THE AID-RECLUSION BENEFIT AND THE CONSTITUTIONAL AMENDMENT PROPOSAL Nº. 03/2019, IN THE LIGHT OF THE BRAZILIAN LEGAL ORDER
Fábio Barbosa Chaves[1]
Carla Reis da Silva[2]
RESUMO: Esse artigo tem por finalidade discorrer sobre questões relacionadas ao benefício auxílio- reclusão, com o intuito de desmistificar ideias preconcebidas socialmente e que não possuem veracidade jurídica em relação ao instituto em voga. Partindo de uma abordagem qualitativa dedutiva explicativa, consiste em pesquisas bibliográficas, artigos científicos, doutrinas e legislação nacional. Com o propósito de corroborar com a pesquisa, serão tratados, quanto aos conceitos, princípios constitucionais e previdenciários. Sendo assim, será retratada a proposta da PEC nº 03/2019, responsável pela alteração da redação do Artigo 201 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88, para extinguir o benefício previdenciário definido como auxílio-reclusão. Partindo desta proposta, faz-se reflexões a respeito do instituto, expondo seus fatores de elegibilidade, diretrizes de concessão, manutenção e cessação. Da mesma forma, enfatiza-se a fonte de custeio do referido benefício junto à Previdência Social, em consonância com a CRFB/88 e com a legislação infraconstitucional, de forma direta e indireta. A partir do que se propõe e do cenário de concessão e custeio, parte-se para perspectiva da dignidade da pessoa humana, sobretudo o que pertine aos direitos e expectativas dos dependentes do segurado.
Palavras-chaves: Auxílio-Reclusão; Benefício; Dignidade; desmistificar.
ABSTRACT: This article aims to discuss issues related to the benefit of imprisonment, in order to demystify socially preconceived ideas that do not have legal veracity in relation to the institute in vogue. Starting from an explanatory deductive qualitative approach, it consists of bibliographic research, scientific articles, doctrines and national legislation. In order to corroborate the research, the concepts, constitutional and social security principles will be treated. Thus, the proposal of PEC No. 03/2019, responsible for altering the wording of Article 201 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil – CRFB / 88, to extinguish the social security benefit defined as reclusion aid, will be retracted. Based on this proposal, reflections are made about the institute, exposing its eligibility factors, concession guidelines, maintenance and termination. Likewise, the source of funding of this benefit with Social Security is emphasized, in accordance with CRFB / 88 and the infraconstitutional legislation, directly and indirectly. From what is proposed, and from the scenario of granting and costing, we start with a perspective of the dignity of the human person, especially what concerns the rights and expectations of the insured’s dependents.
Keywords: Assistance-Imprisonment; Benefit; Dignity; demystify.
SUMÁRIO: Introdução. 1 O auxílio-reclusão e seus aspectos básicos. 2 O beneficiados do auxílio-reclusão e a respectiva fonte de custeio. 3 Da dignidade da pessoa humana. 4 Consequências da PEC 03/2019. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Inicialmente, cumpre destacar que esse artigo tem o intuito de apresentar o benefício auxílio-reclusão como medida social e de suma importância econômica aos dependentes dos reclusos contribuintes do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, para que tenham a garantia de sobrevivência, o mínimo de dignidade no âmago familiar e os prováveis resultados decorrentes de sua supressão.
Nesse contexto, esse trabalho é fundamentado em livros especializados, legislação aplicável à disciplina e precedentes judiciais, voltados ao regime geral de previdência social – RGPS, especificamente ao Auxílio-Reclusão, sua abordagem conceitual, forma de concessão, custeio e beneficiados. Pretende-se desmistificar algumas afirmações deturpadas acerca do benefício, expondo as causas advindas da possível extinção oriunda da Proposta de Emenda Constitucional nº 03/2019.
A partir desse cenário, gerou-se mitos em torno do benefício supracitado, acarretando dúvidas e obscuridades para cidadãos que necessitam ser amparados por esse benefício em situação flagrante de vulnerabilidade social.
