Alessandro Pereira de Azevedo – Advogado e professor universitário. Graduado em Direito pela Universidade Brás Cubas – UBC, Especialista em Direito Público pela Universidade Salesiana de São Paulo – UNISAL e Mestre em direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES.
Resumo: O STF no julgamento do Recurso Extraordinário com agravo n° 664335/SC (ARE – 664335) com repercussão geral reconhecida, fixou duas teses no julgamento deste recurso, a primeira tese em relação ao ruído, que não será abordado neste artigo e a segunda tese, essa sim objeto do presente artigo, sobre a possibilidade do reconhecimento da especialidade do trabalho quando o trabalhador estiver exposto a outros agentes insalubres e, neste caso, trataremos do agente insalubre biológico. Portanto, em relação a esse agente insalubre, abordaremos se a simples menção no PPP ou outro formulário sobre o fornecimento de EPI (Equipamento de Proteção Individual) seria capaz de impossibilitar o reconhecimento do período especial. Isso porque, no (ARE – 664335) restou firmado o entendimento de que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. Desta feita, abordaremos brevemente os aspectos históricos da aposentadoria especial e seu conceito e, ainda, será analisado como o poder judiciário, especialmente a Justiça Federal vem interpretando a possibilidade ou não do enquadramento do agente insalubre biológico como período de trabalho especial, mesmo com a informação de fornecimento de EPI no PPP ou outro formulário.
Palavras-chave: Aposentadoria especial. Agente insalubre biológico. Fornecimento de EPI no PPP ou outro formulário.
Abstract: The STF in the judgment of the Extraordinary Appeal with interlocutory appeal No. 664335 / SC (ARE – 664335) with recognized general repercussion, fixed two theses in the judgment of this appeal, the first thesis in relation to noise, which will not be addressed in this article and the second thesis , this object of the present article, on the possibility of recognizing the specialty of the work when the worker is exposed to other unhealthy agents and, in this case, we will deal with the biological unhealthy agent. Therefore, in relation to this unhealthy agent, we will address whether the simple mention in the PPP or another form on the provision of PPE (Personal Protective Equipment) would be able to prevent the recognition of the special period. This is because, in (ARE – 664335), the understanding that the right to special retirement presupposes the effective exposure of the worker to an agent harmful to their health has been established, so that, if the PPE is really able to neutralize the harmfulness, there will be no constitutional support for special retirement. This time, we will briefly address the historical aspects of special retirement and its concept and, still, it will be analyzed how the judiciary, especially the Federal Justice has been interpreting the possibility or not of framing the biological unhealthy agent as a special work period, even with the PPI supply information in PPP or other form.
Keywords: Special retirement. Biological unhealthy agent. Supply of PPE in PPP or another form.
Sumário: Introdução. 1. Breve histórico da aposentadoria especial. 2. O conceito e a possibilidade do reconhecimento da aposentadoria especial pelo agente insalubre biológico antes da EC 103/2019 e a necessidade do PPP ou outro formulário. 3. O posicionamento do poder judiciário quanto a possibilidade ou não do enquadramento do agente insalubre biológico como período de trabalho especial mesmo com a informação de fornecimento de EPI no PPP ou outro formulário. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A aposentadoria especial historicamente foi instituída pela Lei nº 3.807/60 e a partir daí sofreu inúmeras modificações até a última alteração introduzida pela EC 103/2019.
A aposentadoria especial é uma aposentadoria por tempo de contribuição concedida aos trabalhadores que se enquadrem nas condições consideradas nocivas à saúde (insalubres, perigosas e as penosas) e esse enquadramento especial do trabalho foi alterado com a EC 103/2019, todavia, considerando somente o período anterior a alteração mencionada, tem-se que o trabalho em condições especiais faz com que exista significativa redução no tempo de trabalho para 15, 20 e 25 anos, em decorrência da atividade habitualmente exercida que cause ao trabalhador a degradação da sua saúde, sendo necessário ainda o recolhimento mínimo de 180 contribuições.
