Challenges faced in recognizing the status of rural special insureds for obtaining social security benefits
Franciele Jaine Roweder[1]
Resumo: O presente artigo visa analisar os critérios utilizados para o reconhecimento da qualidade dos segurados especiais rurais e os desafios enfrentados pelos trabalhadores rurais para a obtenção de benefícios previdenciários, ante as formas de enquadramento e caracterização do segurado especial adotadas pelo judiciário e pelo INSS. Muito embora tenham havido avanços nos entendimentos administrativos e judiciários ao longo dos anos, bem como uniformização de jurisprudência e novas admissões de provas para os segurados rurais, que visavam garantir o acesso aos benefícios previdenciários a mais segurados, estes ainda enfrentam dificuldades no reconhecimento do trabalhador como segurado especial, seja devido as provas ou por decisões embasadas na metodologia empregada para a produção ou na quantidade excessiva de produção, ou ainda, pelo padrão de vida ostentado. Assim, para o bom desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se do método dedutivo e da pesquisa de levantamento com coleta de dados obtidos por meio de formulário online, com consulta doutrinária, além de sites, artigos científicos, temas, jurisprudência e legislação atinente ao tema, que demonstram a ocorrência da insegurança jurídica que pode levar ao impedimento da obtenção de benefício previdenciário para o segurado, devido a exigência de critérios de enquadramento diversos dos previstos legalmente.
Palavras-chave: segurado especial rural; qualidade de segurado; benefícios previdenciários.
Abstract: The present article aims to analyze the criteria used for recognizing the status of rural special insured individuals and the challenges faced by rural workers in obtaining social security benefits, considering the classification and characterization methods of the special insured individual adopted by the judiciary and the National Institute of Social Security (INSS). Despite advancements in administrative and judicial understandings over the years, as well as the standardization of jurisprudence and the admission of new evidence for rural insured individuals, which aimed to ensure access to social security benefits for more insured individuals, they still face difficulties in recognizing the worker as a special insured individual. These difficulties can arise due to the lack of evidence or decisions based on the methodology employed for production or excessive quantity of production, or even the standard of living displayed. Therefore, for the proper development of the research, a deductive method and a survey research with data collection through an online form were used, along with doctrinal research, websites, scientific articles, themes, jurisprudence, and legislation relevant to the subject. These sources demonstrate the occurrence of legal uncertainty that can hinder the obtainment of social security benefits for the insured individual, due to the requirement of classification criteria different from those legally provided for.
Keywords: rural special insured; quality of insured; social security benefits.
Sumário: Introdução; 1. Conceito de segurado especial; 2. Avanços e desafios no enquadramento do segurado especial; 3. Análise dos principais motivos das negações de reconhecimento do tempo de trabalho rural na região Oeste do Paraná; Considerações finais; Referências; Apêndice.
Introdução
A previdência é um direito que deriva da seguridade social, assim como a saúde e a assistência social, sucedendo de acordo com as necessidades da pessoa e, em alguns casos, da existência de contribuições e/ou outros critérios para que algum auxílio ou benefício previdenciário possa ser concedido. Portanto, de modo geral, estas são formas de assegurar a dignidade da pessoa humana.
Sob este prisma, destacam-se dois Princípios Constitucionais do Sistema de Seguridade Social, sendo eles o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, que visam evitar a discriminação e garantem a isonomia de direitos para trabalhadores urbanos e rurais, permitindo um tratamento proporcional e justo.
Os atendimentos são então assegurados ao acesso de todos que necessitarem, como no caso de assistência, da saúde ou da previdência, sendo esta última destinada aos segurados que cumprirem os requisitos necessários.
Tratando-se da seara previdenciária, os requisitos para a concessão de auxílios ou benefícios previdenciários são provenientes de previsão legal. Contudo, tal como ocorre com demais legislações, com o advento do tempo as disposições legais passam por atualizações e transições, o que por vezes, na prática, acaba não condizendo com o que o legislador dispôs.
A aplicação de requisitos que vão além do que a lei consagra como condições necessárias para a obtenção de auxílios ou benefícios previdenciários afronta o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, vez que acaba retirando o direito de segurados erroneamente, quando estes tinham preenchido os requisitos legais, mas lhe são exigidos requisitos distintos.
Em se tratando de segurados especiais rurais a dificuldade na obtenção de auxílios e benefícios previdenciários corresponde a comprovação da atividade rural, tendo em vista não só os tipos de provas admitidas, mas especialmente os critérios para enquadrar os trabalhadores como segurados especiais, isto é, as formas com que as provas são analisadas para reconhecer ou não a condição de segurados especiais e o respectivo direito previdenciário.
Com isso, para o desenvolvimento da pesquisa levantou-se a seguinte indagação: considerando-se os avanços nas disposições legais para o reconhecimento da condição de segurado especial rural, vem sendo aplicado um tratamento isonômico ou equitativo aos trabalhadores rurais e como a interpretação extensiva dos requisitos legais pode afetar os benefícios previdenciários dos segurados rurais?
A exigência de critérios que vão além dos requisitos legais para que seja reconhecida a condição de segurado especial consiste num tratamento discriminatório que viola direito de segurados equivocadamente, no caso de tais segurados terem cumprido os requisitos legais, mas o direito ao benefício previdenciário lhes ser tolhido tão somente em razão de não cumprirem critérios que não possuem respaldo legal, tal como pela utilização de equipamentos tecnológicos ou maquinários, ou ainda, pela quantidade excessiva de produção na área rural.
Frente a isso, o presente artigo visa analisar os desafios enfrentados pelos trabalhadores rurais não só diante da comprovação da atividade rural, mas especialmente nos critérios utilizados para o reconhecimento da condição de segurado especial e alguns dos motivos pelos quais o tempo rural não é considerado.
