Resumo: Neste artigo, apresenta-se a temática da violência de gênero. A violência de gênero tem sido definida como uma relação de poder e de permanente conflito, principalmente no lócus familiar. Reflete-se sobre a complexidade das questões que envolvem o enfrentamento da violência contra a mulher chamando a atenção para o papel do Estado na garantia de políticas públicas que perpassam diferentes áreas.
Palavras- chave: Violência de gênero; Políticas públicas; Direitos das mulheres.
Abstract: In this article, the theme of gender violence is presented. Gender violence has been defined as a relationship of power and permanent conflict, especially in the family locus. It reflects on the complexity of the issues surrounding the fight against violence against women, drawing attention to the role of the State in guaranteeing public policies that cross different areas.
Key-words: Gender violence; Public policies; Woman’s rigths
Sumário: Introdução. 1. Violência contra a mulher no Brasil. 1.1. Lei Maria da Pena (11340/06). 2. Violência de gênero. 3. Políticas públicas para efetivação da lei 11340/06 e combate à violência de gênero.4. O que ainda precisa mudar. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Esse trabalho analisa a violência de gênero que atinge mulheres no mundo inteiro e está enraizada na tradição cultural, na organização social, nas estruturas econômicas e nas relações de poder. Esse tipo de violência é praticado contra pessoa do sexo feminino, apenas e simplesmente pela sua condição de mulher, a qual revela as desigualdades socioculturais existentes entre homens e mulheres construídos ao longo da história, criando uma relação pautada na desigualdade, na discriminação, na subordinação e no abuso de poder.A violência doméstica e familiar contra a mulher é um grave e recorrente problema no Brasil. Pesquisa realizada pelos institutos Data Popular e Patrícia Galvão revelaram (07/01/2015) que 70% das mulheres vítimas de violência são agredidas nas próprias residências e, em geral, por seus parceiros. A violência doméstica e familiar praticada pelo homem contra a mulher é uma violência baseada no gênero, pois apresenta como alicerce a tradição do patriarcalismo, a qual abarca o histórico e discriminatório pensamento do suposto dever de submissão da mulher ao homem como se ela estivesse em uma posição hierárquica inferior a ele na sociedade.A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) consiste em um instrumento de grande importância no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. Por isso, para que haja uma resolução mais eficaz do problema em questão, é fundamental que sejam feitas análises profundas da aplicação da citada norma para que sejam identificadas e, então, solucionadas as dificuldades presentes na aplicação.A violência de gênero está caracterizada pela incidência dos atos violentos em função do gênero ao qual pertencem as pessoas envolvidas, ou seja, há a violência porque alguém é homem ou mulher. A expressão violência de gênero é quase um sinônimo de violência contra a mulher, pois são as mulheres as maiores vítimas da violência. Assim, esse artigo, destaca-se a implementação da Lei11.340/06, a chamada Lei Maria da Penha, a qual define violência doméstica ou familiar contra a mulher como sendo toda ação ou omissão, baseada no gênero, que cause morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou tenha convivido com a agredida.
1. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL
Apesar de vivermos sob os ditames de uma Constituição democrática e social, preocupada com os direitos humanos e o desenvolvimento da cidadania em sua plenitude, é possível identificar um forte problema social que atinge o país, qual seja, a violência contra a mulher.
A família é a instituição sagrada defendida pelas mais importantes religiões, como Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, é tida como a base de toda a sociedade, razão pela qual a Constituição Federal trata com especial cuidado sobre o tema, em seu artigo 226:
“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar
é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (grifo nosso)”
Pode-se notar que a Carta Magna chama para si o dever de o Estado assegurar à família proteção contra a violência, em qualquer âmbito de seus relacionamentos, nesse sentido, a violência contra a mulher é entendida como uma preservação da instituição família.
Cabe ressaltar que a violência contra a mulher no Brasil, acontece sem escolher a classe social, raça, ou qualquer outro item de distinção, ela ocorre sutilmente, dentro dos lares, onde ninguém possa prever, a violência pode estar acontecendo.
Segundo a Delegada Martha Mesquita da Rocha:
“Há um caráter endêmico na violência de gênero. Ela desconhece limites ou fronteiras: de classes sociais, de tipos de cultura, de grau de desenvolvimento econômico. Pode ocorrer em todo lugar, no espaço público ou privado e ser praticada em qualquer etapa da vida das mulheres, por estranhos ou parentes, especialmente esses últimos. “
Por conta da dependência financeira, ou mesmo emocional, muitas mulheres submetem-se a uma vida de péssima qualidade, sendo escravas libertas. Colocam sobre si o véu social de que a violência contra elas, não é nada demais, é comum e por isso totalmente aceitável.
