Direito penal simbólico: criação de leis mais rigorosas diante do clamor social e midiático

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Resumo: O presente artigo versa sobre o direito penal simbólico, possuindo como foco principal o conceito e características do mesmo, haja vista ter sido verificado em diversos fatos concretos na realidade brasileira no que tange à criação de leis mais rigorosas em relação ao preso devido ao clamor social e midiático.

Palavras-chave: Direito Penal Simbólico – Mídia e Sistema Penal – Criminologia midiática – História da prisão

Abstract: This article focuses on the symbolic criminal law, having as main focus the concept and characteristics of it, since many facts observed in the Brazilian reality in relation to creating stricter laws in relation to the prisoner due to social clamor and media.

Keywords: Symbolic Criminal Law – Media and Penal System – Midiatic criminology – History of the prison

Sumário: Introdução. 1. Do direito de punir à prisão: conceito e antecedentes históricos. 2. Direito Penal Simbólico. 2.1. O simbolismo no Direito Penal. 2.2. A dramatização da mídia nos discursos relativos à violência. 2.3. A lei penal simbólica. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o intuito de analisar a evolução histórica da prisão e das finalidades do Direito Penal, enfatizando-se a função simbólica do mesmo diante da criação de leis ensejada pelo forte clamor social e midiático diante de determinados fatos que, por suas peculiaridades, chamam muito a atenção certas parcelas da sociedade, fazendo com que estas exijam do Poder Público, algumas respostas imediatas, sem que haja qualquer discussão mais aprofundada, acarretando, assim, em leis com efeitos quase insignificantes ou, completamente, nulos. O que, por sua vez, gera enormes violações aos direitos individuais da população carcerária.

1. DO DIREITO DE PUNIR À PRISÃO: CONCEITO E ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Atualmente, a ideia de punir já está dentro do próprio espírito da sociedade, pouco se indaga acerca do instituto da punição. Não há viés cientifico ou, até mesmo, biológico que o justifica. Sua construção é antropológica. Em alguma época, não se sabe exatamente qual, o homem decidiu que, punindo seu semelhante, poderia melhorá-lo. E, assim, por séculos e séculos, tem-se trabalhado com a idéia de que punir é a melhor alternativa para a resolução dos conflitos sociais.

Por conseguinte, é cabível salientar que as condutas desviantes sempre existiram desde tempos imemoráveis e, incialmente, significavam ofensas aos postulados divinos. Sendo, mais adiante, acintes à vontade do soberano e, modernamente, contrariedade à lei, ao Direito. Nessa premissa, sua classificação transforma-se de pecado à infração penal.

Desse modo, tem-se uma punição focada no corpo do delinquente e, o desenvolvimento da sociedade também é permeada com a evolução da criatividade na forma de punir em relação ao espaço e o tempo quando se fala do fenômeno da punição.

Não só a morte na fogueira, como outras formas de punição conhecidas foram criadas ao longo da história da humanidade. E, nesse sentido, percebe-se que em cada época, mesmo cada qual com sua particularidade e criatividade de suplício, sempre existiu essa ideologia de que quanto mais a punição se fizesse presente no corpo do infrator, o mesmo, procurando não ter uma conduta desviante, devido a quantidade de sofrimento a ele imposta, não cometeria mais qualquer ato fora dos padrões de convivência daquela sociedade. E, dessa maneira, teria se encontrado a resposta para se neutralizar a violência.

No entanto, o que se vai se descobrindo ao longo desse discurso de que quanto mais se pune, menos condutas desviantes serão praticadas, é que a dependência entre a maximização do castigo, isto é, a força que se impõe na punição, a gravidade do castigo e a diminuição da violência ou da quantidade de crimes cometidos, não possui, geralmente, uma relação proporcional.

Dentro deste raciocínio, chegou-se a um momento em que a prisão se estabeleceu no século XVI e, atingiu seu apogeu no século XIX, no qual não era utilizada para fins de aplicação da pena propriamente dita, mas de uma ante fase para as penas corporais, tais como, mutilação, tortura e trabalhos forçados e, principalmente, pena de morte.

Nesse diapasão, pode-se afirmar que, aprisionar um indivíduo, era apenas e tão-somente um meio através do qual se garantia uma sentença condenatória e, portanto, não era pena em si mesma.