Este artigo tem como intuito contribuir para que haja um tratamento equitativo e justo com os trabalhadores rurais, quando da análise de auxílios e benefícios previdenciários, mas também visa contribuir para futuros estudos sobre o tema.
A metodologia utilizada para a elaboração do presente artigo foi a do método dedutivo e da pesquisa de levantamento com coleta de dados obtidos por meio de formulário online, partindo assim da premissa doutrinária, legal e de fatos sociais, com a análise de normas e provimentos presentes no ordenamento jurídico brasileiro, temas firmados, bem como jurisprudência, para se chegar à conclusão do assunto. De outro lado, para a pesquisa utilizou-se da abordagem quali-quantitativa, tendo caráter de natureza básica e descritiva.
A estruturação do presente artigo aborda os temas de forma cronológica, elencando quem pode ser segurado especial, quais são os critérios exigidos para seu reconhecimento, o modo da comprovação e alguns tipos de provas admitidos, assim como as inovações e mudanças de alguns entendimentos acerca do reconhecimento do segurado especial ao longo do tempo, suas possíveis implicações ao trabalhador rural e os principais motivos que tem negado o reconhecimento do tempo de trabalho rural em algumas cidades da região Oeste do Paraná.
- Conceito de segurado especial
Na Previdência social há dois tipos de segurados, conforme a Lei 8.212/91 prevê em seus artigos 12 e 14, sendo eles os segurados obrigatórios, que realizam atividade mediante remuneração na condição de empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual ou segurado especial e há os classificados como segurados facultativos, que contempla os trabalhadores que não possuem renda própria e que possuam mais de 16 anos de idade, conforme o art. 11 do Decreto 3.048/99.
Todavia, faz-se mister salientar a origem da previsão legal dos segurados especiais. A Lei Complementar 11/1971 (BRASIL, 1971) já previa um Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, destinado para quem fosse prestador de serviço rural para empregador (com remuneração) ou produtor que fosse proprietário ou não, laborando na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, segundo os artigos 2º e 3º da referida Lei.
No entanto, o conceito de segurados especiais e a respectiva previsão legal ocorreu com a Lei 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII (BRASIL, 1991), indo de encontro ao previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 195, § 8º, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998, que excluiu a profissão do garimpeiro do rol de segurado especial, sendo que conforme o artigo 195, § 8º, da Constituição Federal de 1988, é considerado como segurado especial:
“§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei” (BRASIL, 1988, n.p.).
A Lei 8.213/91 também teve alteração pela Lei 11.718/2008, passando a prever em seu artigo 11, inciso VII, que figuram:
“VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
- a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
- agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
- de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
- b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
- c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
- 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes” (BRASIL, 1991, n.p.).
Dessa forma, é que com o advento tempo, houveram alterações legais onde foram moldadas as atividades e trabalhos que são considerados como segurados especiais, como forma de garantir o acesso a benefícios previdenciários e assistenciais a estes segurados. Inclusive, foi com isso que a profissão de garimpeiro voltou a ser considerada no rol dos segurados especiais com o advento da Emenda Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019), incluindo-o na redação que esta conferiu ao artigo 201, § 7º, inciso II, da Constituição Federal.
No entanto, para que seja reconhecida a condição de segurado especial, são analisados outros fatores além da profissão exercida pelo segurado, tal como o tamanho da área explorada, se a atividade é exercida de forma individual ou em regime de economia familiar para a subsistência destes e seu desenvolvimento, bem como demais critérios e impedimentos que serão discutidos em outro tópico, posteriormente.
Sob outra perspectiva, muito embora a mulher não seja dependente do trabalho de seu marido e auxilie este no trabalho rural, em regime de economia familiar, o conceito da dependência econômica permanece enraizado, sendo atribuída a mulher por vezes a presunção do exercício de atividades leves, bem como considerada a ela a renda auferida pelo marido, que nem sempre acaba sendo repassada por este para a esposa e que pode prejudicar o critério de análise das condições de sobrevivência no regime de economia familiar (GARCIA; NERI, 2017).
Isso porque para o enquadramento do segurado especial rural acabam incidindo análises do quadro financeiro quando alguém do grupo familiar realiza trabalho em setor urbano. Acerca do assunto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o Tema Repetitivo 532, em comento:
“Tese Firmada: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias […]” (BRASIL, 2012a, n.p.).
Ao segurado especial é permitida a utilização de documentos probatórios que estejam em nome de outro componente do grupo familiar, desde que este também esteja exercendo atividade rural, pois a partir do momento em que algum membro da família passa a exercer atividade urbana, além da rentabilidade e subsistência familiar à ser analisada como critério econômico supracitado, também será necessário que a documentação probatória apresentada esteja em nome do próprio segurado ou de integrante do grupo familiar que ainda permaneça exercendo exclusivamente a atividade rural.
A respeito da extensão dos documentos probatórios e da possibilidade de sua utilização entre a entidade familiar é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o Tema Repetitivo 533, de que:
“Tese Firmada: Em exceção à regra geral (…), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (BRASIL, 2012b, n.p.).
A comprovação da qualidade de segurado é necessária para a obtenção de direitos previdenciários, mas por vezes o trabalhador não possui provas suficientes dessa condição para que seja reconhecida a condição de segurado (KRAVCHYCHYN et al., 2015). É o que ocorre com o segurado especial, que agindo de forma costumeira acabava dispensando formalidades ou documentos, especialmente em sendo considerados fatos de 60 anos atrás ou mesmo nos últimos anos, como, por exemplo, na elaboração de contratos de parceria, seja por escolha do próprio trabalhador ou em decorrência de desconhecimento devido as condições humildes em que vive/viveu ou de poucos estudos nos primórdios.
