O déficit da Previdência, desvio de recursos e os impactos sociais no processo de gestão dos fundos da seguridade social

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Resumo: Trata o presente artigo da análise introdutória acerca das falácias em torno do déficit da previdência social, bem como da compreensão de suas bases de financiamento e da forma como o governo o administra e desvia suas receitas para formação do orçamento fiscal. A seguridade social, neste contexto, é o principal alvo da conduta empreendida pelo Estado na desvinculação destes, haja vista que, por ser formada pela tríplice estrutura constitucional, a sociedade deixa de ser atendida eficazmente nas áreas de saúde, assistência social e previdência social.*

Palavras-chave: Déficit. Constituição. Desvio de Recursos. Sociedade. Seguridade Social.

Sumário: Introdução. 1.0 Conceito e Formação da Seguridade Social. 2.0 Os Fundos atinentes ao Financiamento da Seguridade Social. 3.0 A Falácia do Déficit Previdenciário e o desvio de recursos da Seguridade Social. 4.0 Os impactos sociais resultantes do desvio de recursos da Seguridade Social. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A seguridade social é um ramo do direito destinado a disciplinar as formas de financiamento atinentes à manutenção da saúde, assistência social e previdência social, conforme inscrito na Carta Magna de 1988, especificamente em seu art. 194, caput[1]. Por meio deste mecanismo o Estado busca proporcionar melhores condições de vida para a sociedade.

Nesse sentido, presta o presente artigo a buscar, por meio de análises bibliográficas, compreender as formas como o governo brasileiro trata a seguridade social, como gere os seus recursos e, por fim, como canaliza os seus investimentos em prol da sociedade.

O tema em questão tem extrema relevância para a sociedade, haja vista que o direito da seguridade social visa defender os direitos do cidadão mediante a aplicação dos seus dispositivos Constitucionais informadores e normatizadores.

Dessa forma, o trabalho em comento desenvolveu-se por meio de uma análise acerca do conceito e do modo pela qual formou historicamente o direito da seguridade social, seguindo por uma compreensão das bases de arrecadação insertas na Lei acerca da manutenção deste instituto jurídico.

Diante das análises dos dispositivos acima, este artigo debruçou-se sobre o tema atinente a existência ou não de déficit da previdência, sendo que, por fim, em seu último capítulo, explanou-se sobre os efeitos advindos da conduta Estatal no processo de gestão das receitas arrecadas para a seguridade social.

1. CONCEITO E FORMAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL

O conceito de seguridade social é definido na própria Constituição Federal de 1988, por meio do art. 194, como sendo o ramo do direito formado por um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar o direito à previdência social, saúde – através do Sistema Único de Saúde (SUS), e à assistência social, sendo que estes últimos são prestados à sociedade independentemente de contribuição (KERTZMAN, 2011).

O direito da Seguridade Social surgiu a partir do desenvolvimento ou desencadeamento de fatos que culminaram na luta entre trabalhadores e empregadores em que os primeiros pleiteavam melhores condições de vida (KERTZMAN, 2011). Neste contexto, o primeiro conjunto de normas previdenciárias surgiram na Alemanha em 1883 com a normatização do denominado seguro-doença (KERTZMAN, 2011).

O México, em 1917, diante da implantação de diversos sistemas de proteção ao trabalhador, inseriu em sua Carta Magna diversos temas relacionados ao direito previdenciário (KERTZAMN, 2011). Surgia, assim, a partir deste país, a primeira Constituição com conteúdo relacionado à proteção dos direitos do trabalhador.

Entretanto, embora, em um contexto geral, a sociedade já houvesse dado passos largos na criação do sistema previdenciário, foi com o advento do New Deal, implantado pelos Estados Unidos, que os investimentos em torno da defesa do fomento por melhores condições de vida do cidadão foram ganhando maiores proporções. Segundo Kertzman (2011) com a edição do Social Security Act o governo norte americano organizou um conjunto de atos direcionados à melhoria da saúde, assistência social e previdenciária no país. Todo este estado de coisas culminou na estruturação moderna do direito da seguridade social em torno de três pilares essenciais: saúde, previdência e assistência social (KERTZMAN, 2011).

