Influência da Teoria do Direito Penal do Inimigo na Lei Antiterrorismo Brasileira (Lei 13.260/16)

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Cláudio Leite Clementino[1]

Resumo: O presente artigo tem como escopo examinar a influência da Teoria do Direito Penal do inimigo sobre a Lei de Enfrentamento ao Terrorismo. Para tanto, será abordada a mitigação de garantias penais, como o princípio da legalidade, empreendida pela Lei 13.260/16 em diversos dispositivos. Na sequência, será analisado o exagerado adiantamento das barreiras de punibilidade realizado pela Lei Antiterror, através da tipificação excessiva de delitos de perigo abstrato e da punição de atos preparatórios. Por fim, dissertar-se-á a respeito da desproporcionalidade das sanções penais presentes na Lei 13.260/16, ferindo o postulado da proporcionalidade sob o prisma da vedação de excesso.

Palavras – chave: Direito Penal do inimigo. Lei Antiterror Brasileira. Relativização de garantias penais. Antecipação da punição. Desproporcionalidade das sanções.

 

Resumen: Este artículo tiene como objetivo examinar La influencia de La Teoría Del Derecho Penal delenemigo en la Ley de Aplicación del Terrorismo. A tal fin, La atenuación de lãs garantias penales, como El principio de legalidad, emprendida por La Ley 13.260/16, se abordará en diversos dispositivos. Posteriormente, se analizará el exagerado avance de lãs barreras de punibilidad llevadas a cabo por La Ley Antiterrorista, mediante La excesiva tipificación de los delitos abstractos de peligro y La sanción de los actos preparatorios. Por último, se basará en la desproporción de las sanciones penales presentes en La Ley 13.260/16, que lesionarán el postulado de proporcionalidad desde la perspectiva Del exceso de valla.

Palabras Clave: Derecho penal Del enemigo. Ley Antiterrorista de Brasil. Relativización de garantias penales. Anticipación del castigo. Desproporcionada de las sanciones.

 

Sumário: Introdução. 1. Relativização de garantias penais na Lei Antiterror. 2. Antecipação da punibilidade na Lei 13.260/16. 3. Desproporcionalidade das sanções penais. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O presente artigo tem como escopo estudar a influência da teoria de matriz Jakobsiana na Lei de Enfrentamento ao Terrorismo, relacionando os atributos da tese do Direito Penal do inimigo com os dispositivos da Lei 13.260/16.

Assim, dissertaremos sobre as relativizações de princípios penais (mormente o primado da legalidade e o seu subprincípio da taxatividade), sobre a criminalização de estágio prévio transgressora do postulado da lesividade e sobre a previsão de penas severas e desproporcionais infratoras do princípio da proporcionalidade (vertente da proibição de excesso) empreendidas pela Lei Antiterror Nacional.

 

1.                  Relativização de garantias penais na lei antiterror

É cediço que a pós-modernidade é rica na confecção e no incremento de riscos à coletividade. Em consequência, aumenta-se a sensação de insegurança da população, pugnando-se, ingenuamente, pela intervenção do Direito Penal como forma de resolução de todas as mazelas do corpo social.

Dessarte, o Direito Penal antes visto como ultimaratio (princípio da intervenção mínima) passa a ser encarado como prima ratio. É nesse campo que se dá a denominada expansão do Direito Penal, que tem como manifestações primordiais o punitivismo exacerbado e o Direito Penal simbólico geradores do Direito Penal do Inimigo.

A tese do Direito Penal do inimigo, capitaneada por Günther Jakobs, é real e está se alastrando cada vez mais rápido pelos ordenamentos jurídico-penais mundo afora, apresentando-se, erroneameante, diga-se de passagem, como único instrumento capaz de combater as novas formas de criminalidade – dentre elas o terrorismo.

O seu criador enxerga o terrorista como inimigo, dada a sua periculosidade e a não garantia cognitiva suficiente de se comportar de acordo com o direito, sendo fonte de perigo constante a ser inocuizado. Logo, para o autor alemão, o terrorismo deve ser combatido nos moldes do Direito Penal do inimigo, devendo as legislações se amoldarem à tal teoria, flexibilizando e/ou suprimindo garantias penais e processuais penais, antecipando a tutela penal e cominando sanções penais elevadas.

A Lei Antiterrorismo nacional pode ser considerada o exemplo máximo de aplicação da tese Jakobsiana no sistema penal brasileiro, mitigando muitas garantias penais, como os princípios da legalidade, da ofensividade, da intervenção mínima, da exteriorização do fato, da culpabilidade e da proporcionalidade.

O presente artigo irá abordar a influência do Direito Penal do inimigo em vários dispositivos da Lei 13.260/16, devendo-se advertir, de plano, que este tópico cuidará essencialmente das violações realizadas pela Lei 13.260/16 ao postulado da legalidade, posto que as transgressões aos primados da ofensividade e da proporcionalidade serão abordadas nos itens seguintes deste trabalho.

O princípio da legalidade penal é um dos postulados fundantes do Estado Democrático de Direito, norteando a elaboração, a interpretação e a aplicação de todas as normas criminais. Está previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, cláusula pétrea. Também encontra guarida no Código Penal, em seu artigo 1º.

Tal postulado penal é uma garantia individual do cidadão face aos abusos estatais, na medida em que limita o jus puniendi, prescrevendo a necessidade de lei para criar infrações penais e cominar sanções (nullumcrimennullapoenasine lege).

