O atraso das perícias médicas relacionadas aos benefícios por incapacidade do regime geral de previdência social e a afronta a dignidade humana dos segurados

Resumo: O presente trabalho tem por objeto evidenciar à problemática que cerca os Benefícios por Incapacidade da Previdência Social brasileira, dando especial atenção às prestações do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. A proteção social destacada é concedida para o cidadão acometido pela contingência social da incapacidade laborativa, sendo em razão disso privado do trabalho, meio mantenedor da dignidade de qualquer ser humano. No entanto, a partir do momento em que o segurado da Previdência Social ingressa com seu pedido inicial de benefício, o atraso da perícia médica nas agências do INSS em quase todo país, faz com que cidadãos fiquem sem qualquer rendimento em períodos superiores, em alguns casos, há seis meses. Como enfrentar tamanha problemática, tendo em vista do direito fundamental social à Previdência Social e, por conseqüência, a defesa do mínimo existencial dos destinatários da proteção social estatal? É o que passamos a discorrer.

Palavras-chave: Benefícios por Incapacidade – Direitas Fundamentais Sociais- Mínimo Existencial – Regime Geral da Previdência Sócia – Perícia Médica.

Abstract: This paper's purpose is to highlight issues surrounding the Disability Benefits Social Security in Brazil, giving special attention to the benefits of the National Social Security Institute – INSS. Social protection is granted for outstanding citizens affected by the social contingency of incapacity to work, and because it's private labor, the maintainer of the dignity of every human being. However, from the time the insured person of Social Security joins with his initial application for benefits, the delay of medical expertise of the INSS agencies in almost every country, means that citizens are left without any income for longer periods in some cases, six months. How to face such problems in view of the fundamental social right to social security and, consequently, the defense of the existential minimum of recipients of social welfare state? This is what we now discuss.

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Keywords: Disability Benefits – Fundamental Social Rights-Existential Minimum – the General Security Partner – Forensic Medicine.

Considerações Iniciais

O presente artigo tem por objetivo analisar a precária condução do processo administrativo previdenciário para a concessão de benefícios por incapacidade laboral, no caso, o auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, previstos na Lei de Benefícios. Isto, porque o segurado exposto a uma contingência a limitar seu desempenho profissional, meio garantidor de sua subsistência, se vê privado de qualquer rendimento por período superior a 2 meses, pela demora extrema no agendamento de perícias médicas, meio usado pela agência de previdência de todo o país para reconhecer a existência da incapacidade laboral ventilada e, por conseqüência, a devida concessão do benefício por incapacidade. O resultado disso, é a afronta aos direitos fundamentais dos segurados, que são privados de seu trabalho, e ao mesmo tempo da proteção estatal em forma pecuniária, seguro social devido a este tipo de risco social. A solução é tornar obrigatório o deferimento inicial pelas agências de previdência de todo país tendo por base os pareceres dos médicos assistentes. A prova médica, portanto, deve incorporar o seu direito fundamental, principalmente diante da problemática até referida.

2. O Direito Fundamental à Seguridade Social

A evolução dos direitos fundamentais confirmam que não mais se pode falar em liberdade e igualdade sem a existência dos pressupostos materiais que viabilizem tais direitos, surgindo a necessidade de assegurar meios que possibilitem seu exercício.

A evolução das concepções abstencionistas do Estado Liberal ao Estado Social de direito, foi reflexo das transformações sócio-econômicas e políticas ocorridas no primeiro pós-guerra (1914-1918). Assim, as novas realidades sociais passam a exigir uma nova concepção do Estado, isto é, o impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos abalaram a estrutura de um Estado mínimo, não intervencionista.

De acordo com Zagrebelsky[1], era característico do Estado Liberal de Direito a separação entre Estado e cidadãos, ao passo que os poderes da Administração, em caso da colisão com os direitos de particulares era executado por autorizações legislativas, ou seja, a intervenção do Estado só se dava em casos previstos em lei. No dizer de Bobbio[2], são liberdades negativas que valem para o homem abstrato. Aliado a isso, o liberalismo clássico, lembra Nunes Jr., “acabou por revelar uma realidade tirânica e cruel em relação a classe operária que se formava nos centros industriais da Europa de então”.[3]

