A Cessação Administrativa da Aposentadoria por Invalidez Concedida Judicialmente e a Coisa Julgada

Vinícius Borges Meschick da Silva – Mestrando em Direito pela PUC Minas. Advogado, Consultor e Articulista. [email protected]

Resumo: O grande déficit da previdência e as constantes notícias de fraudes, abriram oportunidade para que fossem revistos benefícios previdenciários concedidos judicialmente, mais especificamente, a aposentadoria por invalidez. Ocorre que a precariedade do sistema, tanto as perícias administrativas, quanto a falta de critérios para a reanálise traduz em uma verdadeira injustiça e indignidade aos beneficiários. O caso em análise é a aposentadoria por invalidez, que mesmo existindo uma decisão judicial consubstanciada pela coisa julgada pode ser cessada. Da metodologia utilizada. O método utilizado para a realização do trabalho foi descritivo-analítico. Os procedimentos técnicos utilizados na pesquisa para coleta de dados foram a pesquisa bibliográfica, a doutrinária e a documental. Resultados e discussão. A cessação administrativa de um benefício previdenciário concedido judicialmente, mais especificamente a aposentadoria por invalidez, se traduz em uma verdadeira arbitrariedade. A coisa julgada consubstancia as decisões judiciais. Conclusões. A consagração da coisa julgada nas decisões judiciais deve prevalecer em face das cessações administrativas realizadas pela previdência social.

Palavras-chaves: Benefício Previdenciário; Aposentadoria por Invalidez; Decisão Judicial; Coisa Julgada; Cessação Administrativa do Benefício Previdenciário.

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The Administrative Cessation of Retirement due to Disability Granted in Court and the Judged Thing

Abstract: The great deficit of the social security and the constant news of fraud, opened the opportunity for social security benefits granted in court to be reviewed, more specifically, disability retirement. It turns out that the system’s precariousness, both administrative expertise, and the lack of criteria for reanalysis translates into real injustice and indignity to beneficiaries. The most common case is disability retirement, which, even if there is a judicial decision based on res judicata, can be terminated. The methodology used. The method used to carry out the work was descriptive-analytical. The technical procedures used in the research for data collection were bibliographic, doctrinal and documentary research. Results and discussion. The administrative termination of a social security benefit granted by the courts, more specifically the retirement due to disability, translates into genuine arbitrariness. The res judicata substantiates the judicial decisions. Conclusions. Consecration of res judicata in judicial decisions must prevail in view of the administrative cessations carried out by social security.

Keywords: Social Security Benefit; By disability retirement; Judicial decision; Thing judged; Administrative Termination of the Social Security Benefit.

 

Sumário: Introdução; 1. O Benefício Previdenciário. 2. A Aposentadoria por Invalidez. 3. A Coisa Julgada. 4. A Cessação Administrativa da Aposentadoria por Invalidez e a Coisa Julgada. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O grande déficit da previdência e as constantes notícias de fraudes, abriram oportunidade para que fossem revistos benefícios previdenciários concedidos judicialmente, mais especificamente, a aposentadoria por invalidez. Ocorre que a precariedade do sistema, tanto as perícias administrativas, quanto a falta de critérios para a reanálise traduz em uma verdadeira injustiça e indignidade aos beneficiários. O caso mais comum é a aposentadoria por invalidez, que mesmo existindo uma decisão judicial consubstanciada pela coisa julgada pode ser cessada. Dessa maneira, este ensaio se pauta na cessação administrativa da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente.

O método utilizado para a realização do trabalho foi o descritivo-analítico, e os procedimentos técnicos utilizados na pesquisa para coleta de dados foram a pesquisa bibliográfica, a doutrinária e a documental.

 

  1. O Benefício Previdenciário

O direito à seguridade social possui como alicerces axiológico-normativos o direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à proteção social da vida humana contra a necessidade, dentre outros. Destina-se, tal direito, a concretizar o mais alto valor moral, qual seja a garantia individual de estado compatível com a dignidade da pessoa humana. (ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio. Curso de Direito Previdenciário – Vol. I, p. 109/111.)

