Usuários e dependentes na nova lei de drogas: descriminalização, transação penal e retroatividade benéfica


Resumo: A nova lei de drogas inovou, no ordenamento jurídico, ao despenalizar a conduta criminal dos usuários e dependentes de drogas, estabelecendo unicamente penas restritivas de direitos e não privativas de liberdade ou pecuniária. Rompeu-se com a tradicional justiça penal, e um modelo de justiça penal terapêutica ganhou espaço em nosso ordenamento. Os princípios e as regras da novatio legis determinam uma interpretação sistemática em busca do tratamento e ressocialização social dos usuários e dependentes, tanto no momento da subsunção da conduta ao tipo, quanto na aplicação das medidas e penas alternativas e no conflito entre as leis penais no tempo.


Palavras-chave: Usuários e dependentes. Drogas. Despenalização. Descriminalização. Transação penal. Retroatividade benéfica.


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I . Introdução


Não é de hoje que as drogas vêm causando sérios problemas à humanidade. Nelson Hungria relata que o aumento do consumo de drogas na Europa ocorreu após a primeira Grande Guerra, fruto das lembranças tétricas, das desventuras cruéis, do ódio e das ilusões desfeitas[1]. De lá para cá, o consumo de drogas só aumentou. Além do aumento do consumo das já existentes (cocaína, ópio, haxixe, maconha etc), surgiram as drogas sintéticas, feitas em laboratório, igualmente danosas ao ser humano. Tudo isso exige a busca de soluções para impedir o contínuo aumento do seu uso.


Nesse caminho, a lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, tenta aperfeiçoar o combate ao tráfico ilícito de entorpecentes, reprimindo mais severamente condutas criminosas e especificando, em novas figuras típicas, o comportamento humano proibido, bem como apresentando um novo tratamento penal aos usuários e dependentes de drogas.


O paradigma agora, em relação aos usuários e dependentes, está calcado na prevenção e reinserção social, tanto que a sanção privativa de liberdade e pecuniária foram abolidas. É uma reinvidicação histórica de diversos grupos representativos da sociedade, que encontra amparo no princípio da mínima intervenção e dignidade da pessoa humana. E, amparada nesses princípios norteadores, a nova lei, em sua parte geral, alterou regras de tratamento, definições, competências e atribuições, disciplinando melhor a questão relativa aos usuários e dependentes.


A novatio legis deu nova definição ao Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão, que passou a denominar-se Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), previsto no artigo 3º, e apontou como sua finalidade articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas à prevenção do uso indevido, à atenção e à reinserção social de usuários e dependentes de drogas. O título II é todo dedicado ao Sisnad, encontrando-se no artigo 4º um rol de princípios, destacando-se dois incisos: I. o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; III. a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados.


O artigo 5º indica os objetivos do Sisnad, entre eles o de contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados (inciso I).


O Título III aborda as atividades de prevenção ao uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas. No capítulo I, aborda especificamente as atividades de prevenção e seus princípios, enquanto, no capítulo II, discorre sobre as atividades de atenção e de reinserção social de usuários ou dependentes de drogas. A linha mestra no trabalho de prevenção e reinserção social está sedimentada numa atuação compartilhada de responsabilidade e colaboração mútua entre os entes públicos e privados, estes com ou sem fim lucrativo.


Vale ressaltar que não se vislumbra um trabalho de prevenção e reinserção sem a colaboração direta das comunidades afetadas. O envolvimento agora não se resumirá ao disque-denúncia, mas se estenderá para o comprometimento e solução do problema social. Isso representa significativo avanço em relação ao sistema anterior, que se baseia na tradicional justiça penal punitiva, impositiva e verticalizada.


Os diversos dispositivos inseridos nos capítulos I e II, do título III, determinam uma interpretação, amparada na vontade do legislador, no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade, buscando uma nova “censura” aos usuários e dependentes de entorpecentes que não aquela tradicional sancionatória. Textualmente, observa-se que não há mais espaço para a punição pura e simples, pois, agora, acima da resposta penal, está a prevenção e a reinserção social. Isso levou alguns a afirmar que houve uma descriminalização na nova lei de entorpecentes, inclusive com afirmativas de que somente não houve uma integral descriminalização da figura em razão do momento político[2] pelo qual passava o país na data da votação e promulgação.


Num caminho lógico, decorrente da exposição feita nos capítulos precedentes, a nova lei de tóxicos dispensa um tratamento diferenciado aos usuários e dependentes de entorpecentes. Os operadores do direito devem determinar sua atuação de acordo com os princípios da nova lei, observando, sempre, o interesse maior de recuperação e reinserção do usuário ou dependente o que não deixa de ser, indiretamente, um combate ao tráfico de drogas.