De fato, com a Revolução Industrial, uma massa de cidadãos trabalhava nas mais precárias condições de trabalho e sem qualquer direito à previdência, saúde ou regulamentação da jornada de trabalho, ao passo que as reivindicações contra tal situação fizeram emergir os direitos sociais. Neste contexto, se opera o reconhecimento dos direitos sociais juntamente com o desenvolvimento do Estado intervencionista, o Estado do Bem Estar. Constata-se, lembra Herrera[4], a pretensão de eliminar a ideia da particularidade da necessidade, ligada a categoria social determinada através da extensão do sistema de seguridade social a todos os cidadãos, sem limites de renda, tornando mais sólido o pensamento de integração social e universalidade. A expressão clássica desta concepção encontra-se nos céleres relatórios Beveridge, de 1942 e 1944. Esclarecem Dupeyroux e Prétot[5], que Beveridge não se ateve a realizar uma simples readaptação ou melhoria da seguridade social, mas propôs a criação de um sistema radicalmente novo cujo objetivo é libertar o homem da miséria, além de compensar as incertezas e riscos da existência humana, principalmente diante dos desafios da crise econômica de 1929 e as repercussões da guerra.

É de ser relevado que o marco do surgimento do Estado Social, em termos de expressividade, se deu com a Constituição de Weimar de 1919 da Alemanha. O fato é que o Estado Social, também chamado de Estado Intervencionista, Estado Providência, de Bem-Estar Social (Welfare State) passa a adotar uma conduta prestacional, ao contrário da abstencionista do antigo modelo liberal, no intuito de garantir os direitos sociais mínimos à população.

Destaca-se que a Constituição de Weimar teve uma maior expressividade, com uma estrutura mais elaborada do que a mexicana, tanto que o Brasil recepcionou suas idéias na elaboração da Constituição de 1934, ao estabelecer um título específico para a Ordem Econômica e Social (Título IV). Contudo, foi com a Constituição de 1988 que o Brasil avançou em relação aos direitos sociais, ao dedicar capítulo inteiro aos mesmos, quando tratou de abordar os direitos e garantias fundamentais (Título II, Capítulo II, artigos 6 º a 11º.), e mais adiante um título especial sobre a Ordem Social (titulo VIII).

A Constituição cidadã inclui o rol de direitos sociais de seguridade entre os direitos fundamentais, posto que a proteção social estatal deve garantir a erradicação da pobreza, a diminuição das desigualdades sociais e a realização da dignidade humana, base estrutural e valor supremo do Estado (art. 1º, III, CF/88).

No que concerne a fundamentalidade dos direitos sociais na Constituição de 1988, oportuno esclarecer o seu aspecto formal e material. A fundamentalidade formal decorre da constitucionalização dos direitos como leciona Canotilho[6], ou seja, do direito constitucional positivo como destacado por Sarlet[7], e apresenta as seguintes aspectos adaptados ao nosso direito pátrio: a) os direitos fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, tendo hierarquia superior as demais normas do ordenamento jurídico; b) tendo a qualidade de normas constitucionais, estão submetidas aos limites formais e materiais de revisão ou emenda constitucional conforme art. 60 da CF/88; c) tendo em vista os disposto no § 1º do art. 5º, tem aplicabilidade imediata e vinculam todos os poderes públicos.  

A fundamentalidade material, por sua vez, lembra Olsen[8] , “está relacionada à correspondência havida entre os direitos fundamentais e o núcleo de valores que informa a Constituição, especialmente os princípios enumerados no Título I da CF, dentre os quais vale destacar a dignidade da pessoa humana”. Ou seja, seguindo pensamento de Sarlet[9], é elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões axiológicas sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade, sendo que a noção de fundamentalidade material permite a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes em seu texto, por meio da cláusula de abertura (art. 5º. § 2º, da CF/88).  

Com isso, verifica-se a insuficiência de uma conceituação meramente formal dos direitos fundamentais, ao passo que podem ser considerados como direitos fundamentais aqueles que, apesar de não estarem expressamente previstos na Constituição são dotados da mesma dignidade/conteúdo dos formalmente reconhecidos.

Este conceito material tem a especial utilidade quanto ao reconhecimento da fundamentalidade de todos os direitos expressamente previstos no texto constitucional, mas fora do catálogo do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), dentre os quais se pode citar o direito à seguridade social (art. 194), o direito à saúde (art. 196), o direito à previdência social (art. 201), e o direito à assistência social (art. 201, V, § 2º), por exemplo.