Modernamente, o primado da legalidade possui duas acepções: uma formal, que obriga o legislador a observar o devido processo legislativo na produção de um diploma normativo e, também, uma material, segundo a qual a legislação penal deve se amoldar aos valores fundamentais estampados na Constituição.

Sob o viés substancial do princípio em tela, verifica-se que ele se desdobra nas seguintes vertentes: a) não há crime nem pena sem lei prévia, vale dizer, a confecção de uma infração penal ou de uma sanção deve ocorrer antes da realização do fato pelo agente, respeitando-se, com isso, a anterioridade da lei penal; b) não há crime nem pena sem lei escrita, vedando-se a construção de tipos legais incriminadores mediante o costume; c) não há crime nem pena sem lei estrita, isto é, só se concebem delitos e reprimendas criminais através de leis (ordinárias ou complementares), proibindo-se a analogia in malam partem; d) não há crime nem pena sem lei certa, ou seja, o legislador precisa, quando da feitura de um tipo penal, ser claro e preciso, de maneira que todos entendam o conteúdo da norma.

A última vertente da legalidade penal corresponde ao subprincípio da taxatividade[2], que exige clareza, precisão e determinação da lei penal, de modo que se permita a todos os cidadãos a compreensão da norma e evite-se o cometimento de delitos.

Nessa trilha, Nilo Batista adverte sobre a necessidade de respeito à determinação taxativa:

“A função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos, inteligível por todos os cidadãos. Formular tipos penais “genéricos ou vazios”, valendo-se de “cláusulas gerais” ou “conceitos indeterminados” ou “ambíguos”, equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso. Não por acaso, em épocas e países diversos, legislações penais votadas à repressão e controle de dissidentes políticos escolheram precisamente esse caminho para a perseguição judicial de opositores do governo[3].”

A Lei 13.260/16, ao definir e criminalizar o terrorismo, afrontou várias vezes o princípio da legalidade, por inobservância da taxatividade. Destarte, far-se-á uma análise das principais ofensas do artigo 2º da Lei Antiterrorismo ao postulado analisado, demonstrando, com isso, a sua estreita ligação com o Direito Penal do inimigo.

Primeiramente, deve-se ter em mente que a conceituação do fenômeno terrorista realizada pelo novel diploma, no seu artigo 2º, caput, utilizou-se de cláusulas abertas, vagas e imprecisas. Como exemplo, cita-se o elemento teleológico da definição terrorista, que se baseia em uma expressão por demais indeterminada e genérica, pois, afinal, o que vem a ser terror social ou generalizado? É possível delimitar a sua abrangência?

Criticando a abertura demasiada do termo ora examinado, Débora de Souza e Fábio Roque lecionam:

“Todavia, mesmo que tal requisito tenha sido abrigado na Lei 13.260/16, da maneira como o elemento subjetivo especial está descrito, pode-se dizer que o conceito está vago e impreciso, pois como definir se o terror está generalizado? Quantas pessoas aterrorizadas seriam suficientes para que se reconheça um estado generalizado: 50, 100, 1.000, 10.000, 100.000, 1.000.000 de pessoas? Os moradores de um bairro ou de uma cidade inteira? Ou seria de um estado ou de vários estados, ou até de um país todo?[4].”

Além do mais, vale salientar que o requisito causal (“por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião”) mostra-se bastante inadequado, já que muitos termos, como “xenofobia”, “raça” e “religião” são excessivamente amplos, polissêmicos e contraditórios, não havendo sequer definição na Lei 13.260/16 ou no ordenamento jurídico nacional. Em decorrência, prejudica-se a aplicação do dispositivo ao caso concreto e permite-se a produção de arbitrariedades e de injustiças.

Constata-se, ainda, infração ao princípio da legalidade penal, por falta da determinação taxativa, no parágrafo 1º, inciso I, do artigo 2º da Lei 13.260/16, visto que várias elementares que compõem os atos de terrorismo (“explosivos”, “gases tóxicos”, “venenos”, “conteúdos biológicos, químicos e nucleares”) são imprecisas e vagas, além de não possuírem previsão na Lei Antiterror ou na legislação penal nacional, havendo referência, quando muito, em decretos que internalizaram tratados ou convenções internacionais.

Para piorar ainda mais a situação, em alguns casos, existe mais de um diploma normativo internacional abordando genericamente um mesmo termo, o que pode gerar confusão e excessos na hora de aplicar a lei ao caso concreto. A título ilustrativo: o intérprete deve usar qual definição para a expressão “explosivos”? A estatuída no Decreto nº 3.229/99 ou a estipulada no Decreto nº 4.394/02?.

Por derradeiro, é importante mencionar que a elementar “outros meios capazes de causar dano ou promover destruição em massa”, também, desrespeita o postulado da legalidade, uma vez que é bastante ampla e indeterminada e a Lei Antiterror não a define, não sendo possível aferir o seu significado de modo objetivo. Como descobrir quais são os outros meios capazes de causar dano ou promover destruição em massa?.

Adotando posicionamento semelhante, Débora de Souza e Fábio Roque advertem:

“Todavia, não se pode descurar que ao estampar a expressão “outros meios capazes de produzir danos”, a norma traz um perigoso grau de indeterminação, deixando ao intérprete a avaliação de quais meios serão ou não criminalizados. Esta situação é altamente temerária nas hipóteses de guardar, trazer consigo e portar, pois, no mundo, há inúmeros meios capazes de produzir danos, mas que podem ser utilizados para outros fins. Se tais meios fossem taxativamente elencados, os cidadãos poderiam evitar guardá-los, trazer consigo ou portá-los, protegendo-se de eventual suspeita de que estariam incorrendo em tal crime. Seria um critério de segurança. Do contrário, somente a análise do elemento subjetivo é que responderá se o agente está praticando o crime deste inciso I ou não[5]”.