Em suma, toda interpretação da nova lei deve ter por base os princípios e regras acima indicadas e, dentro dessa linha, nossa atividade passa a ser orientada pelos princípios e objetivos da nova lei.


II. Drogas para uso próprio e a nova lei de tóxicos


O crime anteriormente definido no artigo 16 da Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976, não foi abolido pela nova lei, existindo nova figura típica para os usuários e dependentes de entorpecentes. A nova figura está descrita no artigo 28 e tem a seguinte redação:


 “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas.”


     Alguns doutrinadores vêm discutindo e afirmando que houve descriminalização com a nova lei, sob o fundamento de que, não mais havendo pena privativa de liberdade, reclusiva ou detentiva, inexiste crime e, inexistindo prisão simples ou multa, inexiste contravenção penal[3]. Até já se acena com uma nova classificação doutrinária – infração sui generis. A discussão se há ou não crime não é ontológica, pois inexiste diferenciação nesse ponto, mas é extrínseca e legal, com maior interesse ao meio acadêmico[4], todavia com inegável repercussão prática.


     A doutrina tradicional sedimentou o entendimento de que, no Brasil, nossa legislação adotou o critério bipartido para os delitos, ou seja, há crimes e contravenções, inexistindo outra espécie. Ao prever somente sanção restritiva de direitos e eliminar a privativa de liberdade e pecuniária, a nova lei afastou-se daquelas espécies legalmente definidas e criou uma nova. A nova espécie encontra-se ainda dentro do gênero delito ou infração penal, vez que há pena e regramento pelo Direito penal, todavia a nova classificação agora é infração sui generis. Essa é a posição defendida por Luiz Flávio Gomes quando sustenta a existência dessa nova classificação[5].


     A adoção dessa posição legalista gera inúmeras repercussões. Se, ao pé da letra, crime não há, a condenação anterior pelo artigo 28 não pode ensejar a reincidência, que exige condenação por crime. Não há ato infracional na conduta do adolescente flagrado na posse de entorpecente para consumo, já que o artigo 103 diz que constitui ato infracional a prática de crime ou contravenção penal. A condenação não mais é hipótese de revogação da suspensão condicional da pena e do livramento condicional, pois ambos exigem condenação por crime.


     Esse entendimento apega-se ao legalismo para definir crime e contravenção e afirmar pela incompatibilidade do novo tipo com essas definições. Essa interpretação se mostra limitada, já que baseada exclusivamente no texto legal.


     A repressão da conduta do usuário e dependente continua sendo a razão da movimentação do sistema penal como um todo, ou seja, atuação policial, procedimento investigatório criminal e ação penal perante a justiça penal. O novo tipo penal está fundamentado num novo modelo de justiça penal, terapêutica ou restauradora e substituiu a pena por uma “censura” o que não afasta a espécie crime num conceito material.


     Há, difundidos pela doutrina nacional, três conceitos de crime: 1) conceito formal: “crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena”; 2) conceito material: “é o crime um desvalor da vida social”; 3) conceito analítico: “ação ou omissão típica, antijurídica e culpável”[6].


     Trabalhamos com o conceito material, sendo nossa linha doutrinária e conceitual influenciada pelo professor Eliezer Gomes da Silva que apresenta o seguinte conceito de crime, amparado numa concepção dos direitos humanos como objeto de limite do direito penal: “crime é toda conduta contrária ao humanamente exigível, a significar um interesse, cuja lesão ou perigo de lesão autoriza uma censura ou uma sanção estatal direcionada a seu autor”[7].


     A resposta do direito penal para se classificar a conduta como crime ou não, não se limita à pena prevista em abstrato, mas ao determinante fato de autorizar e “legitimar” a intervenção do sistema penal. A “censura” ou “sanção” não é unicamente privativa da liberdade. A lei de introdução ao Código Penal é da década de 40, Decreto-Lei 3.914/41, e está sujeita a todas as regras e princípios referentes à legislação ordinária, inclusive com possibilidade de não recepção pela nova ordem constitucional e revogação ou derrogação por novas leis. Com o surgimento de um novo tipo penal, com previsão unicamente de pena restritiva de direitos, o legislador derrogou, tacitamente, aquele tradicional conceito de crime, ampliando-o.


Firmado o posicionamento da existência do crime, não se pode admitir a tese da descriminalização, compreendendo essa, conforme Cervini, como “sinônimo de retirar formalmente ou de fato do âmbito do Direito penal certas condutas, não graves, que deixam de ser delitivas”[8], em três formas possíveis:


“a) a descriminalização formal, de jure ou em sentido estrito, que em alguns casos sinaliza o desejo de outorgar um total reconhecimento legal e social ao comportamento descriminalizado, como por exemplo no caso da relação homossexual entre adultos, do aborto consentido e do adultério. Outras vezes esse tipo de descriminalização responde a uma ‘apreciação que difere do papel do Estado em determinadas áreas’, ou a uma valoração diferente dos Direitos Humanos que levam o Estado a abster-se de intervir, deixando em muitos casos a resolução desse fato em si mesmo indesejável às pessoas diretamente interessadas (autocomposição).


b) descriminalização substantiva, casos nos quais as penas são substituídas por sanções de outra natureza, como por exemplo, a transformação de delitos de pouca importância em infrações administrativas ou fiscais punidas com multas de caráter disciplinar.