- Avanços e desafios no enquadramento do segurado especial
Inicialmente convém destacar que há um tratamento diferenciado no que diz respeito a contribuição dos segurados especiais e sua respectiva alíquota, tendo em vista que esta incide sobre o resultado da comercialização daquilo que o segurado especial produziu, portanto, trata-se de uma contribuição sazonal, que acaba sendo um modo de contribuir para a seguridade social em um valor inferior do que os demais segurados, mas que ainda assim garante direito a benefícios previdenciários, tal como prevê o artigo 195, § 8º, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988; LEITÃO; MEIRINHO, 2018).
Todavia, para que o segurado especial possa ter direito a aposentadoria por tempo de contribuição é necessário que no período posterior à 1991 as contribuições tenham sido pagas, diferentemente do que ocorre com a aposentadoria por idade rural, conforme supracitado.
Já no que concerne a comprovação do exercício da atividade rural, a Lei 8.213/91 previa aos segurados especiais que a partir de 1º de janeiro de 2023 esta seria através de dados dos segurados especiais constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), enquanto que para a comprovação do período anterior a esta data ocorria mediante autodeclaração ratificada por órgãos ou entidades públicas credenciadas, conforme o artigo 38-B, §1º e §2º, da Lei 8.213/91 (BRASIL, 1991).
Ocorre que a Emenda Constitucional 103/2019 prorrogou referido prazo do cadastramento dos segurados especiais, até que o CNIS possua, no mínimo, 50% de cobertura destes, a ser apurada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), segundo o artigo 25, §1º da Emenda Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019).
Já no que diz respeito ao início da atividade rural e o marco inicial para o reconhecimento da atividade rural, muito se discutiu ao longo dos anos. A discussão pairava a partir de qual idade poderia ser reconhecida a atividade rural, tendo em vista que por vezes os labores iniciavam antes da idade permitida pela legislação trabalhista e a respeito do tema o entendimento administrativo do INSS era um, enquanto que o entendimento judicial era outro.
Inicialmente o questionamento era sobre a possibilidade do reconhecimento do trabalho dos segurados obrigatórios exercidos antes de terem 16 anos de idade, o que foi alvo de Ação Civil Pública que teve decisão favorável, bem como incidiu na publicação de Portaria para prever a forma de seu cumprimento provisório de acordo com a idade mínima vigente em cada época, conforme a PORTARIA CONJUNTA INSS/PFE Nº 7 DE 09/04/2020 (BRASIL, 2020), que prevê, ainda, em seu art. 3º que:
“Art. 3º Para o cumprimento da decisão judicial deverão ser observadas as orientações a seguir:
I – o período exercido como segurado obrigatório realizado abaixo da idade mínima permitida à época deverá ser aceito para todos os fins de reconhecimento de direitos de benefícios e serviços previdenciários, devendo o benefício ser habilitado no sistema PRISMA com motivo de requerimento “ACP”, conforme vigência de idade mínima descrita abaixo:
- a) até a data de 14/03/1967, aos menores de quatorze anos de idade;
- b) de 15/03/1967 a 4/10/1988, aos menores de doze anos;
- c) a partir de 5/10/1988 a 15/12/1998, aos menores de quatorze anos, exceto para o menor aprendiz, que será permitido ao menor de doze anos; e
- d) a partir de 16/12/1998, aos menores de dezesseis anos, salvo para o menor aprendiz, que será admitido ao menor de quatorze anos” (BRASIL, 2020, n.p.).
No entanto, posteriormente houveram divergências acerca do tema em se tratando de serviço rural, de modo que houve pedido de uniformização nacional questionando a possibilidade do reconhecimento do labor rural que ocorreu anteriormente ao segurado ter 12 anos de idade, cuja tese foi submetida a julgamento da Turma Nacional de Uniformização (TNU) e recentemente julgada, conforme o Tema 219 da TNU, em comento:
“Tese firmada: É possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino” (BRASIL, 2022a, n.p.).
Muito embora a tese firmada tenha sido favorável aos segurados especiais rurais, ainda há entendimento jurisprudencial, posterior ao Tema 219 da TNU, negando o reconhecimento de atividade rural realizada na época em que o segurado tinha menos de 12 anos de idade, conforme a jurisprudência a seguir apresentada:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. MENOR DE 12 (DOZE) ANOS. TEMA 219 DA TNU. 1. Para o reconhecimento do exercício de atividade rural do menor de 12 (doze) anos é imprescindível a comprovação de que essa atividade se mostrava indispensável à subsistência ou ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar. O mero auxílio, porque esporádico e pontual, é insuficiente para o reconhecimento do direito. 2. Recurso inominado improvido”. (TRF 4ª Região, 5008029-86.2021.4.04.7107, QUARTA TURMA RECURSAL DO RS, Relator GERSON GODINHO DA COSTA, julgado em 08/07/2022, grifo nosso).
Neste teor, para o reconhecimento da atividade rural em idade tenra, ao menor de 12 anos, deve ser comprovado que de fato houve trabalho rural e que este era necessário, o que pode implicar em novos indeferimentos de benefícios previdenciários administrativos ou judiciais diante da forma como o trabalho ocorreu, da frequência e da necessidade ou dependência do serviço deste. Posto que o julgador pode considerar que estava tão somente auxiliando terceiro, tal como na jurisprudência supracitada ou mesmo por insuficiência probatória quanto ao motivo determinante do trabalho que pudessem afastar a condição de que prestava mero auxílio.
Todavia, as provas permitidas para a comprovação da atividade rural do segurado especial possuem previsão legal no art. 106 da Lei 8.213/91, tratando-se de um rol exemplificativo e que, via de regra, não atestam a indispensabilidade do serviço, mas comprovam o exercício da atividade rural. Ou seja, a comprovação da imprescindibilidade do labor rural teria de ocorrer através de comparativo com documentos que atestem que não havia outra fonte de rendimento, juntamente com o documento que prove o exercício da atividade rural, demonstrando que sem ela as despesas não seriam supridas.