São aqueles benefícios que serão utilizados quando o trabalhador perde a sua capacidade de trabalho e é atingido por um dos chamados riscos sociais: doença, invalidez, idade avançada, morte e desemprego involuntário. Além destes, há também a maternidade e a reclusão.

No Regime Geral da Previdência Social, os benefícios a que os segurados fazem jus são:

  1. a) aposentadoria por idade;
  2. b) aposentadoria por tempo de contribuição;
  3. c) aposentadoria especial;
  4. d) aposentadoria por invalidez a qualquer idade;
  5. e) aposentadoria rural;
  6. f) pensão por morte;

Vistos os benefícios previdenciários, importante mencionar o que seja o benefício concedido judicialmente. Dessa maneira, benefício previdenciário concedido judicialmente é aquele que teve, em seu histórico, uma ação judicial. Ou seja, o segurado necessitou ajuizar uma ação contra o INSS, saindo-se vitorioso. Assim, por ordem judicial, foi implantado o benefício.

Este ensaio focará na aposentadoria por invalidez.

 

  1. A Aposentadoria por Invalidez

A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário concedido ao segurado “que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição”, consoante definição contida no caput do art. 42 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

De uma maneira geral, a aposentadoria por invalidez pode ser definida como o benefício concedido ao trabalhador que esteja incapaz de exercer qualquer atividade laborativa, por doença ou acidente, e que também não possa ser reabilitado em outra profissão, de acordo com a avaliação da perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social. Salientando que não tem direito à aposentadoria por invalidez quem, ao se filiar à Previdência Social, já tiver doença ou lesão que geraria o benefício, a não ser quando a incapacidade resultar no agravamento da enfermidade.

A concessão desse benefício está estritamente vinculada à verificação da incapacidade laborativa total e permanente do segurado, feita a partir de uma perícia médica realizada por Médicos Peritos da Previdência Social, servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Se o segurado discorda do resultado dessa avaliação e se vê prejudicado por uma eventual violação dos seus direitos pode recorrer ao Poder Judiciário na busca pela reparação das ilegalidades que entendem foram praticadas pelo Poder Público no desempenho de sua atividade administrativa, sendo possível que um provimento jurisdicional venha lhe conceder o benefício da aposentadoria por invalidez.

Nesses casos, é possível que a concessão judicial do benefício leve em consideração outros elementos probatórios já que nosso direito processual é fundado no princípio do livre convencimento motivado do magistrado. Pode acontecer, ainda, de a decisão considerar a incapacidade do segurado para o trabalho permanente, irreversível e irrecuperável.

 

  1. A Coisa Julgada

O Código de Processo Civil estabelece:

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

  • 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:
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I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

  • 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Art. 504. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos prescritos em lei.

Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

O doutrinador Eduardo Talamini (na obra Coisa julgada e sua revisão, São Paulo: Editora RT, 2005, p. 90) explica bem a situação peculiar da verificação que o INSS deve fazer da situação fática do beneficiário:

“Há casos em que a lei expressamente prevê que, havendo alteração fática ou   jurídica   que   repercuta   na   relação   continuativa, caberá   à   parte interessada ir a juízo “pedir a revisão”, a que alude a regra em exame. Nessa hipótese, a lei está conferindo ao interessado um direito potestativo ao estabelecimento de uma nova disciplina concreta mediante nova sentença. A “ação revisional” (ou de “modificação” –no dizer de Pontes de Miranda) terá, assim, natureza constitutiva e, em regra, eficácia ex nunc.  Servem de exemplos a ação de revisão de alimentos e a ação de revisão de valor de aluguel fixado em anterior sentença.  Mas uma ação dessa   espécie   só   é   cabível –e   só   é   necessária –quando   a   lei expressamente estabelece esse regime para as relações continuativas, condicionando uma nova disciplina concreta a uma nova sentença. Nos demais casos, em que a lei silencia, a alteração do estado de fato ou de direito implicará direta e automaticamente a mudança na relação continuativa, mudança essa que deverá ser desde logo observada pelas partes. Surgindo novo litígio entre elas em face do novo panorama, a ação e a sentença serão de natureza meramente declaratória no que tange ao reconhecimento da mudança já antes havida.”