No Brasil, distintamente do quadro evolutivo acima, a Constituição de 1824 já trazia em seu texto a proteção dos trabalhadores mediante os denominados socorros públicos. Seguindo o mesmo objetivo, a Constituição brasileira de 1891 estabeleceu a possibilidade de aposentadoria dos servidores públicos por invalidez. Em 1919, por meio da Lei 3.274, foi instituído o seguro obrigatório por acidente de trabalho (KERTZMAN, 2011).

Diante dos primeiros avanços em torno da seguridade social, a previdência social terá seu marco com a publicação da Lei Eloy Chaves, Decreto-Legislativo n. 4.682/23. Nesta legislação foram criadas os Caixas de Aposentadoria e Pensão – CAP´s cujos beneficiários eram os empregados das empresas ferroviárias, empregados, pensionistas e os dependentes destes (KERTZMAN, 2011).

Em 1930 o Presidente Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho e Indústria e Comércio com a finalidade de organizar a previdência social brasileira (KERTZMAN, 2011). Durante a década de 30 as CAP´s existentes reuniram-se para a formação do Instituto de Aposentadoria e Pensão – IAP´s. O principal foco deste novo órgão era gerenciar os fundos de aposentadoria e pensão dos marítimos, comerciários, bancários, industriais e empregados em transporte de carga (KERTZMAN, 2011).

A Constituição de 1934 estabeleceu a tríplice forma de custeio com a contribuição do Governo, empregadores e dos trabalhadores. Em 1960 foi criado o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, sendo que, no mesmo ano, entrou em vigor a Lei Orgânica da Previdência Social cujo teor unificaria os critérios estabelecidos nos diversos IAP´s. Em 1967 foi criado o Instituto Nacional da Previdência Social – INPS – para consolidar o sistema previdenciário no Brasil, sem a participação dos trabalhadores rurais, pois estes só passaram a gozar de direitos em 1971 com a criação do FUNRURAL (KERTZMAN, 2011).

O governo brasileiro, buscando aprimorar o sistema de seguridade social, criou o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS – cujo setor seria composto por outros órgãos, tais como: INPS, IAPAS, INAMPS, LBA, FUNABEM, CEME, DATAPREV[2].

Após a criação do SINPAS e o advento da Constituição de 1988, o legislador usou a expressão seguridade social para abranger as áreas da assistência social, saúde e previdência social. Ademais, por meio da Lei 8.029/90, criou-se o Instituto Nacional de Previdência Social – INSS – com o objetivo de fundir o INPS e IAPAS, sendo que, a Lei 11.457/07 ainda fundou a Receita Federal do Brasil (KERTZMAN, 2011).

Neste sentido, pode-se inferir que a evolução histórica da formação do direito da seguridade social ocorreu após intensas manifestações de trabalhadores em prol de garantias, defesa dos seus direitos sociais e manifestação por melhores condições de vida. 

2. OS FUNDOS ATINENTES AO FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

Conforme descrito no tópico anterior, o direito da seguridade social abrange a assistência social, saúde e previdência social. Sobre estes direitos, o Estado, conforme art. 195 da CF/88[3], definiu que o seu custeio será realizado mediante a capacidade contributiva do beneficiário, bem como por meio de fontes diretas e indiretas, recursos provenientes do Governo e das empresas.

No caso do Regime Geral da Previdência Social – RGPS – a lei informa que os recursos destinados à manutenção deste instituto poderá ser complementado pela União por meio da utilização do seu orçamento fiscal (KERTZMAN, 2011). Os principais objetivos da arrecadação para formação de receitas para a seguridade social são relacionados à manutenção dos seus princípios informadores, quais sejam: universalidade da cobertura e do atendimento[4], uniformidade[5], seletividade e distributividade na prestação dos benefícios[6], conforme reza o art. 194 da CF/88.