(…)


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c) (…) existe descriminalização de fato, segundo a autora, quando o sistema penal deixa de funcionar sem que formalmente tenha perdido competência para tal, quer dizer, do ponto de vista técnico-jurídico, nesses casos, permanece ileso o caráter de ilícito penal, eliminando-se somente a aplicação efetiva da pena.”[9]


     A nova lei de tóxicos manteve o crime no artigo 28. Não se pode falar em descriminalização, porém o seu caráter despenalizador é indiscutível. A nova figura aboliu as penas privativas de liberdade e pecuniária, bem como as restritivas de direitos de prestação pecuniária ou inominada, perda de bens e valores e interdição temporária de direitos. Por despenalização, compreende-se, segundo Zaffaroni, o


“ato de ‘degradar’ a pena de um delito sem descriminalizá-lo, no qual entraria toda a possível aplicação das alternativas às penas privativas de liberdade (prisão de fim de semana, multa, prestação de serviços à comunidade, multa reparatória, semidetenção, sistemas de controle da conduta em liberdade, prisão domiciliar, inabilitações etc.).” [10]


René Ariel Dotti aponta ainda que a despenalização constitui manifestação de política criminal “que o legislador atende em função de interesses ocasionais ou permanentes” e conceitua-a como “todos os casos em que a pena criminal é substituída por sanção de outro ramo jurídico, mantendo-se o caráter ilícito da conduta”[11]. O caráter ilícito da conduta descrita no artigo 28 é inegável e igualmente inegável a substituição da sanção penal.


Além da alteração da sanção penal, o tipo penal incriminador do artigo 28 suprimiu a expressão “substância entorpecente” por “drogas” e descreveu condutas anteriormente não previstas, resolvendo divergências doutrinárias e jurisprudências que se arrastavam em nossos tribunais. O parágrafo 1º[12] do citado artigo resolve uma discussão que se fez presente durante todo o período de vigência da velha lei e fez surgir três posicionamentos: para alguns, não se permitia à subsunção ao artigo 16 daquele que cultivava plantas entorpecentes para consumo próprio, restando-lhe, por conseqüência, a tipificação do artigo 12, ou seja, tráfico de entorpecentes, mesmo que sua finalidade não fosse a traficância; para outros, a atipicidade de sua conduta era o correto; finalmente, para a posição majoritária, o enquadramento legal da conduta se dava ao artigo 16. A nova lei adotou este último entendimento jurisprudencial.


O parágrafo 2º do artigo 28, repetindo o disposto no artigo 37 caput da Lei 6.368/76, apresenta regras indicativas para a adequação típica da conduta daquele que é flagrado com entorpecente, determinando que o “juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. São circunstâncias a serem observadas não somente pelo juiz no momento da prestação da tutela jurisdicional, mas por todos os órgãos de repressão, desde a formalização do procedimento policial até a manifestação do ministério público, visando à correta adequação típica.


As demais regras do capítulo estão relacionadas à sanção penal e aqui, acreditamos, está marcada a principal e fundamental diferenciação com as legislações anteriores, dando, inclusive, ensejo para a discussão inicial a respeito da descriminalização.


O artigo 27 deixa clara a intenção do legislador de buscar a melhor “censura” do direito para a prevenção e a reinserção social do agente. As penas previstas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente e alteradas a qualquer tempo. A regra segue princípio adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual as medidas sócioeducativas podem ser revistas a qualquer momento.


Três são as penas previstas:


“I – advertência sobre os efeitos das drogas;


II – prestação de serviços à comunidade;


III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”


Todas elas são restritivas de direitos e não são penas alternativas, pois não há privação da liberdade como pena principal, excepcionando a regra geral posta no Código Penal pela qual a natureza das penas restritivas de direitos previstas é substitutiva da privativa de liberdade[13]. A retribuição e prevenção, tradicional na justiça penal punitiva, dão lugar ao fim terapêutico, num moderno Direito penal.


Incabível, portanto, qualquer outra sanção penal que não aquelas elencadas no artigo 28, sob pena de afronta ao princípio da legalidade[14], que determina a existência do crime e a sanção correspondente. Ademais, como visto no item anterior, os princípios norteadores da nova lei determinam uma interpretação terapêutica e inclusiva, não punitiva.