A concepção do pensamento da violência doméstica como algo natural, é cultural. Pois a mulher tida como posse, como objeto de desejo sexual, passa de sujeito de direito para objeto dele, dessa maneira, o homem que comete violência contra a mulher, não age de modo criminoso, mas apenas movido por violenta emoção em muitos dos casos, sendo absolutamente escusável tão atitude que evidentemente prejudica não apenas a vítima em si, mas toda a sociedade que colhe os amargos frutos de um lar corrompido pela violência.
A violência contra a mulher é tão grave, pois atinge não apenas a mulher em sua essência, mas seus filhos, os filhos de seus filhos que aprenderão com seus pais que a violência contar a mulher não é violência, é tolerável, é justificável. Enquanto em sua verdade, nunca o foi.
. Segundo Viela (1997 apud Azevedo, 1985 p.19)
“Violência é toda iniciativa que procura exercer coação sobre a liberdade de alguém, que tenta impedir-lhe a liberdade de reflexão, de julgamento, dedicação e que, termina por rebaixar alguém a nível de meio ou instrumento num projeto, que a absorve e engloba, sem tratá-lo como parceiro livre e igual. A violência é uma tentativa de diminuir alguém, de constranger alguém a renegar-se a si mesmo, a resignar-se à situação que lhe é proposta, a renunciar a toda a luta, abdicar de si. Há vários motivos como: pobreza, miséria, desigualdade, desemprego, discriminação, entre outros, que podem contribuir para o desenvolvimento de atos agressivos entre as pessoas. Contudo, a violência não está associada à classe subalterna, marginalizada, como muitos pensam, mas aparece em todas as camadas sociais, idades, sexos, raças, etnias, religiões, etc”.
Se temos como base a família, é plausível que o Estado preocupe-se sobremaneira com a sua proteção. Para essa proteção é preciso que o Estado aja com eficácia ao coibir a violência contra a mulher, pois é ela quem gera, cuida e educa nas grandes maiorias dos casos. Se permite-se que uma mãe, educadora, trabalhadora seja alvo de uma violência gratuita em decorrência de seu gênero, autoriza-se assim que toda a sociedade seja contaminada por uma conduta torpe e ingrata contra as mulheres.
Não se trata apenas de um discurso feminista embasado no gênero, mas de uma referência ao texto constitucional que declara que a família deve ser considerada a base, o alicerce de uma sociedade saudável, e para a construção de tal projeto é preciso eliminar do nosso ordenamento jurídico a violência contra o gênero, pois além de primitivo é totalmente prejudicial à toda a sociedade.
A referida violência contra a mulher pode se manifestar de várias formas, as quais na maior parte dos casos apresenta-se em uma sequencia de atos, os quais são segundo a 11.340/06:
– “Violência física: Ocorre quando uma pessoa, que está em relação de poder em relação à outra, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Segundo concepções mais recentes, o castigo repetido, não severo, também se considera violência física. Esta violência pode se manifestar de várias formas como: tapas, empurrões socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, lesões por armas ou objetos, estrangulamento entre outros.
– Violência psicológica: Qualquer ação que tenha a intenção de provocar dano emocional e diminuição da auto-estima, controlar comportamentos e decisões da vítima por meio de ameaça, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, insulto, chantagem, ridicularização, ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
– Violência sexual: É qualquer conduta que force a vítima a presenciar, manter ou a participar de relação sexual não desejada, que impeça a vítima de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao casamento, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante ameaça, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Dentre eles podemos citar: estupro dentro do casamento ou namoro, estupro cometido por estranhos, abuso sexual de pessoas mental ou fisicamente incapazes, entre outros.
– Violência patrimonial: É quando o agressor toma ou destrói os objetos da vítima, seus instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
– Violência moral: Caluniar, difamar ou cometer injúria.”