Percebe-se, pois, que, apesar de ter suprido uma lacuna no ordenamento jurídico-penal com a conceituação e tipificação do terrorismo, a Lei 13.260/16 ultrapassou as fronteiras permitidas em um Estado Constitucional Democrático ao descumprir em inúmeras passagens do seu texto o primado da legalidade, sob o prisma da taxatividade, vez que exagerou na criação de cláusulas abertas, vagas e indeterminadas, aproximando-se, com isso, de uma das principais características do Direito Penal do inimigo, qual seja, a mitigação e/ou supressão de garantias penais.

Houve, também, ultraje ao princípio da legalidade quando o crime esculpido no artigo 3º da Lei Antiterrorismo não conceituou organização terrorista, deixando margem a interpretações precipitadas e errôneas.

Prova disso, é o entendimento de alguns juristas no sentido de que, apesar de o legislador não ter definido organização terrorista na Lei 13.260/16, o fez por meio dela ao dar nova redação ao artigo 1º, § 2º, inciso II, da Lei 12.850/13, mandando aplicar a Lei de Crime Organizado às organizações terroristas, consideradas como aquelas voltadas a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.

Defendendo o ponto de vista acima transcrito, Rogério Greco afirma que:

“Como a própria expressão nos induz, para que seja reconhecida como tal, é preciso que exista uma organização, isto é, uma estrutura hierarquizada, especialmente criada com a finalidade de praticar qualquer das infrações penais tipificadas na Lei nº 13.260/16. Dessa forma, o § 1º do art. 1º da Lei nº 12.850/13 aponta os elementos necessários à sua caracterização, dizendo que se considera organização criminosa (aqui entendida como organização terrorista) a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de praticar os delitos previstos na Lei Antiterror[6].”

Tal ponto de vista, todavia, não pode prosperar, pois a suposta conceituação de organização terrorista trazida pela Lei 12.850/13 é insuficiente, indeterminada e imprecisa, dando ao intérprete uma discricionariedade absurda, maculando o postulado da legalidade, sob o viés da determinação taxativa.

Ademais, não se pode querer argumentar que a organização terrorista é uma espécie de organização criminosa perpetradora de atos de terrorismo, porquanto, atualmente, os grupos terroristas operam descentralizadamente, através de células, não havendo como determinar um número mínimo de integrantes (4 ou mais, como estabelece a Lei 12.850/13), nem exigir a estruturação ordenada e a divisão de tarefas típicas da criminalidade organizada.

Bauman compartilha dessa posição ao esclarecer que a Al-Qaeda (um dos principais representantes do terrorismo contemporâneo) “não corresponde à descrição de uma organização coesa, coordenada e estruturada”[7]. E conclui o sociólogo:

“[…] a Al-Qaeda mais parece “uma coalização frouxa e em expansão de aproximadamente duas dúzias de grupos”, sendo os responsáveis por atentados terroristas principalmente “criados em casa” e não, estritamente falando, membros da Al-Qaeda – apenas “grupos espontâneos de amigos”, que têm poucos vínculos com alguma liderança central (e os que são principalmente mediados pela internet)[8].”

Melhor teria sido se o legislador tivesse definido organização terrorista de maneira clara, precisa e determinada para depois tipificar a conduta de participação em organização terrorista, respeitando o princípio da legalidade e seu mandado de certeza.

Para arrematar, importa registrar que a elementar “prestar auxílio” é uma cláusula genérica e abrangente, podendo abarcar qualquer situação de auxílio a uma organização terrorista, ferindo, com isso, a legalidade penal.

Nesse sentido, é o magistério de Marcelo Rodrigues da Silva:

“Prestar auxílio: o verbo é muito amplo, afrontando o mandado de certeza exigido no âmbito penal (lex certa), pois permitiria que qualquer conduta, por mais insignificante que seja, ser tipificada no crime de participação em Organização Terrorista[9].”

Faz-se mister, ainda, tecer alguns comentários sobre a violação do primado da legalidade empreendida pelo artigo 5º, caput, da Lei 13.260/16. Esse preceito incrimina a realização de atos preparatórios de terrorismo, com o propósito inequívoco de consumar tal delito.

Contudo, não é possível determinar o alcance da elementar “realizar atos preparatórios de terrorismo”, dado que se trata de expressão excessivamente ampla, genérica e imprecisa, não se podendo definir exatamente quais seriam esses atos preparatórios de terrorismo a serem cometidos para restar consumado o ilícito penal em comento, possibilitando a penalização de quaisquer condutas, inclusive, aquelas consideradas totalmente inofensivas ao bem jurídico.