O prazo máximo para as penas previstas nos incisos II e III é de cinco meses[15], podendo, em caso de reincidência, serem aplicadas pelo prazo máximo de 10 meses[16]. A reincidência é específica, ou seja, somente aquele que foi condenado anteriormente pelo crime descrito no artigo 28 e comete a mesma conduta criminosa poderá alcançar o prazo máximo da sanção.


III. Retroatividade da lei mais benéfica


Feitas essas considerações a respeito do novo tratamento penal aos dependentes e usuários, não resta dúvida que a nova figura típica e as penas previstas são mais benéficas que as existentes anteriormente, impondo-se, por conseguinte, sua aplicação retroativa, inclusive aos casos em que a decisão judicial tenha transitado em julgado, consoante determina a Constituição Federal, artigo 5º, inciso XL, e o Código Penal, artigo 2º.


Aos usuários a que tenham sido impostas penas diversas das previstas na nova lei e, sendo elas mais gravosas, a retroatividade é obrigatória. As condenações à pena privativa de liberdade e pecuniária foram abolidas e a retroatividade, nesses casos, é indiscutível ante a regra constitucional. Exemplos: usuário condenado, em definitivo, à pena privativa de liberdade de seis meses de detenção no regime aberto. A pena encontra-se abolida e é impossível a substituição da sanção por qualquer das espécies previstas na nova lei; usuário condenado em definitivo à pena pecuniária, cumulativamente aplicada com outra sanção. A pena pecuniária encontra-se extinta pela abolição.


As penas restritivas de direitos, substitutivas da privativa de liberdade, a que os usuários tenham sido condenados, somente poderão ser executadas se correspondentes às espécies previstas na nova lei, ou seja, prestação pecuniária, perda de bens e valores, interdição temporária de direitos e limitação de fins de semana estão extintas pela abolição, vez que a nova lei não as prevê como sanção penal e não permite sua aplicação. Assim, aquele que foi condenado à pena privativa de liberdade de seis meses de detenção, mínimo legal do artigo 16 da Lei 6.368/76, e teve sua pena substituída por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária em favor de entidade pública, terá sua pena extinta.


Entretanto, para aqueles que foram condenados à pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, não há abolição, ante a correspondência legal. Todavia, deverão cumprir somente cinco meses, sem possibilidade de conversão em privativa de liberdade em caso de descumprimento e com observância das novas regras. Também nesse caso a adequação da pena deve ser feita pelo juiz da execução.


Frise-se que não há espaço para a substituição ou adequação da sanção anteriormente imposta por uma das espécies previstas na nova lei, sob pena de se afrontar a coisa julgada e o princípio da retroatividade da lei penal favorável. Importante ressaltar que a nova lei determina[17] aplicação das penas previstas no artigo 27, e é impossível a aplicação de qualquer outra restritiva de direitos que não aquelas.


Cabe, ainda, destacar, que a multa não é prevista como pena na nova lei, mas uma sanção administrativa pelo descumprimento das penas restritivas impostas, tanto que o artigo 29 se refere a ela como “medida educativa”, estabelecendo seus parâmetros. Houve, então, abolição da pena de multa e, caso existam condenações pendentes de cumprimento, a punibilidade encontra-se extinta.


Em relação às medidas de segurança aplicáveis aos inimputáveis, a nova lei fez menção a ela no artigo 45[18], dentro do título destinado à repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, mais especificamente no capítulo dos crimes. Isso pode levar à interpretação que não se aplica aos usuários e dependentes, já que as sanções a eles impostas tem por fim o tratamento e não a punição, mesma natureza das medidas de segurança. Porém, a omissão legislativa, em nosso entender, pode gerar prejuízos aos usuários e dependentes, exigindo uma interpretação que permita a aplicação do referido dispositivo a eles. Ao firmarmos a posição que há crime no artigo 28, as conseqüências penais pela sua prática e condenação permanecem inalteradas e, portanto, o não reconhecimento da inimputabilidade e a não aplicação da medida de segurança é prejudicial. O exemplo a seguir é claro: usuário inimputável e traficante inimputável. Ao primeiro, condenação e pena do artigo 28 por não ser possível a medida de segurança; ao segundo, absolvição e medida de segurança. A diferença de tratamento não é razoável, levando-se em consideração os princípios indicadores da nova lei. Assim, ao usuário e dependente de drogas, poderá ser aplicada a regra do artigo 45 da nova lei ou, ainda, o código penal subsidiariamente. E, aqueles que receberam, sob a égide da antiga lei a medida de segurança, continuarão o tratamento, observando-se, somente, as novas regras da lei 11.343/2006.


Em todos esses casos, a competência é do juiz da execução criminal, cabendo-lhe aplicar ou não a nova lei (art. 66, I da LEP e súmula 611 do STF).


Outro problema a se discutir é relativo às medidas alternativas pendentes de cumprimento, exigindo-se uma avaliação criteriosa.