Em um primeiro momento, é realizado uma descrição em relação aos aspectos legais e a natureza jurídica do instituto, seguindo da descrição orçamentária destinada ao objeto estudado, prosseguindo pelos prováveis efeitos de sua extinção.
A metodologia aplicada foi composta por pesquisa descritiva, bibliográfica e documental, consistindo em uma análise sobre o assunto, através do método qualitativo, estudando os detalhes no ordenamento jurídico da matéria apreciada, considerando a controvérsia que o assunto engloba.
Cabe ressaltar a relevância do presente tema, por se tratar de uma proteção social fornecida por ocasião da perda da renda familiar em face da reclusão do seu provedor, e que os dependentes tenham a garantia de sobrevivência e o mínimo de dignidade no núcleo família e os possíveis transtornos advindos de seu cancelamento.
1 O AUXÍLIO-RECLUSÃO E SEUS ASPECTOS BÁSICOS
O instituto em tela é um benefício integrante do RGPS, designado a assegurar a subsistência digna dos dependentes do segurado recluso, de baixa renda, impedido de prover as necessidades básicas e fundamentais de sua família.
O Art. 5º da CRFB/88 traz que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; (BRASIL, 1988)
Cabe ressaltar que concessão do benefício auxílio-reclusão é um direito fundamental e de suma importância para a subsistência de pessoas que vivem à margem do desamparo e mazela, pois sua possível extinção colabora para a aumento da desigualdade socioeconômica do país e para o aumento da diferente distribuição de renda.
Assim, os requisitos básicos exigidos para a concessão do benefício são:
(a) a qualidade de segurado do recluso;
(b) a qualidade de dependente do postulante do benefício;
(c) um requisito negativo, que é o não recebimento de determinados rendimentos;
(d) o recolhimento à prisão;
(e) a baixa renda do segurado (requisito incluído pela Constituição);
(f) e a carência de 24 contribuições (exigida para as prisões ocorridas a partir de 18/01/2019
Para Hélio Gustavo Alves:
[…] o auxílio-reclusão é um benefício que garante a proteção da família e dependentes, além da fundamental importância para o equilíbrio da economia do País, ou seja, proporciona aos recebedores uma qualidade de vida digna, servindo a renda mensal para sustentação às bases alimentar e educacional e à saúde. (ALVES, 2007, p. 16)
O auxílio-reclusão é previsto nos Artigos 18, inciso II, alínea ‘b’, e 80 da Lei nº 8.213/91, regulamentado pelos Artigos 116/119 do Decreto nº 3.048/99, e concedido aos dependentes de segurado do RGPS.
O Artigo 201, inciso IV da Constituição Federal elenca que:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
[…]
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (BRASIL, 1988)
Esse benefício tem por finalidade conceder proteção aos dependentes em face da vulnerabilidade financeira decorrente da ausência da fonte de sustento que antes provinha daquele que se encontra impossibilidade de exercer o seu labor. Propõe-se atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da reclusão do segurado e tem por alvo principal os dependentes do recluso.
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I – Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II – Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III – Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade. IV – Recurso extraordinário conhecido e provido.
(STF – RE: 587365 SC, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 25/03/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO)
Diz respeito a um benefício de caráter alimentar, destinado tão somente aos dependentes do segurado recluso, e apenas estes detêm legitimidade para reivindicá-lo. Sendo assim, de acordo com o Artigo 226, caput da CRFB/88: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, dessa forma, concede-se a proteção estatal à entidade familiar”.
É atribuído à Previdência Social conter as desigualdades sociais e econômicas por intermédio de uma política de distribuição de renda mais igualitária, com o intuito de conceder benefícios para população desfavorecida.