Manifestando raciocínio similar, Martinelli e Schmitt de Bem aduzem que:

“Não bastasse a dificuldade em definir terrorismo, o legislador emplacou a punição aos atos preparatórios (art. 5º). Quer dizer, se o crime de terrorismo consumado já é complexo, pois depende da combinação de diversas elementares, tanto de ordem objetiva quanto subjetiva, seus atos preparatórios exigem ainda mais cautela. Na cabeça do intérprete, qualquer coisa poderá ser ato preparatório para o terrorismo. Vejamos alguns exemplos: (1) um sujeito decide viajar a um país conhecido por abrigar grupos extremistas; (2) estudantes que, por meio de fóruns de discussão na internet, discorrem sobre a “opressão do ocidente contra o oriente” e, determinado dia, decidem se reunir pessoalmente; (3) numa conversa interceptada, um dos interlocutores, de forma jocosa, diz que gostaria de “explodir” o Congresso Nacional[10].”

Outro aspecto problemático concerne à especial finalidade de agir exigida pelo artigo 5º, caput, pois não se pode designar de modo claro e exato quais ações teriam o propósito inequívoco de consumar o delito. Aliás, seria completamente irracional tal tentativa.

Paulo César Busato, corrobora tal pensamento ao afirmar:

“Deste modo, é completamente impossível conhecer, a priori, o conteúdo da norma incriminadora, o que leva à completa impossibilidade de atender a ela, já que não se pode cumprir uma norma que não se pode conhecer. Esta impossibilidade é uma violação direta do princípio da legalidade, na vertente da certeza, pois para a preservação do próprio Estado de Direito, só se pode incriminar condutas definidas. Não pode o legislador apoiar-se em indefinidos, ou, quando menos, discutíveis preceitos doutrinários para definir o âmbito da incriminação[11].”

Nota-se, então, que os dispositivos da Lei de Enfrentamento ao Terrorismo ora examinados, ferem, com seus textos abrangentes, vagos e incertos, o postulado da legalidade penal, sob o panorama da taxatividade (lex certa), guardando, assim, perfeita harmonia com a tese do Direito Penal do inimigo supressora e/ou flexibilizadora de direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

 

  1. Antecipação da punibilidade na lei 13.260/16

A criminalização de estágio prévio é uma das características nucleares da teoria do Direito Penal do inimigo, consistindo na antecipação das barreiras punitivas a momentos anteriores à produção de dano aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Manifesta-se, primordialmente, através da punição de delitos de perigo abstrato e da incriminação de atos preparatórios.

A consequência mais notória do adiantamento da proteção penal é o desrespeito ao princípio da ofensividade (nullanecessitatissine injuria). Esse postulado, implícito constitucionalmente e visto como um dos princípios fundantes do Direito Penal moderno, atua como limitador do jus puniendi estatal, na medida em que penaliza apenas os comportamentos causadores de lesão ou, pelo menos, de perigo concreto de lesão aos bens jurídicos, devendo ser observado tanto pelo legislador como pelo juiz, quando da aplicação da lei ao caso concreto.

Concordando com a evidente conspurcação do primado da ofensividade, provocada pela excessiva ampliação da intervenção punitiva intrínseca à tese Jakobsiana, Diego Romero relata que:

“Claramente, desse emprego dos tipos penais de perigo abstrato, resulta afronta ao enunciado do Direito Penal clássico nullumcrimensine injuria, e, por conseguinte, inobservância ao princípio constitucional da ofensividade, pois não há crime sem resultado[12].”

A Lei de Enfrentamento ao Terrorismo antecipou exageradamente a tutela penal ao prever em quase todos os seus dispositivos crimes de perigo abstrato (art. 3º; art. 5º, caput e § 1º, I e II; art. 6º, caput e parágrafo único) e ao sancionar atos preparatórios no artigo 2º, § 1º, inciso I, no artigo 3º e no artigo 5º, caput e § 1º, incisos I e II, violando, com isso, o primado da lesividade e mostrando sincronia com a tese do Direito Penal do inimigo.

Na lição de Marcelo Rodrigues da Silva:

“O direito penal do inimigo (de Günther Jakobs) restou viabilizado no Brasil pela lei antiterror brasileira, haja vista a ampla antecipação da punibilidade, ocasião em que se desloca a atenção do fato passado para um futuro de incertezas, criando-se, por exemplo, tipos de formação de organização terrorista e a punição de atos preparatórios; em que há a transição da legislação penal para a legislação de combate; e em que há o retorno ao Estado de Polícia e a relativização de garantias e princípios penais e processuais penais[13].”

Os delitos de perigo abstrato consumam-se com a mera realização da conduta descrita no tipo penal, não se exigindo dano ou risco concreto de dano ao bem jurídico tutelado. Pode-se afirmar, portanto, que tais ilícitos penais fundamentam-se unicamente na desvalia da ação e prescindem totalmente do desvalor do resultado (este é presumido pela lei de modo absoluto – presunção iuris et de iure).

A criação desmedida de crimes de perigo presumido dimana da expansão do Direito Penal vigente na atualidade, essencialmente, da necessidade de tutela dos bens jurídicos supraindividuais próprios da sociedade do risco. Como bem explica Bottini:

“Outro instrumento empregado largamente pelo legislador penal para o enfrentamento dos riscos inéditos são os tipos penais de perigo abstrato. A criminalização de condutas por meio desta técnica visa a antecipação da incidência da norma, para afetar condutas antes da verificação de qualquer resultado lesivo. Sua relação com os riscos da atualidade é evidente: afinal, o deslocamento do injusto do resultado para a conduta reflete uma preocupação do gestor de riscos (no caso, o legislador penal) com a prevenção e com a necessidade de evitar o perigo, como forma de garantir, de forma mais eficaz, a proteção aos bens eleitos como indispensáveis à vida em comum[14].”