No caso dos réus beneficiados com a suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95), inexistindo sanção penal, não há que se falar em revogação ou extinção do benefício. Em caso de descumprimento das condições e revogação do benefício, o juiz deverá observar as novas penas no momento de proferir a sentença.


A controvérsia está presente em relação à transação penal.


A posição jurisprudencial firmada pelo Superior Tribunal de Justiça[19] segue entendimento de que a transação constitui título executivo e seu descumprimento leva à execução da medida transacionada. O Supremo Tribunal Federal defende a possibilidade de oferecimento de denúncia em caso de descumprimento do transacionado[20]. Os dois posicionamentos[21] merecem questionamentos, mas uma resposta comum nos parece acertada. Se a pena aplicada na transação encontra correspondência com as penas previstas no artigo 27 da nova lei, a exigência de cumprimento é legalmente possível, todavia o prazo máximo de cinco meses deve ser respeitado. Significa dizer que, se na transação foi aplicada pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade por prazo superior a cinco meses, o transator está obrigado a cumprir somente o novo limite legal.


Por outro lado, se aplicada pena restritiva de direitos, não prevista no artigo 27, ou, pecuniária, em sede de transação penal, a extinção da punibilidade pela abolição da pena deve se operar. Para aqueles que defendem a formalização do título executivo há, em que pese não se tratar de sentença de mérito condenatória, aplicação “imediata de pena”, consoante o artigo 76 da Lei 9.099/95, e, sendo o caso de abolição da pena, a extinção da punibilidade deve ser reconhecida sem qualquer outra possibilidade. Para aqueles outros que defendem a possibilidade de oferecimento da denúncia em caso de descumprimento, somente o injustificado descumprimento autorizaria o início da ação penal. Não é isso que ocorre nesse caso, pois o descumprimento se dá pela abolição da pena fruto de uma alteração legislativa, sem qualquer interferência do autor do fato. Não é possível, então, o desfazimento da transação para oferecimento da denúncia, bem como a formulação de nova proposta aos moldes da nova lei. Ocorreu a preclusão consumativa e, tendo ocorrido a abolição, o caso é de extinção da punibilidade.


O reconhecimento da abolição decorre da imperativa determinação do artigo 48, parágrafo 5º[22], de que, nas transações penais observar-se-ão as penas previstas no artigo 27, bem como seus limites, sem qualquer liberdade de consenso na escolha de outras sanções. Ora, se o legislador determinou a aplicação dessas penas, únicas previstas, todas as demais estão vetadas e abolidas para a norma penal incriminadora sob estudo, o que impede a execução de penas impostas anteriormente pelos juizados.


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Ainda dentro da análise do tema retroatividade da lei mais benéfica, há a hipótese dos crimes praticados em data anterior ao da vigência da lei e que não tenham sido objeto de transação. Nesses casos, devem-se aplicar as novas regras para a transação penal previstas na novatio legis que veremos a seguir.


IV. Transação penal aos usuários e dependentes na nova lei de drogas


A transação penal, instituto introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei 9.099/95, mitigou a obrigatoriedade da ação penal, estabelecendo um novo modelo de justiça criminal, centrado na busca da solução dos conflitos e não mais na decisão formalista do caso. Um revolucionário instrumento a possibilitar a solução rápida, sumaríssima, da lide penal.


A definição de transação penal está no artigo 76 da Lei 9.099/95 e nada mais é que a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa ao autor do fato. Damásio de Jesus diz tratar-se de um negócio entre o ministério público e a defesa, possibilitando-se ao juiz, de imediato, aplicar uma pena alternativa ao autuado, justa para a acusação e defesa[23].


A transação penal é medida alternativa que tem por fim impedir a imposição de pena privativa de liberdade, através de sentença condenatória, mas não deixa de constituir sanção penal. Como o próprio dispositivo estabelece, claramente, a pena será aplicada de imediato, ou seja, antecipa-se a punição. É pena no sentido de imposição estatal, consistente em perda ou restrição de bens jurídicos do autor do fato, em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos[24].


A pena a ser objeto de proposta pelo ministério público e aplicada ao autor do fato deve seguir os parâmetros do artigo 68 do Código Penal, não se admitindo que a sanção[25] fique ao livre arbítrio do órgão acusador, sem qualquer fundamentação. Cabe registrar que o ministério público é o titular da proposta, e há discricionariedade regrada em sua atuação, tanto que a legalidade da mesma será apreciada pelo juiz.


Sendo obrigatória a observância dos critérios do artigo 68 do Código Penal para a formalização da proposta de transação penal, igualmente obrigatório é que o membro do ministério público observe todas as demais regras e princípios de direito penal, sem qualquer restrição, sob pena de grave afronta aos dispositivos legais.