Castro e Lazzari assim se manifestam:
É segurado da Previdência Social, de forma compulsória, a pessoa física que exerce atividade remunerada, efetiva ou eventual, de natureza urbana ou rural, com ou sem vínculo de emprego, a título precário ou não, bem como aquele que a lei define como tal, observadas, quando for o caso, as exceções previstas no texto legal, ou exerceu alguma das atividades mencionadas acima, no período imediatamente anterior ao chamado “período de graça”. Também é segurado aquele que se afilia facultativa e espontaneamente à Previdência Social, contribuindo para o custeio das prestações sem estar vinculado obrigatoriamente ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS ou outro qualquer. (CASTRO; LAZZARI, 2005, p.150)
No artigo 203 da nossa Carta Magna dispõe que: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. Entretanto foi a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, que trouxe em seu artigo 4º, a sentido de Assistência Social:
[…] política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidos em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social.
Recentemente, o Governo Federal editou a Medida Provisória – MP 871, no dia 18 de janeiro de 2019, implementando algumas alterações em benefícios previdenciários, como pensão por morte, auxílio-reclusão, contagem de tempo de serviço, trabalho rural entre outros aspectos, com o propósito de combater irregularidades dentro da Previdência Social.
Uma alteração advinda da mudança sobre este benefício ocorreu com o fato de agora não mais ser possível a concessão do auxílio-reclusão quando o segurado estiver no regime semiaberto. A partir da data da implementação da MP, a concessão será deferida, pelo INSS, apenas quando o recluso estiver no regime fechado, conforme se observa na redação do artigo 80 da Lei 8213/91.
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido nas condições da pensão por morte, respeitado o tempo mínimo de carência estabelecido no inciso IV do caput do art. 25, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, pensão por morte, salário-maternidade, aposentadoria ou abono de permanência em serviço. (BRASIL, 1991)
Também, pela nova legislação, não será concedido o auxílio-reclusão aos dependentes do segurado recluso, se o preso estiver recebendo pensão por morte ou salário-maternidade.
Cumpre destacar que o prazo de carência, estipulado pela medida provisória supracitada, para recolhimento das contribuições previdenciárias pelo preso, é de 24 meses de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social, regime este gerido atualmente pelo INSS. Essa mudança está amparada no artigo 25, inciso IV, da Lei 8213/91, vejamos:
Mantém-se o período de graça, isto é, em caso do recluso ter recolhido por 24 meses contribuições previdenciárias, e depois deste período não mais contribuir ao sistema, e ficar sem pagar até 12 meses, a família daquele ainda terá condições de pleitear o benefício, por força do artigo 15, inciso II, § 3º, da Lei 8213/91.
Com relação a baixa renda, a nova legislação traz que: “A aferição da renda mensal bruta para enquadramento do segurado como de baixa renda ocorrerá pela média dos salários de contribuição apurados no período de doze meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão.” Atualmente, este valor é de R$ 1.364,43 (um mil trezentos e sessenta e quatro reais e quarenta e três centavos), nos termos da Portaria MF Nº 9/2019.
Sendo assim, para o requerimento do auxílio-reclusão deve-se instruir o processo com a certidão judicial que ateste o recolhimento efetivo à prisão e a manutenção do benefício é condicionada à apresentação de prova de permanência na condição de presidiário.
Insta salientar que para a verificação do recolhimento do segurado à prisão e as respectivas informações (data da reclusão, natureza jurídica, regime de cumprimento da pena etc.), o INSS deve celebrar convênios com os órgãos públicos responsáveis pelo cadastro dos presos, conforme dispõe o art. 80, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.
Tal benefício será cessado quando o segurado: tiver cumprido a pena; progredir de regime para o aberto, ou obter o livramento condicional da pena; ocorrer a concessão de aposentadoria no período em que o segurado se encontra preso, computando-se a data do início da aposentadoria; ou ainda, advir o óbito do segurado preso, onde será automaticamente convertido o auxílio-reclusão em pensão por morte, nos termos dos artigos 116 e 118 do Decreto 3.048/99; quando o dependente completar 21 anos ou for emancipado; e por fim, com o fim da invalidez ou com a morte do dependente.
Cumpre informar que é vedada a concessão do benefício após a soltura do segurado.