Essa Emenda Constitucional (EC) 103/2019 trouxe significativas mudanças neste instituto, pois passou-se a exigir idade mínima, o que não era exigido antes da modificação, vedou a conversão de tempo e passou a exigir a efetiva exposição a agentes nocivos, enfim, as regras são mais rígidas e difíceis de serem alcançadas, todavia, como abordaremos a aposentadoria especial em relação ao agente nocivo biológico antes da reforma trazida pela EC 103/2019, não trataremos neste artigo sobre os aspectos alterados em relação a aposentadoria especial e sobre sua existência atualmente.
Em relação a comprovação do labor em condições especiais cabe ao segurado o ônus de fazer essa prova ao juntar ao requerido administrativo junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS o laudo SB-40, DSS-8030, DIRBEN 8030 ou PPP, conforme a época do labor e, em caso de negativa administrativa com a juntada da cópia do processo administrativo no judicial.
Aliás, destaca-se que judicialmente é possível o requerimento de perícia para constatação do agente insalubre, desde que não seja o processo de competência do Juizado Especial Federal e, ainda, utilizar uma prova emprestada como, por exemplo, uma perícia judicial realizada em um processo trabalhista.
A abordagem em relação a caracterização ou descaracterização do trabalho em condições especiais pelo fornecimento de EPI quando existe o fornecimento de EPI (Equipamento de Proteção Individual) é de suma importância, pois se houver o reconhecimento do trabalho especial aplicando-se as regras anteriores da emenda constitucional 103/2019, economicamente será melhor ao segurado que terá uma Renda Mensal Inicial – RMI maior e, por isso, forçado será a empresa criar melhores condições de trabalho aos empregados, melhorando, inclusive o meio ambiente do trabalho e o meio ambiente social, já que teremos pessoas com menos problemas de saúde no convívio social.
Com isso, o objetivo deste trabalho foi demonstrar em relação especificamente ao agente insalubre biológico, ante a decisão exarada no Recurso Extraordinário com agravo n° 664335/SC (ARE – 664335) com repercussão geral reconhecida, se a simples menção no PPP ou outro formulário sobre o fornecimento de EPI (Equipamento de Proteção Individual) seria capaz de impossibilitar o reconhecimento do período especial ou se seria necessário além da menção de fornecimento do EPI a prova cabal de que tal Equipamento de Proteção Individual neutralizar o agente insalubre biológico.
- BREVE HISTÓRICO DA APOSENTADORIA ESPECIAL
No presente tópico traremos tão comente as alterações legislativas mais significativas para a tema abordado, destacando que o benefício da aposentadoria especial foi criado na década de 60.
Após isso, inúmeras transformações ocorreram até a atual modificação trazida pela EC nº 103/2019 que trouxe significativas mudanças neste instituto, pois passou-se a exigir idade mínima, o que não era exigido antes da modificação, vedou a conversão de tempo e passou a exigir a efetiva exposição a agentes nocivos, enfim, as regras são mais rígidas e difíceis de serem alcançadas.
No Brasil a aposentadoria especial surgimento com o artigo 31 da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS – Lei n. 3.807, de 26-8-1960, sendo tal benefício foi regulamentado nos arts. 65 e 66 do Decreto n. 48.959-A/60 (RPGS). Sua concessão destinava-se aos segurados que atendessem os seguintes critérios: mínimo de 50 anos de idade; mínimo de 15 anos de contribuição; e 15, 20 ou 25 anos de atividade profissional pelo menos, em serviços penosos, insalubres ou perigosos, assim considerados por decreto do Poder Executivo. Após isso surgiu o Decreto nº 53.381/64 que logo foi revogado pelo Decreto nº 63.230/68 que deu nova regulamentação a Lei nº 3.807/60 – LOPS; criou quadro estabelecendo a relação entre os serviços e as atividades profissionais classificadas como insalubres, perigosas ou penosas (Anexo 3); exposição aos agentes químicos, físicos e biológicos em trabalho habitual e permanente. (TSUTIYA, 2008).
A LOPS foi regulamentada pelo Decreto n. 48.959-A/60, que aprovou o Regulamento Geral da Previdência Social. O regulamento trazia anexo um quadro que definia os serviços insalubres, penosos ou perigosos que conferiam natureza especial à atividade para fins de cobertura previdenciária. (SANTOS, 2015).
