Autora: Giovanna Jorge Huppes – Estudante de Direito no Instituto Educacional Santa Catarina/Faculdade Guaraí;
Orientador: Sander Ferreira Martinelli Nunes – Professor Especialista em Direito Penal e Processo Penal do Instituto Educacional Santa Catarina/Faculdade Guaraí.
Resumo: O presente trabalho descreve a relevância do esclarecimento, consequências e alternativas relacionadas a não incidência do Direito Penal nos crimes de ação penal privada, consistentes nos crimes previstos nos artigo 138, 139 e 140, do respectivo Diploma, bem como a pertinência do abarcamento desses tipos penais por outros ramos do direito. Destaca-se, por sua vez, que os casos associados a crimes contra a honra são, em sua grande maioria, meros aborrecimentos causados pela falta de diálogo entre querelante e querelado, causando assim, um inchaço significativo na máquina judiciária penal, em razão de fatos facilmente solucionáveis por outras técnicas alternativas. Dessa forma, a análise objetiva-se, substancialmente, na prevalência dos princípios do Direito Penal, fazendo um apanhado de medidas alternativas para solucionar a lide existente entre as partes no momento da consumação do delito.
Palavras-chave: Direito Penal. Honra. Alternativas. Privada. Conflito.
Abstract: This paper describes the relevance of the clarification, consequences and alternatives related to the non-incidence of Criminal Law in crimes of private criminal action, consistent with the crimes provided for in articles 138, 139 and 140, of the respective Diploma, as well as the pertinence of covering these types other branches of law. It is noteworthy, in turn, that the cases associated with crimes against honor are, in the great majority, mere annoyances caused by the lack of dialogue between the plaintiff and the plaintiff, thus causing a significant swelling in the criminal judicial machine, due to facts easily solved by other alternative techniques. In this way, the analysis aims, substantially, on the prevalence of the principles of Criminal Law, making an overview of alternative measures to solve the existing dispute between the parties at the time of the consummation of the crime.
Keywords: Criminal Law. Honor. Alternatives. Toilet. Conflict.
Sumário: Introdução. 1. Da função do Direito Penal. 1.1 Dos princípios da intervenção mínima e subsidiariedade do Direito Penal. 2. Dos crimes de ação penal privada, exclusivamente os crimes contra a honra. 2.1 Dos obstáculos existentes entre as partes relacionados aos crimes contra honra. 3. Das medidas alternativas para solucionar ofensas ao bem juridicamente tutelado, qual seja a honra. 4. Considerações finais. 5. Referências.
INTRODUÇÃO
Para que seja estabelecida a ordem social e convivência harmônica entre os membros de uma sociedade, o Estado promove a criação de normas com o objetivo de regular e impor limites para as mais diversas condutas humanas, nessa senda, quando existe descumprimento de tais normas há uma imposição de sanção a quem o praticou.
Conforme Rios (2006), o próprio poder regulamentador proíbe os particulares de fazerem justiça com as próprias mãos, ou seja, utilizar o poder de vingança em relação àquele que lhe causou algum dano seja ele físico patrimonial ou moral. Dessa forma, o Estado trás para si o poder punitivo, bem como a autorização ao particular de valer-se da prestação jurisdicional para ter seu direito protegido, nesse sentido entra a figura do Direito Penal.
De acordo com Bitencourt (2011), apesar da incidência do jus puniendi realizado pelo Estado, há princípios que restringem o poder incriminador deste, como o princípio da intervenção mínima. Comenta que, se existem outras formas de controle social e sanções aplicáveis ao caso, as quais se revelem hábeis para tutelar o bem, o uso do Direito Penal se torna incoerente e inapropriado.
Nesse sentido, na Constituição Federal (1998), o legislador originário, foi pontual em expor em seu artigo 5º, X sobre a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, sendo a elas assegurado o direito a indenização pelos danos sofridos decorrentes de sua violação, não apresentando em momento algum, proteção penal para essas práticas.
Sobretudo, o Direito Penal foi assíduo em estabelecer em sua codificação, capítulos específicos relacionados aos crimes contra a honra e suas respectivas sanções em casos de violação, chamadas de ações penais privadas, as quais procedem-se mediante queixa, de autonomia do ofendido.