2 OS BENEFICIADOS DO AUXÍLIO-RECLUSÃO E A RESPECTIVA FONTE DE CUSTEIO
Dependentes no direito previdenciário são aquelas pessoas que fazem jus a algum benefício previdenciário deixado por um segurado e são considerados dependentes economicamente do segurado, sendo enumerados nos incisos. I a III do art. 16 da lei 8.213/91. Cada inciso corresponde a uma classe de dependentes:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II – os pais;
III – o irmão de qualquer condição menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, nos termos do regulamento.
Conforme o art. 16, § 4º da Lei 8.213/91, a dependência econômica dos dependentes de classe I é presumida e as classes II e III devem ser comprovada.
O descendente que nascer no decurso da reclusão do segurado tem direito a concessão do benefício desde o seu nascimento, como dispõe o art. 336, da Instrução Normativa INSS PRES 45/2010: “O filho nascido durante o recolhimento do segurado à prisão terá direito ao benefício de auxílio-reclusão a partir da data do seu nascimento”.
Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro diz que:
O auxílio reclusão é um amparo, de caráter alimentar, destinado aos dependentes do segurado de baixa renda, que por algum motivo teve sua liberdade cerceada através dos limites da legislação nacional e que não se encontra beneficiado por aposentadoria ou auxílio reclusão. (RIBEIRO, 2008, p. 241)
Para Marisa Ferreira dos Santos:
A relação jurídica entre os dependentes e a Previdência Social (INSS) só se forma quando o segurado já não tem direito a nenhuma cobertura previdenciária. Só entram em cena os dependentes quando sai de cena o segurado. E isso acontece apenas em 2 situações: na morte ou no recolhimento à prisão. Ocorrendo um desses eventos, a proteção social previdenciária é dada aos que dependiam economicamente do segurado e que, com sua morte ou prisão, se vêm desprovidos de seu sustento. Somente esses 2 eventos — morte e recolhimento à prisão — são contingências com proteção previdenciária garantida na CF (art. 201, V), mediante concessão de pensão por morte e auxílio-reclusão. (SANTOS, 2013, p. 530)
Isto exposto, ao contrário do que se supõe, o benefício, além de não ser pago ao recluso, para sua concessão ser deferida deve-se obedecer a uma série de critérios, razão pela qual nem todo benefício requerido é concedido.
A reclusão em regime aberto não acarreta direito ao benefício por não afetar em perda total da liberdade e não impossibilitar que o segurado execute atividades laborativas, por consequência, terá que amparar economicamente seus dependentes, porém caso o recluso vier a praticar atividade laborativa remunera permanecendo em regime fechado, seus dependentes não o direito ao benefício, conforme dispõe o Art.80, §7º da Lei 13.846.
O orçamento da Seguridade Social é autônomo, não se misturando com o orçamento do Tesouro Nacional, conforme previsto no item III do § 5º do art. 165 da Constituição. Sendo assim, as contribuições arrecadadas em conformidade com art. 195 da Constituição Federal ingressam diretamente nesse orçamento, não constituindo receita do Tesouro Nacional.
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (BRASIL, 1988)
No que se diz respeito ao custeio da Seguridade Social, aplica-se o princípio de que todos que integram a sociedade tem que colaborar para a garantia dos riscos oriundos da perda ou redução da capacidade de trabalho ou dos meios de sobrevivência. Por ser uma relação jurídica estatutária, é imposta àqueles que a lei impõe, não sendo oportunizado ao contribuinte decidir por não cumprir a obrigação de prestar a sua contribuição social.