Posteriormente o Decreto 53.381/64 que trouxe nova regulamentação art. 31 da LOPS acabou por criar um quadro anexo estabelecendo os agentes físicos, químicos e biológicos e, ainda os serviços e atividades profissionais que se desenvolvidas pelo segurado gerariam o direito a aposentadoria especial (15, 20 e 25 anos).
Assim dispunha art. 31 da LOPS: “Art. 31. A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.”
Após isso houve nova modificação legislativa do Decreto 53.381/64, pela Lei nº 5.440-A/69 que alterou o artigo 31 da LOPS e suprimiu a idade mínima para a aposentadoria especial, ou seja, não mais a partir desta alteração houve a necessidade de completar a idade mínima de 50 anos de idade antes existente.
E a segunda alteração ao Decreto 53.381/64 ocorreu pelo Decreto n. 63.230/68 que criou 2 (dois) novos quadros anexos, ou seja, incluiu o Quadro I – Classificações das atividades profissionais segundo agentes nocivos e o Quadro II – Classificações das atividades segundo grupos profissionais, estabelecendo, ainda, o mínimo de 180 contribuições mensais, 15, 20 ou 25 anos de atividade profissional pelo menos, em serviços penosos, insalubres ou perigosos, de modo habitual e permanente.
Após, a Lei 5.890/73, regulamentada pelo Decreto nº 72.771/73, revogou o artigo 31 da LOPS, sendo posteriormente o Decreto 63.320/68 e o Decreto 53.831/64 revogados pelo Decreto 83.080/79 unificados pelo Decreto 83.080/79.
A Lei nº 6.887/80 que alterou o artigo 9º da Lei nº 5.890/73 possibilitou a conversão de tempo especial em tempo comum.
Houve a edição da Lei nº 8.213/91 e posteriormente a Lei 9.032/95.
A Lei 9.032/95 constituiu um grande marco da aposentadoria especial, alterando profundamente o conceito, principalmente por impossibilitar o enquadramento da especialidade do trabalho exercido pela profissão, estabelecendo alguns critérios, quais sejam: a) 180 contribuições; b) 15, 20 ou 25 anos de atividade profissional em trabalhos que prejudiquem a saúde ou a integridade física; c) comprovação de tempo de trabalho permanente, não ocasional e nem intermitente; d) comprovação de exposição de agentes nocivos, químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física; e) proibição de atividade comum para especial; f) comprovação das condições ambientais e operacionais do trabalho feita pelo SB-40, emitido pela empresa com base em laudo técnico e g) renda mensal inicial (RMI) do benefício correspondente a 100% do salário-de-benefício. (TSUTIYA, 2008).
Em relação ao trabalho permanente, entende a Turma Nacional de Uniformização – TNU na Súmula 49 que para reconhecimento de condição especial de trabalho antes de 29/4/1995, a exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não precisa ocorrer de forma permanente.
Houve pela Lei nº 9.528/97 a criação do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP que é o documento que a empresa deve preencher de forma a demonstrar as atividades laborativas desenvolvidas pelo trabalhador e deve ser entregue ao empregado no momento da rescisão do seu contrato de trabalho.
Além de outras modificações ocorridas após a Lei nº 9.032/95, o Decreto 3.048/99 trouxe a relação de atividades e o tempo de exposição que seria necessário para a caracterização da atividade especial.
E, atualmente, a EC nº 103/2019 que trouxe significativas mudanças neste instituto, pois passou-se a exigir idade mínima, o que não era exigido antes da modificação, vedou a conversão de tempo e passou a exigir a efetiva exposição a agentes nocivos, enfim, as regras são mais rígidas e difíceis de serem alcançadas.
- O CONCEITO E A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA APOSENTADORIA ESPECIAL PELO AGENTE INSALUBRE BIOLÓGICO ANTES DA EC 103/2019 E A NECESSIDADE DO PPP OU OUTRO FORMULÁRIO
Importante consignar inicialmente que o presente trabalho abordará apenas as questões ligadas a aposentadoria especial pelo agente nocivo biológico antes da EC 103/2019 e conforme a regra temporal “tempus regit actum”, haverá o enfrentamento se há ou não a necessidade de apresentação de formulário PPP ou outro formulário além do laudo técnico para o reconhecimento do trabalho em condições especiais por esse agente insalubre.
