação ao preso de que tem o direito de permanecer calado e de ser assistido por um advogado não é suficiente, diante da realidade brasileira, para tornar efetiva a aplicação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. Caso queira abrir mão da consulta ao advogado antes do interrogatório, que o faça, mas de maneira consciente. Para garantir a lisura de tal renúncia já propusemos que o interrogando, o delegado e o defensor público ou dativo designado para o caso assinem alguma espécie de termo nesse sentido.

Agora, pode-se questionar a situação do sujeito que vai à delegacia simplesmente prestar depoimento como testemunha e acaba confessando o crime. Nesse caso a confissão deve ser ignorada, uma vez que não houve a prévia assistência de advogado? É claro que não. São situações absolutamente distintas a do indiciado, do suspeito, do preso em flagrante e da testemunha. Nos três primeiros casos há previsibilidade, no último não. Não se pode exigir do Estado que assegure advogado para quem a príncipio não necessitava. Tratar-se-ia de um exercício de futurologia.

Quanto ao suspeito, entendemos que tem os mesmos direitos que o indiciado e o preso em flagrante, ou seja, deve lhe ser assegurada a assistência de advogado antes do interrogatório na fase policial. É que o delegado, ao convocá-lo para prestar declarações, já tem idéia de que pode haver uma confissão. Portanto, há previsibilidade.

Nessa linha, alinhado aos ensinamentos de Ferrajoli (apud HADDAD, 2005, p. 260), cabe destacar que constitui corolário do principio nemo tenetur se detegere a assistência e presenca de advogado junto ao acusado no momento do interrogatório, de modo a evitar abusos ou violações de suas garantias processuais.

Acerca desse tema bem andou Haddad (2005, p. 262) ao verberar: “A presença do advogado contribui para que o incriminado utilize devidamente a sua liberdade de declaração, potencializando assim a sua possibilidade de influenciar nos rumos de seu caso. Deixa o acusado de ser mero objeto da persecução penal para se conferir a oportunidade de influenciar no processo e em seu resultado. E se no exercício dessa liberdade o acusado prefere calar-se, contestar passa a ser uma obrigação a ser desempenhada pelo defensor, cujo inadimplemento constitui nulidade processual.”

Assim, só será garantida a execução do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, por meio de concreta assistência de defesa técnica ainda na fase extrajudicial. Mesmo a edição da Lei nº 10.792/2003, que tornou obrigatória a presença de defensor durante todo o interrogatório judicial, e que, em combinação com o art. 6º, inciso V, do Código de Processo Penal, teria estendido essa determinação aos procedimentos extrajudiciais, não foi capaz de tornar concreta a assistência de defesa técnica na fase policial, haja vista que no cotidiano de nossas delegacias os acusados ou suspeitos continuam sendo interrogados sem a presença de advogado.

Ora, pensamos que é possivel haver um tratamento legal similar entre os interrogatórios nas searas policial e judicial. As diferenças fundamentais entre eles são a autoridade que conduz a tomada de declarações (delegado e juiz, respectivamente) e o momento procedimental em que as mesmas são prestadas (inquérito e processo, respectivamente). Mas entendemos que o fato de se realizarem em momentos e mediante autoridades distintas não os torna diferentes, uma vez que ambos são meios de prova e de defesa. Sim, o interrogatório na fase extrajudicial também é meio de defesa, haja vista que a tendência é que o acusado procure emitir declarações que afastem a acusação que lhe é imputada, adotando assim uma postura claramente defensiva. Dessa forma, a disciplina adotada para o interrogatório na fase judicial deve ser estendida, naquilo que for cabível, à fase extrajudicial.

O grande entrave com relação à obrigatoriedade de defesa técnica ainda na seara administrativa é a clientela que dela necessita. Os acusados ou suspeitos de classe média ou alta normalmente são acompanhados de advogado desde as fases preambulares, ao passo que os pobres não têm condição de fazer o mesmo, ficando desamparados, haja vista que os defensores públicos só passam a atuar depois de instaurado o processo. Nesse ponto, resta clara a ofensa ao principio da isonomia. Portanto, o que falta para a efetivação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição de 1988, é vontade política e uma visão mais ampla das desigualdades sociais que permeiam, inclusive, o nosso sistema processual penal.