A prisão, como contenção da criminalidade, da conduta desviante, surgiu durante os séculos XVI e XVII, quando a pobreza se abateu e se estendeu por toda a Europa. Contra os deserdados da fortuna que cometiam delitos cotidianamente para subsistir, experimentaram-se diversos tipos de reações penais, mas todas elas falharam. Sendo, a maioria desses indivíduos acusados de pedir esmolas, praticar roubo e cometer assassinato. (BITENCOURT 2003, p. 505-515)

Nessa época, já se verificava que a pena de morte não era a solução mais adequada, tendo em vista a enorme quantidade de indivíduos desviantes e, sendo assim, não poderia ser aplicada a todos eles.

Ocorre que, na segunda metade do século XVI, nasceu um movimento de grande importância relativo ao desenvolvimento das penas privativas de liberdade. Criaram-se estabelecimentos prisionais organizados para a correção dos apenados. Foram, desse modo, substituídos os açoites, o desterro e a execução pública dos delinquentes, pela execução de trabalho e lições disciplinares dentro dessas instituições correcionais, legitimados pela ideia de que esses seriam meios adequados para a reforma do encarcerado, bem como pela noção de prevenção geral, já que se pretendia desestimular outros indevidos da vadiagem e ociosidade. (BITENCOURT 2003, p. 505-515)

A noção de se privar a liberdade do delinquente, aparentemente, nasceu com o iluminismo, a partir da propagação de um ideal de humanidade, ao se exigir do Estado, o respeito aos direitos essenciais do cidadão.

Surgem, em tal plano, vozes contra a intervenção do Estado, alicerçadas nos direitos fundamentais do ser humano, como Voltaire e Beccaria, as quais a humanização do Direito Penal. Com isto, tirar-se-ia de todos, o direito mais precioso: a liberdade. Mas, em contrapartida, o poder estatal deveria garantir à dignidade da pessoa humana, criando-se, dessa maneira, uma solução mais democrática para a contenção dos infratores, tudo, dentro, é claro, de um respeito mínimo a cada um deles.

Nesse contexto, Cesare Beccaria (2001, p. 33), em sua obra “Dos delitos e das penas”, tece críticas ao modelo punitivo adotado naquela época e oferece sugestões para o seu aprimoramento: “o legislador deve, por conseguinte, pôr limites ao rigor das penas, quando o suplício não se torna mais do que um espetáculo e parece ordenado mais para ocupar a força do que para punir o crime. Para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime. Ora, não há homem que possa vacilar entre o crime, mau grado a vantagem que este prometa, e o risco de perder para sempre a liberdade. Assim, pois, a escravidão perpétua, substituindo a pena de morte, tem todo o rigor necessário para afastar do crime o espírito mais determinado. Digo mais: encara-se muitas vezes a morte de modo tranquilo e firme, uns por fanatismo, outros por essa vaidade que nos acompanha mesmo além do túmulo. Alguns, desesperados, fatigados da vida, veem na morte um meio de se livrar da miséria. Mas, o fanatismo e a vaidade desaparecem nas cadeias, sob os golpes, em meio às barras de ferro. O desespero não lhes põe fim aos males, mas os começa. Nossa alma resiste mais à violência das dores extremas, apenas passageiras, do que ao tempo e à continuidade do desgosto. Todas as forças da alma, reunindo-se contra males passageiros, podem enfraquecer-lhes a ação; mas, todas as suas molas acabam por ceder a penas longas e constantes”.

Assim, a prisão passa a substituir as penas cruéis se legitimando, num primeiro momento, ao se afastar das formas horrendas de punição, que violavam, em todas as instancias, a dignidade da pessoa humana. Afinal, nesse pensamento, o que previne os crimes é a certeza do castigo e não o rigor do suplício.

Desta forma, na passagem do tempo antigo para o moderno, a implementação da segregação dos desviantes em asilos, presídios, penitenciárias, manicômios, cadeias, entre outras instituições isolacionais, conduziu à centralidade do cárcere como forma dominante de castigo. E, também, ocorreu a diminuição da imposição pública do castigo físico com o consequente aumento de penas voltadas a um sofrimento mental. Sendo, consequentemente, o corpo substituído pela mente. (ANDRADE, 2003, p. 174)

Portanto, nota-se que ocorreu o afrouxamento da severidade penal, afinal, na aplicação da pena havia menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e humanidade. Nesse sentido, a punição deixou de ser aplicada sobre o corpo, em suas formas mais duras e, passou a ser dirigida a alma, ou seja, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. (FOUCAULT, 1999, p. 15)

Com efeito, uma vez recebida como uma forma de punição mais humana e mais adequada ao modelo socioeconômico vigente, o instituto da prisão, espalhou-se por todas sociedades, conquistando intimamente os homens, de maneira que, se fundiu e, praticamente, se eternizou na maioria das legislações e codificações em vigor.