A propósito, a aposentadoria especial é uma aposentadoria por tempo de contribuição, mas só é concedida àqueles trabalhadores sujeitos a atividade nociva. (GODOY, 2020).
Trata-se de um benefício de natureza extraordinária, tendo por objetivo compensar o trabalho do segurado que presta serviços em condições adversas à sua saúde ou que desempenha atividade com riscos superiores aos normais. (MARTINS, 2008).
E aqui cabe destacar o que é atividade nociva, portanto, os agentes nocivos são classificados em físicos (ruídos, vibrações, frio, pressão anormal, radiação ionizantes e não ionizantes, umidade etc.); químico (névoas, neblinas, poeiras, fumos, gases, vapores de substâncias nocivas etc.) e biológicos (microrganismos com bacilos, bactérias, fungos, parasitas, etc.). (TSUTIYA, 2008).
Portanto, a aposentadoria especial é o benefício previdenciário concedido em razão das condições de trabalho com exposição aos agentes físicos, químicos, biológicos ou associação desses agentes passíveis de prejudicar a saúde ou a integridade física do trabalhador. (SALIBA, 2012)
Assim, considerando as diversas alterações legislativas abordadas no tópico anterior, necessário será analisar a Lei do tempo do ato, pois é aplicável ao direito previdenciário o princípio do “tempus regit actum”.
Desta forma, o trabalho prestado na vigência da Lei anterior a EC 103/2019, esse tempo trabalhado será reconhecido como trabalho em condições especiais (nocivos à saúde e a integridade física) se preenchidos os requisitos para o seu reconhecimento conforme a Lei da época do labor.
Aliás, em relação a comprovação do tempo especial pela Lei da época do ato (tempus regit actum) é pacífico na nossa jurisprudência, inclusive, no Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Vejamos: “PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. TEMPO ESPECIAL E COMUM. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. ART. 9º, § 4º, DA LEI 5.890/1973, INTRODUZIDO PELA LEI 6.887/1980. CRITÉRIO. LEI APLICÁVEL. LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DA APOSENTADORIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA PENDENTE DE TRÂNSITO EM JULGADO. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESCABIMENTO. 1. É desnecessário o trânsito em julgado do acórdão proferido em Recurso Especial representativo da controvérsia para que se possa invocá-lo como precedente a fundamentar decisões em casos semelhantes. Precedentes do STJ. 2. Não se configurou a ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 3. O STJ, no julgamento do REsp 1.310.034/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, fixou o entendimento de que a configuração do tempo de serviço especial é regida pela legislação em vigor no momento da prestação do serviço. 4. A Lei 9.032/1995, ao alterar o § 3º do art. 57 da Lei 8.213/1991, vedando, a partir de então, a possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial, não atinge os períodos anteriores à sua vigência, ainda que os requisitos para a concessão da inativação venham a ser preenchidos posteriormente, visto que não se aplica retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições em relação ao tempo de serviço. 5. Nesse contexto, deve ser aplicada a lei vigente à época em que a atividade foi exercida para embasar o reconhecimento do direito à conversão do tempo comum em especial, em observância ao princípio do tempus regit actum, razão pela qual merece ser mantido o aresto recorrido. 6. Agravo Regimental não provido”. (STJ, 2014). (grifamos).
E a aplicação do princípio do “tempus regit actum” conforme o entendimento jurisprudencial acaba sendo uma garantia para o trabalhador ante as inúmeras alterações legislativas, isso porque, havendo alteração legislativa que passe a ser desfavorável ao trabalhador, a este estará garantido o reconhecimento do trabalho na Lei vigente a época do seu exercício e, por outro lado, também é uma garantia ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, pois, havendo eventualmente (digo eventualmente, pois é algo raro de acontecer, geralmente as alterações são para enrijecer as regras de concessão e não para facilitá-las) a publicação de uma Lei benéfica ao segurado essa lei nova somente será aplicada a partir da sua vigência, os labor realizado na Lei anterior aos requisitos dela estará o trabalhador submisso.
Até o advento da Lei n. 9.032/95, a comprovação do exercício de atividade especial era feita por meio do cotejo da categoria profissional do segurado, observada a classificação inserta nos Anexos I e II do Decreto n. 83.080/79 e Anexo do Decreto n. 53.831/64. (SANTOS, 2015).
