O princípio penal constitucional da adequação social no Direito Penal Constitucional brasileiro: novas facetas

Resumo: Trata-se o presente tema de um Princípio Penal Constitucional pertencente ao Direito Penal Constitucional e que pode ser utilizado como forma de exclusão da tipicidade, causa de justificação ou método de interpretação das normas penais. Este princípio tende a ganhar força e se consolidar tanto nos tribunais quanto na doutrina. A importância de abordá-lo decorre do fato dele não ser algo novo, apesar de ter sido utilizado de maneira equivocada pela maioria dos penalistas logo após a sua criação. Compreende-se que esse princípio merece ser reinterpretado e repensado a fim de que possa solucionar problemas em que o direito positivo não se apresente como a melhor solução a ser adotada, haja vista que, em muitos casos, verifica-se uma desnecessidade de utilização do direito de punir em determinadas condutas, que são socialmente adequadas e se tornaram juridicamente irrelevantes para a sociedade. Tal tema, é inédito no que tange ao seu tratamento no cenário jurídico. Ademais, está em discussão no STF sobre a abrangência do mencionado princípio e sua definição, a qual já era defendida por mim há tempos.


Sumário: 1. Introdução. 2. O princípio penal constitucional da adequação social. 2.1 Surgimento e considerações 2.2. Causa de exclusão da tipicidade ou causa de justificação ou princípio geral de hermenêutica? 2.3. O princípio penal constitucional da adequação social e sua relação com o princípio penal constitucional da insignificância 2.4. O princípio penal constitucional da adequação social no direito penal constitucional brasileiro 2.5. Aplicação como método de exclusão da tipicidade. 2.6 Jurisprudências favoráveis. 3. Considerações. Finais referências.


1. INTRODUÇÃO


Este artigo tem como objetivo principal fazer uma releitura e revisão da aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social no Direito Penal Constitucional Brasileiro. Vários fatores, tais como: a influência do constitucionalismo na moderna perspectiva do direito em que todos os ramos, inclusive o Direito Penal, se constitucionalizaram; não desconsiderando a importância do fenômeno mutação constitucional; a nova roupagem das fontes do Direito Penal Constitucional; bem como a nova fase denominada de Pós-Positivismo ou Neoconstitucionalismo, a qual destaca a atual relevância dos princípios que passaram a ser considerados a categoria básica fundamental de todo o sistema jurídico, são fundamentais ao desenvolvimento do tema em apreço. Tendo em vista ainda, a nova concepção de tipicidade, a qual se divide em formal e material, assim como se dar na aplicação do Princípio Penal Constitucional da Insignificância, o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social também termina por afastar a material, tornando por conseqüência, incompleta a própria tipicidade. Em muitos casos, verifica-se uma desnecessidade de utilização do direito de punir em determinadas condutas, que são socialmente adequadas e se tornaram juridicamente irrelevantes para a sociedade. Assim sendo, é justamente em razão da aplicação dos princípios em primeiro plano na nova sistemática que se busca resolver ou ao menos atenuar os problemas que o direito positivo (legalista) não se apresenta como a melhor solução a ser adotada. Desta forma, deve o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social funcionar como causa excludente da tipicidade. Isso é Direito Penal Constitucionalizado, Mínimo, Fragmentário e Garantista.


2. O PRINCÍPIO PENAL CONSTITUCIONAL DA ADEQUAÇÃO SOCIAL


2.1 Surgimento e Considerações


De logo, vale destacar que, a denominação aqui utilizada de Princípio Penal Constitucional se deve ao fato de que hodiernamente, não é mais possível falar em Direito Penal afastado da Constituição. Aliás, hoje em dia, todos os ramos do direito, a exemplo do Direito Penal, tendem a ser estudados não só à luz da Constituição, mas também de normas que prescrevem os direitos e garantias fundamentais, fenômeno mais conhecido como constitucionalização do direito. Isso tudo se deve ao movimento denominado de constitucionalismo.


Urge destacar que não se pode resumir os valores constitucionais ao texto formal de 05 de outubro de 1988, sendo imprescindível conferir maior elasticidade e mobilidade à dimensão substancial da Constituição, atingindo um resultado efetivo dos princípios constitucionais explícitos e implícitos. Afinal, o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social pode ser considerado um princípio implícito, uma vez que o seu substrato é retirado de vários fundamentos espalhados e contidos no sistema jurídico.


Sem dar maior ênfase ao assunto princípios de maneira genérica, uma vez que estes já são tratados satisfatoriamente pelos manuais jurídicos e trabalhos existentes, cumpre destacar a atual sistemática jurídica que é marcada pelo Pós-Positivismo ou Neoconstitucionalismo ou Novo Constitucionalismo Democrático de Direito, cunhada com base nos princípios, os quais possibilitam o estabelecimento de um diálogo entre o meio e a realidade social. No Pós-Positivismo, os princípios jurídicos passam a ter força normativa, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 33-36).


Bem, como em todo conhecimento científico, no estudo do princípio em comento é imprescindível uma análise de premissas gerais, ainda que de maneira sucinta, para que se possibilite a sua própria compreensão.


“Falar em Direito Penal, é falar, de alguma forma de violência” (BITENCOURT, 1999, p. 31). Todavia, modernamente entende-se que o delito é um fenômeno social normal. Pegando este gancho, o pensador E. Durkheim citado por Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. 31, grifos do autor), sustenta que, “o ‘delito’ não só é um ‘fenômeno social normal’, como também cumpre outra função importante, qual seja a de manter aberto o canal de transformações que a sociedade precisa”. Para ele, em toda sociedade, a criminalidade encontra-se presente.


Em evoluções, o Direito Penal Constitucional moderno não é mais visto, como um instituto cruel, injusto, de vingança privada, existente em tempos antigos. A forma de controle da sociedade que interferiu nas alterações das fontes do direito, contribuiu para o surgimento de diversos princípios fundamentais, a exemplo, do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, os quais trouxeram limites para o Estado, possibilitando uma maior garantia ao cidadão na aplicação da norma de forma mais humana. Isso é o que se denomina Direito Penal Constitucionalizado, Mínimo, Fragmentário e Garantista.


O Direito Penal Constitucional na atual conjuntura busca principalmente a sua base em dois fundamentais princípios: o Princípio Penal Constitucional da Fragmentariedade e o Princípio Penal Constitucional da Intervenção Mínima, sem negar, contudo, a importância de outros. O primeiro significa dizer que, o Direito Penal Constitucional só se preocupa com a proteção dos bens jurídicos mais importantes, isto é, os considerados fundamentais pela sociedade, tutelados pelo Estado. Sendo assim, ensina Marília Almeida Rodrigues Lima que “[…] a lesão ao bem jurídico tutelado, para ensejar aplicação da lei penal, deve possuir certa gravidade, e a conduta deve ser objeto de reprovabilidade social” (Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=949>. Acesso em: 05 de fev. 2006). O segundo significa que o Direito Penal Constitucional é a ultima ratio, ou seja, só intervirá quando os demais ramos do direito (controles) se mostrarem insuficientes e ineficientes ou quando não existirem formas de controles para punir determinadas condutas. Nesse diapasão, alguns autores, a contrario sensu, vêm relativizando essa idéia, pois para eles o Direito Penal Constitucional no atual estágio não deve ser aplicado apenas como um ramo secundário, subsidiário e acessório (verdade absoluta).


Vale aqui invocar a visão de Hassemer, o qual ao falar sobre um Direito Penal Constitucional Funcional, particularmente sobre a moderna criminalidade, reflexiona:


“Nestas áreas, espera-se a intervenção imediata do Direito Penal, não apenas depois que se tenha verificado a inadequação de outros meios de controle não penais. O venerável princípio da subsidiariedade ou da ‘ultima ratio’ do Direito Penal é simplesmente cancelado para dar lugar a um Direito Penal visto como ‘sola ratio’ ou ‘prima ratio’ na solução social de conflitos: a resposta surge para as pessoas responsáveis por estas áreas cada vez mais freqüentemente como a primeira, senão a última saída para controlar os problemas” (1993, p. 48, grifos do autor).


Observa-se que o mencionado autor entende que o Direito Penal Constitucional deve ser utilizado como um ramo primário, o que não parece ser o melhor entendimento, dispensando o seu caráter subsidiário, no sentido de combater a moderna criminalidade, esta crescente de forma extraordinária e presente em cada momento no seio da sociedade. Ora, problemas como o crime organizando, drogas, ambientais, informática, entre outros, demonstram que o grau de reprovabilidade de certas ações vem tomando tamanha proporção, ampliando-se a cada dia que passa, devendo ser imediatamente contido. Daí, o Direito Penal Constitucional para ele em certas situações deve ser visto como a prima ratio. A contrario sensu, a crítica que se faz ao Direito Penal Constitucional Funcional é justamente a conseqüência advinda do descontrole da atuação dos legisladores, dos órgãos de investigação e do judiciário, que abusam da criminalização e da penalização, o que contradiz o Princípio Penal Constitucional da Intervenção Mínima e leva ao descrédito o Direito Penal Constitucional, bem como a sanção criminal, a qual perde a sua força intimidativa.