As infrações penais de promoção de organização terrorista (art. 3º, Lei 13.260/16), recrutamento e treinamento de terroristas (art. 5º, § 1º, I e II, Lei 13.260/16) e de financiamento ao terrorismo (art. 6º, Lei 13.260/16) são exemplos de crimes de perigo abstrato, vez que restam configurados com a mera execução do comportamento típico, não havendo a necessidade de observância de lesão ou risco real de lesão ao bem jurídico-penal. Em virtude disso, opera-se uma nítida e inaceitável transgressão ao princípio da lesividade.

Ponderando sobre a obrigação de respeito ao postulado da ofensividade frente à tipificação açodada dos delitos de perigo presumido, Martinelli e Schmitt de Bem sustentam que:

“Assim, em conservação ao princípio da lesividade, o mínimo que se exige para responsabilizar penalmente alguém é a maior proximidade de perigo ao bem jurídico tutelado. Para isso, é necessário que haja um bem jurídico definido, relevante e indispensável para a convivência harmoniosa em sociedade. Quando se fala em terrorismo, ocorre um primeiro problema: qual o bem jurídico tutelado? Há realmente um bem jurídico palpável a ser tutelado ou temos uma norma de precaução, que criminaliza determinados comportamentos apenas porque devem ser proibidos? Na hipótese de normas de precaução, nota-se uma elevação dos crimes de perigo abstrato, os quais presumem uma situação de perigo ao bem tutelado, este nem sempre definido ou palpável[15].”

Anote-se, também, que a criminalização de âmbito prévio pode ocorrer através da tipificação de atos preparatórios.

A preparação está situada entre a cogitação e a execução, isto é, na fase do iter criminis em que ocorre o planejamento, a trama delitiva sem, contudo, se ingressar na prática dos atos executórios. Em regra, o conatusremotus é impunível. Entretanto, o legislador, em decorrência da importância do bem jurídico, pode punir a preparação de modo autônomo.

Foi o que fez a Lei Antiterror ao tipificar o artigo 2º, § 1º, inciso I, pois todos os verbos nucleares que o compõem traduzem atos preparatórios. Quem usa ou ameaça usar, guarda, porta ou traz consigo explosivos, gases tóxicos, venenos etc. ainda não cometeu o ato de terrorismo, estando na etapa de preparação, porém o legislador entendeu haver a necessidade de criminalizar tais condutas autonomamente, em razão da relevância dos bens jurídicos protegidos (vida, integridade física, incolumidade pública ou paz pública).

Acontece que a desenfreada punição da preparação infringe o primado da lesividade, uma vez que os atos preparatórios são, via de regra, inofensivos, incapazes de acarretar um dano ou perigo real de dano ao bem jurídico protegido pela norma criminal.

O ilícito penal de promoção de organização terrorista (art. 3º, Lei 13.260/16), também, denota o avanço da tutela penal, posto que a sua finalidade precípua reside na punição antecipada da associação de indivíduos reunidos com o desiderato de perpetrar atos de terrorismo extremamente prejudiciais à sociedade.

Nessa linha de raciocínio, Gabriel Habib preconiza:

“Com efeito, o delito de Organização Terrorista, além de ser um delito associativo por excelência, traz em si toda a ideia de antecipação da punibilidade e de incriminação de atos preparatórios, pois o legislador teve a nítida intenção de exercer o jus puniendi antecipadamente, antes da prática de qualquer ato de terrorismo, para evitar um dano maior. O legislador, portanto, antecipou a punibilidade para o momento da reunião de várias pessoas para o fim de praticar atos de terrorismo[16].”

Foram, igualmente, incriminadas de forma independente as infrações penais de recrutamento e treinamento de terroristas dispostas no artigo 5º, § 1º, incisos I e II, da Lei 13.260/16, excepcionando mais uma vez a regra de não penalização do conatusremotus.

Se a Lei de Enfrentamento ao Terrorismo já tinha adiantado as barreiras de punibilidade com a elaboração dos delitos supracitados, ela extrapolou visivelmente todos os limites ao preceituar a infração de atos preparatórios de terrorismo (artigo 5º, caput, da Lei 13.260), sancionando a preparação da preparação.

Manifestando o mesmo entendimento, Luiz Flávio Gomes afirma:

“O que o art. 5º ora comentado pune é a preparação da preparação. Vamos imaginar o seguinte: o agente está “fabricando” em sua casa um explosivo (para usar em um ato terrorista). Essa preparação vem antes do “transportar e do trazer consigo” (algo capaz de gerar danos ou promover destruição em massa). Ou seja, aqui estamos diante de uma preparação da preparação (estando o bem jurídico em posição muito distante). A incidência do direito penal, nesse caso, é muito problemática, como veremos, porque o risco ou a ofensa ao bem jurídico ainda é bastante tênue[17].”

Infere-se, pois, que o crime estampado no artigo 5º, caput, da Lei 13.260/16 pune a preparação da preparação, profanando, com isso, o postulado da lesividade, que não permite a intervenção do Direito Penal sem que haja lesão ou perigo de dano ao bem jurídico tutelado (nullalexpoenalissine injuria).

Conforme enuncia Paulo César Busato:

“A incriminação de atos preparatórios tal como está proposta não contempla nenhum resultado, nem de dano, nem de perigo concreto e nem de perigo abstrato, pois trata-se de atos preparatórios. Sendo atos preparatórios, não há nenhum bem jurídico sofrendo lesão, nem tampouco sendo concretamente exposto a perigo concreto, de forma bastante óbvia. Mas mesmo as pretensões de falar-se em perigo abstrato seriam rematadamente impossíveis[18].”