Isso porque o início de prova material, mediante documentos de comprovação da atividade rural, que estão dispostos na Lei e na Instrução Normativa do INSS, tão somente fazem prova de forma genérica da indispensabilidade do labor rural, de forma presumida ou relativa, gerando insegurança jurídica em tais casos de labor em idade tenra, tal como com a apresentação de notas fiscais de venda de produtos agrícolas, vez que só comprovam que a atividade ocorreu, quando ocorreu, que houve a venda do produto e o seu respectivo valor, assim como o local da produção e por quem foi comercializada.
O rol exemplificativo de documentos para a comprovação da atividade rural previsto no art. 106 da Lei 8.213/91, portanto, não faz menção, nem mesmo comprova o caráter de indispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do núcleo familiar. De tal modo, ainda que admitido o reconhecimento da atividade rural exercida anteriormente aos 12 (doze) anos de idade do segurado pelo Tema 219 da TNU, o cômputo de tal tempo depende de um conjunto probatório que viabilize a conclusão de que a atividade rural não se tratava de um mero auxílio, mas sim de trabalho efetivo.
Tais fatos podem exigir que a prova apresentada seja corroborada por depoimento testemunhal ou ainda que pode implicar na existência de comprovação tão somente mediante testemunhas, na falta de documentos, o que mais uma vez pode implicar no indeferimento do requerimento do benefício previdenciário rural.
De outro lado, a autodeclaração do segurado especial tem sido o principal documento probatório dos segurados especiais, sendo dividida em “Autodeclaração do Segurado Especial – Rural”, “Autodeclaração do Segurado Especial – Pescador Artesanal” e “Autodeclaração do Segurado Especial – Seringueiro ou Extrativista Vegetal”, conforme a IN 128/2022 (BRASIL, 2022b).
Tão importante tem sido a autodeclaração do segurado especial, que a ausência desta tem sido a motivação do indeferimento de benefícios previdenciários. Correlato a esse entendimento, tem-se a seguinte jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
“EXTINÇÃO. 1. O feito foi extinto sem resolução do mérito por não ter sido apresentado formulário de atividade rural no procedimento administrativo. 2. Recurso da parte autora desprovido” (TRF 3ª Região, 12ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv – RECURSO INOMINADO CÍVEL – 0000438-31.2020.4.03.6329, Rel. Juiz Federal FABIOLA QUEIROZ DE OLIVEIRA, julgado em 16/02/2022, DJEN DATA: 23/02/2022).
Todavia, junto a autodeclaração são exigidos outros documentos que comprovem o exercício da atividade rural na condição de segurado especial. E no que concerne aos documentos complementares à autodeclaração, estes foram unificados no artigo 116 da Instrução Normativa 128/2022, que prevê um rol exemplificativo de documentos destinados a comprovar a condição de segurado especial, muito embora já houvesse previsão legal esparsa destes anteriormente.
Ocorre que, muitas vezes a autodeclaração do segurado especial rural acaba sendo preenchida incorretamente e por conter perguntas com especificidades que podem descaracterizar a condição de segurado especial quando preenchidas equivocadamente, acaba por vezes prejudicando o segurado que tem seu benefício previdenciário indeferido, mesmo havendo outros documentos complementares acostados no processo. Tal fato se repete quando referida autodeclaração não é apresentada no processo administrativo.
Nesta senda, importante salientar a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE REABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA, OMISSA OU INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE DE NOVA DECISÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. […] 3. Na hipótese em apreço, o indeferimento do tempo de serviço rural embasou-se na desconsideração de documentos em nome de terceiro não integrante do grupo familiar e na ausência de documentos ou autodeclaração constando tamanho da área, ou da embarcação utilizada, para desenvolvimento da atividade, ou não apresentou a identificação do proprietário por meio do nome e CPF, nada obstante a requerente tenha apresentado documentos referentes à atividade rural, aptos a consubstanciar início de prova material, e não tenha havido, por parte da Autarquia, identificação de elementos que descaracterizem de plano a sua condição de segurada especial. Por tal razão, não poderia ter havido o indeferimento sumário do benefício sem o aprofundamento da instrução. 4. O que se extrai da decisão administrativa é que o benefício foi indeferido com base na ausência de documentos contemporâneos ao período de interesse – o que ensejaria a formulação de exigências para possibilitar eventual complementação da prova -, mas não houve formulação de exigências em razão da documentação apresentada ter sido considerada suficiente para a verificação do direito. 5. Determinada a reabertura do processo administrativo para que seja feita nova análise de maneira escorreita, atendendo aos requerimentos formulados e considerando toda a documentação apresentada, com fulcro no art. 696, parágrafo único, da IN INSS/PRES nº 77/15. 6. Apelação a que se dá provimento”. (TRF4, AC 5002795-89.2022.4.04.7204, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 29/09/2022, grifo nosso)
Aos segurados especiais é permitido que a documentação complementar à autodeclaração esteja em nome de outros integrantes do grupo familiar, como do pai ou mãe do segurado, por exemplo, estendendo-se tal prova para comprovar o exercício da atividade rural, vez que era exercida dentro do mesmo grupo familiar, ainda que em idades remotas.
Ocorre que, não bastando o problema com o preenchimento equivocado da autodeclaração feito pelo segurado ou sua inexistência, o segurado especial esta condicionado, ainda, a validação do tempo rural com os documentos complementares apresentados, devido aos critérios utilizados, como o tamanho da área rural, afastamento da atividade rural por mais de 120 dias, bem como nos entendimentos divergentes acerca do cômputo do período rural desde a infância e anterior aos 12 anos de idade, além de outros.