Com efeito, após a análise dos dois princípios supracitados, somados estes com os Princípios Penais Constitucionais da Legalidade, da Lesividade ou Ofensividade, da Insignificância e da Proporcionalidade pode se afirmar que tais princípios servem de base e fundamentam a compreensão do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. Nesse sentido, demonstra Rogério Greco:


“Os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como que duas faces de uma mesma moeda. Se, de um lado, a intervenção mínima somente permite a interferência do direito penal quando estivermos diante de ataques a bens jurídicos importantes, o princípio da lesividade nos esclarecerá, limitando ainda mais o poder do legislador, quais são as condutas que poderão ser incriminadas pela lei penal. Na verdade, nos orientará no sentido de saber quais as condutas que ‘não’ poderão sofrer os rigores da lei penal (2006, p. 57, grifo do autor).


A fragmentariedade é, como já foi dito, uma conseqüência da adoção dos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social, que serviram para orientar o legislador no processo de criação dos tipos penais. Depois da escolha das condutas que serão reprimidas, a fim de proteger os bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, uma vez criado o tipo penal, aquele bem por ele protegido passará a fazer parte do pequeno mundo do Direito Penal. A fragmentariedade, portanto, é a concretização da adoção dos mencionados princípios, analisados no plano abstrato anteriormente à criação da figura típica” (Op. Cit., p. 66, grifo nosso).


Diante de diversas pesquisas e estudos, não se tem uma data precisa de quando surgiu o Princípio Penal Constitucional da Adequação social. Tudo indica que tal princípio surgiu após a Segunda Grande Guerra Mundial, constituída à época pelo neokantismo e positivismo, mas com o advento da revolucionária teoria finalista, a qual foi elaborada pelo alemão Hans Welzel entre 1930 e 1939, século XIX, superou-se a teoria causal da ação.


Sem fazer uma análise profunda sobre as teorias causalista, finalista e social, não há dúvidas de que o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social tem sua base no finalismo. Sobretudo, poderiam surgir indagações sobre o motivo pelo qual esse princípio não teria vingado na teoria social da ação, haja vista que essa leva muito em conta a vontade da coletividade para a consideração daquilo que seja socialmente relevante. A teoria social da ação elaborada pelos esforços de Eb. Schimidt em 1936, na verdade, surgiu como uma via intermediária para as teorias causalista e finalista. Alguns a denominam de teoria mista. A teoria social insere o contexto social geral na valoração da ação. Ela analisa o comportamento a partir dos valores sociais. A ação seria a realização de um resultado socialmente relevante, questionado pelos requisitos do Direito e não pelas leis da natureza. Nota-se que diferente das teorias causalista e finalista, a conduta já começa a ganhar valor. O conceito jurídico de comportamento humano seria toda a atividade social e juridicamente relevante, segundo os valores consagrados numa determinada época, dominada ou dominável pela vontade. Se no caso uma conduta fosse socialmente aceita, ela não configuraria delito (BITENCOURT, 1999, p. 193-196). Em tese, pela fundamentação da teoria social da ação, o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social seria aplicado.


Welzel como defensor da teoria finalista afirmava que a teoria social da ação se confundia com a teoria da causalidade adequada, sendo na verdade, mais uma doutrina de imputação objetiva (causal) de resultado. Além disso, ainda que conhecida como uma teoria social da ação, o conceito de relevância social, na verdade, tinha pouca utilidade, tendo a conduta humana fundamental importância. Os autores da época concluíram que o conceito de conduta humana não se deduzia da relevância social, mas era só um atributo adicional, sendo a relevância social, por si só, insuficiente para integrar o conceito social de ação (BITENCORT, 1999, p. 194). Como visto, embora se pudesse cogitar a aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, não poderia ser este utilizado na teoria social da ação sob três argumentos. Primeiro, a teoria social da ação dava pouca importância à relevância social, diferentemente do que se observa no Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, o qual coloca a relevância social como ponto primordial. Segundo, a teoria social por ser uma teoria intermediária, apresenta traços do causalismo, sendo, portanto, inaplicável ao supracitado princípio. Para alguns autores (Ex: Damásio E. de Jesus), ela não deixa de ser causal, merecendo os mesmos reparos que a doutrina faz à teoria mecanicista, uma vez que não resolve os problemas da tentativa, do crime omissivo e não explica a conduta nos crimes de mero comportamento. Para outros, ela estaria no finalismo, entre o meio termo da concepção de Welzel. Ademais, dar muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Faz a diferença no terreno da culpabilidade e não na ação ou no fato típico. Por isso foi repudiada pela doutrina penal. Terceiro e último argumento, é que a grande crítica que se faz à teoria social da ação é que ela não estabelece limites aos fatos socialmente adequados.


Assim sendo, embora o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social tenha sido criado na fase do finalismo, não tendo sido aplicado pelas teorias causalista e social da ação, atualmente, em razão do fenômeno de constitucionalização do direito, tal princípio recebe novos contornos, sobretudo no que tange ao seu conteúdo. Vale dizer, o Direito Penal Brasileiro que adotou o finalismo, encontra-se hoje sobre a nova concepção da Teoria Constitucional do Delito, a qual tem como principais expoentes Palazzo, Luiz Flávio Gomes e Paulo de Souza Queiroz.


Com o surgimento do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, passou-se a entender que são excluídas da esfera de incidência do tipo penal as condutas e os comportamentos normalmente permitidos que, embora formalmente típicos, não mais são objeto de reprovação social, por serem materialmente atípicos.


Tal entendimento é baseado na compreensão de que a tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado, lesando efetivamente o bem jurídico protegido, constituindo o que se denomina de tipicidade material.


Hoje, há uma tendência da doutrina moderna em dividir a tipicidade em formal e material, valendo ressalvar que Rogério Greco ao tratar da tipicidade, a divide em tipicidade formal ou legal e tipicidade conglobante (formada pela antinormatividade + tipicidade material). Não parece ser o melhor raciocínio, mas merece registro. É importante frisar que, desde a evolução teórica do tipo até o finalismo, verifica-se que a tipicidade continuou a ser um mero juízo formal de subsunção da adequação de um fato à descrição da lei penal. Ademais, tal postura, não satisfaz a moderna característica subsidiária do Direito Penal Constitucional de intervir apenas quando os outros meios de controle social não se mostrarem eficientes. Assim, o tipo passou a ganhar também um caráter material, o que significa afirmar que para o comportamento ser típico, além de dever estar ajustado formalmente a um tipo legal de delito, deve ele ser materialmente lesivo a bens jurídicos, ou ética e socialmente reprovável (LOPES, 2000, p. 52-54).


O juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e não atinja fatos que devam ser estranhos ao direito penal, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve entender o tipo na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de amplo eminentemente diretivo (LOPES, 2000, p. 53, grifo nosso).


Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade” (Op. cit., p. 53-54) .


A concepção material do tipo, em conseqüência, é o caminho cientificamente correto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação social, nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos pelo direito penal” (Op. cit., p. 54, grifo nosso).


Em posicionamento sobre a tipicidade Rogério Greco reputa:


Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal” (2006, p. 169, grifo nosso).


“Concluindo, para que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a fusão da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante (que é formada pela antinormatividade e pela tipicidade material). Só assim o fato poderá ser considerado penalmente típico” (Op. cit., p. 169).


Nas palavras de Luiz Regis Prado,


A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada (2002, p. 124, grifo nosso).


Segundo Mauricio Antonio Ribeiro Lopes,


O fundamento da teoria, portanto, está na constatação de que os tipos só assinalam as condutas proibidas socialmente relevantes, inadequadas a uma vida ordenada. No tipo, segundo Welzel, ‘faz-se patente a natureza social, e, ao mesmo tempo, história do Direito Penal: assinalam as formas de conduta que se afastam gravemente das ordens históricas da vida social’ (2000, p. 32, grifo do autor).


No escólio de Rogério Greco,


“A vida em sociedade nos impõe riscos que não podem ser punidos pelo Direito Penal, uma vez que essa sociedade com eles precisa conviver de forma mais harmônica possível (2006, p. 61).


O trânsito nas grandes cidades, o transporte aéreo e a existência de usinas atômicas são exemplos de quão perigosa pode tornar-se a convivência social. Mas, conquanto sejam perigosas, são consideradas socialmente adequadas, e, por essa razão, fica afastada a interferência do Direito Penal sobre elas” (Op. cit., p. 61, grifo nosso).


Sobre a influência do mencionado princípio na tipicidade e acerca da concepção de Welzel, leciona Carlos Vico Mañas:


“Para ele, na função do tipo de apresentar um modelo de conduta proibida se põe de manifesto que as formas de conduta selecionadas por eles têm, por uma parte, um caráter social, é dizer, estão referidos à vida social, mas, por outra parte, são precisamente inadequadas a uma vida social ordenada. Nos tipos se faz patente a natureza social e ao mesmo tempo histórica do Direito Penal: assinalam as formas de conduta que apartam gravemente do ordenamento histórico da vida social” (1994, p. 123).


Acentua também Cezar Roberto Bitencourt que,


O tipo penal implica uma ‘seleção de comportamentos’ e, ao mesmo tempo, ‘uma valoração’ (o típico já é penalmente relevante). Contudo, também é verdade, certos comportamentos, em si mesmos típicos, carecem de relevância por serem correntes no meio social, pois, muitas vezes, há um descompasso entre as normas penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado (1999, p. 47, grifo nosso).


Para Francisco de Assis Toledo (1999, p. 131), “[…] se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se estivesse também alcançando condutas lícitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas”.