Considera ser a coisa julgada um instituto de função essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar estabilidade à tutela jurisdicional. Afasta, por insatisfatória, a noção contida na outrora designada LIC por apenas indicar o momento em que se forma a coisa julgada, não informando sobre a essência do fenômeno em si. Critica ainda a visão alemã, pois a sentença não produz uma declaração, antes a contém. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.09-11)

Ressalta Moreira, ainda, que não há de se confundir “coisa julgada” com “autoridade da coisa julgada”, pois a coisa julgada não se identifica nem com a sentença transitada em julgado, nem com a imutabilidade da qual ela se reveste, mas sim com a situação jurídica que passa a existir após o trânsito em julgado da decisão judicial (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.16-17).

Lucas Hayne Dantas Barreto assevera que:

“a coisa julgada nada mais era do que o próprio direito consumado pela actio, de modo que a resiudicata se tornava o único e exclusivo efeito do iudicatum.”, sendo a coisa julgada a própria verdade jurídica reconhecida (BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: releitura à luz do direito fundamental à boa jurisdição. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, 2012, p.157)

Dessa maneira, coisa julgada se traduz em indiscutível e imutável, uma vez ser conferida à sentença judicial o não cabimento de recursos. Ou seja, denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso (art. 502, CPC).

 

  1. A Cessação Administrativa da Aposentadoria por Invalidez e a Coisa Julgada

Pelo § 4º do art. 43 da Lei nº 8.213, de 1991, incluído pela Lei nº 13.457, de 26 de junho de 2017, aprovada como projeto de conversão da Medida Provisória nº 767, de 2017 é perceptível que “o segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente”.

Art. 43. A aposentadoria por invalidez será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, ressalvado o disposto nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo.

[…]

  • 4º O segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101 desta Lei.

Todavia, não faz sentido que, após a edição de provimento jurisdicional que, desconsiderando um laudo médico produzido pela perícia do INSS, concede uma aposentadoria por invalidez, o segurado em gozo desse benefício venha, logo em seguida, ser convocado por aquele órgão administrativo, para se submeter a uma nova perícia da previdência, a fim de ser reavaliado com base nos mesmos critérios julgados inadequados e/ou insuficientes pelo Poder Judiciário.

Além de violar a segurança jurídica, essa permissão legal afronta o princípio da separação dos Poderes e a garantia fundamental da coisa julgada, pois o INSS, inconformado com o resultado de um processo transitado em julgado, pode, a qualquer momento, convocar o beneficiário e cancelar sua aposentadoria por invalidez, sem que tenha havido qualquer mudança na situação de saúde e de incapacidade do segurado, fazendo, dessa forma, prevalecer sua interpretação a respeito do caso, já declarada inválida pelo Poder Judiciário. Em outras palavras e em última análise: permite-se que decisões judiciais sejam revertidas em âmbito administrativo.

Verifica-se que a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça é uníssona:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONCESSÃO POR ATO JUDICIAL. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO JUDICIAL PARA REVISÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO JUDICIALMENTE. ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. “Deferida a aposentadoria por invalidez judicialmente, pode a autarquia previdenciária rever a concessão do benefício, uma vez tratar-se de relação jurídica continuativa, desde que por meio de ação judicial, nos termos do art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, e em respeito ao princípio do paralelismo das formas.” (REsp 1201503 /   RS, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, Data do Julgamento 19/11/2012, DJe 26/11/2012) 2.  Não compete ao Superior Tribunal de Justiça manifestar-se sobre suposta ofensa constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de invasão da competência do Supremo Tribunal Federal.3.  Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1267699/ES, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 28/05/2013)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. BENEFÍCIO CONCEDIDO POR VIA JUDICIAL. CESSAÇÃO. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO JUDICIAL.1. O magistrado não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas em Juízo quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.2. Havendo concessão de benefício previdenciário por via judicial, apenas por esta mesma via poderá ser ele cessado. Precedentes.3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1224701/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 27/05/2013)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA JUDICIALMENTE. CANCELAMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO REVISIONAL. IMPRESCINDIBILIDADE. ART. 471, I, DO CPC. PARALELISMO DAS FORMAS. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. Deferida a aposentadoria por invalidez judicialmente, pode a autarquia previdenciária rever a concessão do benefício, uma vez tratar-se de relação jurídica continuativa, desde que por meio de ação judicial, nos termos do art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, e em respeito ao princípio do paralelismo das formas.2. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1201503/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2012, DJe 26/11/2012)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CONCESSÃO ATRAVÉS DE DECISÃO JUDICIAL. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO JUDICIAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de somente ser possível a revisão da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente através de outra ação judicial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1218879/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 25/09/2014)