Na Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1993, foi descrito o seguinte conceito para violência de gênero:
“Todo ato de violência baseado em gênero, que tem como resultado, possível ou real, um dano físico, sexual ou psicológico, incluídas as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, seja a que aconteça na vida pública ou privada. Abrange, sem caráter limitativo, a violência física, sexual e psicológica na família, incluídos os golpes, o abuso sexual às meninas, a violação relacionada à herança, o estupro pelo marido, a mutilação genital e outras práticas tradicionais que atentem contra mulher, a violência exercida por outras pessoas – que não o marido – e a violência relacionada com a exploração física, sexual e psicológica e ao trabalho, em instituições educacionais e em outros âmbitos, o tráfico de mulheres e a prostituição forçada e a violência física, sexual e psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra. (OMS, 1998, p.7)”
Contudo, apesar de a violência contra a mulher não se restringir à violência física, a maior parte da população entende como se assim fosse. É totalmente plausível esse entendimento popular, tendo em vista a grande dificuldade de se diagnosticar a violência em suas outras formas, no entanto é possível afirmar que a violência psicológica é capaz de afetar mais do que a física.
Segundo Azevedo & Guerra (2001, p.25):
“O termo violência psicológica doméstica foi cunhado no seio da literatura feminista como parte da luta das mulheres para tornar pública a violência cotidianamente sofrida por elas na vida familiar privada. O movimento político-social que, pela primeira vez, chamou a atenção para o fenômeno da violência contra a mulher praticada por seu parceiro, iniciou-se em 1971, na Inglaterra, tendo sido seu marco fundamental a criação da primeira “CASA ABRIGO” para mulheres espancadas, iniciativa essa que se espalhou por toda a Europa e Estados Unidos (meados da década de 1970), alcançando o Brasil na década de 1980”.
A violência contra a mulher, seja em qualquer manifestação é prejudicial tanto à vítima, quanto ao agressor que também é uma vítima do sistema patriarcal preconceituoso e discriminatório, quanto à toda a sociedade que coexiste com essa problemática que atinge qualquer um, em qualquer tempo.
1.1. LEI MARIA DA PENHA (11340/06)
A lei Maria da Penha nasceu de um dos casos mais famosos no Brasil de violência doméstica, um clássico retrato do que muitas mulheres passam durante suas vidas. Felizmente, Maria da Penha não foi uma vítima fácil, pois conseguiu sair do cenário de violência, e denunciar o que se passava, contudo não é assim que a maior parte das vítimas age, pois devido ao medo da exposição e principalmente do agressor, preferem calar-se ao denunciar e assim submeter-se ao infeliz destino de vitimização.
Segundo a cartilha do Ministério Público do Estado de Goiás para divulgação e compreensão da lei Maria da Penha ( 2011, p. 10):
“Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em 1945, em Fortaleza, Ceará. Formou-se em Farmácia e Bioquímica pela Universidade Federal do Ceará, em 1966. Logo depois, foi para São Paulo concluir o mestrado em parasitologia. Foi lá que conheceu seu segundo marido, um professor de economia colombiano.
As agressões do marido começaram por volta do quarto ano de casamento. No início, a violência era psicológica e verbal, do tipo desvalorização da pessoa, diz Maria da Penha. As agressões foram progredindo e, em maio de 1983, o marido tentou matar Maria da Penha com um tiro nas costas, o que a deixou em uma cadeira de rodas. Na época do crime, ele disse que o casal foi vítima de assalto, chegou a se ferir com uma faca para simular um ferimento à bala e ela acreditou na versão dele.
Depois de cinco meses em hospitais de Fortaleza e Brasília, Maria da Penha voltou para casa. Logo depois, o marido tentou matá-la novamente. Dessa vez, tentou eletrocutá-la durante o banho, ocasião em que Maria da Penha tomou coragem para se separar e denunciar a violência.”
O caso de Maria da Penha se arrastou na justiça durante longos 15 anos e não havia nenhuma condenação para o agressor, razão pela qual o Centro pela Justiça e o Direito Internacional ( CEJIL Brasil) e o Comitê Latino- Americano do Caribe para a defesa dos Direitos da Mulher ( CLADEM- Brasil), e a vítima encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos ( OEA) pedido contra o Estado brasileiro sobre o caso.
A denúncia revelou o descaso do Brasil com a violência doméstica, pois é evidente que Maria da Penha foi apenas uma das milhares de mulheres atingidas por tal mal social. Diante disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu informe nº 54 de 2001, responsabilizou o Brasil por negligência, omissão e tolerância à violência doméstica contra as mulheres.