Ainda, vale destacar que


“[…] o princípio da adequação social se desdobra para alcançar inúmeras situações nem sempre ajustadas a regras éticas. Vale dizer: podem as condutas socialmente adequadas não ser modelares, de um ponto de vista ético. Delas se exige apenas que se situem dentro da moldura de Welzel, dentro do quadro da liberdade de ação social […]” (TOLEDO, 1999, p. 132).


Apesar de os tipos penais resultarem de um juízo de desvalor ético-social, estão eles condicionados ao Princípio da Legalidade – nullum crimen, nulla poena sine lege. Com isso, um fato só poderá ser considerado crime se estiver expressamente previsto em lei como tal.


É inevitável, no entanto, que essa regra tenha um alcance maior do que o desejado, atingindo também condutas socialmente adequadas e até necessárias.


2.2 Causa de exclusão da tipicidade ou causa de justificação ou princípio geral de hermenêutica?


“As conseqüências da chamada ‘adequação social’, contudo, não encontraram ainda o seu ponto seguro. Discute-se, se afastaria a ‘tipicidade’ ou simplesmente eliminaria a ‘antijuridicidade’ de determinadas condutas típicas” (BITENCOURT, 1999, p. 257, grifos do autor).


O Princípio Penal Constitucional da Adequação Social (Sozialadäquanz) foi criado pelo alemão Welzel, o admitindo inicialmente como excludente da tipicidade, depois como causa de justificação, depois outra vez, como excludente da tipicidade e, por fim, como regra geral de hermenêutica (princípio geral de interpretação), entendimento que até hoje vem sendo seguido por respeitáveis penalistas do mundo (BITENCOURT, 1999, p. 48).


Penalistas internacionais de peso, como Muñoz Conde, Jescheck, Rodriguez Mourullo, Zaffaroni, entre outros, não aceitam o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social nem como excludente da tipicidade, nem como causa de justificação, talvez em decorrência da imprecisão do critério que trouxe várias possibilidades de sua ocorrência, tornando-se desta forma um princípio sempre inseguro e relativo (BITENCOURT, 1999, p. 48).


H. H. Jescheck citado por Cezar Roberto Bitencourt afirma que


 “a idéia da adequação social resulta, no entanto, num critério inútil para restringir os tipos penais, quando as regras usuais de interpretação possibilitam a sua delimitação correta. Nestes casos, é preferível a aplicação dos ‘critérios de interpretação’ conhecidos, pois, desta forma, se obtém resultados comprováveis, enquanto que a adequação social não deixa de ser um princípio relativamente inseguro, razão pela qual só em última instância deveria ser utilizado” (1999, p. 257, grifos do autor).


No mesmo sentido, Francisco Muñoz Conde não aceita o critério da adequação social como causa de exclusão da tipicidade, em razão da sua relatividade e insegurança. Segundo Lopes,


“Reconhece esse autor que muitas vezes existe uma defasagem entre o que as normas penais proíbem e o que socialmente se considera adequado, afirmando que tal defasagem pode conduzir, inclusive, à derrogação formal do preceito legal, mas, enquanto isto não ocorrer, não se pode admitir que a adequação social seja uma causa de exclusão da tipicidade” (2000, p. 33).


“Em outra obra, Bustos Ramirez, critica a doutrina da adequação social por sua imprecisão derivada do conceito de socialidade, que não oferece um parâmetro jurídico seguro para aferir a tipicidade” (MAÑAS, 1994, p. 122).


No caso de um comportamento que se subsume a descrição típica formal, porém, materialmente irrelevante, em sendo socialmente adequado, permitido e tolerado, tem como conseqüência a não realização material da descrição típica, conforme já foi visto. “Mas, como afirma Jescheck ‘só se pode falar de exclusão da tipicidade de uma ação por razão de adequação social se faltar o conteúdo ‘típico’ do injusto’” (BITENCOURT, 1999, p. 48, grifos do autor).


 “Como ‘princípio geral de interpretação’ não só da norma, mas também da própria conduta contextualizada, é possível chegar-se a resultados fascinantes, como, por exemplo, no caso do famigerado ‘jogo do bicho’, pode-se afastar sua aplicação em relação ao ‘apostador’, por política criminal, mantendo-se a norma plenamente válida para punir o ‘Banqueiro’, cuja ação e resultados desvaliosos merecem a censura jurídica” (BITENCOURT, 1999, p. 49, grifos do autor).


2.3 O princípio penal constitucional da adequação social e sua relação com o princípio penal constitucional da insignificância


Ao falar do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social e o Princípio Penal Constitucional da Insignificância, nota-se entre ambos uma relação existente, haja vista que eles são instrumentos de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem os bens protegidos pelo Direito Penal, em razão da sua adequação, ou atingindo-os, os faz de maneira irrelevante (LOPES, 2000, p. 31-40).


Como aprendido, a tipicidade não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato ao tipo legal de crime. A ação descrita tipicamente deve revelar-se, ainda, inadequada e ofensiva para o bem jurídico protegido pela lei penal. O juízo de tipicidade, para que tenha significância e não atinja fatos que devam ser estranhos ao Direito Penal Constitucional, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve atender o tipo, na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo (MAÑAS, 1994, p. 113-114).


Ainda, é sabido que os referidos princípios se fundamentam por conta dos Princípios Penais Constitucionais da Intervenção Mínima, da Fragmentariedade, da Lesividade ou Ofensividade, entre outros, visto que o Direito Penal Constitucional só deve intervir nos casos de ataques graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações de ordem jurídica devem ser objeto de outros ramos do direito.


A adoção dos Princípios Penais Constitucionais da Adequação Social e da Insignificância auxiliam os aplicadores do direito na tarefa de reduzir ao máximo o campo de atuação do Direito Penal, reafirmando seu caráter fragmentário e subsidiário, reservando-se apenas para a tutela jurídica de valores sociais indiscutíveis.


Os supracitados princípios também não têm previsão legal, mas a doutrina e jurisprudência têm conseguido estabelecer alguns critérios de delimitação das condutas consideradas adequadas e insignificantes. Quanto às condutas adequadas, ainda carecem critérios razoáveis e seguros.


Quanto às diferenças entre os referidos princípios, a doutrina e a jurisprudência demonstram alguns dos pontos cruciais. Primeiramente, cumpre salientar que, às vezes, porém, para que se possa fixar a insignificância do comportamento sob a ótica penal constitucional, prevalece o critério do desvalor do evento ou resultado. Já para o reconhecimento de ser a conduta socialmente adequada, não obstante formalmente típica, prepondera, em regra, o desvalor da ação. Todavia, vale frisar que os critérios de desvalor da ação e desvalor do resultado são inseparáveis, revelando-se importantes na tarefa de descriminalização interpretativa. O que pode acontecer em alguns casos, é de prevalecer um sobre o outro, mas isto é resolvido de acordo com o caso concreto, sendo necessária uma análise na estrutura do tipo, o qual irá definir o prevalente (LOPES, 2000, p. 55-72).


Há quem diga (Ex: Luiz Flávio Gomes e outros) que a adequação social de uma conduta vale como critério de correção do tipo penal que, por ser seletivo, não tem como fim a incriminação de condutas ajustadas socialmente, amplamente aceitas ou toleradas pela sociedade. Em determinados casos concretos, em que a conduta do agente aparece claramente como algo normal, comum, consoante determinado ambiente e período histórico-cultural, afasta-se qualquer necessidade de pena, que político-criminalmente só se justifica (mesmo) quando em jogo está a convivência social, diante de ataques sérios e transcendentais para bens jurídicos de grande importância, em razão da lesividade ou ofensividade. Afastada a necessidade de pena, só resta encontrar a base jurídica ou o ponto de apoio sistemático que dê fundamento e torne possível esse resultado. No caso de condutas socialmente adequadas, esse ponto de apoio consiste exatamente na aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, que surge como negação do desvalor da ação e, desse modo, do próprio tipo penal e do delito. Já a insignificância, por sua vez, é aplicável quando a conduta (em si típica e não considerada comum ou adequada pela sociedade) não atinge o bem jurídico tutelado suficientemente para que se possa concluir pela existência de crime. Desta forma, enquanto aplica-se o Princípio Penal Constitucional da Insignificância a qualquer caso, desde que o objeto jurídico tutelado não tenha sido atingido suficientemente (não ocorrendo crime), o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, o qual não é muito aceito pela jurisprudência e, até mesmo, pela doutrina, seria aplicável somente às hipóteses em que ocorre um fato típico previsto em lei, mas que, em virtude de a sociedade entendê-lo como aceitável ou normal, não haveria necessidade de pena.


Existem entendimentos de que a adequação social tem como pressuposto a aprovação do comportamento para a coletividade, enquanto o Princípio Penal Constitucional da Insignificância leva em consideração a tolerância do grupo em relação à determinada conduta de escassa gravidade. Também se entende que o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social não engloba o Princípio Penal Constitucional da Insignificância, uma vez que no primeiro a conduta é socialmente tolerável, já no segundo ela não é tolerável, e sim, desconsiderada por tratar-se de bem jurídico insignificante.