A análise do tamanho da área rural utilizada é feita por meio de módulos fiscais, sendo enquadrado como segurado especial se área for de até 4 módulos fiscais, de acordo com a previsão legal. No entanto, os módulos fiscais variam em cada município, vez que são fixados em hectares pelos municípios, conforme a atividade principal e a renda advinda desta naquela localidade ou ainda de acordo com outra exploração excessiva do município (SANTOS, 2019).
Todavia, para condicionar a análise do tamanho da área rural, é levado em conta a área que de fato é utilizada e não a parte improdutiva. Ainda assim, muitos segurados deixavam de se enquadrar na condição de qualidade de segurado especial tão somente em razão do tamanho da área utilizada ser superior aos 4 módulos fiscais, que descaracterizava tal condição. Inclusive foi submetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o Tema 1115 com o questionamento exatamente nesse sentido:
“Questão submetida a julgamento: Definir se o tamanho da propriedade não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar, caso estejam comprovados os demais requisitos para a concessão da aposentadoria por idade rural.
Tese Firmada: O tamanho da propriedade não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar, quando preenchidos os demais requisitos legais exigidos para a concessão da aposentadoria por idade rural” (BRASIL, 2022c, n.p.).
De tal modo, foi recentemente (2022) firmada a tese que permite o enquadramento como segurado especial em regime de economia familiar para propriedade superior a área de 4 módulos fiscais. Contudo, a tese supracitada ainda exige o preenchimento dos demais requisitos legais, sem especificá-los, dando certa liberalidade a quem for realizar a análise do preenchimento dos requisitos qualificadores, que por vezes recaem em parâmetros de produtividade e alta escala da produção, isto é, se utilizam de critérios quantitativos, não se adstringindo à previsão legal.
Isso porque antes mesmo do tema ser afetado, os julgadores já levavam em conta critérios que desenquadravam o segurado especial devido a quantidade excessiva de produção ou, ainda, pelo metodologia empregada para a produção ou desenvolvimento da atividade rural, nesse sentido extrai-se do inteiro teor do acórdão que:
“Acresça-se que, como bem posto pelo douto Juízo sentenciante ‘a prova documental revela a utilização de maquinário, bem como uma alta produção de grãos (fls.110/114), o que descaracteriza o trabalho rural em regime de economia familiar’ […]” (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5796426-35.2019.4.03.9999, Rel. Juiz Federal Convocado GISELLE DE AMARO E FRANCA, julgado em 05/05/2021, DJEN DATA: 11/05/2021)
Tal entendimento vai no sentido contrário a própria previsão legal, seja quanto aos requisitos que garantem o reconhecimento a condição de segurado especial ou no que diz respeito a própria definição legal deste. Isso porque ao dispor sobre a condição do segurado especial e a forma/modo que é exercida a atividade, o art. 11, inciso VII e suas alíneas e § 1º, da Lei nº 8.213/91 nada preveem sobre alta produção ou utilização de maquinários. Pelo contrário, o referido dispositivo legal assegura o direito ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar advindo do trabalho rural em regime de economia familiar ou individual.
Assim como não há previsão legal acerca dos parâmetros e quantidades de produções, o diploma legal supracitado também não faz menção a um patamar ou nível socioeconômico, mas tão somente prevê que a atividade seja indispensável tanto a subsistência quanto ao desenvolvimento socioeconômico da família. De tal modo, os critérios utilizados para reconhecer a qualidade de segurado não devem extrapolar a previsão legal.
No entanto, mesmo maquinários necessários a produção e que substituem o trabalho manual do trabalhador já foram motivos para o indeferimento de benefício previdenciário de salário maternidade, conforme jurisprudência a seguir exposta:
“REVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. NÃO PREENCHIMENTO. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL NÃO COMPROVADA. DESCARACTERIZAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. COMPLEMENTAÇÃO POR PROVA TESTEMUNHAL. PRODUÇÃO EM GRANDE ESCALA. MAQUINÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA MANTIDA. 1. Para a concessão do benefício de salário-maternidade de segurada especial é imprescindível a prova do exercício de atividades rurais nos dez meses anteriores ao nascimento do filho. 2. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal. 3. Hipótese em que a parte autora não preenche os requisitos necessários à concessão do benefício, devido ao uso de maquinários (ordenhadeira e resfriador) e pela alta produção para fins de comercialização, afastando-se da condição de segurada especial. 4. Improvido o recurso, a parte autora arcará com as custas e honorários advocatícios no percentual de 15% sobre o valor da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC, determinando a sua inexigibilidade temporária, no entanto, em face do benefício da assistência judiciária gratuita”. (TRF4, AC 5009016-50.2019.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 10/06/2021, grifo nosso)
Conforme o inteiro teor do acórdão supracitado (TRF4, AC 5009016-50.2019.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 10/06/2021), a descaracterização da condição de segurado especial ocorreu tanto em razão do tamanho da propriedade, vez que o julgamento do acórdão foi anterior ao Tema 1115 do STJ ser julgado, quanto pelo fato da autora utilizar maquinários na atividade rural, sendo eles ordenhadeira de leite, resfriador e trator, bem como pelo fato de comercializar cerca de 400 litros de leite advindos de 40 vacas leiteiras.
A própria comercialização da produção rural por si só não é motivo para indeferimento do benefício, vez que até mesmo a contribuição do segurado especial se dá sobre a comercialização dos produtos, além de que a venda dos produtos retorna para a subsistência do núcleo familiar e condiz com o desenvolvimento socioeconômico deste, conforme referido anteriormente.