 

  1. Desproporcionalidade das sanções penais

A Lei Antiterrorismo brasileira, sem dúvida alguma, é um dos diplomas normativos com penas mais elevadas e desiguais em todo o ordenamento jurídico, desrespeitando o princípio da proporcionalidade e aproximando-se da teoria Jakobsiana.

O postulado da proporcionalidade, previsto implicitamente na Constituição Federal de 1988, tem como origem os escritos do Marquês de Beccaria, que afirmava:

“De tudo quanto se viu até agora poderá extrair-se um teorema geral muito útil, mas pouco de acordo com o uso, legislador, por excelência, das nações, ou seja: para que toda pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, devendo, porém, ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, em dadas circunstâncias, proporcional aos delitos e ditada pelas leis[19].”

No âmbito penal, o princípio em tela deve ser aferido de modo a se chegar aos seguintes resultados: a) a reprimenda penal precisa ser o instrumento idôneo para tutelar um bem jurídico-penal (subprincípio da adequação); b) a pena tem de ser meio necessário para proteger um bem jurídico (subprincípio da necessidade); e c) a sanção criminal cominada e aplicada exige proporção à gravidade do mal causado pelo delito (subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito).

Seguindo esse raciocínio, José L. González Cussac explica que:

“En este sentido, elprincipio de proporcionalidade obliga a ponderar los intereses em conflicto: de un lado justificando La necesidad de tutela de um bien mediante la pena, y de outro, valorando el impacto de esta limitación sobre El derecho fundamental afectado. Del principio general de prohibición de excesoo proporcionalidade en sentido amplio, derivanotros principios o exigencias, que no son sino concreciones de aquél, y aquí basta con recordar: a) El principio de adecuación, según El cual toda sanciónha de ser adecuada a la finalidade perseguida com La misma. Esto es, a La finalidad de tutelar um bién jurídico determinado. Um interés que no esté proscrito constitucionalmente o que sea socialmente irrelevante; b) El principio de necesidad, comúnmente denominado principio de intervención mínima, implica que sólo se puede recurrir a la parte del ordenamento que es El Derecho penal y, por ende, a La conminación con pena, para dispensar protección a los bienes jurídicos dignos de ella frente a los ataques más graves e intolerables (principio de insignificancia). El Estado está obligado a elegirla medida que permita lograr el objetivo com el menor sacrifício posible de los derechos individuales; c) El principio de proporcionalidade en sentido estricto está referido primordialmente a La medida de la pena, esto es, a La clase y cantidad de sanción a imponer. De acuerdo a esta premisa, se proyecta em dos planos: El primero, que el legislador al establecer delitos y sus correspondientes penas ha de buscar elequilibrio entre La entidad de éstas y La gravedad de aquellos. Segundo, que El juez ha de individualizar la pena concreta que impone al condenado conforme a La gravedad del delito cometido por éste. Ha de ponderarse La carga coactiva de la pena com El fin perseguido[20].”

Destarte, infere-se que o primado da proporcionalidade penal possui duas acepções: uma abstrata e outra concreta. A primeira, pertine ao momento de criação do tipo penal pelo legislador, precisando este averiguar se a reprimenda cominada é proporcional à magnitude do crime cometido. Para tanto, necessita perquirir a relevância do bem jurídico tutelado e, ulteriormente, cotejar figuras delitivas protetoras de bens jurídicos distintos. A segunda, por outro lado, diz respeito ao instante em que o magistrado, analisando o caso concreto, irá apurar se a pena é proporcional à gravidade do ilícito penal perpetrado por uma pessoa específica, com o escopo de aplicá-la da maneira mais justa possível.

Procura-se, dessa forma, observar as máximas: a) da proibição do excesso (übermassverbote), vedando-se a cominação (pelo legislador) e a aplicação (pelo juiz) de sanções penais excessivas e irrelevantes; e b) do imperativo de tutela (untermassverbote), que proscreve a intervenção penal insuficiente, abaixo da importância do bem jurídico e da seriedade da infração penal.

A Lei Antiterror desobedeceu claramente o princípio da proporcionalidade (na vertente da proibição de excesso) em todas as figuras típicas preceituadas.

O artigo 2º da Lei 13.260/16 estabelece uma reprimenda criminal de reclusão de 12 a 30 anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência, possuindo, desse modo, uma pena extremamente severa. Para se ter uma ideia da dureza da sanção penal cominada ao art. 2º, basta cotejar o preceito secundário do ilícito penal de terrorismo (12 a 30 anos) com o do homicídio, seja na modalidade simples (6 a 20 anos) ou na qualificada (12 a 30 anos). Desta comparação verifica-se que a pena imposta ao crime de terrorismo (art. 2º, Lei 13.260/16) é maior que a do homicídio simples e igual a do homicídio qualificado, o que é absurdo, pois a vida é o bem jurídico mais importante de todos. Há aqui, portanto, uma discriminação punitiva infundada.

O postulado da convivência das liberdades públicas é violado, também, ao se cominarem penas iguais a comportamentos possuidores de graus de ofensividade diferentes. A título ilustrativo, pode-se constatar a discrepância lesiva das condutas de “usar” e “trazer consigo” (inciso I, § 1º, do art. 2º), “atentar contra a vida” e “atentar contra a integridade física” de pessoa (inciso V, § 1º, do art. 2º), e “sabotar o funcionamento” ou “apoderar-se” (inciso IV, § 1º, do art. 2º). A desproporção é patente, dado que não há a mínima distinção sancionadora entre as condutas incriminadas.