Com efeito, conforme posicionamentos de alguns autores, parece que o melhor critério para a distinção entre os supramencionados princípios reside mesmo na questão da afetação do bem jurídico. No Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, pelo fato de as condutas estarem socialmente adequadas, o bem jurídico resguardado pela norma, sequer é violado em alguns casos. Em outros, o bem jurídico é violado não de maneira insignificante, porém, pela adequação social da conduta, tal fato se torna atípico. O contrário acontece com o Princípio Penal Constitucional da Insignificância. Aqui, o bem jurídico é atingido, mas a afetação é tão ínfima, que seria desproporcional a aplicação de uma pena em razão da conduta formalmente típica, considerada irrelevante para o Direito Penal Constitucional.


Sobre as relações entre os citados princípios, bem pontifica Francisco de Assis Toledo:


“Welzel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria juntamente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo” (1999, p. 133, grifo nosso).


Assim, embora a doutrina e a jurisprudência considerem que nem tudo que é insignificante, é socialmente adequado, e nem tudo que é socialmente adequado, é insignificante, a verdade é que os referidos princípios em sua relação, afastam a tipicidade material, tornando-a por sua vez incompleta (excluída) e por consequência, o fato atípico. Eles são ao menos em parte, coincidentes como considera Heinz Zipf (LOPES, 2000, p. 65-68). Em termos práticos, ambos servem para afastar a tipicidade material do tipo penal, e por conseqüência são causas excludentes da tipicidade.


Ademais, vale salientar que apenas o Princípio Penal Constitucional da Insignificância vem sendo reconhecido e aplicado pelos operadores do direito de um modo geral, o que demonstra um grande equívoco, uma vez que conforme restou demonstrado, o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social traz conseqüências idênticas as do Princípio Penal Constitucional da Insignificância, o que revela inadmissível a tese de que aquele é inseguro e inútil. Isso é inconcebível e merece ser repensado.


2.4 O princípio penal constitucional da adequação social no direito penal constitucional brasileiro


Como demonstrado, consagrou-se na doutrina brasileira e jurisprudencialmente a Teoria Finalista, a qual foi criada pelo alemão Welzel, também “genitor” do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. Na concepção de Welzel, para uma ação humana ser considerada crime, é necessária a presença de todos os elementos constitutivos deste: fato típico, antijurídico ou ilícito e culpável.


Na tentativa de adequar a aplicação do Direito Penal Constitucional às necessidades da sociedade, a doutrina elaborou instrumentos de interpretação restritiva do tipo penal. Daí, no contexto do Direito Penal Constitucionalizado, Mínimo, Fragmentário e Garantista, surgiram os Princípios Penais Constitucionais da Adequação Social e da Insignificância, ambos implícitos. Cabe ressaltar que, apenas o primeiro será objeto de análise.


Segundo Marília Almeida Rodrigues Lima,


Welzel foi o primeiro a perceber a impossibilidade de se considerar como delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre em uma descrição típica. Logo, se um comportamento, em determinadas circunstâncias, não recebe juízo de reprovação social, não pode constituir um crime” (Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=949>. Acesso em 05 de fev. 2006, grifo nosso).


No Brasil se discute de que forma vem sendo manejado o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social no Direito Penal Constitucional. A resposta é simples, pois este continua a ser utilizado apenas como um princípio geral de interpretação, conforme se observa na maioria dos manuais, doutrinas, artigos e jurisprudências, sendo rejeitada a tese de causa excludente da tipicidade, haja vista que, como restou demonstrado, ele ainda é visualizado como um princípio inseguro e inútil para restringir os tipos penais.


Neste esteio, assenta Rogério Greco sobre a função do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social no Direito Penal Brasileiro:


O princípio da adequação social, na verdade, possui dupla função. Uma delas, já destacada acima, é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A sua segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi-la valendo-se do Direito Penal. Tal princípio serve-lhe, portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade. Assim, da mesma forma que o princípio da intervenção mínima, o princípio da adequação social, nesta última função, destina-se precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como na revogação de tipos penais” (2006, p. 62, grifo nosso).


Com efeito, a fim de esclarecimento e compreensão, vale aqui mencionar algumas situações práticas, demonstrando-se a utilização do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social.


“O princípio, assim, revela-se necessário em situações de ‘esclerotização’ legislativa, quando os velhos esquemas normativos são dificilmente adequáveis, com os instrumentos exegéticos disponíveis à realidade econômico-social em radical transformação. É caso hoje no Brasil da exploração de motéis, que, em tese, configuraria o delito previsto no art. 229 do Código Penal” (LOPES, 2000, p. 32, grifo do autor).


Através da utilização do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, condutas como as lesões corporais praticadas durante as competições esportivas, a exemplo do boxe e do futebol, a circuncisão, a intervenção cirúrgica realizada com o consentimento do paciente, que, em tese, configurariam a tipicidade de lesões corporais, ou ainda a destruição de coisa alheia realizada por empresa de demolição, regularmente contratada, que configuraria o tipo de dano, não pertenceriam ao Direito Penal Constitucional, pois não se poderia considerar típicas condutas inseridas no campo da normalidade das relações sociais, o que seria um absurdo (FILHO, 2001, p. 108-109).


Desta forma, percebe-se que a razão de ser deste princípio é simples: se o legislador, ao criar os tipo de injusto, parte da experiência concreta das relações sociais e tem por fim elaborar os modelos de condutas desvaloradas socialmente, não se poderia pretender que os tipos penais fossem amplos ao ponto de abranger comportamentos considerados corretos pela sociedade.


As condutas socialmente adequadas, portanto, não encontram subsunção aos tipos de injusto, pois não possuem o desvalor que motiva a formulação de modelos de comportamentos ilícitos pelo legislador, e não constituem uma ofensa ao bem jurídico resguardado.


No Direito Penal Constitucional Brasileiro, há previsão expressa do exercício regular do direito como um tipo de justo, sendo de maneira reduzida ou de nenhuma aplicabilidade o princípio da ação socialmente adequada, merecendo isso uma reflexão.


No que tange aos exemplos supramencionados, cabe dizer que, os comportamentos encontram perfeita adequação ao tipo de justo de exercício regular do direito, isto é, nada mais são do que comportamentos lícitos, realizados em função de valores socialmente relevantes.


Comentando os exemplos acima, Antonio Carlos Santoro Filho faz devidas considerações:


Com efeito, as lesões corporais ocorridas durante a prática de esporte, como boxe ou o futebol, dentro dos limites da disputa esportiva, são socialmente aprovadas, pois os comportamentos são dirigidos no sentido de um valor constitucionalmente relevante (2001, p. 110).


Estas condutas não são motivadas pelo desprezo do agente ao bem jurídico integridade corporal de outrem, mas em função da prática do desporto, um valor de significação social positiva (Op. cit., p. 110).


Do mesmo modo, a circuncisão, realizada pelos adeptos da religião judaica, não se dirige contrariamente à integridade corporal da pessoa, mas em função de um valor socialmente significante, qual seja, o livre exercício de culto e liturgias religiosas, direito individual garantido constitucionalmente (Constituição Federal, art. 5º, inciso VI) (Op. cit., p. 110).


Quem pratica a circuncisão de pessoa que pertence à religião judaica não motiva o seu comportamento no sentido de diminuição do bem jurídico protegido pelo art. 129, do Código Penal, mas em função de um valor social, positivado pela Constituição. Exerce, portanto, regularmente um direito que lhe é conferido (Op. cit., p. 110-111).


Assim também na intervenção cirúrgica, em que o médico dirige a sua ação no sentido de preservação da saúde do paciente e do exercício regular de sua profissão, de acordo com as leis que a regulamentam (Op. cit., p. 111).


Em todas estas hipóteses, o elemento subjetivo do comportamento do agente é a do exercício regular de um direito; a conduta é motivada por um valor, um bem jurídico socialmente significante, recebendo, assim, um juízo de valor positivo do legislador, inconciliável com o juízo negativo presente na criação dos tipos de injusto (Op. cit., p. 111).


Os comportamentos, por este motivo, recebem um juízo de valor positivo da sociedade e do legislador, adequando-se ao tipo de justo de exercício regular do direito” (Op. cit., p. 111).


Para alguns autores, a exemplo do professor Luiz Flávio Gomes, os rodeios no Brasil podem ser inseridos no Princípio Penal Constitucional da Adequação Social: é uma atividade amplamente aceita pela sociedade “tanto quanto a perfuração da orelha da filha pela mãe que não é considerada maus-tratos”. Nesse contexto, o formalismo das leis daria lugar aos valores culturais da sociedade. “São situações de riscos e danos tolerados, desde que não afetem a vida humana”, afirma (Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/34055,1>. Acesso em: 05 de fev. 2006).


O “curandeirismo”, em particular, o “rural”, também é amplamente aceito; a manutenção de “motéis” para encontros libidinosos; o “topless”, sobretudo durante o carnaval, não sendo ato obsceno; um funcionário público que aceita caixa de chocolate, não comete corrupção passiva; o “dia do penduro”, prática comum entre os estudantes de direito; os famosos “beijos roubados” em festas; “venda e compra de Cds piratas”, prática bastante rotineira realizada pela maioria das pessoas, hoje em dia; “reprodução total ou parcial de livros sem a permissão do autor”, etc. Todas estas condutas descritas estão fora do âmbito do proibido. São somente formal e aparentemente típicas, porque a verdade é que o resultado danoso que elas produzem não é socialmente inadequado, quer dizer, não é desvalioso (logo, não se trata de lesão, isto é, não há que se falar em lesão ao bem jurídico). Na ausência do desvalor do resultado e/ou da ação, não se pode conceber o tipo penal, em sentido material. Pode-se até falar em tipicidade formal ou literal, nunca, porém, em tipicidade penal (material).