Em 7 de agosto de 2006 foi sancionada a lei Maria da Penha, uma construção conjunta da CEPIA (Cidadania, Estudos, Pesquisa, Informação e Ação.); CFEMEA ( Centro Feminista de Estudos e Assessoria); AGENDE ( Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento); ADVOCACI ( Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos); CLADEM/ IPÊ ( Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e Instituto para a Promoção da Equidade); THEMIS ( Acessoria Jurídica e Estudos de Gênero).
Essa lei aumentou o rigor das punições aos casos de violência contra a mulher, prevendo políticas públicas para prevenir ( como campanhas, programas e projetos informativos); punir e enfim, erradicar a violência contra a mulher.
Não se aplica aos crimes contra a mulher a lei 9099/95, que trata das infrações com pena até dois anos como menor potencial ofensivo. Ou seja, quando crimes praticados contra a mulher não é passível de transação penal, multa ou cesta básica como pena.Podemos relatar uma das violências domésticas contra a mulher, a que ensejou na criação da Lei Maria da Penha.
Cada tipo de violência gera, segundo Kashani e Allan (1998), prejuízos nas esferas do desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou afetivo. As manifestações físicas da violência podem ser agudas, como as inflamações, contusões, hematomas, ou crônicas, deixando seqüelas para toda a vida, como as limitações no movimento motor, traumatismos, a instalação de deficiências físicas, entre outras. Os sintomas psicológicos frequentemente encontrados em vítimas de violência doméstica são: insônia, pesadelos, falta de concentração, irritabilidade, falta de apetite, e até o aparecimento de sérios problemas mentais como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse pós-traumático, além de comportamentos auto-destrutivos, como o uso de álcool e drogas, ou mesmo tentativas de suicídio (KASHANI; ALLAN, 1998).
2. VIOLÊNCIA DE GÊNERO
É importante frisar que a violência de gênero não possui distinção de classe social, raça, ou até mesma religião, ela acontece em desfavor de uma mulher, pelo simples motivo de ela ser mulher. Ou seja, quando o homem, por ser homem, julga-se superior em decorrência de ser economicamente mais forte, ou, utilizando de força física, a agride, seja violência física, sexual, moral, psicológica simbólica ou mesmo patrimonial. Gênero é uma construção social e cultural do masculino e feminino, com contaminações culturais e econômicas de cada época. Segundo Eva Faleiros (2007, p. 62):
“A violência de gênero estrutura-se – social, cultural, econômica e politicamente – a partir da concepção de que os seres humanos estão divididos entre machos e fêmeas, correspondendo a cada sexo, lugares, papéis, status e poderes desiguais na vida privada e na pública, na família, no trabalho e na política.”
A violência de gênero não escolhe classe social, raça, cor, nada. Qualquer mulher pode ser uma vítima de violência de gênero, em qualquer época de sua vida. Fernanda de Oliveira (2010, p. 13) relata:
“É preciso mudar o ponto de partida, buscar a percepção da mulher vítima de violência doméstica, empreender um processo de compreensão das raízes socioculturais desse discurso, construir um trajeto que atravessa a construção identitária de cada indivíduo. Não se pretende superpor falas, construir outros ethos discursivo para essas pessoas, mas inseri-lo em um contexto coletivo, uma vez que o problema nasce do seio de um grupo. Portanto, a busca por sua possível solução também deve ser coletivizada.”
As raízes da violência nas relações de gênero se situam nas próprias relações entre homens e mulheres, a partir do momento que um homem se julga superior pelo gênero e anula dessa forma ou denigre o outro gênero, através de olhares, palavras, xingamentos ou atitudes preconceituosos, ocorre a manifestação da violência de gênero.
Quando a violência de gênero ocorre, é uma porta aberta para a violência doméstica em sua forma mais visível qual seja a violência física, aquela que deixa marcas visíveis para a sociedade, no entanto cabe ressaltar que a violência de gênero não é apenas essa, porém, é qualquer tipo de condicionamento à submissão forçada do gênero feminino pelo masculino.
Essa herança cultural patriarcal precisa ser repensada pela sociedade brasileira, pois um comentário aparentemente inofensivo sobre a inferioridade feminina é uma demonstração da violência de gênero, que possivelmente pode vir a justiçar algum ato de violência doméstica mais severo.
A conscientização da violência de gênero é uma forma de combate à violência doméstica, à violência em todas as suas formas, pois é no lar, que se aprende o que fazer durante toda uma vida. A violência de gênero contribui para desigualdade social, para a formação de vítimas em potencial e pior, de agressores futuros em potencial.