Ademais, considerando o volume de leite comercializado e a quantia de animais, percebe-se o baixo rendimento leiteiro no caso em análise, sendo que os 400 litros de leite corresponderiam a 10 litros de leite por vaca obtidos diariamente, ao passo que uma vaca leiteira produtiva geraria aproximadamente 22 ou 27 litros a até 40 litros de leite por dia (CARDOSO, 2019). Ou seja, a produção obtida é até menor do que poderia ser alcançada.
Ademais em junho de 2021 o limite para o enquadramento como pequeno produtor, segundo o Conselho Monetário Nacional – CMN, era de R$ 415.000,00 por ano (MÁXIMO, 2021). Todavia, conforme o inteiro teor do acórdão (TRF4, AC 5009016-50.2019.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 10/06/2021), mencionado anteriormente, as notas fiscais de venda do caso em comento correspondiam a R$16.549,66 e R$ 12.860,61, ou seja, ainda que fossem considerados tais valores fixos, sem o período de estiagem e frio intenso que prejudicam a produção leiteira, a autora ainda estaria dentro do limite correspondente ao pequeno produtor rural, mesmo na data do julgamento do acórdão.
Ademais, inibir a utilização de ordenhadeira ou refrigerador implicaria no comprometimento do desenvolvimento socioeconômico dos agricultores, que se tornariam adstritos unicamente a produção manual, ainda que em meio a era tecnológica, diminuindo os rendimentos e prejudicando a conservação do leite, que deve ser refrigerado logo após a produção, mesmo em produções de baixa escala ou ainda, para que chegue até o ponto de coleta. Ao passo que o trator permite a realização dos demais serviços rurais na propriedade, substituindo o trabalho braçal ou com utilização de animais, como ocorria nos primórdios, claro exemplo de desenvolvimento socioeconômico.
Nesta toada infere-se que os critérios utilizados vão além dos requisitos legais, adentrando em quesitos técnicos dos quais, por vezes, os próprios julgadores podem não deter conhecimentos específicos ou maiores informações acerca do tema, mas que podem implicar no indeferimento de benefícios previdenciários rurais, mesmo quando os requisitos que estão de fato previstos na lei se encontram preenchidos.
Referidos critérios “inovadores”, isto é, que não advém de previsão legal, não retratam uma forma de tratamento isonômico entre os segurados especiais rurais quem buscam o reconhecimento ao direito de benefícios previdenciários, vez que com a incidência de tais critérios ficam à mercê de julgadores que optam ou não por sua incidência para o reconhecimento da qualidade de segurado especial rural, bem como ferem os princípios da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações rurais, além de gerar insegurança jurídica.
- Análise dos principais motivos das negações de reconhecimento do tempo de trabalho rural na região Oeste do Paraná
Frente as dificuldades enfrentadas para o reconhecimento da condição da qualidade de segurado especial rural no momento do requerimento de benefício previdenciário, é que foram analisados os principais motivos de tais negações do tempo de labor rural no Oeste do Paraná que geraram o indeferimento do pleito de aposentadorias com tempo rural, seja na via administrativa ou judicial.
A análise para a coleta dos dados anteriormente referidos foi realizada mediante pesquisa online (Apêndice) com 11 participantes, contemplando as cidades de Quatro Pontes, Marechal Cândido Rondon, Toledo e Cascavel, utilizando-se do “Formulário de constatação de negações no reconhecimento de tempo de trabalho rural e da aposentadoria rural/híbrida”. Mediante a análise dos resultados obtidos, obteve-se os principais motivos das negações do tempo de trabalho rural e do indeferimento de aposentadoria por idade rural ou aposentadoria híbrida na região Oeste do Paraná, a seguir ilustrados no gráfico:
Com a análise do gráfico é possível notar que, dentre os participantes da pesquisa, o principal motivo do indeferimento de aposentadoria rural ou aposentadoria híbrida com tempo rural negado, foi em decorrência da falta de outro documento comprobatório, tal como notas de vendas, documentos da propriedade rural, contratos, etc., correspondendo a 54,54% das respostas.
De outro lado, a segunda maior razão de indeferimento da aposentadoria rural ou aposentadoria híbrida, isto é, de não ter seu tempo de trabalho rural reconhecido, foi por ausência da autodeclaração rural ou pelo preenchimento incorreto desta, no percentual de 36,36% das respostas dos participantes.
Evidente é o fato de que o maior problema enfrentado pelos trabalhadores rurais corresponde a documentação, seja porque não possuem toda a documentação exigida, por deixarem de apresentar algum documento ou por apresentarem documentação incorreta, ou ainda, incompleta.
No entanto, diferentemente do que ocorre com empregados celetistas, os trabalhadores rurais, com a exceção de empregados rurais, por vezes não possuem registro de seu trabalho ou ainda que possuíssem, acaba se perdendo com o tempo, considerando que, tal como anteriormente exposto, o trabalho rural por vezes já era realizado antes mesmo dos 12 anos de idade para a subsistência do núcleo familiar, de modo que conservar tais documentos ao longo da vida, até a idade da aposentadoria (55 anos se mulher e 60 anos se homem), se torna por vezes impossível.
Ademais, considerando-se o presente ano (2023), em uma situação hipotética, o segurado com 60 anos em 2023 possuía 12 anos no ano de 1975, de modo que o armazenamento de documentos daquela época é completamente diferente do que na era tecnológica, sendo que tinha de armazenar os próprios documentos físicos ao longo dos anos e, portanto, estavam sujeitos a deterioração pelo tempo ou ainda por catástrofes ambientais, tal como incêndios, levando o segurado especial a depender de depoimento testemunhal para comprovar a atividade rural.
Em resumo, a fragilidade probatória tende a ser uma das características presentes em requerimentos de benefícios previdenciários realizados por trabalhadores rurais e, que, no caso da pesquisa na região Oeste do Paraná, foi responsável pela negação de 6 aposentadorias, dentre os 11 entrevistados, em considerando-se a falta de documentos comprobatórios no âmbito administrativo e judicial.