Neste ponto é importante observar a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR, que possibilitou desde que atendidos os demais requisitos, o reconhecimento da aposentadoria especial, se perícia judicial constatar que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
A propósito a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR diz que: “Súmula 198/TFR – 02/12/1985. Seguridade social. Aposentadoria especial. Atividade insalubre, perigosa ou penosa. Constatação por perícia judicial. Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento”. (grifamos).
E após a modificação legislação introduzida pela Lei nº 9.032/95, o enquadramento do trabalho nocivo a saúde ou integridade física do trabalhador não é mais feita pela categoria profissional (Anexos I e II do Decreto n. 83.080/79 e Anexo do Decreto n. 53.831/64), mas, sim pela comprovação da atividade especial laborada não era exercida de forma ocasional ou intermitente, ou seja, exigindo ainda que essa exposição fosse habitual e permanente (CASTRO; LAZZARI, KRAVCHYNCHYN, 2016).
E, ainda, deve o segurado comprovar todo o tempo trabalhado e a exposição ao agente nocivo (prejudicial à saúde ou a integridade física do trabalhador), pelo período exigido para a concessão da aposentadoria especial, sendo essa comprovação feita pelo SB-40, emitido pela empresa com base no laudo técnico.
Entendemos que por questão de justiça, a exigência da comprovação a exposição efetiva aos agentes nocivos e não mais o enquadramento pela categoria profissional era necessária, para que não haja benefícios a determinados trabalhadores que não tivessem expostos aos agentes nocivos à saúde e aos riscos do trabalho.
Dessa forma, não terá direito à aposentadoria especial o segurado que trabalhou ocasionalmente ou de maneira intermitente em condições prejudiciais à saúde. (CASTRO; LAZZARI, KRAVCHYNCHYN, 2016).
A propósito a Turma Nacional de Uniformização – TNU por meio da Súmula de nº 49 esclarece bem esse marco divisor entre as alterações legislativas, senão vejamos: “Para reconhecimento de condição especial de trabalho antes de 29/4/1995, a exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não precisa ocorrer de forma permanente”.
Posteriormente, dentre as alterações que ocorreram, a Lei nº 9.528/97 resultado na conversão da Medida Provisória nº 1.523/96 trouxe as seguintes regras:
1 – O pode executivo teve poder para definir e relacionar os agentes nocivos;
2 – Passou a haver a exigência de laudo técnico pericial, ou seja, formulário emitido por empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho elaborado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho;
3 – Como forma de minimizar ou até eliminar os agentes nocivos, reverencia as medidas de proteção coletiva, através do Equipamentos de proteção coletivas – EPC;
4 – E criou o PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário.
Ou seja, passou-se a exigir a partir de então a apresentação de laudo técnico para a comprovação do agente nocivo, o que antes desta alteração somente era exigido para aos agentes nocivos de ruído e calor.
Novamente algumas outras alterações ocorreram e não as abordaremos, pois, com a devia venia entendemos que não são relevantes para o presente trabalho, contudo, além de outras modificações ocorridas após a Lei nº 9.032/95, o Decreto 3.048/99 trouxe a relação de atividades e o tempo de exposição que seria necessário para a caracterização da atividade especial.
Portanto, em relação ao agente nocivo biológico (objeto do presente trabalho) a jurisprudência firmou entendimento de que a lei aplicada é o da época da prestação do serviço.
Assim, até a promulgação da Lei 9.032/95, de 28 de abril de 1995, a especialidade do labor é aferida pela categoria profissional (profissão desempenhada), com exceção dos agentes calor e ruído. Após, passou-se a exigir para a comprovação da atividade especial os formulários SB-40 e DSS-8030 e, posteriormente, a apresentação do PPP, como bem destaca o julgado que segue.
A propósito: “PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. USO E EFICÁCIA DE EPI. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob condições nocivas é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador (STJ, Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034). 2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído, calor e frio); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997; a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica; e, a partir de 01-01-2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação da especialidade desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. 3. A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais da atividade exercida no período anterior a 03-12-1998. Ademais, os EPI’s não têm o condão de afastar ou prevenir o risco de contaminação pelos agentes biológicos (Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017), razão pela qual o tempo controverso deve ser reconhecido como especial. 4. Mantida a sentença que concedeu aposentadoria especial ao requerente, desde a data do requerimento administrativo. 5. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do CPC/2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias. (TRF-4, 2020). (grifamos).