Firmou-se o entendimento na doutrina e jurisprudência brasileira, com a entrada em vigor da Lei 9.099/95, que na transação penal o acordo das partes não está vinculado à pena prevista em abstrato ao tipo penal[26], mas há liberdade para se transacionar a aplicação de qualquer das espécies de penas restritivas de direitos existentes, mesmo que a pena prevista na norma penal seja unicamente pecuniária[27]. Escolhida, então, a pena adequada, fundamentada, com observância das regras de Direito penal, a proposta será apresentada ao autor do fato.


A liberdade de escolha da pena, na transação penal para os crimes de menor potencial ofensivo, não tem a mesma extensão na nova lei de drogas, pois o artigo 48, parágrafo 5º, expressamente determinou:


“Para os fins do disposto no art. 76 da Lei 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta.”


Para a transação penal com os usuários e dependentes de drogas, deve-se observância às sanções previstas na figura incriminadora do artigo 28, sob pena de se afrontar o princípio da legalidade. Inexiste liberdade ao ministério público em escolher outras sanções que não aquelas previstas, pois a norma do artigo 48 é imperativa. Mostra-se arbitrário permitir que a transação envolva penas não previstas, nem mesmo determinadas no tipo penal.


Seguindo a regra do artigo 27, na proposta de transação, o ministério público poderá especificar uma pena, isoladamente, ou duas ou mais penas, cumulativamente. Inclusive, com possibilidade de substituição a qualquer tempo, com o fim de melhor adequá-la à recuperação e à reinserção do usuário e do dependente.


A transação penal parte do princípio do consenso entre as partes a respeito da pena a ser aplicada antecipadamente, todavia não é permitido transacionar a ilegalidade sob pena de afronta à Constituição Federal e à legislação penal. A liberdade das partes está limitada pelos princípios e regras de direito penal, cabendo ao magistrado, ao homologar a transação, avaliar a legalidade da mesma.


O princípio da legalidade, portanto, significa proteção contra o poder punitivo estatal e desdobra-se nos seguintes princípios: proibição da edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade; proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário; proibição da fundamentação da punibilidade pela analogia; proibição de leis penais indeterminadas[28].


Esse princípio proíbe, de forma absoluta, a aplicação de penas não previstas legalmente, limitando a atividade do operador do direito ao estabelecido na norma penal incriminadora – artigos 27 e 28 da Lei de Drogas. Também não permite a fixação da pena além do previsto em lei.


A transação penal, antecipando a pena, tem de respeitar esse princípio e o juiz deve zelar por isso, não homologando a transação penal em caso de ofensa. Por tudo isso, compreende-se que agora, com a entrada em vigor da Lei 11.343/2006, as propostas de transação penal para os usuários ou dependentes que tenham sua conduta subsumida ao tipo penal previsto no artigo 28, somente poderão contemplar as penas previstas legalmente e dentro daquelas regras, ou seja: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.


A aplicação imediata de pena de multa é impossível, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. Da mesma forma, não é possível a aplicação de prestação pecuniária, perda de bens e valores, interdição temporária de direitos ou limitação de finais de semana. Por não estarem previstas legalmente como resposta do Direito penal para as condutas que se enquadram no artigo 28 não podem ser aplicadas, mesmo em sede de transação penal.


A transação penal não é carta em branco, e a possibilidade de acordo entre as partes não se sobrepõe aos princípios e regras de direito penal. A idéia da transação está no antecipar a pena que seria aplicada numa eventual sentença condenatória e, por essa razão, sustentamos que o ministério público deve se amparar no artigo 68 do código penal para apresentá-la, buscando chegar o mais próximo daquilo que seria aplicado ao final. Pela mesma razão, não se pode compactuar com a possibilidade de aplicação imediata de pena que não seria legalmente possível ao final, numa eventual sentença condenatória.


Por inexistir qualquer previsão legal, as regras impeditivas de nova transação penal àquele que realizou a transação nos últimos cinco anos ainda prevalece, visto que as disposições do artigo 76 da lei 9.099/95 encontram amparo na nova lei, à exceção da liberdade de escolha da pena[29]. Em caso de descumprimento do transacionado, o autor estará sujeito à admoestação verbal e à multa, conforme artigo 28, parágrafo 6º, nada impedindo a substituição das penas por outras, dentre aquelas previstas, que melhor alcancem os fins da prevenção, tratamento, conscientização e reinserção social.


V. Consideracões finais


A nova lei de drogas inova ao cominar sanções penais não privativas de liberdade ou pecuniárias, com fim de prevenir, tratar e permitir a ressocialização dos usuários e dependentes de entorpecentes. Um vértice minimalista e garantista em um paradigma punitivo e prisional.


Os princípios fundantes da nova lei devem determinar a interpretação dos operadores do direito e sua efetiva implementação tem por fim uma justiça penal terapêutica e restaurativa.