Para manutenção da seguridade social Kertzman (2011) informa que o legislador definiu o seu financiamento por meio de proventos oriundos da contribuição: a) do empregador, através das folhas de salário, receita ou faturamento e lucro (COFINS[7], PIS[8], CSLL[9]); b) trabalhador através das contribuições descontadas do seu salário; c) das receitas de concurso e prognósticos realizadas mediante o sorteio de qualquer concurso envolvendo número, símbolo, loterias e apostas no âmbito federal; e, d) do importador de bens e serviços do exterior, ou seja, por meio do PIS Importação e da COFINS Importação.

Além das arrecadações acima, cuja natureza é eminentemente tributária, a Constituição, por meio dos seus arts. 149, 195, §§ 4º, 6º, 9º e 11, definiu outras fontes para manutenção da seguridade social, tais como, os impostos, taxas, contribuições de melhorias, contribuições sociais em sentido amplo e empréstimos compulsórios.

O procedimento para arrecadação de receitas para o sistema em comento não se exaure nos dispositivos tributários elencados em lei, pois, segundo Kertzman (2011), existem outras fontes de natureza não tributária que são utilizadas no âmbito da seguridade social. Dentre as fontes em comento, pode-se citar aquelas advindas da contribuição previdenciária do segurado facultativo. Outras formas de arrecadação podem ser descritas por meio das contribuições autônomas, ou seja, contribuições de intervenção no domínio econômico, de interesses de categorias profissionais, de custeio do serviço de iluminação pública e as oriundas das contribuições gerais, como as obtidas por meio do Salário-Educação (art. 212 da CF/88), SESI, SENAI, SENAT, SENAR, INCRA (art. 240 da CF/88), (KERTZMAN, 2011).

Dessa forma, pode-se compreender que, o sistema de seguridade social é mantido mediante um conjunto de fontes elencados em lei, sendo que, deve-se ressaltar que tais fontes não se exaurem nos depósitos realizados pelos trabalhadores que deles gozam.

3. FALÁCIA DO DÉFICIT PREVIDÊNCIÁRIO E O DESVIO DE RECURSOS DA SEGURIDADE SOCIAL

Nos dois primeiros capítulos deste trabalho podemos identificar que a seguridade social é um ramo do direito cuja finalidade é proteger o cidadão dando-lhe acesso a gozar dos recursos atinentes a assistência social, saúde e previdência social. Neste sentido, observou-se que para manter este sistema o legislador normatizou um conjunto de procedimentos hábeis a formar o financiamento deste instituto jurídico (AQUINO, 2010). Tais dispositivos legais estão expressos na Constituição Federal de 1988 por meio do seu artigo 195.

Lopes (2010) e Aquino (2010), diante da pluralidade de recursos para financiamento da seguridade social, afirmam que atualmente a previdência social não se encontra em déficit, muito pelo contrário, pois esta sempre se mostrou superavitária.

Feghali, corroborando a afirmativa acima, explica que o INSS no ano de 1997 teve arrecadação superior à 12% dos anos anteriores. Neste contexto, afirma ainda o referido autor, que no mesmo ano o governo brasileiro arrecadou cerca de R$ 29.2 (vinte e nove ponto dois) bilhões de reais, sendo que, em benefícios, foram pagos R$ 27.7 (vinte e sete ponto sete) bilhões. O resultado desta equação é o superávit de 1.5 (um ponto cinco) bilhões de reais.

As arrecadações para a seguridade social poderiam ainda ser maiores se a União contribuísse para a previdência social por meio dos seus servidores públicos, bem como o próprio Tesouro, por meio do seu orçamento fiscal (FEGHALI).

O poder público, mesmo diante do quadro positivo apresentado acima, tem afirmado constantemente acerca da existência de um “rombo” na previdência social. Segundo o Ministério da Previdência o déficit da previdência teria chegado a R$ 2.7 (dois ponto sete) bilhões em junho e 22.8 (vinte e dois ponto oito) bilhões no primeiro semestre de 2010 (LOBREGATTE, 2011). A argumentação dos gestores públicos acerca da existência de um déficit na previdência é uma falácia (FAGNANI, 2011).