Consoante lição de Olsen:

“A utilidade de um conceito material de direitos fundamentais sociais não se revela exclusivamente como critério para a identificação dos direitos fundamentais fora do catálogo do Título II da Constituição Federal, mas também para informar o intérprete a respeito de quais valores foram levados em consideração pelo constituinte para a previsão constitucional destes direitos. A partir desta consciência axiológica, a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais não é tão somente cumprir a letra fria da Constituição, mas sim respeitar os valores construídos e difundidos na sociedade, trilhando os caminhos que ela mesma traçou ou pretendeu traçar.”[10]

No dizer sempre expressivo de Sarlet:

“Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo”[11].

Além do mais, não há como negligenciar que a CF/88 consagra a ideia da constituição de um Estado Democrático de Direito no qual os artigos. 1º, I a III e art. 3º, I, III e IV estruturam e fundamentam o próprio Estado.

A constituição social, materializada no Título VIII da CF/88, rata da Ordem Social, que, nos termos do art. 193, tem como base a preeminência do trabalho e, como diretriz, o bem-estar e a justiça sociais, em harmonia com a ordem econômica, que se funda, também, nos termos do art. 170, caput, da Lei Maior, na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando à dignidade do cidadão.

Nos termos do art. 6º. da Constituição Federal de 1988, o cidadão apresenta-se como destinatário dos direitos sociais, compondo a Ordem Social, juntamente com o título de direitos fundamentais, na lição acertada de Afonso da Silva, “núcleo substancial do regime democrático[12]. A partir daí emerge a Seguridade Social, que nos termos do art. 194, caput, da referida Constituição, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, destinando-se seus princípios orientadores e as formas de seu financiamento.

Nesse contexto da ordem social, destaca-se a Seguridade Social, que no dizer invulgar de Balera “em nosso sistema jurídico, a Justiça é o fim da Ordem Social, e a Seguridade Social é o modelo protetivo que se destina a institucionalizar seus preceitos”.[13] Nesse ponto, foi desenvolvida para fortalecer e estruturar o amparo ao cidadão em virtude do surgimento das mais variadas contingências ou riscos sociais.

Na leitura do art. 194, da Carta Magna, entende-se que a seguridade social é composta por uma verdadeira rede protetiva formada pelo Estado e particulares, cujas ações visam o atendimento dos direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. De efeito, a seguridade social é o gênero, ao passo que a saúde, previdência e assistência social são espécies.  A seguridade social abrange, pois, tanto a Previdência Social (organizada sob a forma de regime geral e de caráter contributivo e filiação obrigatória, destinadas aos segurados contribuintes e seus dependentes), como a Assistência Social (proteção social destinada em atender aos hipossuficientes (carentes e indigentes)), e a Saúde Pública (fornecimento de assistência médico-hospitalar, tratamento e medicações). Estes dois últimos são prestações do Estado devidas independentemente de contribuições.

No que tange a previdência social, preceituada no art. 201, I, da Carta Magna, abrange a cobertura de contingências decorrentes de doença, invalidez, velhice, morte, etc., ou ainda, nos ensinamentos de Fortes, “um complexo de instituições jurídicas” a indenizar uma contingência, eliminar uma situação de necessidade, ou evitar uma possível alteração na vida dos indivíduos[14], sendo organizada sob a forma de regime geral e de caráter contributivo e filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, compreendendo prestações relacionadas a benefícios (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente, etc.), e a serviços, quais sejam o serviço social e o habilitação e reabilitação profissional.

Em seguida, temos a Saúde, que nos termos do art. 196, da Constituição Federal de 1988, é direito de todos e dever do Estado, garantido pela adoção de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco doença e outros agravos.

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Na lição de Afonso da Silva, “o direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam” [15], incluindo-se aí, políticas de saneamento básico, campanhas de vacinação, atendimento médico e medicação, por exemplo.

Por fim, temos a Assistência Social, prevista nos artigos 203 e 204, da CF/88, cuja proteção social de caráter não contributivo destinada a atender os hipossufientes (carentes e indigentes), com a concessão de pequenos benefícios e serviços, cuja regulamentação está na Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS).