A despenalização e não descriminalização abre, ao menos, quatro linhas de discussão para os fatos criminosos praticados sob a égide da lei velha, mais gravosa: 1) fatos ainda não julgados por sentença condenatória, nem objeto de transação penal; 2) fatos com transação penal ainda não cumprida; 3) fatos com sentença condenatória sem trânsito em julgado; 4) fatos com sentença condenatória com trânsito em julgado; 5) fatos com medida de segurança decorrente de sentença absolutória imprópria com ou sem trânsito em julgado.


As considerações e soluções para esses questionamentos têm por fim fomentar o debate e não é nossa pretensão esgotar o assunto.


Item 1 – ante o princípio da aplicação da lei mais benéfica, exige-se que o operador do direito observe a lei nova no momento da transação ou ao proferir a sentença. Tanto na transação penal quanto na sentença de mérito, as únicas penas possíveis de aplicação são aquelas previstas no artigo 28, podendo ser aplicadas isolada ou cumulativamente, estando vedada, frente ao princípio da legalidade, pena não prevista no artigo.


Item 2 – a nova lei, por ser mais benéfica, deverá ter efeito retroativo e caso a transação tenha estabelecido pena não prevista no novo tipo penal, o reconhecimento da abolição é de rigor. Caso a transação tenha envolvido uma das espécies de penas previstas no artigo 28, deverão ser observadas as novas regras, inclusive quanto ao limite de cumprimento. Nesse caso, se houver descumprimento, permite-se a admoestação verbal, multa e/ou substituição das penas por qualquer das previstas no artigo 28. Se já cumprida a transação e extinta a pena, nada resta a discutir.


Item 3 – as turmas recursais dos juizados especiais criminais têm competência para aplicar a lei nova. Tendo a sentença de primeiro grau imposto pena não prevista no novo tipo penal e, inexistindo recurso da acusação, deve ser reconhecida a extinção da pena. Existindo recurso do ministério público impugnando a pena na parte dispositiva, deverá a turma recursal adequá-la aos ditames da nova lei.


Item 4 – se já estiver cumprida a pena e, por conseqüência, extinta a pretensão executória, não há discussão. Todavia, se ainda não cumprida a sanção penal, a nova lei, por ser mais benéfica, deverá ter efeito retroativo e caso a condenação tenha estabelecido pena não prevista no novo tipo penal, o reconhecimento da abolição deverá ser feito pelo juízo das execuções. Cuidando-se de pena de prestação de serviços à comunidade, além da redução de seu prazo, é impossível a sua conversão em privativa de liberdade, permitindo-se a admoestação verbal, multa e/ou substituição das penas.


Item 5 – se aplicada medida de segurança ao usuário ou dependente considerado inimputável ou semi-imputável, a continuidade do tratamento é admissível, adequando-o aos moldes da nova lei.



Referencial bibliográfico


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Notas:


[1] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 127.




[2] Eleições para Presidente da República, Senado e Câmara Federal, Governo e Assembléias Legislativas Estaduais.




[3] A posição se baseia na Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro (Decreto-lei 3.914/41) que assim dispõe: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.




[4] O interesse na conceituação e distinção limita-se ao meio acadêmico por não representar qualquer diferença no âmbito social ou comunitário ao usuário/dependente, ainda mais por não afastar a nova lei a intervenção do sistema penal como meio de repressão a essas condutas. O rompimento do estigma também não se dará com a simples alteração das penas, vez que perante as comunidades o tratamento se mantém.




[5] GOMES, Luiz Flávio (cord.). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 99-141.




[6] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 16ª ed, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, 175-9.




[7] SILVA, Eliezer Gomes da. Direitos humanos como fundamento ético-argumentativo para um conceito material de crime – uma proposta de superação da teoria do bem jurídico-penal. In: CLÉVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (ed.).  Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2006.




[8] CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2ª ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2002, p. 81.




[9] CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2ª ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2002, p. 82-3.




[10] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 340-1.




[11] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 2ª ed, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 79.




[12] Artigo 28, § 1º: às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.




[13] Artigo 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade (…).




[14] Artigo 1º do Código Penal: Não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal.




[15] § 3o  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.




[16] § 4o  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.




[17] Artigo 48, § 5o  Para os fins do disposto no artigo 76 da Lei no 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta.




[18] Artigo 45.  É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único.  Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.