A Constituição Federal de 1988, após criar formas de arrecadação por meio de benefícios contributivos e não contributivos, impôs ao Estado a responsabilidade de arcar com as despesas oriundas dos pagamentos previdenciários dos trabalhadores rurais (beneficiários não contribuintes). Ocorre que, distintamente do quanto disciplinado em lei, o governo não seguiu o regramento acima, pois impôs aos contribuintes urbanos a responsabilidade por arcar com as despesas advindas dos trabalhadores rurais (Art. 194 e 194 da Constituição Federal de 1988). O resultado desta circunstância é um possível “rombo” nas contas da previdência (FAGNANI).

Ainda, no que tange às contas da previdência, o gestor público, contrariando os arts. 195, 165 da Constituição Federal 1988 e 59 das Disposições Transitórias, tem deixado de apresentar o Orçamento da Seguridade Social, causando assim, um grande prejuízo na correta aplicação das arrecadações realizadas através dos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros (FEGNANI).

Os estudiosos do tema em comento, como Horvath Júnior (2006), Fegnani e, dentre outros, Feghali, afirmam que as contas do governo em torno da existência do déficit da previdência se dá ignorando o processo de desvio de verbas deste instituto para financiar o pagamento de dívidas públicas.

O problema em torno deste desvio nos faz efetuar uma análise a partir das décadas de 50 e 60 em que o governo retirou ou desviou da previdência uma grande soma de dinheiro para financiar a construção de Brasília, Transamazônia, Ponte Rio-Niterói, Itaipú e, dentre outras, Usinas Atômicas de Angra dos Reis. Após efetuar a tomada descrita, a União nunca repôs à previdência social o montante retirado (HORVATH JÚNIOR, 2010).

Ademais, afirma Horvath Júnior (2010) que os recursos arrecadados pelo Estado não chegam como deveriam à seguridade social. O problema ganha proporções ainda mais alarmantes, segundo o referido autor, quando o próprio Estado mostra-se omissos na cobrança de dívidas que foram retiradas da previdência para favorecerem setores públicos e privados. Horvath Júnior (2010), cita, como exemplo, as inúmeras renúncias fiscais realizadas pelo poder público para beneficiar entidades beneficentes de assistência social, empregadores rurais de pessoa física, clubes de futebol profissional, segurados especiais, empregador doméstico e das empresas inscritas no simples.

Segundo Horvath Júnrior (2010) a renúncia fiscal teria atingido em 2003 e 2005 cerca de R$ 33.2 (trinta e três ponto dois) bilhões de reais e a sonegação fiscal teria chegado à casa de R$ 88 (oitenta e oito) bilhões de reais. Lopes (2010), sendo mais preciso, informa que desde 1978 a 2010 o rombo da previdência teria chegado a casa de R$ 50 (cinqüenta) bilhões de reais, sem contudo tenha o governo informado quando havia deixado de repassar para este instituto.

O resultado de toda esta gama de fatores é que o próprio Estado ao retirar e renunciar a cobrança de verbas que deveriam ser aplicadas na previdência cria em suas contas uma suposta situação deficitária que teria alcançado o montante de R$ 200 (duzentos) bilhões de reais (LOPES, 2010).

Ocorre que, a previdência social não pode ser analisada isoladamente como se apenas dependesse dos recursos obtidos da arrecadação dos impostos dos trabalhadores urbanos. A seguridade social é composta, conforme dito alhures, pela assistência social, saúde e previdência social em que o governo também é parte responsável no financiamento deste instituto. Assim, segundo Palmeira Filho (2007), em 2005 e 2006 o sistema previdenciário brasileiro se mostrou superavitário ao alcançar o patamar de R$ 103 (cento e três) bilhões de reais.  