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Os doutrinadores Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, em Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, Editora Livraria do Advogado, 9ª edição, Porto Alegre, 2009, páginas 211/212:

  1. Revisão de benefício concedido pela via judicial

Interessante questão é a da constatação da recuperação do segurado em caso de aposentadoria por invalidez concedida judicialmente. Nesse caso, discute-se acerca da possibilidade de cessar o INSS administrativamente o benefício, diante da autoridade da coisa julgada. Temos que nesse caso deverá o Instituto lançar mão da ação revisional prevista no inciso I do artigo 471 do Código de Processo Civil. A cassação administrativa, nesses casos, importaria violação da coisa julgada material e desrespeito ao princípio do paralelismo das formas, pelo qual o que foi concedido por um meio somente pode ser desfeito pela utilização da mesma via.

O agir administrativo está, aqui, isento de autogestão. Sustentamos essa opinião mesmo em face do artigo 71 da LCSS, pelo qual: O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deverá rever os benefícios, inclusive os concedidos por acidente do trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar a persistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada causa para sua concessão.

Ora, considerando que a incapacidade não era reconhecida anteriormente pelo INSS, situação que obrigou o  segurado a ingressar em Juízo, tendo sido realizada perícia judicial para aferir o  quadro clínico do segurado, não seria congruente permitir à  Autarquia a  possibilidade de, a qualquer momento, desconstituir os efeitos da decisão judicial, sem que tenha sido concedida, expressamente, autorização para tanto.

Data venia, aos que conferem uma interpretação ampla do art. 71 da Lei de Custeio, em nossa visão, o dispositivo referido não pode ser interpretado no sentido de criar a esdrúxula figura da ‘rescisória administrativa’. O que o dispositivo faz é, simplesmente, determinar que o INSS revise, ou seja, submeta a novos exames médicos os segurados, inclusive nos casos em que os benefícios foram concedidos judicialmente. Não autoriza, no entanto, a cassação daqueles concedidos judicialmente, que deverá ser precedida de ação revisional.

 

Conclusão

O direito à previdência social é um direito humano fundamental e a proteção previdenciária corresponde a um direito intimamente ligado às noções de mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. A revisão da aposentadoria por invalidez é cabível e plenamente possível de ser realizada. Todavia, quando a aposentadoria por invalidez é concedida judicialmente há de se analisar única e exclusivamente por meio de uma ação judicial qualquer tipo de revogação do benefício.

É prática do INSS realizar a revisão da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente e, após perícia, revogar o benefício sem os trâmites processuais adequados, ou seja, revoga-se o benefício judicialmente concedido de forma administrativa.

Ora, a revogação de forma administrativa do benefício (aposentadoria por invalidez) concedido judicialmente viola significativamente a coisa julgada e extrapola em demasia o texto constitucional e infraconstitucional.

Como já mencionado, além de violar a segurança jurídica, a permissão de revogação do benefício afronta o princípio da separação dos Poderes, uma vez que somente em sede judicial poder-se-ia reverter uma decisão judicial. Soma-se a isso a violação da garantia fundamental da coisa julgada, afinal o INSS, inconformado com o resultado de um processo transitado em julgado, pode, a qualquer momento, convocar o beneficiário e cancelar sua aposentadoria por invalidez, sem que tenha havido qualquer mudança na situação de saúde e de incapacidade do segurado, fazendo, dessa forma, prevalecer sua interpretação a respeito do caso, já declarada inválida pelo Poder Judiciário.

Dessa maneira, diante dos ditames constitucionais e infraconstitucionais, a revogação administrativa realizada pelo INSS do benefício previdenciário concedido judicialmente é uma afronta ao ordenamento jurídico pátrio.