Questão mais complicada seria a garantia de assistência de advogado nos casos de prisão em flagrante. Nessas situações, entende-se que deve haver defensores públicos de plantão para assistir aos menos favorecidos. Só assim o direito constitucionalmente garantido da assistência de advogado deixaria de ser meramente formal e passaria a ser concreto, material.

Bem, antes de finalizar o capítulo, gostaríamos de deixar claro que neste trabalho estamos trabalhando com a situação ideal de que em todos os lugares haverá defensores públicos ou dativos disponíveis. É óbvio que na prática, mesmo implementadas as reformas aqui propostas, haveria inúmeras situações em que seria complicadíssimo assegurar o acesso à defesa técnica antes do interrogatório policial. Mas esse é um segundo degrau, que não poderá ser galgado antes que se ultrapasse o primeiro, no qual focamos os nossos esforços.

Gostaríamos de deixar claro também que seria necessário elaborar uma regra de transição entre a situação atual e a ideal. Não faz parte do escopo deste trabalho entrar nesses detalhes, mas haveria a necessidade de garantir desde já a incolumidade dos interrogatórios na fase extrajudicial, mediante a mais efetiva e ostensiva fiscalização dos recintos policiais e a aceleração no processo de implementação das Defensorias Públicas nos Estados e de sua extensão aos respectivos municípios, dentre outras medidas, até que fossem postas em prática as reformas aqui propostas.

Dando prosseguimento, e para finalizar, defendemos que somente com a aplicação efetiva do disposto no inciso LXIII, do art. 5º, da Constituição Federal, por meio da garantia de acesso à defesa técnica antes mesmo do interrogatório na fase policial, estará resguardado, na sua essência, o princípio da não auto-incriminação.

Conclusão

Chegamos ao final deste trabalho com a sensação de que cumprimos o que fora inicialmente proposto. Apesar de o tema escolhido ser bastante controverso, afinal abordar os imbróglios que permeiam a confissão extrajudicial é tocar em feridas profundas de nosso sistema processual penal e mexer com os interesses de todas as classes envolvidas (advogados, delegados, defensores públicos, membros do Ministério Público e juízes), a pesquisa em torno dessa temática nos permitiu a ampliação dos horizontes de nossa mentalidade acerca da prova e de sua valoração.

Ora, em um Estado Democrático de Direito não vale tudo para alcançar os culpados. Há regras, direitos e garantias que devem ser honrados e respeitados até as últimas consequências, do contrário voltaríamos a viver na barbárie de que saímos quando escapamos do jugo de um Estado totalitário e opressor. É sabido que muitos morreram, e tantos outros nunca foram encontrados, para que hoje possamos fazer valer nossos direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos perante as mais altas autoridades de nosso sistema penal.

Com isso pretende-se concluir que o respeito às balizas do Estado Democrático de Direito deve permear todas as ações dos envolvidos no processo penal, inclusive na oportunidade em que se for extrair e valorar a confissão extrajudicial. Para isso é que se fazem necessárias regras mais claras acerca do interrogatório na fase policial, de modo a evitar constrangimentos desnecessários não só aos acusados, por vezes vítimas de coação e de atos abusivos nas delegacias de nosso país, mas também ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, que se vêem obrigados a denunciar e julgar, respectivamente, com base em confissões extraídas de maneira suspeita e posteriormente retratadas em juízo, quando oportunizados o contraditório e a ampla defesa.

Em torno disso girou todo nosso trabalho. Daí a indispensável abordagem mais aprofundada do princípio da não auto-incriminação, procedida no primeiro capítulo. É que não se pode falar em confissão extrajudicial sem antes deixar muito claro aos leitores que os acusados ou suspeitos, por mais repugnantes que sejam os crimes supostamente cometidos e por mais clara que pareça sua culpa, são, antes de tudo, sujeitos de direito, de maneira que é preciso respeitar certos limites e regras pré-estabelecidas.

De fato, todo cidadão brasileiro tem o direito de não produzir prova contra si mesmo, no entanto, fazemos questão de destacar que o princípio nemo tenetur se detegere não confere ao acusado o direito irrestrito à mentira. Não são aceitáveis comportamentos ativos típicos com o fim de obstar o alcance da verdade. É que o direito de não se auto-incriminar não é absoluto, razão pela qual não é possível que alguém se valha de meios ardilosos para garantir sua liberdade. Em outras palavras, as regras impostas pelo convívio em sociedade limitam o direito de permanecer calado, de forma que não é licito ao acusado mentir caso sua conduta seja tipificada como crime.