2. DIREITO PENAL SIMBÓLICO

2.1. O simbolismo no Direito Penal

Inicialmente, para Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (1999, p. 15), o Direito penal é: “o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor”.

Pode-se, assim, dizer que o Direito Penal é o conjunto de normas que o Estado se utiliza para prevenir ou reprimir os acontecimentos que vão de encontro à segurança e à ordem social, conceituando as infrações, determinando e fixando as responsabilidades, bem como instituindo as sanções punitivas correspondentes.

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Em outras palavras, é uma reunião de normas jurídico-positivas regulamentadoras do poder de punir do Estado, que predeterminam certas condutas como crime e, como consequência das práticas destas, impõem penas ou medida de segurança.

Por outro lado, o símbolo significa uma figura ou imagem que representa à vista o que é puramente abstrato. Noutro dizer, o símbolo pode ser considerado um objeto, uma idéia, uma emoção ou um ato sendo, assim, utilizado para a representação de outro objeto, outra idéia, outra emoção ou outro ato. Portanto, o símbolo, sempre reproduz alguma outra coisa. Já, a maneira como ele será interpretado, depende, principalmente, da atitude do observador. (RORIZ, 2010, p. 24)

Nesse contexto, segundo Cleber Masson (2012, p. 11), o Direito Penal Simbólico diz respeito a uma política criminal, que vai além da aplicação do direito penal do inimigo, e sim, as próprias consequências do efeito externo que a aplicação da lei não produz. Manifesta-se, desse modo, com o direito penal do terror, pelo qual se verifica uma inflação legislativa, que cria figuras penais desnecessárias ou, então, o aumento desproporcional e injustificado das penas para os casos determinados.

Pode-se, assim, afirmar que o Direito Penal simbólico, geralmente, se apresenta através propostas que visam se aproveitar do medo e da sensação de insegurança. Nesse sentido, o propósito do legislador não é a real proteção dos bens jurídicos atingidos pelo delito, mas uma forma de adular a população, dizendo o que ela quer ouvir, fazendo o que ela deseja que se faça, mesmo que isso não surta qualquer efeito na diminuição da criminalidade e da violência.

Nessa esteira, quando um fato ganha repercussão, nascem propostas de aumento de pena, de supressão de direitos individuais, de criação de novos tipos penais, mesmo que não seja alternativa adequada para realmente se solucionar com conflitos. Assim, o que o Estado deseja, na verdade, é agir de forma que satisfaça o sentimento emocional de um povo atemorizado.

Não é outra, a opinião de Prazeres[1], a saber: “assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico", como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais”.

2.2. A dramatização da mídia nos discursos relativos à violência

Em primeiro lugar, a mídia pode ser conceituada como os meios utilizados no armazenamento e na transmissão de informação, de forma que, a depender de como for manipulada, pode afetar o que os indivíduos pensam sobre si mesmos e, também, como eles percebem o seu semelhante.

A notícia surge a partir de um processo de transformação, de modo que, a mídia manipula a notícia conforme as características pré-estabelecidas de um ou mais receptores hipotéticos e isto acaba formando a opinião de uma parcela determinada da população.

A opinião pública, de acordo com Herbert Blumer (1978, p. 184), “está sempre se dirigindo para uma decisão, mesmo que essa decisão nunca chegue a ser unanime”.

Assim, a opinião publica pode ser entendida como uma opinião generalizada sobre determinados fatos. Sendo, também, designada por senso comum, ou seja, um sentimento, conhecimento que acumulado cotidiano das pessoas, sem que exista uma análise mais aprofundada do que é veiculado pela mídia.