Invocando outro exemplo interessante, cujo objetivo é demonstrar a aplicação prática do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, imagine-se o seguinte: uma pessoa que deseja ter assegurado o seu direito à identidade sexual. Ao aplicar-se o mencionado princípio chega-se a seguinte conclusão: os tratamentos curativos adequados à arte e indicados pelo médico não são, absolutamente lesões corporais. Decididamente, “quem quer curar não quer ferir”, pois, “a atividade do médico é no sentido de favorecer não de diminuir o valor que a lei penal tutela”. É este o grande critério da adequação social como princípio de validade geral na exclusão do tipo do ilícito. A adequação social exclui o tipo do fato proibido, porque a ação socialmente adequada não realiza a lesão do valor de ato que dá relevância à lesão do bem tutelado e cuja constatação está implícita no juízo de tipicidade. Ora, o interesse público relativo à proteção da integridade física no âmbito criminal somente tem sentido e é justificável quando essa integridade constitui condição de convivência normal e de segurança da atividade individual. E, à evidência, na realidade, o escopo da realização da intervenção cirúrgica em menção é exatamente possibilitar ao transexual, condições de convivência normal e de segurança em suas atividades individuais no contexto social.


Cabe aqui também ilustrar algumas jurisprudências da aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social no Direito Penal Constitucional Brasileiro, conforme se observa abaixo:


I) De acordo com o STJ, o princípio da adequação social não pode ser invocado para absolvição em delito de descaminho (HC 30.480/RS, Félix Fischer, 5a. T., un., 15.6.04). Na mesma linha o TRF da 4a. Região, afirmando que: “Não pode ser socialmente adequada a conduta que lesa o erário, a indústria nacional e a economia do país”. (ACR 200304010341718/RS, Paulo Afonso Brum Vaz, 8a. T., un., 14.4.04). Em sentido contrário, admitindo tal fundamento para absolvição, ao lado do princípio da insignificância: TRF 1a. R., AC 199935000006310/GO, Mônica Jaqueline Sifuentes (Conv.), 3a. T., un., 22.10.02; (TRF 2a R., AC 9702421640/RJ Sérgio Feltrin Corrêa, 2a. T., un., 7.3.01) (Disponível em: <http://www.verbojuridico.com.br/home/cursos-dicas-ler.asp?cod=5-114k->. Acesso em: 05 de fev. 2006, grifo nosso).


II) JUR. EMENTADA 186/2001: CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. TRF 4ª REGIÃO – CORREIÇÃO PARCIAL Nº 2000.04.01.055907-3/RS (DJU 17.01.2001, SEÇÃO 2, p. 178). RELATORA: JUÍZA TANIA TEREZINHA CARDOSO ESCOBAR. REQUERENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO. ADVOGADO: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ. REQUERIDO: JUIZ SUBSTITUTO DA 1ª VARA FEDERAL DE URUGUAIANA/RS. INTERESSADO: JOÃO ALMIRO LOPES COELHO. EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. CORREIÇÃO PARCIAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em atenção ao princípio da fungibilidade recursal, em que pese a fragilidade da tênue linha que separa a reiterada utilização da Correição Parcial, do erro grosseiro e da verdadeira má-fé, tenho que o inconformismo deve ser conhecido como recurso em sentido estrito. 2. Os veementes indícios de autoria e materialidade do suposto crime de contrabando, aliado ao significativo valor do tributo não acolhido, são elementos suficientes e aptos à manutenção da ação penal. Impossibilidade de aplicação, no caso concreto, do princípio da adequação social. 3. Inconformismo conhecido como recurso em sentido estrito e ao qual se dá provimento, para que prossiga a ação penal instaurada contra os interessados. ACÓRDÃO. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 10 de agosto de 2000” (Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/juridico.php?PHPSESSID= d3a7442b088fd6b5877b80e1ec9bb0be&tipo=n&id=5902>. Acesso em: 05 de fev. 2006).


III) JUR. EMENTADA 899/2001: PENAL. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. TRF 4ª REGIÃO – CORREIÇÃO PARCIAL Nº 2000.04.01.038993-3/RS (DJU 04.04.2001, SEÇÃO 2, P. 614). RELATOR: JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO. REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO. ADVOGADO: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ. REQUERIDO: JUÍZO SUBSTITUTO DA 1ª VARA FEDERAL DE URUGUAIANA/RS. INTERESSADO: L.A.M. EMENTA PENAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE TELECOMUNICAÇÕES (LEI Nº 4.117/62, ART. 70), PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. A ação descrita no art. 70 da Lei nº 4.117/62 pode trazer, em tese, conseqüências bastante danosas à comunidade. A utilização clandestina de telecomunicações freqüentemente causa dano aos meios de comunicação oficiais das polícias, dos aeroportos e das Forças Armadas. É difícil crer, também, que tal prática seja “socialmente aceita”, já que representa desigualdade de tratamento àqueles que pagam pelo mesmo serviço ou pelo uso de aparelhos celulares (os quais têm seu funcionamento prejudicado em razão dela). Assim, sem o respaldo de conjunto probatório amplo produzido na instrução criminal, não há falar em trancar a ação penal envolvendo o delito referido por força da incidência do princípio da adequação social. ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, deferir a Correição Parcial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 16 de novembro de 2000” (Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/juridico.php?PHPSESSID=d3a7442b088fd6b5877b80e1ec9bb0be&tipo=n&id=5902> Acesso em: 05 de fev. 2006).


IV) PENAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE TELECOMUNICAÇÕES (LEI Nº 4.117/62, ART. 70). PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. DESCAMINHO. DELITO DE BAGATELA. 1. A ação descrita no art. 70 da Lei nº 4.117/62 pode trazer, em tese, conseqüências bastante danosas à comunidade. A utilização clandestina de telecomunicações freqüentemente causa dano aos meios de comunicações oficiais das polícias, dos aeroportos e das Forças Armadas. É difícil crer, também, que tal prática seja “socialmente aceita”, já que representa desigualdade de tratamento àqueles que pagam pelo mesmo serviço ou pelo uso de aparelhos celulares (os quais têm seu funcionamento prejudicado em razão dela). Assim, sem o respaldo de conjunto probatório amplo produzido na instrução criminal, não há falar em trancar a ação penal envolvendo o delito referido por força da incidência do princípio da adequação social. (…)” (TRF – 4ª Região, RSE nº 2000.71.03.000515-6/RS, Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro, Segunda Turma, Unânime, DJU 29/11/2000, p. 542).


V) No Brasil, os tribunais têm rejeitado a tese de que as condutas daqueles que se vêem envolvido com a contravenção do “jogo do bicho”, são socialmente adequadas, não devendo, portanto, incidir sobre elas os rigores da lei penal” (STJ – RT 682/385; TACrim. – SP – RT 640/306; TACrim. – SP – RT 686/353) (GRECO, 2006, p. 63).


VI) STF – DECISÃO MONOCRÁTICA: Trata-se de habeas corpus substituto de recurso ordinário, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de LUIZ CLAUDIO BORDIN, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem requerida no HC 113.938/SP. De início, o impetrante pede a concessão de medida liminar para “se suspender a prisão do paciente até o julgamento definitivo da presente impetração” (fl. 2). Narra a inicial que o paciente foi condenado pela prática de crime contra a propriedade imaterial. Que seria pequeno comerciante de cd’s e dvd’s copiados sem a autorização do titular do direito autoral. Aduz que tal conduta é socialmente adequada, “visto que a sociedade não recrimina quem pratica a venda de CD’s e DVD’s reprografados e sim estimula cada vez mais a sua prática, dados os altos preços dos CD’s e DVD’s, insuscetíveis de serem adquiridos pela grande maioria da população” (fl. 3). Assevera, em suma, que os pequenos contrafatores, por força do princípio da adequação social, não estão abrangidos pela norma do art. 184 do Código Penal. Entende que somente os grandes contrafatores estariam sujeitos às penas do referido artigo da Lei Penal, pois estes sim colocariam em risco os direitos autorais. Pede ao final a concessão da ordem para se declarar o fato atípico, com fundamento no princípio da adequação social. É o relatório suficiente. Decido. Eis o teor da ementa do acórdão proferido pelo STJ: “HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 2 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMIABERTO, E MULTA, PRÁTICA DO DELITO DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ART. 184, § 2º. DO CPB). POSSE, PARA POSTERIOR VENDA, DE 180 CD’S PIRATAS. INADMISSIBILIDADE DA TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INCIDÊNCIA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. O paciente foi surpreendido por policiais estando na posse de 180 cds de diversos títulos e intérpretes, conhecidos vulgarmente como CDs piratas; ficou constatado, conforme laudo pericial, que os CDs são cópias não autorizadas para comercialização. 2. Mostra-se inadmissível a tese de que a conduta do paciente é socialmente adequada, pois o fato de que parte da população adquire produtos não tem o condão de impedir a incidência, diante da conduta praticada, o tipo previsto no art. 184, § 2º do CPB. 3. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 4. Ordem denegada” (fl. 7). Com efeito, a concessão de medida liminar em habeas corpus se dá de forma excepcional em casos em que se demonstre, de modo inequívoco, dada a natureza do próprio pedido, a presença dos requisitos autorizadores da medida. Na espécie, a prestação jurisdicional havida, na análise perfunctória que se faz possível nessa fase processual, não permite identificar as excepcionais hipóteses autorizadoras da liminar, razão pela qual a indefiro. Há cópia do acórdão ora impugnado (fls. 7-12). Sendo tal peça suficiente para a análise da questio iuris do presente writ, ouça-se o Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 5 de maio de 2009. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – Relator – 1” (HC 98898 MC/SP; Julgamento: 05/05/2009, grifos nosso).