Assim, resta declarado que toda a sociedade é responsável pelo financiamento da Seguridade Social, de forma direta e indireta. É o sistema contributivo que segundo Castro e Lazzari:
Na relação da seguridade social, aplica-se o princípio de que todos que compõem a sociedade devem colaborar para a cobertura dos riscos provenientes da perda ou redução da capacidade de trabalho ou do meio de subsistência. (CASTRO; LAZZARI, 2014, p. 181 )
Segundo dados do INFOPEN – sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro organizado pelo Ministério da Justiça, no ano de 2014 a população de pessoas reclusas era de 622,2 mil presos, que desses somente 7,1%, ou seja, aproximadamente 47 mil reclusos recebiam o benefício do auxílio reclusão, porém em dezembro do mesmo ano foram emitidos cerca de 32,2 milhões de benefícios pela Previdência Social, desses 44,2 mil foram destinados ao benefício do auxílio-reclusão.
Conforme os dados do INFOPEN acima apresentados, os dependentes que tem acesso a esse benefício são mínimos, levando em consideração a desinformação da sociedade e toda burocracia que engloba a obtenção do benefício. E sem mencionar a outra parte da sociedade que se enquadra nos ditames impostos e permanecem em situação de vulnerabilidade ocasionada pela reclusão do provedor familiar por um direito previsto e garantido na Constituição Federal de 1988 e pela Lei 8.213, de 1991.
3 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Após a 2ª Guerra Mundial foi adotado por diversas nações a dignidade em suas constituições, passando a ser parte de vários documentos entre países, como os acordos e tratados. A Carta da ONU de 1945 e a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 se tornaram referências de diplomas que utilizaram a dignidade em suas redações, e seguindo os trâmites internacionais, a Constituição da República Federativa do Brasil legitimou a dignidade elencando em seu Art. 1º inciso III, “A Dignidade da Pessoa Humana”.
A segurança social é firmada na Declaração Universal dos Direitos Humanos em um rol de prestações fundamentais ao indivíduo, que:
Art. XXIII, 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração
justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentará se necessário, outros meios de proteção social.
Art.XXV,1 – Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (DUDH – Assembleia Geral da ONU, 1948)
A dignidade da pessoa humana é responsável a dar ao indivíduo uma posição no ordenamento jurídico, que viabilize uma convivência harmônica, pacífica e produtiva entre os indivíduos de uma coletividade. Ou seja, são direitos primordiais no desenvolvimento de um Estado Democrático.
Tal princípio é de grande importância para o ordenamento jurídico brasileiro, pois é dele que advêm diversos direitos, principalmente os sociais. É ter a oportunidade de olhar para um indivíduo e não ter distinção de ordem social, gênero, raça ou religião, considerando que todos somos detentores de condições dignas de vida.
No que diz respeito ao segurado recluso, o mesmo não deve ter sua dignidade limitada, nem ao menos restringido os direitos dela oriundos, pois o benefício em pauta é diretamente ligado ao princípio em questão e integra o núcleo básico dos Direitos Humanos Sociais do segurado na relação jurídica de seguro social. Nessa perspectiva, o benefício em foco tem por propósito básico o avanço de melhoria das condições mínimas de vida digna dos hipossuficientes, tendo em vista à solidificação da igualdade social e à proteção à dignidade da pessoa.
Segundo Lauro Cesar Mazetto Ferreira:
A dignidade da pessoa, fundamento de nosso sistema jurídico, é o ponto-chave do reconhecimento e proteção dos direitos humanos. É o fim último que garante um patamar de direitos que seja capaz de preservar seu objetivo fundamental. (FERREIRA, 2007, p. 195)
Diretamente ligado a dignidade da pessoa humana, está a teoria do mínimo existencial, que se refere ao mínimo de condições necessárias oferecida pelo Estado para que um ser humano sobreviva dentro das condições básicas dignas de vida. Para Torres (2009, p. 20) “deve ser mensurada pela garantia dos mínimos sociais e das prestações positivas justiça distributiva ligada à educação, saúde, moradia e demais direitos sociais”.
Nesse cenário, Canotilho (2010,p.18), diz que tal princípio fundamenta o Estado Social e representa precisamente uma postulação de garantia e do reconhecimento de direitos sociais, definindo como:
[…] uma autorização constitucional no sentido de o legislador democrático e os outros órgãos encarregados da concretização político-constitucional adotarem as medidas necessárias para a evolução da ordem constitucional sob a óptica de uma justiça constitucional nas vestes de uma justiça social.