Com relação à parcialidade das notícias veiculadas nos meios de comunicação, em geral, Luiz Flávio Gomes (2007) afirma que “o discurso midiático é atemorizador, porque ele não só apresenta como espetaculariza e dramatiza a violência. Não existe imagem neutra. Tudo que ela apresenta tem que chocar, tem que gerar impacto, vibração, emoção. Toda informação tem seu aspecto emocional: nisso é que reside a dramatização da violência. Não se trata de uma mera narração, isenta”.

Portanto, divulgação de notícias exageradas na mídia desperta nas pessoas um encanto punitivista e, consequentemente, uma busca indomável por uma resposta repressiva do Direito Penal.

A opinião pública vislumbra, dessa maneira, o encarceramento do indivíduo delinquente como a perfeita e mais eficaz solução para a violência que acomete a sociedade. O que, por sua vez, acarreta na criação de leis penais simbólicas.

Não é outra a opinião de Bourdieu (1997, p. 25): “os jornalistas têm “óculos” especiais a partir dos quais vêem certas coisas e não outras; e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado. O princípio da seleção é a busca do sensacional, do espetacular. A televisão convida à dramatização, no duplo sentido: põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importância, a gravidade, e o caráter dramático, trágico. Em relação aos subúrbios, o que interessará são as rebeliões”.

Nesse sentido, por fim, invoca-se Engenheiros do Hawaii[2], com a música intitulada “Fé Nenhuma”: “eu sei que você acredita, nas notícias do jornal, mas tudo isso me irrita, me enoja e me faz mal”.

E, como também, não lembrar daquela cujo nome, não poderia ser mais apropriado, como “Televisão” de Titãs[3]: “É que a televisão, me deixou burra, muito burra demais, e agora eu vivo, dentro dessa jaula, Junto dos animais…”. 

Isso porque, o ser humano, não pode se deixar levar por ideias as quais não são suas, sem que haja sua profunda interiorização e reflexão, formando, desse modo, opiniões vagas e sem fundamento algum, principalmente, quando se trata da vida e da segurança do seu semelhante, independentemente, de sua origem, cor, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras diferenças.

2.3. Lei Penal Simbólica

Atualmente, embora dos tempos antigos aos dias atuais, o sistema penitenciário tenha evoluído, a situação da prisão no Brasil, vem ganhando contornos extremamente dramáticos, contrários aos ares democráticos e progressistas que se esperava dentro do sistema penal, com a chamada humanização do cárcere.

Sempre que o Brasil atravessa momentos de turbulência social em consequência de ondas de violência, imediatamente nascem propostas mirabolantes com o intuito de endurecer legislação penal vigente, em sua maioria pugnam pelo aumento na quantidade da pena de prisão, muitas vezes já acentuada, bem como defendem a introdução de penas cruéis, principalmente, de morte e prisão perpétua.

Ambas, há muito tempo afastadas do modelo ideal de punição brasileiro, e, claramente, rejeitadas pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLVII. [4]

Todavia, logo após a proclamação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, houve a inauguração do que costuma chamar de década do terror ou legislação do pânico, a partir do famoso episódio do sequestro do empresário Abílio Diniz que inaugurou a Lei nº 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos).

Essa lei previu como inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico de drogas, estupro, atentado violento ao pudor, latrocínio, genocídio, bem como o sequestro e, também, impediu o instituto da progressão da pena, ou seja, o sujeito considerado delinquente deveria cumprir a pena, integralmente, em regime fechado[5].

Nesse contexto, através da aplicação da Lei nº 8.072/1990, em sentido literal, um indivíduo acusado de crime de tráfico de drogas, deveria ser imediatamente encarcerado, não possuindo o direito de responder ao processo em liberdade e, nem direito a regime semiaberto.

Da mesma forma, aquele que era preso devido à prática de crime de atentado violento ao pudor (revogado em 2009), que poderia tanto ser equivalente ao delito de estupro quanto, em suas formas mais simples, uma mera, mas inconvenientes, apalpada.

Então, na ânsia de se impedir crimes considerados muito violentos, a Lei de Crimes Hediondos acaba por banalizar a violência, comparando, por exemplo, um usuário de drogas a um assassino ou sequestrador.

E, como se não bastasse, mesmo para aqueles delitos "realmente" hediondos, essa legislação foi alvo de inúmeras críticas, visto que a possibilidade de ressocialização de um sujeito era, praticamente, nula.

Isso, pois o mesmo, como já explicitado, não poderia progredir para o regime semiaberto, com a finalidade, por exemplo, de trabalhar e reduzir, assim, a sua pena.