Nos ensinamentos de André Mauro Lacerda Azevedo:

“Sabotar o funcionamento de uma escola por meio de uma invasão dos computadores daquela instituição é algo bem diferente do que explodir uma bomba num estádio de futebol repleto de pessoas. Não é razoável que ambas as condutas tenham o mesmo patamar abstrato de penas, até porque a culpabilidade, no primeiro caso, é infinitamente de menor reprovação do que a do segundo. É bem verdade que, na pena concreta, certamente que ao primeiro infrator ser-lhe-ia imposto uma sanção penal menor do que aquela do segundo. Muito embora seja de importância fazermos esse registro, de fato houve uma clara violação à proporcionalidade e à culpabilidade quando o legislador elevou, ao mesmo patamar de censura e punição, comportamentos tão distintos em intensidade, reprovabilidade e consequências[21].”

Além da previsão de uma sanção penal draconiana, há ainda a possibilidade de incidência da causa de aumento disposta no artigo 7º da Lei de Enfrentamento ao Terrorismo, que agrava a pena em um terço, na hipótese de ocorrer lesão corporal grave ou em metade, caso sobrevenha morte. Contudo, a majorante em apreço não se aplica ao inciso V, § 1º, do artigo 2º da Lei Antiterror, por expressa disposição legal (“salvo quando for elementar da prática de qualquer crime previsto nesta Lei”). Nota-se, pois, que a pena, já altíssima, pode chegar a um patamar inaceitável.

Por sua vez, o crime de participação em organização terrorista (art. 3º, Lei 13.260/16) estipulou um mesmo patamar punitivo (reclusão de 5 a 8 anos e multa) para condutas ligadas à autoria (promover, constituir, integrar) e à participação (prestar auxílio), infringindo o postulado da proporcionalidade, já que comportamentos de níveis ofensivos díspares não podem ser penalizados do mesmo modo.

No que toca ao delito de atos preparatórios de terrorismo (art. 5º, caput, Lei 13.260/16), que estampou no seu preceito secundário a pena correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até metade, é patente o desrespeito ao primado da proporcionalidade, dado que no caso de crime de terrorismo tentado (art. 1º, caput, c.c § 1º, I, IV e V, Lei 13.260/16), mais grave, a pena será diminuída em um patamar maior do que na hipótese de consumação da infração de atos preparatórios de terrorismo, possuidora de um desvalor de resultado inferior.

Conforme esclarecem Álvaro Fernandes e Luiza Terra:

“Para efeitos práticos, a partir da a política criminal adotada pelo legislador é – absurdamente – mais benéfico ao agente iniciar a execução do delito do que realizar apenas atos preparatórios puníveis, pois no primeiro caso lhe será deferida uma maior redução de pena. Tal paradoxo decorrente da exacerbada ânsia punitiva com relação aos delitos de terrorismo viola frontalmente o Direito Penal, em especial o princípio da proporcionalidade punitiva[22].”

Em relação aos delitos de recrutamento e treinamento de terrorista (art. 5, § 1º, I e II, Lei 13.260/16), novamente constatou-se o descumprimento do postulado da proporcionalidade, visto que, puniu-se com a mesma reprimenda penal condutas de nível de lesividade distintos. Basta observar o semelhante patamar punitivo imposto aos diferentes comportamentos de recrutamento de terrorista (recrutar, organizar, transportar ou municiar – art. 5º, § 1º, I, Lei 13.260/16), treinamento de terrorista (fornecer ou receber treino – art. 5º, § 1º, II, Lei 13.260/16) e atos preparatórios de terrorismo (artigo 5º, caput, Lei 13.260/16).

Ademais, é curial frisar que os tipos penais dos artigos 3º e 5º da Lei Antiterror incriminam atos preparatórios ou delitos de perigo abstrato ou, às vezes, os dois juntos, o que, dada a sua menor ofensividade, deveria ter sido levado em consideração pelo legislador ordinário, sancionando tais comportamentos ilícitos com uma pena menor em comparação com os delitos de lesão e de perigo concreto ou com a penalização dos atos preparatórios. O desrespeito a essa premissa violenta frontalmente o postulado da proporcionalidade.

Em remate, é preciso salientar que houve transgressão ao primado da convivência das liberdades públicas operada pelo artigo 6º, caput e parágrafo único, da Lei 13.260/16, posto que foi cominada uma sanção criminal altíssima (reclusão de 15 a 30 anos), sendo mais elevada, inclusive, do que a prescrita para os delitos de terrorismo, sabidamente mais graves (art. 2º, § 1º, I, IV e V, Lei 13.260/16). Ademais, foi imposta a mesma punição para atos com ofensividade distintos: financiamento direto (art. 6º, caput, Lei 13.260/16) e financiamento indireto (art. 6º, parágrafo único, Lei 13.260/16).

Portanto, infere-se que a Lei Antiterrorismo cominou penas extremamente altas e desiguais em todos os seus crimes, profanando o princípio da proporcionalidade (prisma da vedação de excesso) e alinhando-se à tese do Direito Penal do inimigo.

 

Conclusão

Diante de tudo que foi exposto no presente artigo podemos tecer as seguintes conclusões.