Sendo está a evolução legislativa, ao menos as mais relevantes e as formas de comprovação do agente nocivo biológico.
- O POSICIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO QUANTO A POSSIBILIDADE OU NÃO DO ENQUADRAMENTO DO AGENTE INSALUBRE BIOLÓGICO COMO PERÍODO DE TRABALHO ESPECIAL MESMO COM A INFORMAÇÃO DE FORNECIMENTO DE EPI NO PPP OU OUTRO FORMULÁRIO
O cerne da problemática a ser enfrentada é se no período em que a legislação exigiu a comprovação efetiva da exposição do segurado aos agentes nocivos por meio dos formulários próprios e não mais pelo simples enquadramento pela categoria profissional, bem ainda da necessidade de constar no referido formulário o fornecimento do EPI, se a simples menção do fornecimento do Equipamento de Proteção Individual é suficiente para afastar o trabalho em condições especiais em relação aos agentes biológicos ou se seria necessário a prova da efetividade em neutralizar o agente biológico para afastar a especialidade do labor?
E com relação ao fornecimento do equipamento de proteção individual – EPI em relação ao agente nocivo biológico, importante é observar o julgamento exarado no recurso extraordinário com agravo ARE de nº 664335 de Santa Catarina (julgado pelo Plenário em 04/12/2014, Rel. Min. Luiz Fux), pois neste julgado firmou-se entendimento no sentido de que havendo comprovação de que o EPI fornecido seja capaz de neutralizar o agente nocivo, no caso deste artigo do agente biológico, afastado será a especialidade do labor em relação a esse agente nocivo.
A propósito, vejamos a ementa do referido recurso extraordinário com agravo ARE de nº 664335 de Santa Catarina (julgado pelo Plenário em 04/12/2014, Rel. Min. Luiz Fux):
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/88). 2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade – Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da República, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/88), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (art. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (art. 193, e 225, CRFB/88). 3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. 4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo. 5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998. 6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores. 8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador. 9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. 10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. 12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário. (STF, 2014). (grifamos).
Assim, pela análise do referido julgado, salvo melhor juízo, percebe-se que há imposição de exposição efetiva do trabalhador do risco (agente nocivo) e ainda que o EPI fornecido ao empregado e que conste no formulário específico neutralize esse agente nocivo.
Portanto, entendemos que não basta a simples menção de fornecimento de equipamento de proteção individual – EPI para que seja afastada a especialidade do labor, é necessário que exista a prova concreta de que houve a neutralização (eliminação total) do agente nocivo.
E tal prova cabe ao INSS, salvo entendimento em contrário, pois, nos termos do artigo 350 do Código de Processo Civil, quando o INSS em sua defesa (contestação) alega que o EPI fornecido pela empresa (em que o trabalhador laborou) e que consta nos formulários emitidos pelo INSS são capazes a neutralizar o agente nocivo, este deve provar tal eficiência, em especial pela produção de prova pericial.
Isso porque, entendemos que a simples menção do de fornecimento de EPI em formulário emitido pelo INSS não é capaz de demonstrar sua efetividade em neutralizar o agente insalubre, especial do agente insalubre biológico.
Aliás, a prova deve ser de neutralização (eliminação total) e não de simples relativização dos efeitos do agente nocivo.
Também em relação ao agente insalubre biológico o manual de orientação de aposentadoria especial do INSS, editado em 2017, no seu item 3.1.5, as fls., 112, demonstra que nem o EPI e nem o EPC são suficientes para neutralizar o agente insalubre biológico, ou seja, o próprio INSS reconhece que no caso de agente insalubre biológico não há qualquer EPI capaz de neutralizar o agente, portanto, não há como descaracterizar o labor em condições especiais.
Inclusive, esse entendimento é corriqueiro nas decisões das Turmas Recursais da Justiça Federal da 3º Região – São Paulo, em especial pelo acórdão proferido pela 11ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO – SÃO PAULO – PROCESSO n° 0004838-65.2017.4.03.6306, vejamos:
“(…)3. Recurso da parte autora. Alega a especialidade do período de 01/04/1998 a 19/06/2008, em que laborava como auxiliar de enfermagem no Hospital e Maternidade Nova Vida Ltda.
