Uma análise sobre a constitucionalidade da pena administrativa de cassação de aposentadoria dos servidores públicos

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Resumo: O presente artigo científico tem por finalidade fazer uma breve análise sobre a constitucionalidade da pena administrativa de cassação de aposentadoria de servidores públicos à luz dos princípios constitucionais da observância à segurança jurídica, ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Ademais, serão ponderadas as novas regras constitucionais inseridas por meio da Emenda Constitucional nº 03, de 17 de março de 1993, que insculpiram os benefícios previdenciários como verdadeiras garantias aos segurados contribuintes.

Palavras-chave: Previdência Social, Cassação de Aposentadoria e Garantias Constitucionais.

Abstract: This research paper aims to make a brief analysis of the constitutionality of the administrative penalty of forfeiture of retirement civil servants to the constitutional principles of respect for legal certainty, the perfect legal and granted. Moreover, shall be considered the new constitutional rules inserted through Constitutional Amendment No. 03 of March 17, 1993, which insculpiram pension benefits as real guarantees taxpayers insured.

Keywords: Social Security, Retirement Cassation and Constitutional Guarantees.

Sumário: 1. Introdução.  2. Da pena de Cassação de Aposentadoria.  3. Uma análise sobre a constitucionalidade da Pena de Cassação de Aposentadoria.  4. Conclusão.

1. Introdução

O direito à Seguridade Social encontra-se insculpido no art. 194 da Carta Maior, podendo ser definido como um conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público com a participação da sociedade (trabalhadores públicos e privados), nas áreas da Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Nessa senda, têm-se que tal direito pode ser classificado como direito humano de segunda dimensão, ligado às prestações que o Estado, como sociedade avançada, deve ao seu conjunto de integrantes (povo), possuindo as seguintes características: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, universalidade, inviolabilidade, interdependência e complementaridade, além do princípio do não retrocesso.

Nessa linha, forçoso concluir que toda pessoa humana possui direito à Previdência Social, sendo este sistema destinado a garantir o bem-estar dos segurados quando por algum infortúnio eles não estiverem em condições de trabalhar, quer seja pela idade avançada, quer porque sofreram um acidente, ou por encontrar-se com alguma enfermidade ou evento de maternidade. Entretanto, para fazer jus aos benefícios previdenciários os segurados deverão contribuir. Assim, com suporte nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2000), o Regime de Previdência Social brasileiro deve ser “ entendido à semelhança do contrato de seguro, em que o segurado paga determinada contribuição, com vistas à cobertura de riscos futuros”.

Seguindo essa corrente doutrinária, com a publicação da Emenda Constitucional n. 20, o benefício de aposentadoria perdeu a característica de simples mudança da situação funcional, resgatando a característica inerente a qualquer benefício de natureza previdenciária, qual seja, o recolhimento de contribuições para sua efetivação. Ademais, com o advento da Emenda Constitucional n. 41/03, impôs-se a obrigatoriedade dos Estados e Municípios instituírem contribuições previdenciárias a serem cobradas de seus servidores para o custeio de seu sistema previdenciário. Assim, as mudanças promovidas no texto constitucional, afastaram a possibilidade de a aposentadoria constituir-se em prêmio concedido ao servidor, tornando-a um benefício decorrente de um pagamento realizado previamente por este.

2. Da pena de Cassação de Aposentadoria

O regime jurídico estatutário fixado para os servidores públicos pela Constituição Federal de 1.988 introduziu a necessidade de definição legal dos direitos, prerrogativas, vantagens e deveres dos servidores, permitindo aos Entes Federados a regulamentação, por intermédio de Lei, da relação jurídica servidor-Estado. Os diplomas legais editados trouxeram, em seus textos, a possibilidade de sanção ao servidor após sua aposentadoria pelo cometimento de falta considerada grave, por intermédio da pena denominada cassação de aposentadoria.

Assim, pode-se conceituar a pena de cassação de aposentadoria como penalidade que consiste na extinção do vínculo jurídico mantido com o servidor jurídico aposentado ou em disponibilidade como punição por infração por ele praticada quando em atividade, a que fosse cominada sanção de demissão. Assemelha-se à demissão, acarretando a exclusão do infrator do quadro de servidores inativos do Ente Estatal e, consequentemente, a cessação do pagamento de seus proventos.

Portanto, a pena de cassação de aposentadoria pressupõe o cometimento de uma falta grave durante o exercício de suas atividades, ensejadora da demissão ao servidor ativo e que venha a ser aplicada a este somente após a sua aposentadoria, sempre com o objetivo de extinguir a relação jurídica existente entre o Estado e o servidor.