A Lei Antiterrorismo é o exemplo máximo de aplicação do Direito Penal do inimigo no ordenamento jurídico-penal brasileiro, já que em todos os seus dispositivos penais podem ser vistos cristalinamente os atributos da teoria Jakobsiana. Há vários tipos legais de crime vagos, amplos e incertos, desrespeitando o princípio da legalidade e o seu subprincípio da determinação taxativa; verifica-se, também, a incriminação exagerada da preparação e a tipificação de delitos de perigo abstrato, denotando total desrespeito ao primado da lesividade e, por derradeiro, vislumbra-se a cominação de sanções penais elevadíssimas e desproporcionais, acabando por transgredir descaradamente o princípio da proporcionalidade na sua vertente de vedação de excesso.

Tal influência da teoria do Direito Penal do inimigo sobre a Lei Contraterrorista Brasileira é inaceitável em um Estado Democrático de Direito, cujos alicerces maiores são os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da legalidade, da ofensividade e da proporcionalidade.

 

Referências

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AZEVEDO, André Mauro Lacerda. O enfrentamento do terrorismo e o dever de colaboração do cidadão com as liberdades dos demais.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017.

 

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MATERIAL NORMATIVO

           

BRASIL. Lei 13.260 de 13 de Março de 2016.

 

BRASIL. Lei 12.850 de 2 de Agosto de 2013.

 

BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 1988.

 

BRASIL. Código Penal.

 

BRASIL. Decreto nº 3.229 de 29 de Outubro de 1999. 

 

BRASIL. Decreto nº 4.394 de 26 de Dezembro de 2002

 

[1] Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Penal pela Faculdade IBMEC/SP. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. E-mail: [email protected].

[2] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. Pág. 40.    Cesare Beccaria, já no século XVIII, dissertava sobre a taxatividade da lei penal. Nos seus dizeres: “Se a interpretação das leis é um mal, claro que a obscuridade, que a interpretação necessariamente acarreta, é também um mal, e este mal será grandíssimo se as leis forem escritas em língua estranha ao povo, que o ponha na dependência de uns poucos, sem que possa julgar por si mesmo qual seria o êxito de sua liberdade, ou de seus membros, em língua que transformasse um livro, solene e público, em outro como que privado de casa. Que deveremos pensar dos homens, quando refletimos que este é o inveterado costume de boa parte da culta e esclarecida Europa! Quanto maior for o número dos que entenderem  e tiverem nas mãos o sagrado código das leis, tanto menos frequentes serão os delitos, pois não há dúvida de que a ignorância e a incerteza das penas contribuem para a eloquência das paixões”.

[3] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990. Pág. 78.

[4] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 193.

[5] ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 203.

[6] GRECO, Rogério. Terrorismo: Comentários à lei n 13.260/16. Niterói, RJ: Impetus, 2019. Pág. 294-295.

[7] BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. Pág. 134.

[8] BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. Pág. 134-135.

[9] SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações terroristas: intersecções e diálogos entre as Leis 12.850/13 e 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 213.

[10]MARTINELLI, João Paulo; DE BEM, Leonardo Schmitt. Os atos preparatórios na nova Lei “Antiterrorismo”. Boletim IBCCrim, ano 24, nº 284, julho/2016, p. 11.

[11] BUSATO, Paulo César. In: BUSATO, Paulo César (Coord.). Lei Antiterror Anotada: Lei 13.260 de 16 de março de 2016. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2018. Pág. 92.

[12] ROMERO, Diego. Reflexões sobre os Crimes de Perigo Abstrato. Disponível em:http://www.diegoromero.adv.br/arquivos/Diego_Romero_Reflexoes_sobre_os_crimes_de_perigo_abstrato.pdf. Acesso em: 26/11/2019.

[13] SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações terroristas: intersecções e diálogos entre as Leis 12.850/13 e 13.260/16.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 195.

[14] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. Pág. 94.

[15] MARTINELLI, João Paulo; DE BEM, Leonardo Schmitt. Os atos preparatórios na nova Lei “Antiterrorismo”. Boletim IBCCrim, ano 24, nº 284, julho/2016, p. 11.

[16] HABIB, Gabriel. O terrorista solitário. Quando o inimigo age sozinho.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 119.

[17]  ALMEIDA, Débora de Souza de; ARAÚJO, Fábio Roque; CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio; PINTO, Ronaldo Batista. Terrorismo. Comentários, artigo por artigo, à Lei 13.260/16 e Aspectos Criminológicos e Político-Criminais.Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 237.

[18] BUSATO, Paulo César. BUSATO, Paulo César. In: BUSATO, Paulo César (Coord.). Lei Antiterror Anotada: Lei 13.260 de 16 de março de 2016. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2018. Pág. 97.

[19] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. Pág. 147.

[20] CUSSAC, José L. González. El renacimiento del pensamento totalitario em el seno del estado de Derecho: La doctrina Del derecho penal enemigo. Disponível em: http://rabida.uhu.es/dspace/bitstream/handle/10272/12181/Renacimiento.pdf?sequence=2. Acesso em: 02/11/2019.

[21] AZEVEDO, André Mauro Lacerda. O enfrentamento do terrorismo e o dever de colaboração do cidadão com as liberdades dos demais.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 52.

[22] FERNANDES, Álvaro Antanavicius; TERRA, Luiza Borges. O crime de terrorismo: um olhar sobre a punibilidade dos atos preparatórios.In: HABIB, Gabriel (Coord.). Lei antiterrorismo: lei nº 13.260/16. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 34.

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