Isto posto, em que pese ainda a existência de entendimentos conservadores, vale destacar que o Direito Penal Constitucional Brasileiro vem evoluindo bastante e a doutrina resolveu criar três processos distintos de política criminal para que possibilite a aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. O primeiro diz respeito à descriminalização, em que se procura subtrair da estrutura do crime, um dos seus elementos, mas isso é feito através de um processo legislativo pautado por razões de política criminal. Neste entendimento, incluem-se normas de condutas morais e as que incriminam comportamentos que antes eram considerados anti-sociais, mas que, em razão da mudança dos costumes da comunidade, não mais o são. Exs: blasfêmia; adultério; incesto; homossexualismo; sodomia; pornografia; prostituição; aborto; esterilização; relações sexuais entre e com menores; mendicância; vadiagem; inobservância da obrigação de pagar pensão alimentícia; toxicomania; sedução, etc. O segundo, é conhecido como despenalização, que está ligada à idéia de expulsar ou diminuir a pena de um delito sem descriminalizá-lo, ou seja, o delito continua ilícito penal, porém, aplica-se as medidas alternativas à pena privativa de liberdade. O ponto negativo é que este critério traz nefastas conseqüências ao Princípio Penal Constitucional da Igualdade, já que o processo fica sobre as prerrogativas do juiz diante do caso concreto. O terceiro e último, refere-se à técnica de desconsideração judicial da tipicidade, a qual no Direito Penal Constitucional Brasileiro apenas vem sendo aplicada com a utilização do Princípio Penal Constitucional da Insignificância como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, deixando o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social “exposto e guardado no museu” (LOPES, 2000, p. 19-40).


Como bem salienta Carlos Vico Mañas, “a diferença mais significativa que se pode opor aos processos de descriminalização e de desconsideração da tipicidade é que o primeiro é de índole legislativa, enquanto o segundo é de natureza judicial, mas diverso da despenalização” (1994, p. 121).


2.5 Aplicação como método de exclusão da tipicidade


Primeiramente, se discutiu se o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social afastaria a tipicidade ou a antijuricidade. Como já explanado, Welzel entendeu, inicialmente, que ele excluiria a tipicidade. Logo depois, resolveu mudar o seu pensamento, entendendo que ele serviria como causa de justificação. Mais adiante, voltou a defender, novamente, que ele excluiria a tipicidade. Por conta disso, desacreditado, o princípio ganhou inúmeras críticas por parte da doutrina e Welzel decidiu então, utilizá-lo como um princípio geral de interpretação (hermenêutica), entendimento este que até hoje é seguido por renomados e respeitáveis penalistas do mundo (BITENCOURT, 1999, p. 257).


Ora, no que tange a alegação de que a maioria dos doutrinadores o consideram como um princípio sempre relativo e inseguro, não devendo ser aceito como causa de exclusão da tipicidade, não merece essa prosperar, pois não há que se falar em relatividade e insegurança na aplicação de uma regra que, afinal, nada mais faz do que reproduzir os valores vigentes na sociedade, tornando mais atual e compatível com a realidade do Direito Penal Constitucional a ser aplicado ao caso concreto (LOPES, 2000, p. 33-34).


Sobre considerá-lo como causa de justificação, explica Francisco de Assis Toledo:


Não se deve, contudo, confundir ‘adequação social’ com ‘causa de justificação’, pecado que o próprio Welzel confessa ter cometido inicialmente. A ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, porque se realiza dentro do âmbito de normalidade social, ao passo que a ação amparada por uma causa de justificação só não é crime, apesar de socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a realização da ação típica. Veja-se o exemplo da lesão corporal cometida em legítima defesa. Embora o fato esteja justificado por uma causa de exclusão do ilícito, tratando-se de uma ação que foge aos padrões normais de comportamento social, o juízo de tipicidade formal autoriza submeter-se o agente aos ônus e dissabores do processo, no qual se irá averiguar e proclamar a existência da legítima defesa. Tome-se, agora, este outro exemplo: o ferimento resultante de um pontapé durante o jogo de futebol. Embora, na última hipótese, também possa acorrer uma lesão corporal dolosa, se o agente, apesar disso, agiu dentro do que é normalmente aceito e tolerado, em disputas dessa natureza, não há que se falar, desde o início, em tipicidade material, dispensando-se o agente de ter que recorrer a uma causa de justificação para alcançar a impunibilidade do fato” (1999, p. 131-132, grifo nosso).


Conforme já exposto, no Direito Penal Constitucional Brasileiro, tal princípio ainda não foi repensado e continua sendo utilizado apenas como um princípio geral de interpretação.


Bem, invocando as lições da atual conjuntura axiológica do direito sobre o advento da nova era do Pós-Positivismo ou Neoconstitucionalismo ou Novo Constitucionalismo Democrático de Direito, ultrapassada aquela visão de um Direito Penal completamente legalista, trazendo em primeiro plano a importância fundamental dos princípios no sistema jurídico atual; a mudança de paradigma das fontes do Direito Penal Constitucional, inclusive admitindo em determinados casos a aplicação do costume e jurisprudência contra legem; diante das considerações acerca da tipicidade que para ser completa, além de formal, precisa ser também material e; sob a ótica de um Direito Penal Constitucionalizado, Moderno, Mínimo, Fragmentário e Garantista, deve o Princípio Penal da Constituição da Adequação Social ser reconhecido no Brasil como um método de exclusão da tipicidade, como já vem sendo reconhecido o Princípio Penal Constitucional da Insignificância. Não tem sentido fazer tal distinção, pois como já visto, ambos trabalham com a concepção da tipicidade material do tipo penal. Além disso, há julgados no sentido de que o Princípio Penal Constitucional da Insignificância seria mera decorrência do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. Ainda, vale ressaltar que, já por ser o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social um princípio, é evidente que serve como norte de interpretação para determinadas situações e casos concretos. Não é nenhuma novidade a sua utilização como princípio geral de interpretação (hermenêutica), pecando Welzel e seus seguidores ao considerá-lo apenas desta forma. O problema que a doutrina e jurisprudência brasileira no Direito Penal Constitucional se deparam em relação ao mencionado princípio, é de fazê-lo retornar ao entendimento que lhe deu origem: “voltar a ser ele considerado como método de exclusão da tipicidade”.


Afinal, “a questão pode ser resumida na óbvia, mas pouco aplicada, a conclusão de Mir Puig: ‘Não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto’” (LOPES, 2000, p. 34, grifo nosso), o que seria um contra-senso.


“As ações socialmente adequadas, por suas próprias características, não contrastam, num determinado momento histórico, com as exigências da vida ordenada da comunidade, ainda que possam apresentar uma aparente contrariedade com certos preceitos da legislação penal. Deixam, pois, de ser típicas, uma vez que carecem daquela relevância que caracteriza as condutas típicas” (LOPES, 2000, p. 33).


Urge destacar que, o Supremo Tribunal Federal está bem perto de definir a abrangência do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. A discussão teve por base a conduta prevista no Código Penal, em seu art. 229, que criminaliza quem mantém a casa de prostituição, a qual sofreu alteração com a Lei nº 12.016/2009, porque agora exige um estabelecimento onde haja exploração sexual. O que está reprovado agora não é o sexo e sim a exploração.


Com base nos ensinamentos já vistos, acerca da tipicidade formal e material, ocasionando, também, perquirição, no tocante à pertinência da norma incriminadora ao contexto social, a aplicação de sanção penal, em relação à conduta, descrita na pré-aludida norma penal, é alvo de divergência doutrinária e jurisprudencial, que deverá ser definida pela Suprema Corte. É inegável que a sociedade evoluiu, sobremaneira, no que se refere ao pudor e à quebra de paradigmas, atinentes à conduta sexual. Vale dizer, hodiernamente, verifica-se, em geral, um menor nível de censura, relacionado à existência de casas de prostituição. Em suma, o senso comum indica que o corpo social, majoritariamente, tolera a existência de casas de prostituição, principalmente, pois, estas se localizam, geralmente, em áreas não residenciais. Adite-se que, muitas vezes, os locais não são destinados, somente, à prostituição, haja vista que se constituem em bares, ou casas de show, voltadas, principalmente, para o “agendamento” de encontros sexuais, o que aumenta o nível de tolerância social.


Neste passo, já há quem entenda que com a utilização do Princípio Penal Constitucional da Insignificância, ante a ausência de ofensa concreta a bem jurídico relevante, e do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, consubstanciado na aceitação da sociedade, em relação à citada conduta, seria afastada a possibilidade de aplicar-se reprimenda criminal àqueles que praticaram o núcleo típico previsto no art. 229, do Código Penal.