Dessa forma, é dado ao acusado decidir se colabora ou não na produção da prova. Assim, comportamentos omissivos, mesmo que típicos, são uma consequência do princípio da não auto-incriminação. No entanto, comportamentos ativos, se penalmente tipificados, fogem à esfera do mesmo. Portanto, o direito à mentira, como corolário do nemo tenetur se detegere, vai até onde não configure uma conduta penalmente tipificada. Ou seja, entendemos que a mentira é um direito do acusado, desde que não resulte em crimes.

Uma vez apresentadas as bases do princípio que orienta toda a temática aqui abordada, foi possível, no segundo capítulo, questionar o valor probatório da confissão extrajudicial posteriormente retratada em juízo. Defendemos que esta não pode ser considerada prova direta, mas tão-somente mero indicio[15], que não tem qualquer valor se não estiver associada a outros elementos de prova.

Detalhando melhor, estamos convictos de que não se pode admitir condenação fundada tão-somente em confissão colhida no inquérito policial e posteriormente retratada em juízo, tendo em vista ser necessária a repetição das provas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Essa conclusão se impõe, uma vez que é cediço que estas garantias constitucionais não estão afetas aos lindes daquele procedimento administrativo inquisitorial, haja vista seu caráter meramente informativo (tem por finalidade investigar o crime e desvendar sua autoria, para que o Membro do Ministério Público tenha subsídios para instruir a ação penal em juízo).

Dessa forma, como dito alhures, a confissão na fase policial é mero indício. Não se trata, portanto, de prova, e ninguém pode ser condenado sem provas, sob pena de ofensa ao devido processo legal.

Esclarecido nosso posicionamento acerca do valor probatório da confissão extrajudicial posteriormente retratada em juízo foi possível discorrer  sobre a efetiva aplicação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, que abordou pela primeira vez, de forma expressa em um texto constitucional brasileiro, o princípio da não auto-incriminação.

Por fim, entendemos que o referido dispositivo constitucional só será efetivamente aplicado, de maneira a resguardar, na sua essência, o princípio da não auto-incriminação, quando se garantir ao acusado, antes mesmo do interrogatório na fase policial, o acesso a um advogado, de maneira a evitar uma confissão determinada pelo nervosismo diante da acusação impingida ou da figura da autoridade policial ou ainda por pura ignorância com relação ao direito de não produzir provas contra si mesmo.

Ressalte-se uma última vez que a simples informação ao preso de que tem direito à assistência de advogado, sem que o Estado lhe disponibilize, ainda na fase inquisitorial, o acesso a um, não possui qualquer efeito prático diante de nossa realidade, marcada por séculos de abusos físicos e psicológicos àqueles que são submetidos a oitivas diante de nossas autoridades policiais e pelo baixíssimo nível cultural de grande parte da população.

 
 

Referências
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
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PINTO, Ronaldo Batista. Prova penal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: IOB Thomson, 2006.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
 
Notas:
 
[1] Prova direta é aquela que o juiz pode aferir mediante o contato direto entre os seus próprios sentidos e a realidade fática. Exemplo: inspeção judicial. Difere-se de prova indireta porque nesta não é dado ao magistrado perceber diretamente, em razão de se tratar de fato jurídico passado, tendo que se chegar ao seu conhecimento por meio de outro fato, do qual se possa deduzir a ocorrência do primeiro.
Em outras palavras, a prova é direta quando por si só já prova o alegado e é indireta quando sozinha não é capaz de provar o que se alegou.

[2] Art. 94. A confissão do réo em Juizo competente, sendo livre, coincidindo com as circumstancias do facto, prova o delicto; mas, no caso de morte, só póde sujeital-o á pena immediata quando não haja outra prova.

[3] Art. 208 – Para que a parte seja obrigada a depor he essencial:
   §1º Que os artigos sejão claros, precisos, não contradictorios, não criminosos, não diffamatorios, e nem meramente negativos;

[4] Art. 242 – A testemunha que se recusar a depôr declarará, por escrito, antes da audiência, os motivos da recusa, decidindo o juiz livremente, ouvidos, ou não, os interessados.