Sobrevém que, a proteção dada pelo Código Penal aos direitos estritamente particulares como a honra, são criações infraconstitucionais, pois a Carta Magna foi rígida em relatar em seu artigo 5º, LIX, que a admissão de ações privadas só é possível se for subsidiária da pública, nos casos de inércia daquele que a detém como titular.
Na prática processual penal, relacionada ao processo e julgamento dos crimes contra a honra, destaca-se que querelante e querelado são partes cruciais de todo o tramite processual, isso se dá desde seu ajuizamento, através da proposição de queixa-crime, até as participações em audiências preliminares.
Sendo relevante, portanto, esclarecer se a incidência dessa espécie de ação é pertinente ou pode ser abarcada por outro ramo do direito, contribuindo assim para o desabarrotamento da máquina judiciária penal.
Assim, as principais razões relacionadas à motivação pela análise do tema em questão é, substancialmente, a prevalência dos princípios do Direito Penal, fazendo também um apanhado das alternativas para solucionar o conflito existente entre o polo passivo e ativo dos crimes contra a honra.
O objetivo geral do presente trabalho é analisar sob a ótica das medidas alternativas de solução de conflito, tomando como base os princípios que regem o Direito Penal Brasileiro, tanto no sentindo material como processual.
Quanto aos objetivos específicos, tem enfoque na limitação do papel do Direito Penal em relação aos bens juridicamente tutelados, bem como a constatação da existência de possíveis ofensas aos princípios da intervenção mínima ou subsidiariedade do Direito Penal. Identificar quais são os motivos contrários preexistentes entre as partes no momento da consumação do crime contra a honra, para que se possa analisar a natureza indenizatória da conduta. Demonstrar também, os impactos causados a máquina judiciária penal em razão da crescente demanda relacionada a crimes contra a honra.
Dessa forma, partindo do pressuposto da intervenção mínima do Direito Penal Brasileiro nas relações inteiramente particulares, questiona-se: quais as consequências da ineficácia do processamento dos crimes contra a honra?
O presente trabalho, primeiramente, irá abordar de forma ampla o papel Direito Penal e os tipos de ações penais existentes no ordenamento jurídico, fazendo uma ligação com os princípios que regem esse ramo e sua aplicabilidade no mundo jurídico.
Posteriormente será feito uma análise dos crimes contra a honra com o objetivo de identificar possíveis ofensas aos princípios penais, apontando formas alternativas de se solucionar conflitos relacionados a bens estritamente particulares.
Posto isso, dentro desse contexto será utilizado o procedimento bibliográfico que “é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites” (FONSECA, 2002, p. 31).
De acordo com os objetivos apresentados pelo projeto, utilizar-se-á o método explicativo pelo qual serão analisados e identificados os fatores que concorrem para a incidência dos fatos e fenômenos.
E em relação à abordagem a ser utilizada, “A pesquisa qualitativa preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais” (TATIANA ENGEL E DENIZE TOLFO, 2009, p. 32), dessa forma destaca-se que trabalho será baseado na forma qualitativa, a qual abrange as temáticas que não podem ser mensuradas e sim estudas e analisadas.
- DA FUNÇÃO DO DIREITO PENAL
Sabe-se que desde o princípio existe uma fundamental premência de se regular a vida em sociedade, sendo necessário para tanto a criação de normas regulamentadoras que norteiam a convivência harmônica entre os indivíduos. Isso se dá tanto nas relações jurídicas meramente civis, quanto nas possibilidades de sanções aplicáveis a eventuais descumprimentos de tais normas.
Quando há, por parte do Estado, a imposição de determinadas regras a serem seguidas pelos componentes de uma sociedade, há consequentemente a possibilidade de violação dessas normas. Nesse sentido, nasce o Direito Penal, sendo aquele que conforme preconiza Bitencourt (2011), é o conjunto de normas jurídicas as quais determinam as transgressões de natureza penal e suas penalidades juridicamente aplicáveis.
Ocorre que se analisarmos o Direito Penal de forma histórica, podemos verificar que inicialmente o mesmo possuía uma função tanto quanto diferente dos dias atuais, que conforme Sanches (2016) as normas penais não possuíam caráter de perpetuação da justiça e sim, ligação com a vingança contra aos atos de alguém, sendo aplicados em muitas ocasiões, penas desumanas e cruéis.