No Supremo Tribunal Federal, o HC 99144/RS (2009) foi distribuído para o Ministro Menezes Direito, que se encontra licenciado por motivo de saúde. Em virtude disso, os autos foram encaminhados para o Ministro Marco Aurélio, com espeque no artigo 38, I, do RISTF. O Min. Marco Aurélio indeferiu o pedido de liminar, lançando a seguinte fundamentação, in verbis: “Observem o sistema pátrio. Encerra o Direito posto. Então, descabe potencializar o que possa transparecer como óptica de grande parte da população para concluir pela insubsistência de tipo penal. A tolerância notada quanto à prostituição não leva a entender-se como derrogado o artigo 229 do Código Penal. Paga-se um preço por se viver em um Estado de Direito e é módico, ou seja, o respeito às regras estabelecidas. Somente assim se faz possível a paz na vida gregária”.


Logo, nesta quadra, o Supremo manteve, ainda que, em cognição não exauriente, o entendimento do STJ, reconhecendo a tipicidade da conduta, consubstanciada na manutenção de casa de prostituição.


O Pretório Excelso decidirá se a norma penal, inscrita no artigo 229, do Código Penal, subsiste, no contexto social hodierno ou se resta inaplicável, ante os Princípios Penais Constitucionais da Insignificância, Intervenção Mínima e Adequação Social. Trata-se de julgamento deveras relevante, haja vista que o Supremo Tribunal Federal haverá de definir se a suposta aceitação social, em relação à determinada conduta, tem o condão, ou, não, de afastar a sua tipicidade, como já se defende aqui.


Assim, o Supremo Tribunal Federal decidirá se a sociedade pode, com base na sua possível tolerância, no que concerne a determinados atos, e na mudança de paradigmas, de cunho moral, afastar a aplicabilidade prática de norma penal incriminadora, excluindo a repressão dos órgãos estatais. Em síntese, o STF indicará o verdadeiro alcance do princípio da adequação social e sua repercussão no tipo penal.


Contudo, conforme será demonstrado posteriormente, ainda são bastante reduzidos os números de julgados no Brasil que reconhecem o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social como método de exclusão da tipicidade, ao contrário do que entende a maioria, traduzindo-se em um verdadeiro retrocesso.


2.6 Jurisprudências favoráveis


I) CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES – INEXISTÊNCIA DE ILÍCITO – PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. I. No contexto que vem provado, a conduta do arguido ao agarrar o ofendido pelo braço, dizendo-lhe para irem ao posto da GNR e não resultando daqui qualquer lesão corporal ou na saúde do ofendido, lançando mão do princípio da adequação social, não adquire tal comportamento verdadeira dignidade penal, sob o ponto de vista do bem jurídico tutelado, para integrar o crime do art. 143º, n.º 1, do CP. Recurso nº 115/99, Acórdão 99.05.12, Relator: Ferreira Dinis – Adjuntos: Maio Macário e Renato de Sousa.” (Disponível em: <http://www.trc.pt/trc00217_2.html>. Acesso em: 05 de fev. 2006, grifo nosso).


II) DESCAMINHO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. Ementa Oficial: Pelo princípio da insignificância, excluem-se do tipo os fatos de mínima perturbação social. A adequação social leva à impunidade dos comportamentos normalmente admitidos ainda que formalmente realizem a letra de algum tipo legal. Ementa da Redação: Tendo-se em vista o alto custo social que a pena apresenta, as lesões de bens jurídicos só podem ser submetidas à pena, quando isso seja indispensável para a ordenada vida em comum. Uma nova política criminal requer o exame rigoroso dos casos em que convém impor pena (criminalização) e dos casos em que convém excluir, em princípio, a sanção penal (descriminalização), suprimindo a infração, ou modificar ou atenuar a sanção existente (despenalização)” (RT 734/748, T.R.F. da 1ª Região, Ap. 95.01.31300-0/MG – 3ª T. – j. 25.03.1996 – Rel. Juiz Tourinho Neto, grifos nosso).


III) PENAL – DESCAMINHO – IMPORTAÇÃO – EXCESSO DE COTA – ILUDIR – CONCEITO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – PRINCÍPIO WELZELIANO. Ementa: I – A entrada de mercadorias estrangeiras no País, licitamente, pressupõe o pagamento dos tributos; se o agente não declara o excesso de cota, evidentemente está iludindo o Fisco. II – Pelo princípio da insignificância se exclui do tipo os fatos de mínima perturbação social. A adequação social “leva a impunidade dos comportamentos normalmente admitidos ainda que formalmente realizem a letra de algum tipo legal”. III – “Não se pode castigar o que a sociedade considera correto” (Santiago Mir Puig)” (TRF, 1ª Reg., Apel. 95.01.01938-1-PI, Rel. Tourinho Neto, 10.05.1995, grifo nosso).


IV) PROCESSO Nº 1998.148-3; RELATOR: DES. EVERARDS MOTA E MATOS. EMENTA: APELAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRIVILÉGIO. PEQUENO VALOR. ALCANCE E MEDIDA. SURSIS. O princípio da insignificância decorre do princípio da adequação social e não só do valor mínimo dos bens subtraídos, alcançando apenas os fatos que não correspondem às características subjetivas do tipo. – O pequeno valor dos bens subtraídos, para o privilégio do § 2º do art. 155 do CP, é benefício mensurável, também, pelo alcance subjetivo da vítima necessitada, e pelas circunstâncias do crime, no caso, praticado durante o repouso noturno, com escalada, em cada habituada e em concurso. – Pena superior a dois anos não comporta sursis. Negou-se provimento ao recurso do 1º apelante e deu-se provimento parcial ao do 2º apelante. Decisão unânime. DJU, Seção 3, pág. 10, de 07.04.99” (grifo nosso).


V) PENAL – DESCAMINHO – ART. 334, § 1º, ALÍNEA C – CONSUMAÇÃO – Princípios da adequação social, da verdade real e da presunção de inocência. Insuficiência de provas. Absolvição, com ressalva da prescrição da pena ‘in concreto’. O crime de descaminho, quando pequeno o valor das mercadorias de procedência estrangeira destinadas ao comércio ambulante, vem merecendo decrescente grau de reprovabilidade ante a escassez na oferta de empregos e por tratar-se de prática conhecida e tolerada pela sociedade e pelas autoridades administrativas, que têm até estimulado o comércio paralelo instituído nos chamados ‘camelódromos’, locais destinados especificamente a tal fim. Assim, embora em princípio cabível a imposição de sanção penal. Ainda que mínima. Ao acusado, impera em nossa sistemática processual o princípio da verdade real, segundo o qual só pode haver condenação quando a materialidade e a autoria restarem inquestionavelmente demonstradas. A prova idônea para arrimar sentença condenatória deve ser a produzida em juízo, sendo impossível invocar os elementos colhidos no inquérito policial, caso não sejam confirmados na instrução criminal. Se, ainda que comprovada a materialidade, restarem dúvidas com relação à autoria, desautorizada resta a prolação de edito condenatório, face ao princípio ‘in dúbio pro reo’. Apelação a que se dá provimento para reformar a sentença e absolver o réu nos termos do art. 386, inciso VI, do CPP, o que se faz com a ressalva de encontrar-se, em tese, extinta a punibilidade pela prescrição retroativa, considerando-se, porém, interessar muito mais ao réu inocente ter o seu nome limpo através da expressa declaração dessa inocência, ao invés de permanecer no ar a dúvida sobre a possibilidade de haver se livrado do processo apenas por força da incidência da prescrição” (TRF 2ª R. – ACR. 97.02.23962-1 – RJ – 2ª T. – Rel. Juiz Sérgio Feltrin Corrêa – DJU 20.11.2001, grifo nosso).


VI) De acordo com o STJ, o princípio da adequação social não pode ser invocado para absolvição em delito de descaminho (HC 30.480/RS, Félix Fischer, 5a. T., un., 15.6.04). Na mesma linha o TRF da 4a. Região, afirmando que: “Não pode ser socialmente adequada a conduta que lesa o erário, a indústria nacional e a economia do país”. (ACR 200304010341718/RS, Paulo Afonso Brum Vaz, 8a. T., un., 14.4.04). Em sentido contrário, admitindo tal fundamento para absolvição, ao lado do princípio da insignificância: TRF 1a. R., AC 199935000006310/GO, Mônica Jaqueline Sifuentes (Conv.), 3a. T., un., 22.10.02; (TRF 2a R., AC 9702421640/RJ Sérgio Feltrin Corrêa, 2a. T., un., 7.3.01) (Disponível em: <http://www.verbojuridico.com.br/ home/cursos-dicas-ler.asp?cod=5-114k-> Acesso em: 05 de fev. 2006, grifo nosso).


“VII) Se o descaminho referiu-se a objetos de pequeno valor para comércio de sacoleiro, além do princípio da insignificância, aplica-se o da adequação social, pois a sociedade não considera a prática de tal comércio como ilícito penal” (TRF da 1ª Região, RT 727/601) – (Disponível em: <http://jus2.uol.com.Br/doutrina/texto.asp?id=8021>. Acesso em: 05 de fev. de 2006, grifo nosso).