A pena de cassação de aposentadoria, nos contornos em que é colocada hoje, toma por base os conceitos jurídicos existentes nos anos noventa, período em que foram editados os Estatutos de Servidores, alimentados pelos institutos constantes do ordenamento constitucional de 1967, onde sempre se pressupôs que a relação jurídica Estado-servidor seria perpétua. Além disso, tanto o regime de 1967 quanto o regime da redação original da atual Constituição, entendiam a aposentadoria como uma benesse concedida aos servidores pelo Estado, em razão de este ter alcançado determinado tempo de serviço prestado. Prova deste entendimento consiste no fato de que até então os servidores ao se aposentar poderiam inclusive usufruir de valores pecuniários que não integraram sua remuneração quando em atividade, como, por exemplo, o Adicional de Final de Carreira.

Nesse ponto, surge a questão primordial que será discutida através do presente artigo científico. Tal pena se amolda a nova ordem constitucional, em especial após a publicação das Emendas Constitucionais nº 03/93, 20/98 e 41/03? Há afronta aos princípios constitucionais da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido? A aposentadoria seria uma benesse ou um direito dos segurados?

3. Uma análise sobre a constitucionalidade da Pena de Cassação de Aposentadoria

De certo, a doutrina tem se alinhado no sentido de que a aposentadoria não se trata de prêmio concedido ao servidor, sendo um benefício decorrente de um pagamento realizado previamente por este, já que a proteção previdenciária exige a contribuição direta do protegido no custeio de suas ações como condição necessária para a qualificação do direito adquirido a essa proteção.

Daí o entendimento de que a previdência se caracteriza como um seguro sui generis, uma vez que mesmo possuindo regramentos constitucionais e legais, pressupõe filiação obrigatória e o pagamento de contribuições para o gozo do benefício. Nessa linha, forçoso concluir que a natureza premial das aposentadorias, existente no ordenamento jurídico anterior, padece diante da nova realidade jurídica consistente na obrigatoriedade do pagamento de contribuições, fundamentada no caput do artigo 40 (redação dada pela EC n. 20/98) e § 1°, do artigo 149 (redação dada pela EC n. 41/03), ambos da Carta Maior.

Portanto, em termos previdenciários, não prevalece mais a relação jurídica estatutária perpétua entre o servidor e o Estado, mas sim o regime contributivo, afastando assim qualquer possibilidade de ascensão do Estado sobre o servidor após a sua aposentadoria, sob o argumento de responsabilização de falta cometida durante o exercício das atividades laborais. 

Na verdade o ordenamento constitucional reformulado segmentou a relação jurídica Estado-servidor em duas: a primeira estatutária no que tange a maioria de seus direitos, deveres e vantagens e a segunda de seguro sui generis quando nos referimos às regras relativas aos benefícios previdenciários.

Entretanto, a Corte Maior Brasileira, no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.948-3, decidiu pela constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, nestes termos:

“EMENTA: – MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSAO. PROCURADOR AUTARQUICO. 2. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS INCISOS III E IV DO ART. 127, DA LEI N. 8112/1990, AO ESTABELECEREM ENTRE AS PENALIDADES DISCIPLINARES A DEMISSAO E A CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE. SUA IMPROCEDENCIA. A RUPTURA DO VINCULO FUNCIONAL E PREVISTA NO ART. 41, PAR. 1. DA CONSTITUIÇÃO. HOUVE, NO CASO, PROCESSOADMINISTRATIVO, ONDE ASSEGURADA AO IMPETRANTE AMPLA DEFESA. A DEMISSAO DECRETOU-SE POR VALER-SE O IMPETRANTE DO CARGO, EM DETRIMENTO DA DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA E DESIDIA. LEI N. 8.112/1990, ART. 117, INCISOS IX E XI. 3. NÃO CABE, EM MANDADO DE SEGURANÇA, PENETRAR NA INTIMIDADE DAS PROVAS E FATOS DE QUE RESULTOU O PROCESSO DISCIPLINAR. 4. NÃO PODE PROSPERAR, AQUI, CONTRA A DEMISSAO, A ALEGAÇÃO DE POSSUIR O SERVIDOR MAIS DE TRINTA E SETE ANOS DE SERVIÇO PÚBLICO. A DEMISSAO, NO CASO, DECORRE DA APURAÇÃO DE ILICITO DISCIPLINAR PERPETRADO PELO FUNCIONÁRIO PÚBLICO, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. NÃO E, EM CONSEQUENCIA, INVOCAVEL O FATO DE JA POSSUIR TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO SUFICIENTE A APOSENTADORIA. A LEI PREVE, INCLUSIVE, A PENA DE CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA, APLICAVEL AO SERVIDOR JA INATIVO, SE RESULTAR APURADO QUE PRATICOU ILICITO DISCIPLINAR GRAVE, EM ATIVIDADE. 5. AUTONOMIA DAS INSTANCIAS DISCIPLINAR E PENAL. 6. MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.MS 21.948. Rel. Min. Néri da Silveira. Pleno. J. 29/09/94.”