Desse modo, conclui-se que os direitos sociais previdenciários, sem dúvida, são direitos fundamentais da pessoa humana. A principal conseqüência da inclusão dos direitos previdenciários nesse rol, é a auto aplicabilidade das normas que os consagram.

No que se refere ao direito fundamental à previdência social, sua fundamentalidade formal está acolhida pela nossa Lei Maior no art. 6 º. A fundamentalidade material, por sua vez, está relacionada à manutenção da sobrevivência e, por conseguinte, da vida digna. De acordo com Rocha:

“É justamente nos momentos nos quais os cidadãos, inseridos na sociedade por força de sua capacidade de trabalho (substancial maioria da população), têm a sua força laboral afetada, ou mesmo negado o acesso ao trabalho, como é cada vez mais comum por força do modelo econômico excludente, que a previdência social evidencia seu papel nuclear para a manutenção do ser humano dentro de um nível existencial minimamente adequado”.[16]

Assim sendo, o direito a previdência social reveste-se de inquestionável jusfundamentalidade, apresentando uma natureza jurídica diferenciada das categorias jurídicas relacionadas ao direito privado, reclamando uma hermenêutica adequada para a realização efetiva dos direitos relacionados aos benefícios previdenciários, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial, por meio de um devido processo legal substantivo e processo civil justo[17].

2. A Análise Critica do Processo Administrativo Previdenciário relacionado aos Benefícios por Incapacidade

O trabalho é protegido pela ordem econômica (art. 170) e pela ordem social (art. 193). Em razão disso, imprescindível proteger o cidadão privado de ter garantido o seu sustento em razão do surgimento de qualquer tipo de incapacidade. Esta por sua vez, reportando-nos, mais uma vez a Rocha, é a impossibilidade física ou mental para a realização do trabalho, decorrente de “fatores fisiológicos (problemas decorrentes de idade avançada ou falta de idade para iniciar o trabalho) ou patológicos (enfermidades ou acidentes que comprometem a capacidade de trabalho do segurado) e manifesta-se com intensidade variável”.[18]

Como bem lembra Ribeiro, a capacidade laborativa é uma questão de equilíbrio entre as exigências de uma dada ocupação e a condição de realizá-las, sendo crucial a análise do diagnóstico da doença (CID 10), tipo de atividade ou profissão desempenhada pelo segurado, os dispositivos legais pertinentes, além da viabilidade de futura reabilitação profissional.[19] Importante esclarecer, ainda, a existência da “incapacidade social” formada pela jurisprudência pátria, no sentido entender que o grau de incapacidade deve ser analisado de acordo com a situação sócio-econômica e cultural do segurado, considerando o ambiente em que vive, sua idade, o tipo de limitação, sua capacitação profissional, além de seu grau de instrução.

Diante a contingência social da incapacidade laboral, a Previdência Social garante a proteção social àqueles segurados, contribuintes, por meio de pecúnia durante o tempo em que durar a incapacidade para o trabalho. Os benefícios concedidos para estes segurados são o auxílio-doença (art. 59, da Lei 8.213/91) e a aposentadoria por invalidez (art. 42, da Lei 8.213/91). A primeira espécie de benefício é devida ao segurado acometido de uma incapacidade temporária ao trabalho, ao passo que o segundo é devido àquele portador de uma incapacidade permanente e oniprofissional, lembrando o fato de existir a impossibilidade da incapacidade social, em que o segurado pode ser aposentado em razão da pouca escolaridade e idade avançada, sendo improvável uma reabilitação profissional diante da incapacidade permanente e multiprofissional.

O art. 59, da Lei 8.213/91 determina o direito ao benefício por aquele segurado incapacitado, temporariamente, para o trabalho ou para sua atividade habitual. Os primeiros 15 dias de doença do empregado são remunerados pelo empregador, ao passo que daí em diante o pagamento se dá pela Previdência Social (art. 60, da Lei 8.213/91), tendo em vista o obreiro ser considerado licenciado do trabalho (art. 63, da Lei 8.213/91). Percebe-se com isso, lembra Vianna[20], que o legislador previdenciário, considerando a capacidade contributiva dos empregadores, divide com a empresa a responsabilidade do pagamento dos dias de afastamento, arcando a autarquia federal sozinha apenas com os benefícios dos domésticos, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais (autônomos e empresários) e contribuintes facultativos. Importa referir que os segurados com direito ao recebimento dos benefícios por incapacidade estão elencados no art. 11, da Lei 8.213/91. Desta forma, existem os segurados obrigatórios, em função do exercício da atividade remunerada realizada, seja por contrato de trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, seja pela prestação de serviços a terceiros de forma individual ou sob a forma societária, e ainda, para os trabalhadores avulsos e o segurado especial, não se excluindo do direito ao benefício o segurado facultativo, previsto pelo art. 13, da Lei 8.213/91.