Ainda de acordo com a pesquisa realizada e o gráfico citado anteriormente, o terceiro principal motivo de negações no reconhecimento de tempo de trabalho rural na região Oeste do Paraná foi pela quantidade de produção excessiva/alta produção rural, correspondendo a 9,09% de todas as respostas dos participantes.
O indeferimento da aposentadoria pela quantidade de produção excessiva/alta produção rural, referida, diz respeito a resposta de um dentre onze participantes da pesquisa, cuja negação da aposentadoria ocorreu na via judicial. Desta maneira, já é possível vislumbrar mais uma vez que tal critério, mesmo sem previsão legal, vem sendo aplicado pelos julgadores, tal como mencionado anteriormente em jurisprudência no item dos “Avanços e desafios no enquadramento do segurado especial”.
Ademais, conforme dados obtidos com a pesquisa (anexa no Apêndice), considerando todos os motivos de indeferimento respondidos, no que concerne tão somente aos indeferimentos administrativos pelo INSS, estes correspondem a 44,44% indeferimentos de requerimentos de aposentadoria rural ou aposentadoria híbrida feitos antes de 13 de novembro de 2019, enquanto que 55,55% correspondem a tais requerimentos previdenciários que foram feitos e indeferidos após 13 de novembro de 2019.
Com relação aos indeferimentos administrativos feito pelo INSS, em análise de forma individual dos motivos de indeferimento na pesquisa supracitada da aposentadoria rural e híbrida e de sua época, tem-se que dos 4 (quatro) requerimentos feitos antes de 13 de novembro de 2019, 2 (dois) foram negados por preenchimento incorreto ou ausência da autodeclaração rural, enquanto que os outros 2 (dois) foram negados por falta de outro documento comprobatório (ex: notas de vendas, documentos da propriedade rural, contratos, etc.).
Dos indeferimentos administrativos feito pelo INSS de requerimentos feitos após 13 de novembro de 2019, 2 (dois) foram negados por preenchimento incorreto ou ausência da autodeclaração rural e 3 (três) foram negados por falta de outro documento comprobatório (ex: notas de vendas, documentos da propriedade rural, contratos, etc.).
De outro lado, ainda considerando todos os motivos de indeferimento respondidos, mas no que diz respeito as respostas dos participantes que tiveram a aposentadoria rural ou híbrida negada judicialmente, isto é, com dois participantes da pesquisa, os resultados obtidos correspondem a um requerimento feito antes de 13 de novembro de 2019 negado por falta de outro documento comprobatório (ex: notas de vendas, documentos da propriedade rural, contratos, etc.), ao passo que o outro requerimento foi realizado após 13 de novembro de 2019, tendo sido negado pela quantidade de produção excessiva/alta produção rural.
Em suma, os resultados obtidos com o formulário online demonstram que, mesmo num pequeno grupo de trabalhadores rurais ou que já exerceram atividade rural, é possível vislumbrar que já existe a exigência de critério que não possui respaldo legal, como no caso do indeferimento pela alta produção rural, assim como também demonstram as dificuldades na comprovação do tempo de trabalho rural, tal como a insuficiência de documentos rurais pela maioria dos participantes da pesquisa.
Considerações finais
Ao longo do presente artigo foram apresentadas as dificuldades e empecilhos enfrentados pelos trabalhadores rurais para terem reconhecido seu período completo de atividade rural, isto é, incluindo a época de labor rural anterior aos 12 (doze) anos de idade, assim como os motivos de indeferimento da aposentadoria por idade rural, seja ante a negação da condição de segurado especial ou do reconhecimento do tempo rural, que também é motivo de indeferimento da aposentadoria híbrida.
Muito embora tenham advindo temas inovadores no direito previdenciário, a aplicabilidade destes pode ocorrer com uma interpretação distinta por cada julgador e que, ao entender serem necessários maiores requisitos do que os previstos na lei para o reconhecimento da condição de segurado especial, pode gerar o indeferimento da aposentadoria por idade rural. Isso porque o segurado especial rural acaba ficando à mercê da hermenêutica aplicada, conforme o conhecimento prévio acerca da atividade rural e do que vem a ser atividade de produção excessiva ou da utilização excessiva de maquinários, por exemplo.
Referidas exigências de critérios que não possuem respaldo legal para o reconhecimento e cômputo do tempo de atividade rural estão atreladas a mitigação do direito ao desenvolvimento socioeconômico, restringindo o acesso a melhores condições econômicas dos segurados.
A previsão legal condiciona o segurado especial ao exercício da atividade rural em área de até 4 (quatro) módulos fiscais, desde que ela seja realizada em regime de economia familiar, pelo núcleo familiar ou em caráter individual, sendo indispensável para a subsistência e, assim como é a previsão legal, que também garanta o desenvolvimento socioeconômico.
O próprio Tema 1115 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está atrelado a esse entendimento, sendo garantido ao segurado especial que apesar do tamanho da propriedade, o direito à aposentadoria por idade rural é assegurado em estando cumpridos os demais requisitos. Portanto, exigir novos requisitos é uma forma de interpretação excessiva que inibe ou restringe indevidamente a aplicação do Tema referido.
Embora haja novos entendimentos firmados que envolvem as hipóteses admissões do reconhecimento da condição de segurado especial rural, estes avanços têm tido a aplicação relativizada em alguns casos, ao serem condicionados a novas interpretações, ainda que o própria Tema ou a lei não remetam a estes critérios de análise. Com isso, os segurados submetidos a tais critérios tem uma análise do enquadramento como segurado especial ou de seu requerimento de benefício diferente do outro segurado especial onde o Tema e a lei foram seguidos de acordo com sua previsão e sem critérios inovadores.