- Determinada a conversão do julgamento em diligência (evento 64), a fim de que fosse apresentada declaração da empregadora quanto à manutenção ou não das condições ambientais verificadas à época em que existia responsável técnico, desde o período laborado, ou a juntada de laudo técnico pericial do período não acobertado pela atividade do responsável indicado no laudo (período de 01/04/1998 a 19/06/2008). A ex-empregadora apresentou documentos (eventos 82/87). A parte autora requereu a procedência do pedido, enquanto o INSS não se manifestou.
- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece o direito ao cômputo do tempo de serviço especial exercido antes da Lei 9.032/95 (29/04/1995), com base na presunção legal de exposição aos agentes nocivos à saúde pelo mero enquadramento das categorias profissionais previstas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. A partir da Lei 9.032/95, o reconhecimento do direito à conversão do tempo de serviço especial se dá mediante a demonstração da exposição aos agentes prejudiciais à saúde, por meio de formulários estabelecidos pela autarquia, até o advento do Decreto 2.172/97 (05/03/1997). A partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
- EPI EFICAZ. O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do ARE 664.335, que “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”. Quanto aos demais agentes agressivos, a neutralização da exposição pelo uso de EPI para efeitos previdenciários somente gera efeitos jurídicos a partir de 03/12/1998, data da publicação da Medida Provisória nº 1729, de 02/12/1998, convertida na Lei nº 9.732/98, que introduziu tal dever no artigo 58, §2º, da Lei nº 8.213/91 (Súmula 87 da TNU, 26/02/2019). Antes disso, não há que se falar em neutralização pelo uso de EPI, vedada a aplicação retroativa da lei.
- Em relação ao agente biológico, há expressa orientação para que seja reconhecida a natureza especial da atividade, ainda que conste a informação quanto à eficácia do uso do EPI, com base na Resolução 600, DOU de 14.08.2017 (Manual de Aposentadoria Especial do INSS): “3.1.5. Tecnologia de Proteção Observar se consta nas demonstrações ambientais informação sobre EPC, a partir de 14 de outubro de 1996, e sobre EPI a partir de 3 de dezembro de 1998, para cumprimento de exigência legal previdenciária. No entanto, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação, se cumpridas as demais exigências. Em relação ao EPC, deve-se analisar se confere a proteção adequada que elimine a presença de agente biológico, tal como cabine de segurança biológica, segregação de materiais e resíduos, enclausuramento, entre outros.” (pág. 112) – Sem negrito e grifo no original.
- O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Resp 1151363/MG (3ª Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 05/04/2011), sob a sistemática do art. 543-C do CPC, assentou a diretriz de que “descabe à autarquia utilizar da via judicial para impugnar orientação determinada em seu próprio regulamento, ao qual está vinculada”.
- Nos termos da Súmula 82, da TNU, o código 1.3.2 do quadro anexo ao Decreto n.º 53.831/64, além dos profissionais da área da saúde, contempla os trabalhadores que exercem atividades de serviços gerais em limpeza e higienização de ambientes hospitalares.
- Período de 01/04/1998 a 19/06/2008. O PPP (eventos 79 e 83) informa que a parte autora exerceu a função de Auxiliar de Enfermagem em ambiente hospitalar e que esteve exposta a agentes biológicos infecciosos e infectocontagiosos (bactérias, vírus e outros). Assim, é de rigor o reconhecimento da especialidade do labor desenvolvido nesse período. (…). PROCESSO n° 0004838-65.2017.4.03.6306. (grifamos).
Portanto, consoante entendimento do STJ, a partir da Lei 9.032/95, o reconhecimento do direito ao labor especial (exposição de agente nocivo) se dá por formulários estabelecidos pelo INSS até o advento do Decreto 2.172/97 (05/03/1997), após esse período por formulário embasado em laudo técnico ou por meio de perícia técnica.
Contudo, em relação ao agente nocivo biológico entendemos que mesmo havendo indicação de fornecimento do EPI por parte do empregador em formulário próprio, essa simples informação por si só não basta para provar a neutralização do agente insalubre biológico, necessário de faz seja tal prova cabalmente produzida neste sentido pelo INSS, sob pena de ter reconhecido o direito a especialidade e, inclusive se for o caso a sua conversão em tempo comum, por não se desincumbir do seu ônus probatório o INSS.