A partir do 16º dia do afastamento do trabalho para o segurado empregado, e do dia da incapacidade para os demais segurados, o pedido deverá ser feito por meio de requerimento de Benefício por Incapacidade, que ao ser protocolado na agência mais próxima ao local em que reside, de imediato é agendada data para a realização da perícia médica para a confirmação da existência da incapacidade ao trabalho. Importante frisar, que em algumas agências da previdência social no interior do país, chega-se a marcar perícia para de um a dois meses do pedido, ao ponto que em algumas capitais a demora pode durar mais de seis meses.

Oportuno lembrar que na maioria dos casos os peritos autárquicos determinam o afastamento do trabalho sugerido pelo médico assistente no atestado apresentado pelos segurados.

Após a avaliação médico-pericial, é dado ao segurado uma Comunicação de Resultado de Decisão de perícia em que será, previamente, lhe dado prazo para encerramento de seu benefício, pela conhecida alta-programada ou COPES, Cobertura Previdenciária Estimada, previsto no art. 78, do Dec. 3.048/99.  Por meio deste procedimento, o INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo que entender suficiente para a recuperação para o trabalho do segurado, dispensada nessa hipótese a realização de nova perícia.

Casso o prazo concedido para a recuperação se revele insuficiente, o segurado poderá solicitar a realização de nova perícia médica, por meio do pedido de prorrogação do benefício, nos quinze dias anteriores a alta programada.

No âmbito dos Tribunais Regionais Federais é polêmica a validade legal do COPES. O TRF da 3ª. Região já decidiu que “o procedimento conhecido como COPES – Cobertura Previdenciária Estimada – é compatível com a disciplina legal do auxílio-doença, em especial artigos 60 e 101 da Lei 8.213/91 (AI 303-954, de 04.05.2009). O TRF da 4ª. Região tem oscilado a respeito, ao passo que em suas decisões mais recentes tem validado o procedimento.

O fato é que, como refere Ibrahim, “o segurado, muitas vezes assintomático, considera-se apto novamente para o trabalho, mas ainda não está verdadeiramente habilitado, trazendo conseqüências funestas em relação ao retorno indevido[21], ou como refere Rocha, “ainda que dois segurados sejam vitimados pela mesma moléstia e tenha a mesma faixa etária, o tempo de recuperação poderá oscilar sensivelmente”.[22]

Na realidade, as agências da previdência social do país não têm estrutura e capacidade de adotar tal procedimento. Existem poucos peritos autárquicos, sendo a maioria não especializada para as doenças que avaliam. Outro aspecto grave das avaliações é a forma sumária com que são realizadas as perícias médicas.

Um ponto importante em tornar aceitável o procedimento da alta programada é o aspecto de manter os pagamentos dos salários do segurados que ao efetuarem o pedido de prorrogação do benefício, aguardam a realização de nova perícia para provar a manutenção da incapacidade laboral.

Oportuno referir que, antes, o segurado que tivesse agendado sua perícia médica por meio do pedido de prorrogação, enquanto não realizasse o procedimento seus pagamentos seriam encerrados em vista do encerramento do benefício por data certa. Isto, até a realização de nova perícia. Em razão disso, foi proposta a Ação Civil Pública n º 2005.33.00.020219-8. A sentença foi no sentido de determinar ao INSS que, no procedimento de concessão do benefício de auxílio-doença, inclusive aqueles decorrentes de acidente do trabalho, uma vez apresentado pelo segurado pedido de prorrogação, mantenha o pagamento do benefício até o julgamento do pedido após a realização de novo exame pericial.

Sendo assim, mesmo mantendo o procedimento da "alta programada" para cessar o auxílio-doença, caso o segurado solicite sua prorrogação e o INSS não consiga agendar a perícia para antes da data de cessação prevista, será mantido o pagamento do benefício até a efetivação da perícia.