Todavia, com a rapidez na aprovação do referido projeto de lei não se contemplou o homicídio entre crimes previstos como hediondos, deixando tal conduta fora do rol dos delitos considerados repugnantes.

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Ocorre que, sobreveio em 1993, o assassinato brutal da atriz e bailarina Daniella Perez, que recebeu 13 (treze) golpes de tesoura e teve 04 (quatro) perfurações no pescoço, 08 (oito) no peito e mais 06 (seis) que atingiram pulmões e outras regiões.

Este, por sua vez, culminou na criação da Lei nº 8.930/1994 (Nova Lei de Crimes Hediondos) e, na consequente, inclusão do crime de homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, impossibilitando, dessa maneira, o pagamento de fiança e o cumprimento da pena em regime aberto ou semiaberto[6].

Assim, diversas outras legislações passaram a protagonizar cenas do sistema penal em nosso país, como, por exemplo, a Lei nº 9.455/1997, que definiu o crime de tortura, devido aos abusos praticados por policias militares na Favela Naval de Diadema, em São Paulo. (SOARES, 2010, p.14)

E não é só. Após a série de rebeliões no estado de São Paulo, dentre elas a maior rebelião prisional que se tem noticia, que aconteceu no Município de Taubaté, na qual foram envolvidas quatro cadeiras públicas sob a responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública do Estado e vinte e cinco unidades prisionais, diversas medidas restritivas foram postas em prática, incluindo a Lei nº 10.792/2003, que instituiu o denominado Regime Disciplinar Diferenciado. (SILVA, 2009)

Além do seu tempo de duração, impor a alguém a condições tão gravosas porque simplesmente existe suspeita de envolvimento em organização criminosa ou, ainda, de apresentar alto risco à sociedade, vai de encontro ao fim fundamental da pena privativa de liberdade, que é a ressocialização e a reintegração do apenado na sociedade.

O que, também, viola o disposto no Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo país em 1992, posto que o mesmo prega que toda e qualquer pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral, bem como que ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.

E, sendo assim, toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Como, também, as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

Com isso, sempre vêm se criando ou elaborando legislações que se preocuparam com a maximização da intervenção penal, voltadas para a ideia de minimização dos direitos fundamentais do infrator, estabelecendo uma dicotomia entre o que se resolveu chamar de defesa da sociedade (defesa social) e, de outro lado, a preservação dos interesses do indivíduo infrator ou desviante.

Afinal, conceitos que geram leis com essas, devem ser vistos como contraditórios em relação aos alicerces principiológicos do Direito Penal, sobretudo o princípio da humanidade e o da ressocialização da pena (que prevê a reinserção gradual do detento na sociedade).

Por conseguinte, será que em uma sociedade onde se prega princípios como esses e na qual se tem (ou se deveria ter, pelo menos) o Direito Penal como ultima ratio, deseja um Estado Violência? Como se intitula a música de do grupo Titãs[7], cuja a letra é:  “Sinto no meu corpo / A dor que angustia / A lei ao meu redor / A lei que eu não queria… / Estado Violência / Estado Hipocrisia / A lei não é minha / A lei que eu não queria… / Meu corpo não é meu / Meu coração é teu / Atrás de portas frias / O homem está só… / Homem em silêncio / Homem na prisão / Homem no escuro / Futuro da nação / Homem em silêncio / Homem na prisão / Homem no escuro / Futuro da nação…”

A modificação da lei penal em momentos de grande clamor social e midiático, na maioria das vezes, costuma não atender os legítimos objetivos do Direito penal. De maneira contrária, quase sempre se reflete em uma legislação penal simbólica e de emergência.

Desse modo, tem-se o que se costuma chamar de lei penal simbólica. Geralmente, a mesma é sancionada a partir do impacto dos efeitos provocados, especialmente, pelos meios de comunicação que veiculam informações deturpadas e diretamente dirigidas aos interesses de uma maioria de determinada sociedade e, dessa maneira, provocam radicais consequências ao Direito Penal e ramos afins, posto que, acabam servindo como verdadeira panaceia para os males resultantes da criminalidade e violência atualmente existente.