[19] Neste sentido, REsp 203583: “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. LEI 9.099/95. ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. 1 – A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal. 2 – Não se apresentando o infrator para prestar serviços à comunidade, como pactuado na transação (art. 76, da Lei nº 9.099/05), cabe ao MP a execução da pena imposta, devendo prosseguir perante o Juízo competente, nos termos do art. 86 daquele diploma legal. Precedentes. 3 – Recurso não conhecido.” E, ainda: STJ – RESP 172981-SP (JBC 42/120, RT 770/536, RDJTJDFT 62/211), RESP 172951-SP, RESP 203583-SP (RSTJ 140/592), RESP 190194-SP (RJDTACSP 52/259, REVFOR 364/416), HC 11111-SP, RESP 190319-SP, HC 9853-SP, HC 10198-SP.




[20] Nesse sentido: “O descumprimento da transação penal prevista na Lei 9.099/95 gera a submissão do processo em seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória, não havendo que se cogitar, portanto, na propositura de nova ação criminal por crime do art. 330 do CP (“Desobedecer à ordem legal de funcionário público”). Com base nesse entendimento, a Turma, por falta de justa causa, deferiu habeas corpus a paciente para determinar o trancamento de ação penal contra ele instaurada pelo não cumprimento de transação penal estabelecida em processo anterior, por lesão corporal leve. HC 84976/SP, rel. Min. Carlos Britto, 20.9.2005, informativo nº 402 (grifo nosso); E ainda: STF, HC-80802, rel. Min. Ellen Graice, informativo nº 225; STF, RE-268319, rel. Min. Ilmar GaLvão, informativo nº 193; STF, HC 79.572, rel. Min. Marco Aurélio, informativo nº 180 (transcrições)




[21] A possibilidade de conversão da pena imposta na transação penal em privativa de liberdade não foi mencionada por entendermos que hoje é pacífica sua impossibilidade, conforme posição jurisprudencial dos tribunais superiores. Outra posição existente sustenta a não homologação da transação enquanto não cumprida integralmente, restando revogada em caso de descumprimento. Sem questionar sua legalidade, essa posição encontra solução semelhante às estudadas.




[22] A expressão “poderá” está relacionada à discricionariedade regrada do ministério público em propor a transação penal e não a escolha da sanção penal.




[23] JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 62




[24] Dotti, René Ariel. Curso de Direito Penal. 2ª ed, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 433.




[25] O artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal estabelece que todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (…). O Ministério Público, por seus órgãos de execução, também tem o dever de fundamentar suas manifestações.




[26] A se firmar a posição de que o artigo 76 estendeu a possibilidade de aplicação de penas restritivas e pecuniárias além daquelas previstas em abstrato na lei, um limite temporal há que ser reconhecido para as transações, ou seja, nenhuma pena transacionada poderá ter prazo superior a 2 anos, pois esse é o limite quantitativo-conceitual para os crimes de menor potencial ofensivo. Assim, a aplicação de penas restritivas de direitos nas espécies de prestação de serviços à comunidade, limitação de finais de semana e interdição temporária de direitos, não poderão ter prazo superior a 2 anos, mantendo-se dentro dos limites dos crimes de menor potencial ofensivo. Um limite qualitativo igualmente deve ser imposto, e a aplicação das restritivas de direitos deve observar as regras gerais do código penal, no que for compatível com a lei dos juizados especiais criminais, ou seja, a pena restritiva de direitos transacionada deve ser aquela que seria legalmente possível no caso de condenação pelo crime ou contravenção executada. Apenas a título de exemplificação, para um fato criminoso não praticado com violação aos deveres inerentes ao exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função, impossível a transação penal na espécie de pena restritiva de interdição temporária de direitos (artigo 56 do Código Penal).




[27] O enunciado 20 do FÓRUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS assim dispõe: “A proposta de transação de pena restritiva de direitos é cabível, mesmo quando o tipo em abstrato só comporta pena de multa.” Disponível em <http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/tj. noticia.visualizar?noticia_id=22679&urlVoltar=/wps/portal/tj.noticia.categoria?categoria=64&titulo=Juizados%20Especiais%20-%20Enunciados&mostrarLista=false&listarReduzido=20&listarAmplo= TUDO&tituloEstatico=&urlEstatico=&linkEstatico=&rodape=>. Acessado em 02 de outubro de 2006.




[28] Toledo, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, 1986, p. 25-28.




[29] A liberdade de escolha da pena restritiva de direitos ou pecuniária, independente de previsão em abstrato do tipo penal, continua a valer para todos os crimes de menor potencial ofensivo, à exceção do capitulado no artigo 28 da Lei 11.343/2006.




Informações Sobre os Autores

Vladimir Brega Filho

Mestre em direito pela ITE-Bauru e Doutor em direito pela PUC-SP. É coordenador e professor do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro em Jacarezinho-PR, Promotor de Justiça em São Paulo e autor do livro Suspensão condicional da pena e suspensão condicional do processo publicado pela editora JHMizuno

Marcelo Gonçalves Saliba

Promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, mestrando em Ciências Juridicas pela FUNDINOPI, professor de Direito Penal e Processual Penal das Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO


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