 

Referências

BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: releitura à luz do direito fundamental à boa jurisdição. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, 2012.

 

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

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BRASIL. Constituição Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, 05 out. 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 12 de outubro de 2020.

 

BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969). Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, 6 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 12 de outubro de 2020.

 

BRASIL. LEI Nº 8.213, Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, em 24 de julho de 1991. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 12 de outubro de 2020.

 

BRASIL. LEI Nº 13.105, Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, em 16 de março de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2020.

 

CANOTILHO,  Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1970.

 

MACEDO, A. C; MACEDO, F. C. C. Ônus da prova no processo judicial previdenciário. Curitiba: Juruá, 2018.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970

 

ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio. Curso de Direito Previdenciário – Vol. I. 1. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2014.

 

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SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

 

TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão, São Paulo: Editora RT, 2005

 

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Textos extraídos da internet:

STJ decide que cessação de benefício sem nova perícia é ilegal. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/276857/stj-decide-que-cessacao-de-beneficio-sem-nova-pericia-e-ilegal. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

Proposta impede INSS de rever administrativamente decisão judicial sobre aposentadoria por invalidez. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/550780-proposta-impede-inss-de-rever-administrativamente-decisao-judicial-sobre-aposentadoria-por-invalidez/. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

Benefício judicial cessado administrativamente pelo INSS, eles tem este direito? Disponível em: https://crsadv.com.br/beneficio-judicial-cessado-administrativamente-pelo-inss-eles-tem-este-direito/. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

Novo “Pente Fino” do INSS: Mais uma importante decisão do STJ para a luta contra os ataques aos aposentados por invalidez. Disponível em: https://henriquelima.com.br/novo-pente-fino-do-inss-mais-uma-importante-decisao-do-stj-para-a-luta-contra-os-ataques-aos-aposentados-por-invalidez/. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

TRF4 transforma auxílio-doença em aposentadoria por invalidez com pagamento retroativo. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=15030. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

Entenda o Tema 1018/STJ: deferimento de benefício administrativo no curso do processo judicial. Disponível em: https://previdenciarista.com/blog/deferimento-de-beneficio-administrativo-no-curso-do-processo-tema-1018-stj/. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

Descumprimento de decisão judicial e ausência de implantação do benefício: o que fazer? Disponível em: https://previdenciarista.com/blog/descumprimento-de-decisao-judicial-e-ausencia-de-implantacao-do-beneficio-o-que-fazer/. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

TNU firma tese sobre cessação de auxílio-doença concedido judicialmente. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2018/abril/tnu-firma-tese-sobre-cessacao-de-auxilio-doenca-concedido-judicialmente. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

INSS fere Constituição ao cortar benefício obtido na Justiça, dizem advogados. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-05/inss-nao-cortar-beneficio-ganho-justica-dizem-advogados. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

INSS pode cancelar benefício judicial? Disponível em: https://www.desmistificando.com.br/inss-pode-cancelar-um-beneficio-judicial/. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

Necessidade de ação judicial revisional para cancelamento de aposentadoria concedida judicialmente. Disponível em: ieprev.com.br/conteudo/categoria/5/3551/necessidade_de_acao_judicial_revisional_para_cancelamento_de_aposentadoria_concedida_judicialmente. Acesso em: 24 de outubro de 2020.

 

Jurisprudências utilizadas:

STJ. AgRg no REsp 1218879/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 25/09/2014. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=35524334&num_registro=201001976563&data=20140925&titi=51&formato=PDF. Acesso em 24 de outubro de 2020.

STJ. REsp 1201503/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2012, DJe 26/11/2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=25429194&num_registro=201001318896&data=20121126&tipo=91&formato=PDF. Acesso em 24 de outubro de 2020.

STJ. AgRg no REsp 1224701/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 27/05/2013. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=28626506&num_registro=201002222630&data=20130527&titi=51&formato=PDF. Acesso em 24 de outubro de 2020.

STJ. AgRg no REsp 1267699/ES, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 28/05/2013. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=28731346&num_registro=201101723817&data=20130528&titi=51&formato=PDF. Acesso em 24 de outubro de 2020.

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