Em outras palavras mais simplórias, a lei penal simbólica é aquela a qual surge devido a um grande rebuliço por parte, principalmente, da mídia e, consequentemente, da população, em geral, que possui efeitos quase nulos (ou, completamente nulos) ou negativos para a sociedade mediante pouca e açodada discussão acerca de um fato específico, isto é, de determinados casos-símbolo.

Nessa esteira, são as palavras de Nilo Batista (2002, p. 273): “o compromisso da imprensa – cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações – com o empreendimento neoliberal é a chave da compreensão dessa especial vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e um silêncio sorridente sobre informações que as desmintam. O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, creem na pena como rito sagrado de solução de conflitos. Pouco importa o fundamento legitimante: se na universidade um retribucionista e um preventista sistêmico podem desentender-se, na mídia complementam-se harmoniosamente. Não há debate, não há atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena é bem aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas”.

Ocorre, desse modo, que a ascensão de tal punitivismo exacerbado acaba servindo como máscara para ocultar a ausência de políticas públicas sérias,  realistas  e comprometida com o meio social.

E, nessa esteira, se verifica que ao invés de prevenir condutas criminosas e garantir segurança, o Direito Penal e o Estado, ao elevarem desproporcionalmente as penas, em resposta ao clamor social e à divulgação em massa de notícias pela mídia, não faz diminuir os níveis de violência. Isso porque, há o constante combate aos sintomas, e não as causas da criminalidade.

Nesse diapasão, Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini (2007) afirmam que “O uso desvirtuado do Direito penal vem se acentuando nos últimos anos. A mídia retrata a violência como um "produto espetacular" e mercadeja sua representação. A criminalidade (e a persecução penal), assim, não somente possui valor para uso político (e, especialmente, para uso "do" político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação. São mercadorias da indústria cultural de massa, gerando, para se falar de efeitos já aparentes, a sua banalização e a da violência”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, assim, que não é com a criação de leis e a imposição de normas, sejam as que fazem nascer novos tipos penais, bem como aquelas que pretendem aumentar o rigorismo ou tempo de cumprimento da pena, e, portanto, desumanas aos encarcerados, que os problemas de criminalidade e da violência, que sempre estiveram presentes da vida em sociedade, serão resolvidos.

Por fim, deve o Estado dar efetividade aos princípios da dignidade humana, da isonomia e da igualdade consagrados como fundamento da República na Carta de 1988, não só fazendo com que se concretizem as finalidades da pena, quais sejam, recuperar, ressocializar e reintegrar o encarcerado na sociedade, bem como impondo limites a essa incivilizada criminologia midiática.

 

Referências
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BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, ano 7, n. 12, p. 271- 289, 2º semestre de 2002. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/65302097/Midia-e-sistema-penal-no-capitalismo-tardio>. Acesso em: 24 março 2012.
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BLUMER, Herbert Blumer. A massa, o público e a opinião pública. In Gabriel Cohn (org.) Comunicação e indústria cultural. São Paulo Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/88400411/Blumer>. Acesso em 15 maio 2012.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral. 6. ed. v.1. São Paulo: RT, 2006.
 
Notas:
[1] PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. Disponível em: < http://persephone.mp.ma.gov.br/site/ArquivoServlet?nome=Noticia86A56.doc>. Acesso em: 20 mai 2012.

[2] ENGENHEIROS DO HAWAII. Fé Nenhuma. Disponível em: < http://letras.mus.br/engenheiros-do-hawaii/45725/>.

[3] TITÃS. Televisão. Disponível em: < http://letras.mus.br/titas/49002/>. Acesso em: 9 junho 2012.

[4]Art. 5º, CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;”

[5]Estudo: Lei de Crimes Hediondos mudou após comoção nacional”. Portal Terra. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1412005-EI306,00.html>. Acesso em: 26 junho 2012.

[6] Capa: Caso Daniella Perez. Revista Isto É. Disponível em: < http://www.terra.com.br/istoegente/148/reportagens/capa_paixao_daniela_perez.htm>. Acesso em: 26 junho 2012.

[7] TITÃS. Estado Violência. Disponível em: <http://letras.mus.br/titas/48970/>. Acesso em: 9 maio 2012.


Informações Sobre o Autor

Maíra Souto Maior Kerstenetzky

Graduada pela Universidade Católica de Pernambuco; Pós-Graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – Professor Ruy da Costa Antunes (ESA/PE) em parceria com a Faculdade Joaquim Nabuco


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