[5] Direito penal mínimo, nos dizeres de Ferrajoli, é aquele “(…) condicionado e limitado ao máximo, corresponde não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas também um ideal de racionalidade e de certeza. Com isso resulta excluída de fato a responsabilidade penal todas as vezes em que sejam incertos ou indeterminados seus pressupostos. (…)
Ao contrário, o modelo de direito penal máximo, quer dizer, incondicionado e ilimitado, é o que se caracteriza, além de sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das condenações e das penas e que, consequentemente, configura-se como um sistema de poder não controlável racionalmente em face da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e anulação. (…).” (FERRAJOLI, 2002, p. 83-84). 

[6] Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

[7] Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)
   Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

[8] A obrigatoriedade ou não da submissão ao exame do bafômetro é uma das discussões mais em voga atualmente com relação ao princípio da não auto-incriminação, principalmente após a edição da Lei nº 11.705/2008, que deu a seguinte redação ao artigos 277, § 3º, e 165 do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006). – destaquei.
§ 3o  Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
Art. 165.  Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Infração – gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Medida Administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)        

[9] Constituição Espanhola, Art. 17.3. Toda persona detenida debe ser informada de forma inmediata, y de modo que le sea comprensible, de sus derechos y de las razones de su detención, no pudiendo ser obligada a declarar. Se garantiza la asistencia de abogado al detenido en lãs diligencias policiales y judiciales, en los términos que la ley establezca. – os negritos não constam do original.
Constituição Espanhola, Art. 24.2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra si mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia. La ley regulará los casos en que, por razón de parentesco o de secreto profesional, no se estará obligado a declarar sobre hechos presuntamente delictivos. – destaquei.

[10] Constituição dos Estados Unidos da America – Artigo V (Quinta Emenda) – Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização. – os negritos não constam do original.

[11] “A certeza que se busca no processo penal é, assim, uma certeza garantia – garantia do acusado em face do poder punitivo estatal. Uma certeza que não pode ser alcançada a qualquer preço, mas que encontra limitações no fundamento ético do processo penal e do Estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana.” (PRADO, 2006, p. 142-143).

[12] Ernesto Miranda foi condenado em um tribunal estadual do Arizona por rapto e estupro. Sua condenação baseava-se na confissão que Miranda fizera aos policiais após duas horas de interrogatório, sem ter sido avisado de que tinha direito à presença de um advogado. A Suprema Corte Estadunidense, em julgamento realizado em 1966, anulou a condenação e tornou obrigatório que os policiais, ao efetuarem uma prisão, fizessem o que hoje é conhecido como aviso Miranda — avisassem o suspeito do direito de permanecer calado e que qualquer coisa que dissesse poderia ser usada contra ele e do direito de ter um advogado presente no interrogatório e que, no caso de não poder pagar, um advogado lhe seria indicado. (Perfil do Governo dos E.U.A. Decisões Marcantes da Suprema Corte. Postado em set. 2007. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/government/ch6.htm>. Acesso em: 05 jun. 2009.)
Assim, nos Estados Unidos, todos os acusados têm o direito de permanecer em silêncio e os promotores não podem usar depoimentos feitos pelos acusados enquanto estiverem sob a custódia da polícia, a menos que os policiais os avisem dos seus direitos.

[13] Ver Nota de Rodapé nº 08.

[14] Entendemos que, caso o contraditório seja antecipado para o interrogatório policial, a confissão na seara administrativa, desde que seja previamente disponibilizado o advogado, deixará de ser mero indício, como defendemos ao longo deste monografia, e passará a ser efetivamente uma prova, uma vez que não seria necessária sua repetição na fase policial.

[15] Adotamos neste monografia a distinção entre indício e prova feita por Ferrajoli (2002, p. 106), segundo o qual prova é o fato probatório ocorrido no presente e do qual se infere o delito ou outro fato do passado e indício é um fato provado no passado do qual se infere a ocorrência do delito ou de outro fato do passado que, por sua vez, tem valor probatório de indício.


Informações Sobre o Autor

Diego Brunno Cardoso de Souza

Analista Processual do Ministério Público da União. Aprovado no concurso para a carreira de Advogado da União. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito Público


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