Assim, tendo sido demonstrado não haver déficit da previdência, pode-se observar que o governo, além de renunciar à cobrança de verbas, tem desviado parte do dinheiro, destinado à seguridade social, para o pagamento da dívida pública, conforme será demonstrado abaixo. Segundo Salvador (2010) e Júnia (2011) o valor da dívida pública brasileira chega a casa de 1,9 (um vírgula nove) trilhões de reais. Para amenizar a dívida o governo retira do orçamento público cerca de 30% (trinta por cento) da receita que deveria ser repassada para a seguridade social (SALVADOR, 2010).

O processo de desmantelamento das contas que deveria destinar-se à seguridade social começa com a transferência desta arrecadação para a formação do superávit primário e atendimento das condições impostas por organismos internacionais[10] por meio do, inicialmente denominado, Fundo Social de Emergência (FSE). Atualmente, para utilizar-se deste mecanismo o governo fundou a Desvinculação da Receita da União (DRU) com o objetivo de retirar parte do valor destinado à seguridade social e repassar para o orçamento fiscal (SALVADOR, 2010).

Segundo Salvador (2010) e Júnia (2011) no período de 2000 a 2007 o governo transferiu da seguridade social o equivalente a R$ 278,4 (duzentos e setenta e oito vírgula quatro) bilhões de reais. Tal transferência equivale a retira de R$ 65,00 (sessenta e cinco) reis da seguridade social para a formação de R$ 100 (cem) reais de superávit primário. Saraiva Felipe, apud Junia (2011), informa que a DRU provoca o que se denomina déficit da previdência, pois ao retirar dinheiro do orçamento público, a seguridade não consegue suprir as suas despesas. Nesse sentido, o que o país tem hoje de reserva cambial o tem porque retirou da seguridade social.

No intuito de continuar utilizando-se da DRU o governo encaminhou para o Congresso uma proposta de Emenda Constitucional, denominada PEC 61/2011 com o objetivo de prorrogar esta desvinculação até o ano de 2015.

Dessa forma, pode-se inferir que o governo desvia parte do orçamento público com a finalidade de efetuar o pagamento da dívida pública. Tal situação, em tese, causa um déficit da previdência em que o governo afirma não obter recursos para supri-lo por haver insuficiência de arrecadação dos proventos dos beneficiários do sistema. Tal situação é uma inverdade, e deve ser repensada com o efetivo cumprimento dos dispositivos elencados na Constituição Federal de 1988.

4. OS IMPACTOS SOCIAIS RESULTANTES DO DESVIO DE RECURSOS DA SEGURIDADE SOCIAL

A conduta do governo em descentralizar os recursos do orçamento público para o fiscal tem gerado um grande prejuízo no financiamento da seguridade social e, em sentido amplo, na própria concessão de benefícios ao cidadão por meio da assistência social, saúde e previdência social.

A afirmativa acima é reforçada por Salvador (2010) ao afirmar que a Constituição criou uma letra morta ao falar do orçamento da seguridade social. Tal fato se dá, conforme já descrito acima, porque o governo não respeita suas diretrizes e, para piorar, desvia verbas da seguridade social para custear o pagamento da dívida pública.

O Brasil, diante da descentralização elencada acima, tem criado dispositivos que elevam demasiadamente a idade de aposentadoria para homens e mulheres. Salvador (2010), inclusive, informa que o referido país é um dos poucos que oferece o gozo da aposentadoria sob o requisito de elevado patamar cronológico. A situação descrita agrava-se porque neste país os salários pagos aos aposentados não os permitem manter uma vida digna. O resultado desta situação é o retorno destes ao mercado de trabalhado, causando, assim, um inchaço no oferecimento de mão de obra, isso, sem falar que 20% da população idosa não recebe nenhum benefício social (SALVADOR, 2010). Ademais, deve-se ressaltar que no Brasil existe um grande número de pessoas que estão na informalidade, sendo que, destas, poucas contribuem para a previdência social.

A descentralização realizada pelo DRU, além de afetar os idosos, também causa um colapso na educação. Júnia (2011), ao descrever este problema, afirma que o Estado deixou de investir cerca de R$ 7 (sete) bilhões de reais em 2010 em educação, sendo que, em 2008, este cálculo chegou a R$ 9,2 (nove vírgula dois) bilhões de reais. Elias Jorge, apud Júnia (2011), afirma que a descentralização operada pela DRU causa grandes males à sociedade, de modo que esta tem se tornado cada vez menos solidária. Tal conduta contraria os próprios princípios da seguridade social, tal como aquelas elencados no capítulo 1, ou seja, o da seletividade e universalidade.