Dessa forma, como já mencionado, o Direito Penal hoje possui funções e conceitos mais abertos e específicos, que segundo Guilherme de Souza Nucci, Direito Penal “É o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 2017. p. 59).
Ante a existência deste ramo no ordenamento jurídico brasileiro, podemos destacar suas principais funções, como sendo a de proteção, prevenção e defesa social.
A primeira delas de acordo com Ishida (2014) tem o objetivo de resguardar os valores fundamentais dos indivíduos. Já a função preventiva é caracterizada pelo mesmo autor, como sendo uma forma de precaver, ou seja, aplicar a sanção no sentido de desencorajar o infrator e os demais componentes da sociedade a prática de novas infrações penais. Em seguida, a função de defesa social é entabulada por Ishida (2014), como sendo o ramo pelo qual há a prevalência do sentido de defesa da sociedade.
Relatado isso, podemos assegurar que, “Os bens protegidos pelo Direito Penal não interessam ao indivíduo, exclusivamente, mas a coletividade como um todo” (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2011, p. 33).
Ressalta-se também que, baseado nessa proteção dos bens de interesse da coletividade, nasce o poder de punir do Estado sob os indivíduos que eventualmente violem essa tutela estatal, sendo vedado o exercício de qualquer ato ou sentimento de vingança individual.
Nesse sentido Nucci (2017) disciplina com clareza que o Direito Penal atua no âmbito jurídico como sendo o último caminho a ser utilizado, ressaltando que quando isso ocorrer, nenhum outro ramo do direito foi capaz de solucionar a problemática do caso concreto ou o dano eventualmente sofrido pelo bem juridicamente tutelado.
Assim, o Direito Penal Brasileiro tem a função primordial de tutelar os bens juridicamente relevantes e de interesse coletivo, sendo utilizado por sua vez, em situações estritamente necessárias e que demandem a intervenção de uma modalidade jurídica mais severa, com consequências mais duradoras, rígidas e que possam trazer resultados e reflexos mais promissores aos indivíduos.
1.1 DOS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E/OU SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL
Como dito anteriormente, o Direito Penal Brasileiro nasceu com o objetivo de resguardar os bens de interesse coletivo, bem como aplicar sanções juridicamente expressas na codificação penal em caso de violação destes. Ocorre que, entrelaçado a obrigação estatal de proteção e exercício do pode de punir, há a incidência de princípios penais que funcionam como limitadores desse poder de agir dado ao Estado.
Um dos principais princípios é o da intervenção mínima o qual dispõe que:
O Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que a sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle (caráter subsidiário) observando somente os casos de relevante lesão ou perigo ao bem juridicamente tutelado” (RÓGERIO SANCHES CUNHA, 2016, p.69).
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Com base nesse princípio, nota-se que o Direito Penal será utilizado somente em casos extremamente necessários, onde seja imprescindível a sua atuação para a proteção e aplicação de sanções para coibir a prática de novos fatos de natureza penal.
Conforme bem preconiza Cezar Roberto Bitencourt, o princípio da intervenção mínima:
Orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas e sanção ou outros meios de controle social revelem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2011, p. 43).
Nesse sentido, o Direito Penal deverá ser utilizado de forma subsidiaria aos demais ramos do direito, abarcando somente fatos que não possam ser solucionados pelo Direito Civil ou Administrativo, por exemplo, sendo que de acordo com Nucci (2018) existem outras formas no ordenamento jurídico brasileiro preparadas para solucionar os conflitos existentes entre as partes em uma sociedade, sem que haja a incidência de maiores consequências. Sendo assim, “A subsidiariedade do direito penal é, portanto, uma das facetas do princípio da intervenção mínima” (VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES, 2019, p. 66).
Ocorrem ainda, entendimentos doutrinários que separam os dois princípios como assuntos autônomos quando se tratar de Direito Penal, não sendo os mesmos considerados sinônimos.