Com o presente estudo foi demonstrada a dificuldade da comprovação e aceite do trabalho rural realizado em idade tenra, que não correspondia a mero auxílio na época de sua realização, bem como as novas interpretações que se utilizam de critérios relacionados à como a produção rural é feita ou quanto é obtido e comercializado com a produção, evidenciando que os critérios extensivos a redação legal já vem sendo aplicados, o que causa insegurança jurídica para o segurado que não sabe se irá ou não incidir referido critério e o que poderia vir a ser considerado como alta produção ou utilização excessiva de máquinas segundo o critério do julgador ou administrativamente.
Se, por um lado, houveram avanços na fixação de Temas, entendimento jurisprudencial e alteração na redação legal ao longo dos anos, por outro lado verificou-se que, em alguns casos, referidos avanços deixam margem para interpretações, o que pode prejudicar o segurado especial rural conforme a interpretação adotada e os entendimentos que podem ser firmados posteriormente com base nestas interpretações pretéritas.
Com isso, as redações que contiverem maiores especificidades e menores aberturas genéricas a termos ou condições, tendem a trazer menores empecilhos e lacunas que possam desfavorecer os segurados.
Portanto, os resultados obtidos com o presente artigo podem auxiliar em aprofundamentos do estudo atual ou contribuir para novas pesquisas sobre o tema. Isso porque o enfoque central não objetiva rechaçar a utilização de critérios ou requisitos para o reconhecimento da qualidade de segurados especiais rurais para obtenção de benefício previdenciário, mas sim que referidos critérios sejam aplicados de acordo com a redação legal ou Tema firmado, ou ainda, de acordo com a jurisprudência sedimentada e que sejam utilizados de forma isonômica ou equitativa dentre os trabalhadores rurais.
Com a pesquisa realizada demonstrou-se as causas corriqueiras enfrentadas pelos trabalhadores rurais na região Oeste do Paraná, dentre os participantes, com o indeferimento de benefícios previdenciários. Ainda, com base na pesquisa, contatou-se que o maior índice de indeferimentos, dentre os participantes, ocorreu após 13 de novembro de 2019, bem como que o principal motivo de indeferimentos ocorreu pela falta de outro documento comprobatório (ex: notas de vendas, documentos da propriedade rural, contratos, etc.).
Enquanto os critérios para o reconhecimento da qualidade de segurado especial rural forem aplicados de modo inequitativo, será prejudicial aos trabalhadores rurais, assim como causa de insegurança jurídica. No entanto, se os trabalhadores rurais, uns como os outros, forem submetidos tão somente aos requisitos legais, Temas e entendimentos firmados, seria evitada a insegurança jurídica que ocorre quando apenas alguns são condicionados a critérios extensivos/distintos, sem respaldo legal e que podem gerar o indeferimento de auxílios e benefícios previdenciários dos trabalhadores rurais, assim como a negação da condição de segurado especial rural.
Referências
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SANTOS, M. F. dos. Direito previdenciário esquematizado. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
Apêndice
Formulário de constatação de negações no reconhecimento de tempo de trabalho rural e da aposentadoria rural/híbrida
O objetivo do presente formulário é identificar e analisar os principais motivos pelos quais o tempo rural tem sido negado e gerado o indeferimento da aposentadoria rural ou da aposentadoria híbrida. As informações aqui coletadas serão mantidas em sigilo e servirão para obter percentuais para pesquisa em artigo científico e para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da pós-graduação, sendo garantido o anonimato. O formulário é de preenchimento voluntário para trabalhadores rurais e aposentados rurais que não tiveram seu tempo rural reconhecido pelo INSS e/ou judicialmente.
*Indica uma pergunta obrigatória
- O seu tempo de trabalho rural ou aposentadoria por idade rural ou híbrida foi negado pelo INSS ou em ação judicial?*
( ) Foi negado pelo INSS
( ) Foi negado na sentença em ação judicial
- Por qual motivo não teve seu tempo de trabalho rural reconhecido ou teve a aposentadoria rural negada?*
(O motivo do indeferimento da aposentadoria ou benefício previdenciário pode ser encontrado na Carta do INSS ou consultando o processo no site ou aplicativo do Meu INSS ou ainda, na sentença, se for o caso de ação judicial).
( ) Pela quantidade de produção excessiva/alta produção
( ) Pelo uso de equipamentos tecnológicos ou máquinas excessivas na produção
( ) Preenchimento incorreto ou ausência da autodeclaração rural
( ) Falta de outro documento comprobatório (ex: notas de vendas, documentos da propriedade rural, contratos, etc.)
- Em qual época fez o requerimento da aposentadoria por idade rural ou aposentadoria híbrida?*
(A aposentadoria híbrida ocorre com a soma do tempo de trabalho rural e urbano)
( ) Antes de 13 de novembro de 2019
( ) Após 13 de novembro de 2019
- Em qual cidade você morava na época do requerimento da aposentadoria por idade rural ou aposentadoria híbrida?*
______________________________
- Em qual cidade você mora atualmente?*
______________________________
Fonte: ROWEDER, F. J. Formulário de constatação de negações no reconhecimento de tempo de trabalho rural e da aposentadoria rural/híbrida. 2023. Utilizado para coletar dados sobre as negações no reconhecimento de tempo de trabalho rural e aposentadoria rural e híbrida na região Oeste do Paraná, em 19 de maio de 2023. Disponível em: https://forms.gle/68fSDNZPTF5QBrUF6.
[1]Advogada, OAB/PR 112091. Bacharela em Direito pela Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – Isepe Rondon, dezembo/2021. Pós-graduanda em Direito da Seguridade Social – Previdenciário e Prática Previdenciária na Faculdade Legale. E-mail: [email protected]