CONCLUSÃO
Após uma profunda análise da legislação que rege as atividades especiais, em especial causada pelo agente nocivo biológico antes da EC 103/2019, percebemos consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que até 28 de abril de 1995 o reconhecimento da atividade em condições especiais é feita pelo enquadramento da categoria profissional, com exceção do ruído, calor e frio. E que a partir de 29 de abril de 1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por outro meio de provas. E, ainda que a partir de 05 de março de 1997, tal prova seria feita por meio de formulário embasado em laudo técnico ou mesmo por perícia técnica pela via judicial, por exemplo.
Aliás, neste ponto é importante consignar a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR, que possibilitou desde que atendidos os demais requisitos, o reconhecimento da aposentadoria especial, se perícia judicial constatar que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
A propósito a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR diz que: “Súmula 198/TFR – 02/12/1985. Seguridade social. Aposentadoria especial. Atividade insalubre, perigosa ou penosa. Constatação por perícia judicial. Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento”. (grifamos).
Já a partir de 01 de janeiro de 2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) que deve ser devidamente preenchido com base em laudo técnico e conter a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, substituindo, desta forma, os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030.
Portanto, as informações trazidas neste formulário estabelecido pelo INSS, teoricamente são capazes de trazer as informações necessárias sobre a atividade especial exercida pelo trabalhador, inclusive quanto ao fornecimento ou não de equipamento de proteção individual – EPI.
E a questão a ser enfrentada é se a menção de fornecimento de equipamento de proteção individual – EPI é suficiente para afastar a especialidade do agente nocivo, especialmente se o agente nocivo for o biológico e para tal conclusão necessário foi a análise do entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, pois recurso extraordinário com agravo ARE de nº 664335 de Santa Catarina (julgado pelo Plenário em 04/12/2014, Rel. Min. Luiz Fux), firmou-se entendimento no sentido de que havendo comprovação de que o EPI fornecido seja capaz de neutralizar o agente nocivo, no caso deste artigo do agente biológico, afastado será a especialidade do labor em relação a esse agente nocivo.
Assim, pela análise do referido julgado, salvo melhor juízo, percebeu-se que é necessário para ser reconhecido a especialidade do labor que o trabalhador ficasse exposto efetivamente ao risco (agente nocivo) e, ainda, que o EPI neutralizasse esse agente nocivo.
Portanto, concluímos pelo julgado em questão que não basta a simples menção de fornecimento de equipamento de proteção individual – EPI para que seja afastada a especialidade do labor, é necessário que exista a prova concreta de que houve a neutralização do agente nocivo.
E para nós, a produção de tal prova cabe ao INSS, pois nos termos do artigo 350 do Código de Processo Civil, quando o INSS em contestação alegar que o EPI fornecido pela empresa em que o trabalhador laborou e que consta nos formulários emitidos pelo INSS são capazes a neutralizar o agente nocivo, este deve provar tal eficiência, em especial pela produção de prova pericial.
Isso porque, entendemos que a simples menção do de fornecimento de EPI em formulário emitido pelo INSS não é capaz de demonstrar sua efetividade em neutralizar o agente insalubre, especial do agente insalubre biológico e também porque em relação ao agente insalubre biológico o manual de orientação de aposentadoria especial do INSS, editado em 2017, no seu item 3.1.5, as fls., 112 do manual, demonstra que nem o EPI e nem o EPC são suficientes para neutralizar o agente insalubre biológico, ou seja, o próprio INSS reconhece que no caso de agente insalubre biológico não há qualquer EPI capaz de neutralizar o agente, portanto, não há como descaracterizar o labor em condições especiais.
Desta forma, entendemos que em relação ao agente nocivo biológico, conforme entendimento jurisprudencial somente pode ser afastado se efetivamente comprovada a eficácia em neutralizar, ou seja, eliminar totalmente os efeitos prejudiciais a saúde do agente insalubre biológico, pois caso contrário fará jus ao reconhecimento o trabalhador do reconhecimento do trabalho em condições especiais neste período de labor.
REFERÊNCIAS
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