Sobre este tema, a jurisprudência atual tem entendido que deverá existir uma separação entrem os tipos de sanções aplicáveis a cada caso concreto, levando em consideração as possibilidades no ordenamento jurídico, bem como o abarcamento ou não do fato pelo Direito Penal, nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PREVISÃO DE PENALIDADE ADMINISTRATIVA PRÓPRIA. ART. 195 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – CTB. PRINCÍPIOS DA SUBSIDIARIEDADE E DE INTERVENÇÃO MÍNIMA. AGRAVO DESPROVIDO.1. “Segundo jurisprudência deste Tribunal Superior, a desobediência de ordem de parada dada pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais ou outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não constitui crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de sanção penal. Assim, em razão dos princípios da subsidiariedade do Direito Penal e da intervenção mínima, inviável a responsabilização da conduta na esfera criminal.” (HC 369.082/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017) 2. Agravo regimental desprovido
Assim, observa-se que os princípios da intervenção mínima e subsidiariedade do Direito Penal, sendo analisados tanto da ótica de um só princípio, quanto de forma individualizada, é cediço que o Direito Penal terá sua incidência em hipóteses extremamente necessárias e cruciais para a tutela do bem eventualmente violado e para que ao fim possam ser aplicadas sanções juridicamente expressas para coibir novas práticas delitivas.
- DOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA, EXCLUSIVAMENTE OS CRIMES CONTRA A HONRA
Quando falamos em ação penal conforme bem conceitua Sanches (2016) é considerada aquela pela qual há a exigência de tutela jurídica por parte do poder estatal com o fito de solucionar uma lide oriunda de um fato específico, sendo isso expressamente resguardado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXV.
Nesse sentido, há a existência de uma classificação dessas ações penais, podendo ser de iniciativa pública, ou seja, tendo como titular da ação o Ministério Público Estadual ou Federal, a depender da respectiva competência, ou de iniciativa privada, sendo que está possui características e requisito peculiares em detrimentos das demais.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, LIX dispõe que em caso de inércia do titular da ação penal, qual seja o Ministério Público, haverá a possibilidade de propositura da ação por parte do ofendido, sendo esta denominada ação penal privada subsidiária da pública.
Ocorre que a codificação penal vigente faz ainda mais uma separação das ações penais de caráter privado, sendo a chamada ação penal exclusivamente privada, sendo que a mesma “É a transferência do direito de acusar do Estado para o particular, pois o interesse é eminentemente privado” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 2020. p. 826).
Nesse sentido, dispõe Bitencourt (2011), que esse tipo de ação em todas as suas hipóteses, será proposta mediante a apresentação da chamada queixa, sendo de titularidade do ofendido através de um procurador.
Em relação a esse tipo ação penal, destaca-se que a modalidade sempre virá expressa no tipo penal, ou seja, o corpo do artigo trará a incidência da necessidade da propositura de queixa, destacando assim, que o determinado tipo é caracterizado como de ação penal exclusivamente privada.
Quanto a essa ação nota-se que “Naquelas hipóteses em que, a avaliação do legislador, o interesse do ofendido é superior ao da coletividade, o Código atribui àquele o direito privativo de promover a ação” (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2011, p. 794).
Entre os principais crimes dentre os quais procedem-se mediante ação penal exclusivamente privada, temos os crimes dispostos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro, sendo eles caracterizados pela ofensa a honra do individuo, que segundo os entendimentos de Guilherme De Souza Nucci, honra:
É a faculdade de apreciação ou o senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa, consistente na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social, na sua correção moral; enfim, na sua postura calcada nos bons costumes. Essa apreciação envolve sempre aspectos positivos ou virtudes do ser humano, sendo incompatível com defeitos e más posturas, embora não se trate de um conceito absoluto, ou seja, uma pessoa, por pior conduta que possua em determinado aspecto, pode manter-se honrada em outras facetas da sua vida. (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 2020. p. 211).
Dessa forma, a honra sendo ela objetiva ou subjetiva é plenamente resguardada pelo ordenamento jurídico penal em caso de sua violação, sendo esta de forma direta ou indireta. Essa tutela também é vista na Constituição Federal em seu artigo 5º inciso X, sendo que de acordo com ele a honra e a imagem pessoal são bem invioláveis e passíveis de indenização em caso de violação.