VIII) EMENTA: CASA DE PROSTITUIÇAO. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇAO. ATIPICIDADE. Os delitos de “casa de prostituição”’ e de “favorecimento da prostituição”, este quando não envolve menores, são condutas atípicas por força da adequação social. À sociedade civil é reconhecida a prerrogativa de descriminalização do tipo penal configurado pelo legislador. A eficácia da norma penal nos casos de casa de prostituição mostra-se prejudicada em razão do anacronismo histórico, ou seja, a manutenção da penalização em nada contribui para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, e somente resulta num tratamento hipócrita diante da prostituição institucionalizada com rótulos como “acompanhantes”, “massagistas”, motéis, etc, que, ainda que extremamente publicizada, não sofre qualquer reprimenda do poder estatal, em razão de tal conduta, já há muito, tolerada, com grande sofisticação, e divulgada diariamente pelos meios de comunicação, não é crime, bem assim não será as de origem mais modesta. Recurso improvido.” (Apelação Crime (4) Nº 70023513120, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado em 07/05/2008, grifo nosso).


IX) EMENTA: MANUTENÇAO DE CASA DE PROSTITUIÇAO. ABSOLVIÇAO MANTIDA. Conduta de manutenção de casa de prostituição, socialmente aceita, sem necessidade de intervenção penal, por força da adequação social da conduta. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.” (Apelação Crime (3) Nº 70024551228, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 26/06/2008, grifo nosso).


X) Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os elementos compositivos da norma incriminadora, dado que bastaria para configurar o fato ilícito, inexistindo ameaça ou ofensa substancial ao bem jurídico protegido pela lei penal, determina-se o reconhecimento de improcedência da denúncia, por atipicidade do comportamento realizado, porque o Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária, só deve intervir, para impor uma sanção, quando a ofensa ao bem jurídico protegido (relevante e essencial) for grave e intolerável, e mesmo assim, somente depois de esgotados outros meios não-penais de proteção” (TACrim. Apel. 1.008.943/3, Rel. Márcio Bártoli, 12.06.1996) (MAÑAS, 1994, p. 304).


XI) Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os elementos compositivos da norma incriminadora, mas não de forma substancial, é de se absolver o agente por atipicidade do comportamento realizado, porque o Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária, só deve intervir, para impor uma sanção, quando a conduta praticada por outrem ofenda ao bem jurídico considerado essencial à vida em comum ou à personalidade do homem de forma intensa e relevante que resulte uma danosidade que lesione ou o coloque em perigo concreto” (TACrim. Apel. 998.073/2, Rel. Márcio Bártoli, 03.01.1996) (MAÑAS, 1994, p. 303-304).


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante de todo o exposto, é possível formular algumas conclusões:


1. Com o advento do constitucionalismo, todos os ramos do direito, inclusive o Direito Penal, passaram a serem analisados sobre uma perspectiva constitucional. Mas hoje, os ramos do direito são estudados não só à luz da Constituição de 1988, mas perante de normas que prescrevem direitos e garantias fundamentas.


2. A mutação constitucional, é um processo informal, em que as expressões do Texto constitucional, são modificadas no seu sentido e interpretação, sem necessidade de alteração formal. Tal processo advém da necessidade de adequações das condutas da sociedade, em virtude da mudança dos usos e costumes, o que evidencia a existência de uma relação daquela com o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social.


3. O Pós-Positivismo ou Neoconstitucionalismo ou Novo Constitucionalismo Democrático de Direito é a nova fase em que o direito se encontra, possibilitando a aplicação imediata dos princípios, os quais são dotados de força normativa e vinculante, sendo utilizados como métodos de interpretação, aplicação e criação de regras no sistema jurídico. Ultrapassada a fase do positivismo, os princípios passaram a ser reconhecidos como verdadeiras normas jurídicas, podendo ser aplicados agora em primeiro plano.


4. A nova roupagem trazida sobre a forma de classificação das fontes do Direito Penal Constitucional e os novos paradigmas de suas espécies são fundamentais para a compreensão do princípio em análise, devendo-se atentar para a importância do reconhecimento do costume e jurisprudência contra legem nos novos tempos.


5. No tangente aos aspectos da tipicidade, a exemplo do tipo, as diferentes fases de sua evolução, diversas foram as concepções sobre os seus elementos, o seu conteúdo, as suas funções e a sua estrutura. Tudo isso, decorre da influência dos pensadores da época, advindo inúmeras teorias como a causalista, a finalista, social da ação, entre outras.


6. A importância do estudo do tipo, visualiza-se também uma compreensão da teoria do injusto penal, a qual corresponde a dois elementos: conduta típica e ilícita. Desenvolvida no Brasil pelo professor Juarez Tavares, ela trouxe grandes contribuições, sobretudo, impulsionando uma nova ótica da teoria do delito e esclarecendo que a tipicidade não tem valor indiciário.


7. O bem jurídico, na formulação de tentativas de sua definição, baseia-se de acordo com a sua evolução histórica e estabelecem-se critérios para a sua proteção, de acordo com a Constituição Federal que é a fonte primacial para a sua seleção.


8. Neste trabalho, observou-se que a nova dogmática penal vem utilizando instrumentos de interpretação, restringindo os tipos penais, diante de uma concepção material e proposições político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, por estarem adequadas, consideram-se irrelevantes para o Direito Penal.


9. Várias objeções são colocadas pela maioria da doutrina e da jurisprudência acerca do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, sendo ele entendido como um princípio geral de interpretação inseguro e relativo, inclusive no Direito Penal Constitucional Brasileiro, conforme demonstrado.


10. Corroborando todos os ensinamentos abordados no respectivo trabalho, chega-se inicialmente a uma conclusão de que a doutrina deve repensar o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, sobretudo no Direito Penal Constitucional Brasileiro atual, partindo da seguinte premissa: o mencionado princípio deve funcionar como excludente da tipicidade, haja vista que esta, como já exposto, para ser completa deve conter a Tipicidade Formal (enquadramento da conduta no tipo previsto) e a Tipicidade Material (efetiva ofensa ao bem jurídico protegido). Assim sendo, como o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social afasta o aspecto material da tipicidade, deixando apenas o formal, ela ficaria incompleta, devendo, portanto, ser excluída. Desta maneira, a tipicidade material é o caminho científico para descriminalizar condutas que, embora formalmente típicas, não é objeto de reprovação social, nem ofende significativamente o bem jurídico tutelado.


11. Nesse sentido, as condutas lícitas que se realizam dentro de uma esfera de normalidade social, não podem ser alcançadas pelo tipo penal. Vale destacar que há condutas formalmente típicas que têm as suas tipicidades excluídas, também devido à aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, conforme se verifica em alguns exemplos que foram analisados. São ações destituídas de tipicidade material, pois são coletivamente permitidas. É importante salientar que, a sociedade deve tolerar condutas, mas a sua utilização não pode abarcar ações excessivas, que se enquadrem fora dos limites da normalidade.


12. A incriminação só se justifica quando estiver em jogo um bem ou um valor social importante, não podendo alcançar fatos que se situem exclusivamente na ordem moral, nem situações que, embora, lícitas, não atinjam significamente a ordem externa.


13. A realidade é muito mais rica e cambiante do que a lei, havendo incriminações que se tornam incompatíveis com os novos estágios ou com a mudança dos usos e costumes da comunidade em determinada época.


14. Todavia, a pretendida tarefa de descriminalização, despenalização e desconsideração judicial da tipicidade com base em princípios, principalmente no Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, deve ser feita de maneira razoável e com eqüidade pelo aplicador do direito, sem que com isso cause insegurança jurídica no sistema, configurando o que se pode chamar de injustiça.


15. A fim de evitar tal situação de insegurança jurídica, provocada por decisões totalmente assistemáticas, é preciso deixar que as conclusões valorativas político-criminais, como é o caso da exclusão da tipicidade com base no Princípio Penal Constitucional da Adequação Social no Brasil, passem a penetrar nas categorias sistemáticas do Direito Penal Constitucional, superando-se, assim, as discrepâncias existentes entre a experiência e alguns postulados da dogmática, compatibilizando a prática com a teoria. É necessário ir mais longe, conciliando a política criminal com a segurança jurídica que proporciona a claridade do sistema, evitando-se a arbitrariedade.


16. Portanto, defendendo uma nova interpretação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social no Direito Penal Constitucional brasileiro, utilizando-o como forma de exclusão da tipicidade, deve a doutrina, bem como os aplicadores do direito de modo em geral, ainda resistentes a este, repensar a sua aplicação, haja vista que o Direito Penal Constitucional para ser um ramo eficiente e eficaz, deve procurar punir o que a sociedade considera digno de receber punição. Vale dizer, os fatos de pouca relevância e adequados socialmente devem ser mitigados pela utilização de princípios, como o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. Sob essa ótica, verifica-se uma maneira de desafogar o judiciário no âmbito penal, e tentar amenizar o falido sistema carcerário, além de possibilitar uma maior eqüidade das decisões dos magistrados. É necessário o “direito legislado” acompanhar, se amoldar às novas condutas da sociedade. Isso é Direito Penal Constitucionalizado, Mínimo, Fragmentário e Garantista.


 


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Informações Sobre o Autor

Alex Pacheco Magalhães

Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.
Especialista em Direito Processual Civil (Universidade Anhanguera – UNIDERP/LFG). Especialista em Direito do Estado (JusPodivm/Faculdade Baiana de Direito). Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Salvador/BA. Ex-Advogado. Bacharel em Direito (FIB – Centro Universitário da Bahia)


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