Nesse cenário, não há agressores concretos, senão vítimas do sistema maléfico que denigre a imagem feminina diante do masculino, permitindo que a violência seja tida como engraçada ou permissível nas diversas esferas sociais, por não ser tida como violência até que se torne visível, palpável, sentida.
3. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFETIVAÇÃO DA LEI 11340/2006 E COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO.
Existem Delegacias da Mulher, com o intuito de garantir às vítimas um maior acesso a esses locais, incentivando as denúncias dos crimes, também há Promotorias de Justiça da Mulher, com esse mesmo propósito.
No sentido de agilizar o atendimento da vítima em situação de risco, há as medidas protetivas de urgência que podem ser solicitadas antes do julgamento do caso, a fim de proteger a vítima do agressor. Previstas no artigo 22 da lei 11340/06:
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº10.826, de 22 de dezembro de 2003; II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios. § 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).”
Segundo Maria Berenice Dias ( 2010):
“Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medidaprotetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medidaprotetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar a sua origem. (…) Não se está diante de processo crime e o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária (art. 13). Ainda que o pedido tenha sido formulado perante a autoridade policial, devem ser minimamente atendidos os pressupostos das medidas cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas ‘inaudita altera pars’[49] ou após audiência de justificação e não prescindem da prova do ‘fumusboni juris’ e ‘periculum in mora”
Nesse sentido é possível dizer que a Lei Maria da Penha veio garantir formas de combate à violência de gênero e assim colaborar na luta social por essa mudança na valoração do gênero feminino no Brasil.
4. O QUE AINDA PRECISA MUDAR
A Lei Maria da Penha apesar dos avanços jurídicos que trouxe, não consegue mudar algo que está enraizado na cultura do país.
O verdadeiro combate à violência doméstica virá de uma educação para o respeito à diversidade de gênero.
O combate ao preconceito e a identificação do sujeito como sujeito em si de direito e nunca de objeto passível de posse.
Quando a cultura do país for transformada por pequenos gestos individuais de intolerância à violência, o país mudará sem a necessidade de novas leis, pois apenas a educação é suficiente para a construção de uma sociedade mais justa e equânime.
Trabalhar a problemática do gênero nas escolas e lares é o que poderá combater de fato a violência doméstica.
CONCLUSÃO
Com base no que aqui fora exposto e nos argumentos apresentados, conclui-se que a mulher foi e ainda é inferiorizada perante o homem. A violência doméstica e familiar contra a mulher é um fenômeno que começou a ser construído desde os primórdios, e que até hoje, mesmo com equiparações entre os sexos, continua sendo um fato cotidiano na vida de muitas mulheres.A necessidade de edição da lei 11.340/2006, apenas revelou o nível da cultura brasileira no que diz respeito à questão da violência contra a mulher. Precisou se ter uma lei para dizer que em mulher não se bate, que sua integridade física, moral e intelectual deve ser preservada. O fato de essas garantias constarem do texto constitucional, desde 1988, não foi suficiente; fez-se necessário trazer a questão para o âmbito infraconstitucional.A Lei Maria da Penha veio para combater esse tipo de violência, tendo como base a história da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, agredida diversas vezes pelo marido, e que juntamente com movimentos feministas e Convenções Internacionais, ensejaram a iniciativa da criação de uma lei especifica que regulasse e punisse os agressores.
Por fim, é lamentável reconhecer que a falta de conscientização e disseminação de uma nova cultura: a cultura da paz (a começar pelas crianças nas escolas. As mudanças não acontecerão se as novas gerações não forem educadas sob esse paradigma). Falta o envolvimento da sociedade com a causa (o combate á violência é dever de todos art. 3º, § 2º, da Lei11.340/2006). Falta maior compromisso daqueles que estão envolvidos com a problemática. Faltam sensibilização e capacitação dos que atuam mais diretamente na área (vítimas são tratadas com indiferença, muitas vezes até desencorajadas a denunciar seus agressores, contribuindo para a revitimização).
Informações Sobre os Autores
Thaynara Santana Marinho
Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira
Sállua de Freitas Polidorio
Bacharel em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira
Denise Oliveira Dias
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade (PPGAS) pela Universidade Estadual de Goiás (UEG/Morrinhos).Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira,UNIVERSO. Participante do projeto de extensão do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da UFG. Advogada