Ocorre que há requisitos mínimos para a configuração de tais delitos, sendo estes confirmados pela jurisprudência vigente, conforme se vê:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE REJEITOU QUEIXA-CRIME. IMPUTAÇÃO DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. ARTIGOS 138 E 140, DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS DOS TIPOS: ANIMUS CALUNIANDI E INJURIANDI. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Na espécie, a decisão questionada rejeitou a queixa-crime oferecida pelo querelante, por entender que as condutas atribuídas à querelada, tipificadas nos artigos 138 e 140, do Código Penal, carecem de justa causa ante a ausência de demonstração mínima de dolo específico de atingir a honra do autor. 2. Os crimes contra a honra exigem, para a sua configuração, além do dolo, um fim específico, que é a intenção de macular a honra alheia, objetiva ou subjetiva, devendo sempre se analisar o caso concreto na conjuntura que se encontra inserido. 3. No caso posto em julgamento, ainda que as expressões utilizadas pela Querelada possam ser entendidas como temerárias ou inoportunas considerações pessoais, quando analisadas no contexto dos fatos – indignação pelo homicídio do filho, cuja autoria é atribuída ao Recorrente – conduz à conclusão de que apenas expressam a dor e revolta de uma mãe pela perda do filho. 4. Não havendo indícios mínimos de que a querelada praticou o crime narrado na queixa-crime ou de que agiu com animus caluniandi e injuriandi, correta a decisão que não recebeu a peça pela a atipicidade dos fatos praticados.
5. Recurso conhecido e não provido.
Nesse sentido, como qualquer outro delito entabulado no Código Penal Brasileiro, os crimes contra a honra carecem da existência de requisitos para sua configuração e punibilidade.
Dispõe o artigo 138 do Código Penal Brasileiro sobre a calúnia, que conforme Capez (2006) é o fato de atribuir a alguém de forma não verídica fato expressamente descrito como crime. O autor ressalta ainda que o agente imputa a determinado indivíduo algum fato descrito como delito que não aconteceu ou que não foi pelo indivíduo.
Já o disposto no artigo 139 da mesma codificação destaca-se a incidência do tipo denominado de difamação, sendo que “Difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputação” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 2019. p. 225), sendo irrelevante a veracidade ou não dos fatos “Assim, difamar uma pessoa implica divulgar fatos infamantes à sua honra objetiva, sejam eles verdadeiros ou falsos” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 2019. p. 225).
Dessa forma, nota-se que em relação aos dois crimes acima citados é imprescindível a ocorrência de um fato determinado, ou seja, a imputação de algo concreto, conforme se vê no entendimento jurisprudencial:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE REJEITA QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. AUSÊNCIA DE FATO DETERMINADO. INJÚRIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ART. 286 DO CP. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. 1 – Para a caracterização dos crimes de calúnia e difamação é necessário que a imputação verse sobre fato determinado. Ausente a determinação, poderá caracterizar o delito de injúria. 2 – Ainda que o comentário proferido pudesse ensejar questionamento quanto à realização do crime de injúria, imperioso reconhecer a prescrição da pretensão punitiva quanto a este crime. 3 – O crime tipificado no art. 286 do CP, comporta ação penal pública incondicionada, devendo submeter os fatos ao Ministério Público. 4 – Recurso conhecido e parcialmente provido.
Assim, não basta o simples apontamento de um fato abstrato e genérico, sendo que dessa forma poderá acarretar inclusive, a atipicidade da conduta ou mero aborrecimento.
Em continuidade, o artigo 140 do Código Penal Brasileiro relata sobre a injúria, sendo que “Ao contrário dos delitos anteriores, na injúria tutela-se a honra subjetiva do ofendido, ou seja, sua autoestima (dignidade e decoro).” (RÓGERIO SANCHES CUNHA, 2016, p.186).
Assim, observa-se que o Direito Penal Brasileiro resguardou na íntegra alguns direitos inteiramente individuais como é o caso da honra, disponibilizando a critério do ofendido ferramentas para dispor do seu direito de agir, sem retirar o poder punitivo do Estado.
2.1 DOS OBSTÁCULOS EXISTENTES ENTRE AS PARTES RELACIONADOS AOS CRIMES CONTRA HONRA
Analisando o significado de honra e como ela é resguarda pela codificação penal, é possível e necessário analisar de forma mais sistémica cada caso concreto relacionado à violação desse direito, podendo assim, detectar os obstáculos existem na relação.
Nesse sentido, é de suma importância notar se a natureza do delito no caso concreto é advinda de mero aborrecimento momentâneo das partes conflitantes, ou há circunstâncias preexistentes que possam ser propícias para o agravamento do fato.