Além dos setores envolvendo a previdência e educação, a DRU também causa um grande colapso na saúde e na própria assistência social. Estes podem ser especificados por meio do processo da desresponsabilização do Estado com a política social iniciada com Fernando Henrique Cardoso – FHC – e acentuado no governo Lula (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Os efeitos da política em comento, desenvolvida mediante os parâmetros neoliberais do Estado acarretaram as inúmeras privatizações iniciadas na década de 90. Com esta política, o governo deixou de investir como deveria na melhoria das condições de vida da sociedade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). O resultado deste estado de coisas passou a refletir na redução dos benefícios do salário-família, auxílio reclusão, bem como nos investimentos na área de saúde, cujo principal efeito gerou a falta de atenção do Estado em atender com dignidade o cidadão brasileiro (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

A segurança pública não pode ficar de fora, haja vista que com o desvio de recursos da seguridade social, o Estado tem deixado de financiar mecanismos hábeis a coibir a prática delituosa, bem como a promover a educação social e acesso do cidadão ao mercado de trabalho. Tal situação pode ser vista no aumento vertiginoso da população carcerária que, segundo Behring e Boschetti (2010) chegou a casa de 300%, sendo a maioria deles homens de 18 a 30 anos e negros.

Enfim, diante do exposto pode-se constar que os gastos com a dívida pública têm desviado o governo dos seus objetivos na produção de programas de desenvolvimento e fomento das melhores condições de vida da sociedade brasileira. Tais efeitos podem ser sensivelmente percebidos através da precariedade dos sistemas educacionais, de saúde, lazer, cultura e manutenção da vida digna dos idosos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito da seguridade do social foi inserido na Constituição Brasileira de 1988 após intensas lutas da classe trabalhadora e sociedade em geral. Objetivando dar melhores condições de vida para a sociedade, mediante a disposição de recursos na área da saúde, assistência social e previdência social, o legislador normatizou a captação de recursos de forma direta e indireta para custear os seus gastos. Estes dispositivos são elencados no art. 195 da Constituição Federal de 1988 que descreve, dentre outras coisas, que o empregador, o trabalhador e o próprio Estado têm a responsabilidade de manter a seguridade social.

Os fundos para financiamento da seguridade social são arrecadados mediante os impostos pagos pela sociedade, tais como, Impostos de Importação, PIS, COFINS, CSLL, sendo que, inclusive, estes formam o orçamento público que deverá gerir o Regime Geral de Previdência Social, Assistência Social e o Sistema de Saúde representado pelo SUS. Diante do montante arrecadado pelo o Estado pode-se compreender, pelas contas referentes ao pagamento destes fundos, que existe um superávit em sua balança, haja vista que diante do que se recebe e paga ainda há certa quantidade de dinheiro que deveria servir para o desenvolvimento dos investimentos na área social.

Ocorre que, distintamente do quanto descrito acima, muitas vezes o Estado aventa uma falácia em torno da existência de um déficit da previdência social. Tal circunstância, na verdade, serve para que o governo justifique a sua inércia em trazer melhores condições de vida para o aposentado, pensionistas e todos aqueles que recebem algum benefício oriundo da previdência social. Tal argumento é desmistificado a partir do momento que se percebe que o governo descentraliza os recursos destinados à seguridade social para realizar o pagamento das dívidas públicas geradas pelo Estado ao longo dos anos. A prática em comento gera um rombo na seguridade social que impede o governo de agir maciçamente na produção da melhoria de vida social.