Todavia, ainda permanece uma omissão grave nesta questão. Os pagamentos são mantidos a partir do protocolo do pedido de prorrogação do benefício, não acontecendo o mesmo com os pedidos de reconsideração. Ou seja, caso o segurado tenha seu pedido de prorrogação negado, irá receber até o dia da perícia que encerrou o benefício, mas, mesmo tendo direito a fazer o pedido de reconsideração, não receberá mais pagamentos. Como referido, não é admissível encerrar os pagamentos antes do término do processo administrativo, o que é uma lástima. De toda sorte, a manutenção dos pagamentos na espera da realização de perícia para os pedidos de prorrogação foi uma grande conquista.

Tal medida além de injusta atentava ao devido processo legal, (art. 5 º, LIV e LV, da CF/88), que também deve se respeitado no processo administrativo. Ou seja, como encerrar os pagamentos antes de findo o processo administrativo?

Outra questão polêmica é o largo tempo de espera para a realização de perícia para os que pela primeira vez agendam o benefício. Para estes não há pagamentos enquanto esperam pela realização de perícias. Assim, um trabalhador se vê privado de seu salário por um ou vários meses a depender de cada agência de previdência no país.
Em razão disso, no dia 31/10/2011, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul e o Instituto Nacional do Seguro Social fecharam um acordo para reduzir o tempo de espera no agendamento de perícias para a concessão inicial de benefícios. A decisão foi acertada no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon) de Porto Alegre e deveria produzir efeitos em todo o Estado.

A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou a ação civil pública em junho de 2011 após constatar que, em muitos municípios gaúchos, o prazo para agendamento de perícias era muito superior a 30 dias. Conforme documentos do processo, os casos mais críticos eram Porto Alegre, Novo Hamburgo e Canoas, aonde o período entre a requisição e a realização do procedimento chegava há seis meses. Com o pré-acordo firmado, o processo judicial  ficou suspenso até o final de fevereiro de 2012. 

Ocorre que até o presente momento nenhuma providência pontual foi tomada para mudar a situação. O tempo de espera em agências do interior do Estado como a de Passo Fundo é de, no mínimo, dois meses.

Desde junho, o Cejuscon da Justiça Federal de Porto Alegre realizou três audiências de conciliação. Na mais recente delas, o INSS se comprometeu a adotar uma série de medidas para melhorar a situação. Ficou definida a implantação de um projeto-piloto no estado do novo modelo de perícia médica que está sendo desenvolvido pela autarquia. Com a nova sistemática, os pedidos de afastamento por motivo de doença de até 60 dias são dispensados da perícia médica, sendo concedidos automaticamente.

Além disso, entre as medidas definidas no pré-acordo, destacam-se a utilização de no mínimo 70% dos peritos médicos na realização de exames periciais e a realização de concurso público para contratação de mais profissionais nos primeiros meses de 2012, já autorizado pelo Ministério do Planejamento.

No Estado de Santa Catarina, o Ministério Público Federal conseguiu garantir na Justiça, através da Ação Civil Pública 5004227-10.2012.404.7200, em caráter liminar, que todos os beneficiários da previdência e da assistência social que dependam da perícia médica para fins de concessão de benefícios o direito à realização do respectivo procedimento no prazo de 15 dias, a contar do agendamento.

Caso ultrapassado o prazo, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) terá que conceder provisoriamente o benefício, amparado em atestado do médico assistente que instruiu o pedido administrativo, até a realização da perícia oficial. Do mesmo modo, constatado o excesso de prazo já no agendamento, deverá ser imediatamente concedido o benefício provisório, nos mesmos termos.

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Imperioso relevar que na medida inverte o ônus material decorrente da demora excessiva representa ofensa aos preceitos da eficiência, adequação e continuidade que orientam o serviço público. O período de espera é incompatível com a sua especial condição pessoal e com a natureza alimentar do benefício pleiteado.     