Contudo, sabe-se que na maioria das violações a honra de um indivíduo “Esta não se dissolve numa única expressão verbal, pois é capaz de se espalhar por outros ambientes, humilhando, prejudicando, trazendo consequências negativas, inclusive patrimoniais, à vítima” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, 2019. p. 211), sendo assim, é necessário frisar que a perpetuação da tutela desse direito é fundamental.
Ocorre que, em contrapartida, há diversos casos em que o ofendido é levado a prestar o Termo de Circunstanciado Ocorrência ou ajuizar queixa-crime por chateação efêmera ou por circunstâncias facilmente solucionáveis pelo diálogo entres as partes. Como exemplos simplórios podemos citar as discursões entre vizinhos e familiares.
Nesse sentido, relata Laura Alves de Oliveira que:
Em todos os casos, é sempre interessante tentar resolver os conflitos de maneira amigável, com diálogo e, se necessário, a intervenção de um terceiro para mediar os termos de um possível acordo. O processo penal, ainda que no caso dos crimes de menor potencial ofensivo, é desgastante emocionalmente para a vítima, que pode não ver sua demanda satisfeita caso o autor aceite a transação pena ou caso a pena fixada pelo juiz seja considerada baixa. O uso do Direito Penal é a medida mais extrema, que deve ser deixada para último caso. (LAURA ALVES DE OLIVEIRA, 2017).
Com base nisso, é possível analisar o caso concreto e verificar se outras medidas alternativas poderiam solucionar o problema gerador do delito contra a honra, evitando assim a persecução penal e a movimentação da máquina judiciária.
Nessa senda, sabendo que os crimes contra a honra protegem direitos particulares, é crucial entender a raiz da problemática relacionada à consumação do delito, bem como nortear qual seriam as possibilidade de solucionar a demandas sem que seja necessária uma eventual propositura de ação penal.
Somando-se a isso, ressalta-se que existem inúmeras formas da vítima não ter seu direito efetivamente reparado, vez que os crimes contra a honra são regidos pelo rito da Lei nº 9.099/95, a qual oferece possibilidades e direitos subjetivos do agente, como a suspensão condicional do processo, o instituto da transação penal e até mesmo a composição civil.
Sobre o tema acima mencionado relata Bruno Barqueiro Rios:
Fazendo uma análise desses institutos que visam à reparação do dano, pode-se perceber que refletem a responsabilidade civil utilizada no âmbito penal. Talvez a utilização desses institutos, no futuro, seja uma forma de garantir a eficácia do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, levando para a seara cível conflitos que possam ser resolvidos com a reparação do dano à vítima, por não causarem transtornos à sociedade. Contudo, a natureza conciliatória do processo não respeita os princípios basilares da seara penal. (BRUNO BARQUEIRO RIOS, 2006).
Dessa forma, destaca-se que muitas vezes o caráter conciliatório que a Lei dos Juizados Especiais traz em seu bojo, bem como os direitos inerentes ao agente quanto ao processamento do feito, poderá trazer a vítima uma sensação de que sua honra não foi reparada, tão pouco tutelada.
Sobre o instituto da transação penal citado, o qual é o mais efetivamente utilizado nos casos dos crimes contra a honra relata Rodrigo Gelli Teixeira que:
Outro argumento que retira da transação penal a natureza jurídica de ação penal é o fato de que, uma vez homologada a transação pelo juízo, esta não irá gerar reincidência, nem efeitos civis para o autor do fato. Seria, portanto, inviável estar‐se diante de uma ação penal que, embora de cunho condenatório, não sirva de título executivo judicial para eventual execução na esfera cível. E mais, a transação, sendo uma ação penal, não discute culpabilidade. (RODRIGO GELLI TEIXEIRA)
Assim, reafirma-se a possibilidade de que muitas vezes a vítima não se sinta realmente reparada e protegida pela tutela jurisdicional, sendo cabível a análise de possibilidades de utilização de alternativas para tutelar o bem que podem se mostrar bem mais eficazes ao caso concreto, ressalvando-se, é claro, os casos em que a lide é bem mais profunda e conflituosa do que simples difamações.
- DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA SOLUCIONAR OFENSAS AO BEM JURIDICAMENTE TUTELADO, QUAL SEJA A HONRA
Como bem apontados nos tópicos anteriores, para que se possa evitar a persecução penal de fatos relacionados à violação da honra de um indivíduo, é necessário analisar formas alternativas de continuar resguardando tal bem, mas evitando o processamento penal destes.
Assim, uma das primeiras alternativas cabíveis é o abarcamento do caso concreto pela esfera cível, sendo que neste ramo do direito a vítima terá oportunidade de conduzir a ação, igualmente a ação penal privada exclusiva, mas também terá o direito de exigir o reparo que achar necessário para restaurar o dano sofrido, como já é plenamente aplicável aos casos de pedido de danos morais.
Nesse sentido, os tribunais têm entendido que os ramos são totalmente autônomos, ou seja, não há necessariamente a obrigatoriedade de oferecimento de queixa, para pleitear danos morais na esfera cível, conforme se vê:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PROGRAMA DE TELEVISÃO. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. ACOLHIDA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DERIVADA DA PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. MANTIDA SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. POR MAIORIA, APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70069210326, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio José Costa da Silva Tavares, Redator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em: 06-10-2017)[0]
Dessa forma, mesmo que o ofendido deixe de apresentar queixa-crime no prazo decadencial previsto na legislação penal, poderá propor ação de indenização cível normalmente.
Outra forma alternativa e que vem ganhando muito destaque no âmbito penal nos dias atuais é a chamada justiça restaurativa, que conforme Lorelay Gonçalves da Silva:
A justiça restaurativa foi construída a partir da crítica ao sistema penal convencional, trazendo uma nova abordagem, cujos valores seriam a responsabilização, inclusão, participação, diálogo, consenso, reintegração e reparação, a fim de proporcionar um sistema penal mais justo para todas as partes envolvidas no processo. Esse modelo se destaca por ser uma forma de resolução de conflitos diversa do modelo de justiça criminal tradicional, que vem sendo implementada gradativamente no Brasil, estabelecendo uma justiça negociada, horizontal e interativa. (LORELAY GONÇALVES DA SILVA, 2019)
Destarte, a justiça restaurativa tem sido cada vez mais utilizada para o fortalecimento de vínculos entre as partes, perpetuação do diálogo e consequentemente a resolução do conflito, sem que haja a existência de um processo penal.
Quando a justiça restaurativa destaca-se a promoção de círculos restaurativos, que conforme exposto por Cauê Costa Hueso em sua defesa para o Mestrado em Direito Penal:
A justiça Restaurativa será aplicada nos casos de contravenções penais ou crimes de menor potencial ofensivo, a exemplo de ameaça, lesão corporal leve, delito decorrente de acidente de automóvel briga entre vizinhos, perturbação da tranquilidade e crimes contra a honra, calúnia, difamação e injúria. (CAUÊ COSTA HUESO, 2015).
Logo, a justiça restaurativa como forma de solucionar conflitos relacionados à violação da honra de um indivíduo, tem se mostrado eficaz no sentido de reestabelecer o diálogo entre o ofendido e o autor do fato, para recompor o convívio harmônico entre as partes, evitando assim, a reincidência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo como base as funções do Direito Penal, bem como os princípios regulamentadores como princípio da intervenção mínima e subsidiariedade, nota-se que este ramo do direito objetiva-se em tutelar fundamentalmente bens que envolvam toda a sociedade, não aqueles estritamente particulares.
Para tanto há a figura de outras modalidades jurídicas que podem proteger esses bens, não sendo necessária a incidência do Direito Penal sob um fato facilmente solucionável pelo Direito Civil por exemplo.
Nesse sentido, crucial se faz a verificação de cada caso concreto para que se possa filtrar os fatos e deixar a cargo da persecução penal somente caso estritamente necessário e que coloquem a vida, patrimônio, saúde, entre outros direitos da sociedade em risco.
Feito essa análise, poderá ser evitada tanto a possibilidade de não satisfação do direito por parte da vítima, quanto o abarrotamento da máquina judiciária penal em razão de fatos cujo potencial ofensivo é mínimo.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial, Volume 2. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 584 p.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 872 p.
BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil: Senado Federal; 1988
BRASIL. Lei nº 2.848/40. Código Penal. Rio de Janeiro. 1940
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