Considerando o requisito baixa renda que o segurado recluso deve possuir para concessão, esse benefício é o garantidor do mínimo existencial para seus dependentes, uma vez que, preencherá a falta da renda do segurado privado de liberdade, sem oferecer enriquecimento, somente o padrão de vida anterior a reclusão do segurado.
Além de proteger a instituição familiar, o benefício em análise está amparado no art. 5º, XLV, da Constituição Federal:
Nenhuma pena passará da pessoa condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
O atributo da previdência social é diminuir as desigualdades sociais e econômicas por intermediação de uma política de distribuição de renda, assim trazendo maiores contribuições dos que são abastados, com o intuito de oferecer benefícios para os indivíduos desprovidos, como forma de proteção para que não fiquem entregues a sorte.
Agir com respeito é condição característica da dignidade humana em face ao homem e esse comportamento é imprescindível em consequência do aumento gradativo da consciência dos direitos e deveres grafado pela Constituição Federal de 1988, que dissemina uma nova proporção aos Direitos Humanos de indivíduos excluídos do processo de inclusão social pelo Estado.
4 CONSEQUÊNCIAS DA PEC 03/2019
O Projeto de Emenda Constitucional, conhecido como PEC, refere-se a uma ação que permite alteração no texto constitucional. A CRFB, quanto à sua estabilidade, é classificada como sendo rígida, o que prevê um processo legislativo mais exigente para a inclusão ou alteração do seu texto, a partir do poder constituinte derivado.
A PEC 03/2019, como já retratada, prevê alterar a atual redação do art. 201 da CRFB/88, para extinguir o benefício previdenciário definido como auxílio-reclusão. Uma das justificativas apresentadas pelos parlamentares seria de que o auxílio-reclusão é um dos elementos de uma concepção profundamente equivocada e paternalista sobre o encarceramento no Brasil. “É assistencialismo exacerbado, que acaba por gerar consequências não previstas tais como fraudes e abusos com o dinheiro dos pagadores de impostos”. (Trecho justificativa PEC 03/2019)
Tal proposta correlaciona a concessão do auxílio-reclusão à gravidade dos crimes políticos cometidos no país – o que de forma alguma deve ser levado em consideração, já que não se está presenteando o acusado ou condenado por um crime, mas o seus dependentes, que nada tem a ver com a imputação criminosa; além do fato de que o benefício é pago porque o recluso é segurado, ou seja, contribuiu para que fosse coberto em uma futura situação vulnerabilidade financeira.
Para Mozart Victor Russomano, há clareza na criação e manutenção do benefício:
O criminoso, recolhido à prisão, por mais deprimente e dolorosa que seja sua posição, fica sob a responsabilidade do Estado. Mas, seus familiares perdem o apoio econômico que o segurado lhes dava e, muitas vezes, como se fossem os verdadeiros culpados, sofrem a condenação injusta de gravíssimas dificuldades. Inspirado por essas ideias, desde o início da década de 1930, isto é, no dealbar da fase de criação, no Brasil, dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, nosso legislador teve o cuidado de enfrentar o problema e atribuir ao Sistema de Previdência Social o ônus de amparar naquela contingência, os dependentes do segurado detento ou recluso. (RUSSOMANO, 1997, p. 214).
A CRFB/88 prevê em seu Art. 5º, XLV “Nenhuma pena passará da pessoa condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (BRASIL, 1988).
Cabe desmistificar que a sociedade não se encarrega com as despesas em favor dos dependentes do segurado recluso, posto que o segurado preso, contribuiu para a Previdência Social para que seus dependentes possam usufruir deste benefício.
O fundamento sobre o qual edifica-se o texto constitucional em vigor prevê a dignidade da pessoa humana como indispensável na construção de políticas públicas voltadas à garantia do cumprimento de direitos decorrentes da natureza humana, ainda mais quando este advém igualmente de uma contraprestação pecuniária realizada pelo segurado quando se encontrava inserido no mercado de trabalho.