A arguição de inconstitucionalidade do art. 134 da Lei n° 8.112/90, conforme voto do Ministro Moreira Alves (Relator do MS 22.728-1/PR) também foi afastada pelo STF, embora de forma implícita, no julgamento do Mandado de Segurança n° 21.948, ocasião em que o Plenário da Corte, por unanimidade, considerou constitucional o inciso IV, do art. 127, da Lei n° 8.112/90, que prevê as penalidades disciplinares de cassação da aposentadoria e da disponibilidade.

Melhor dizendo, a Corte tem embasado suas decisões com as seguintes teses destacadas no MS 13.934/SP (Relator Ministro FELIX FISCHER):

“Por outro lado, é inquestionável que o instituto da aposentadoria tem por finalidade a eficiência do serviço público (J.E. DE ABREU OLIVEIRA, "Aposentadoria no Serviço Público", págs. 7 e 12, Liv. Freitas Bastos, 1970),

ou, no dizer de DUGUIT, citado por BRANDÃO CAVALCANTI (ob. cit., pág. 315). "a garantia da boa execução dos serviços públicos", o que implica na conclusão de que a aposentadoria guarda um caráter retributivo, quer dizer, como prêmio pelo longo tempo de serviço, ou compensação pelos bons serviços prestados.

Daí a perfeita definição de HELY LOPES MEIRELLES , para quem a aposentadoria "é a garantia de inatividade remunerada, reconhecida aos funcionários que já prestaram longos anos de serviço, ou se tornaram incapacitados para as suas funções" ("Direito Administrativo Brasileiro", pág. 381, ed. RT, 1986)”. (grifamos)

Ocorre que o referido julgamento se deu em setembro de 1994, portanto, antes das modificações constitucionais promovidas em 1998 e 2003, quando a aposentadoria ainda possuía um caráter premial.

Desta forma, não atacou efetivamente a questão relativa à mudança da natureza do benefício de aposentadoria, já que esta ocorreu, conforme já mencionado, posteriormente à proferição da decisão utilizada como precedente.

Atualmente, encontra-se pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal a ADI nº 4882, ajuizada pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), através da qual se questiona a constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, sendo esperado que desta feita nossa Corte Maior interprete a legislação infraconstitucional observando-se as alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais nº 03/93, 20/98 e 41/03.

4. Conclusão

Em que pese o entendimento da Suprema Corte Nacional, o presente artigo segue a linha de entendimento de que a pena de cassação de aposentadoria não se amolda à nova ordem constitucional existente, especialmente após a publicação das Emendas Constitucionais que impuseram as reformas previdenciárias, sendo o benefício de aposentadoria um direito e não uma benesse a ser concedida aos segurados, que contribuem durante um grande tempo de sua vida laboral para usufruir do benefício quando da inatividade. O Estado possui outros instrumentos legais para buscar o ressarcimento integral do dano causado pelo servidor ao Erário Público, seja através de ações de natureza cíveis, seja através de ações de natureza criminal. A cassação da aposentadoria mostra-se como medida desproporcional, causando grave ferida ao princípio da segurança jurídica e do direito adquirido, motivo pelo qual espera-se que o Supremo Tribunal Federal reverta o entendimento que tem tido até o julgamento da ADI 4882.

 

Referências
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000.
REIS, Jair Teixeira dos. Resumo de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 26ª edição. Ed. Malheiros. Página: 425.
FILHO, Marçal Justen. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 2ª EDIÇÃO. Ed. Saraiva. Página: 687.
MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO. Editora LTr. Página: 26.
MS 21.948. Rel. Min. Néri da Silveira. Pleno. J. 29/09/94.
TAVARES, Marcelo Leonardo. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. 10ª edição. Editora Lumen Juris. Página: 609.

Informações Sobre o Autor

Renato Hallen Arantes

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Professor do Curso de Direito das Disciplinas de Direito Financeiro Direito Tributário e Previdenciário na Fundação Educacional do Vale do Jequitinhonha. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos


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