Desta forma, o que se constata, mediante a análise das receitas, é que o Estado mascara a sua prática com o intuito de atender os seus interesses políticos e o dos estrangeiros. Ignorando a Carta Constitucional de 1988, o próprio o governo até então não criou o orçamento público destinado a contabilizar o quantum a ser repassado a seguridade social. Muito pelo contrário, implantou o DRU com o objetivo de legalizar a sua prática descentralizadora. O resultado deste procedimento adotado pelo Estado é o colapso no sistema de saúde, educação, lazer, cultura, bem como os baixos salários pagos aos aposentados que dependem da previdência social para sobreviverem.

Ademais, salienta-se que a DRU foi aprovada por meio da Emenda à Constituição (n.68)[11] até o ano de 2015, de modo que o governo poderá gastar, como quizer, até 20% (vinte por cento) das receitas orçamentárias. Segundo o Ministério do Planejamento o valor corresponderá até o montante de R$ 62,4 (sessenta e dois vírgula quatro) bilhões de reais (G1.com).

Sendo assim, diante do exposto ao longo deste trabalho, constata-se que a seguridade social tem recursos suficientes para oferecer à população condições dignas de vida. Entretanto, tal fato não ocorre, haja vista que o estado descentraliza estes recursos para atender o denominado superávit primário, pagar as dívidas públicas, juros e moratórias. O cidadão brasileiro, diante deste contexto, é o principal prejudicado, haja vista que deixa de gozar dos direitos e garantias expressos na Carta Magna, tais como, salário justo, moradia, emprego e, dentre outros, educação de qualidade.

 

Referências
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FEGHALI, Jandira. Previdência social: a falácia do déficit. Tribuna Livre. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cns/temas/tribuna/falacia.html>. Acesso em 06 dez. 2011.
Governo ficou 'muito satisfeito' com aprovação da DRU, diz Ideli. G1 Política. 08 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/12/governo-ficou-muito-satisfeito-com-aprovacao-da-dru-diz-ideli.html>. Acesso em: 22 de junho de 2012.
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Notas:
*
Artigo elaborado sob a orientação do Prof. José Avelino, professor efetivo da disciplina Direito Previdenciário
[1] Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (BRASIL, Constituição Federal de 1988).
[2] INPS – Instituto Nacional de Previdência Social – autarquia responsável pela administração dos benefícios; IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência Social – autarquia responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança de contribuição e demais recursos; INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – autarquia responsável pela saúde; LBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência – fundação responsável pela assistência social; FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menos – Fundação responsável pela promoção de política social em relação ao menor; CEME – Central de Medicamentos – órgão ministerial que distribuía medicamentos; DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social – empresa pública que gerencia os sistemas de informática previdenciários (KERTZMAN, 2011).
[3] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
[4] Universalidade da cobertura é princípio que garante a todo cidadão acesso ou cobertura aos direitos inerentes a proteção da seguridade social (KERTZMAN, 2011);
[5] A uniformidade é um princípio do direito da seguridade social que impõe a previdência social o dever de custear, mediante benefícios, os segurados que não contribuíram suficientemente para previdência social, como por exemplo, o trabalhador rural (KERTZMAN, 2011).
[6] A seletividade e distributividade é o princípio que impõe ao Estado o dever de prestar serviços sociais somente para aqueles que dele, de fato, necessitem, conforme expresso em norma legal (KERTZMAN, 2011).
[7] CONFINS é a contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (KERTZMAN, 2011).
[8] PIS é o Programa de Integração Social implantado pelo governo para que o trabalhador tenha participação na renda nacional e, sobretudo, no lucro das empresas (KERTZMAN, 2011).
[9] CSLL é a contribuição social sobre o lucro líquido da empresa (KERTZMAN, 2011).
[10] Como por exemplo a formação de infra-estrutura para a realização  da COPA 2014 e Olimpíadas de 2016. (JÚNIA, 2011).
[11] EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 68, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2011. Altera o artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. § 1º O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do § 5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal. § 2º Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal. § 3º Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo."(NR). Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. Brasília, 21 de dezembro de 2011 – Mesa da Câmara dos Deputados. (JUSBRASIL, 2011).


Informações Sobre o Autor

Clauber Santos Barros

Acadêmico de Direito pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB.


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