Ou seja, retirar o direito ao benefício dos seus dependentes, além de ofender princípio fundante, ainda representa verdadeiro locupletamento do Estado, que por determinado período teria se apropriado dos recursos depositados pelo segurado, para depois negar-lhe o custeio de um benefício que representada a obrigação em contrapartida.
O referido benefício é considerado imprescindível para que os dependentes do segurado não fiquem desamparados, em situação de abandono e vulneráveis à fome e à violência.
A manutenção do benefício e a rejeição da proposta de emenda constitucional contribui para amenizar a desigualdade socioeconômica. Por outro lado, a possível extinção representaria um verdadeiro retrocesso de conquistas caras à sociedade brasileira, e deflagraria a consolidação da extinção de uma resposta justa e proporcional no momento mais difícil da existência do segurado e de seus dependentes.
CONCLUSÃO
É de grande valia ressaltar que os conteúdos elencados neste trabalho não esgotam o debate acerca do tema, até porque este não era seu propósito, mas apenas expor ponderações, esclarecer e desmistificar as informações disseminadas pelo senso comum sobre o benefício auxílio-reclusão e os prováveis resultados da cessação em face dos dependentes do recluso.
Diante exposto, é notável a existência de inúmeras falhas na interpretação a respeito do benefício, estimulado, na maioria das vezes, pela ausência de conhecimento da população, visto que a veracidade exposta na legislação previdenciária a respeito do benefício é bem taxativa.
Da mesma forma, não são raras as vezes que a população é direcionada a ter opiniões deturpadas sobre institutos sociais, apenas por não representar política de governo preponderante em específicos momentos da história.
A Previdência Social tem como propósito amparar o segurado e sua família em consequência da incapacidade laborativa, independentemente do motivo que o levou a se afastar do trabalho, uma vez que cumpre todos os critérios de elegibilidade para que os dependentes do segurando possam desfrutar de um direito garantido em Lei, os quais tiveram suas efetividades pelas contribuições do segurado/recluso, e não pelo custeio do “cidadão” e muito menos pelas graças do Estado.
Dessa forma, ratifica-se que o benefício de auxílio-reclusão é um benefício previdenciário, portanto, de natureza contributiva. Muito embora, seja taxado pelo ponto de vista social como um benefício de natureza assistencial.
Ainda que haja algumas contradições na política do benefício auxílio-reclusão, da mesma maneira que em qualquer outro benefício amparado pela Previdência Social, que podem ser reparadas com o aperfeiçoamento da legislação previdenciária, este fato não exclui a função social do benefício, que é o amparo social para dependentes de segurados reclusos que, no momento, estão impossibilitados de proverem o custeio dos seus.
Embora ocorra inúmeras descaracterização de seu objeto, o benefício em evidência encontra-se amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana legitimado na Constituição da República Federativa do Brasil, por assegurar condições dignas de sobrevivência aos dependentes do segurado, evitando que a pena exceda a pessoa que nada de ilícito viera cometer.
Sendo assim, constata-se que o auxílio-reclusão compreende uma função social de fundamental importância na sociedade, ao oferecer vida digna aos dependentes e simultaneamente vem proteger a família, ajuda a diminuir a insuficiência de recursos e é um estímulo na ressocialização do segurado ficando quites com a sociedade não voltando a praticar atos ilícitos.
REFERÊNCIAS
ALVES, Hélio Gustavo. Auxílio reclusão: direitos dos presos e de seus familiares. São Paulo: LTr, 2007.
______. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acervo/constituicao-federal. Acesso em: 11 de fevereiro de 2019.
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[1] Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atualmente é Professor de Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Católica do Tocantins, com experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual Civil, Direito Eleitoral e Direito Previdenciário;
[2] Bacharelanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins. Graduada em Geografia – Licenciada e Bacharela pela UFT – Universidade Federal do Tocantins (2003).