O fato é que muitas mudanças precisam ser feitas. A deficiência no quadro de recursos humanos é a causa da demora, mas também problemas administrativos e gerenciais internos ao INSS corroboram de forma significativa para agravar a situação. O aumento do número de médicos peritos, especialistas para cada área médica é medida imprescindível. Além disso, a manutenção dos pagamentos mesmo com pendência de pedido de reconsideração é obrigatória em respeito ao devido processo legal administrativo. Outro ponto importante é a vinculação obrigatória dos médicos assistentes para todo o tipo de esclarecimento e até o comparecimento para a realização de juntas médicas. Por fim, e a mudança mais importante, a obrigatoriedade de vinculação dos peritos autárquicos aos diagnósticos e prazos estipulados pelos médicos assistentes nos pedidos iniciais de benefício, em a necessidade de realização de perícia médica. Além disso, deve-se equiparar a não suspensão dos pagamentos aos segurados que têm sua perícia negada e realizam pedido de reconsideração.

Considerações Finais

Ao longo de anos o homem conquistou direitos inerentes à sua dignidade no mundo em que vive. Tais direitos nada mais são, pois, do que o reflexo destas conquistas. Evolui a sociedade, evolui a norma. A relação entre a norma e a realidade é fato que não pode mais ser separado.

O presente trabalho abordou a grande precariedade envolvendo o processo administrativo previdenciário relacionado aos benefícios por incapacidade. O não recebimento de salários por parte dos beneficiários do regime geral de previdência social enquanto aguardam a realização de perícia médica é afronta à dignidade humana. Por se tratar de verba alimentar, diretamente relacionada ao mínimo existencial, providências terão que ser tomadas. Dentre as mudanças sugeridas, está a obrigatoriedade de as agências de todo o país vincular as informações dos médicos assistentes para a concessão automática de benefícios, assim como, a manutenção dos pagamentos para os pedidos de reconsideração.

 

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Notas:
[1] ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 9ª. ed. Madrid. Trotta: 2009, p. 28.
[2] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 64.
[3] NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: Estratégias de Positivação e Exigibilidade dos Direitos Sociais. São Paulo. Verbatim: 2009, p. 50.
[4] HERRERA, Carlos Miguel. Estado, Constituição e Direitos Sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira. SARMENTO, Daniel  (Coord.). DIREITOS SOCIAIS: Fundamentos, Judicialização e Direitos Socais em Espécie. Rio de Janeiro. Lumen Júris: 2008, p. 18.
[5] DUPEYROUX, Jean- Jacques; PRÉTOT, Xavier. Droit de la sécurité sociale. Paris: Dalloz, 2008, p.4-11.
[6] CANOTILHO, J. J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed. Coimbra. Almedina: 2003, p. 379.
[7] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 86-87.
[8] OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais. Efetividade Frente à Reserva do Possível. Curitiba: Juruà Editora, 2008, p. 1.
9] SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 87.
[10] OLSEN, Ana Carolina Lopes, op. cit., p. 38.
[11] SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 89.
[12] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 26ª. ed. São Paulo. Malheiros: 2006, p. 828.
[13] BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 38.
[14] FORTES, Simone Barbisan. Previdência Social no Estado Democrático de Direito. São Paulo: LTr Editora, 2005, p. 66.
[15] SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 831.
[16] ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental à Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 111.
[17] Destaca-se o devido processo legal formal, “na dinâmica do direito fundamental ao processo justo”, destacando-se aqui o contraditório, motivação das decisões, valoração da prova, razoável duração do processo, etc. (In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. V. 1. São Paulo: Altas, 2010), e o substantive due process, legado do direito norte-americano, como forma de controle das arbitrariedades do Poder Estatal. De acordo com Nelson Nery Junior (In: Princípios do Processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009). “A cláusula due process of Law não indica somente a tutela processual, como à primeira vista pode parecer ao intérprete menos avisado. Tem sentido genérico, como já vimos, e sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no que respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo”.
[18] ROCHA, Daniel Machado da, op. cit., p. 270.
[19] RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro. Auxílio-Doença Acidentário. Curitiba: Juruá, 2008, p. 63.
[20] VIANNA, Cláudia Salles Vilela. A Relação de Emprego e os Impactos Decorrentes dos Benefícios Previdenciários. 2 ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 29.
[21] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 13. Ed. Niterói: Editora Impetus, 2008, p. 618.
[22] ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 7.ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 348.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Brol Sitta

Pós-graduado em Direito Processual Civil e Constitucional pela Faculdade Meridional/IMED de Passo Fundo. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Universidade de Passo Fundo/UPF. Aluno Especial da Cadeira de Jurisdição Constitucional do Mestrado em Constitucionalismo Contemporâneo da Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC. Advogado.


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