Palavras-chave: Amicus Curiae; Intervenção de Terceiros; Código de Processo Civil.
Abstract: This article aims to discuss the figure of the amicus curiae and its regulation brought by the Code of Civil Procedure. The origin, concept, legal nature and what are the limits and rights that cover it.
Keywords: Amicus Curiae, Intervention of Third Parties, Code of Civil Procedure.
Resumen: El presente artículo tiene como objetivo la discusión de la figura del amicus curiae y su reglamentación traída por el Código de Proceso Civil. El origen, concepto, la naturaleza jurídica y cuáles son los límites y los derechos que lo abarcan.
Palabras clave: Amicus Curiae, Intervención de Terceros, Código de Proceso Civil.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Amicus curiae ou amigo da corte ou também amigo do tribunal (amici curiae, no plural) é uma expressão em Latim utilizada para designar uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para questões relevantes e de grande impacto.
É importante destacar que o Amicus Curiae é amigo da corte e não das partes. Seu desenvolvimento teve início na Inglaterra pela English Common Law, e na atualidade é frequentemente utilizado nos Estados Unidos. A função histórica do amicus curiae é chamar a atenção da corte para fatos ou circunstâncias que poderiam não ser notados. O amigo da corte se faz necessário em casos atípicos, levando informações relevantes à discussão do caso, ampliando a visão da corte de modo a beneficiar todos os envolvidos, pois pode tornar a decisão mais justa.
Sua atuação traz à Corte uma grande variedade de informações adicionais contendo experiências, fatos, citações, artigos jurídicos, e com efeito, levam ao tribunal uma base antes que a decisão seja tomada. Seu papel no ordenamento é exercer com seu acervo de informações o controle de constitucionalidade, agindo proporcionalmente ao ato normativo ou lei, visando eficiência e segurança a este controle com maior democraticidade.
2 DESENVOLVIMENTO
O amicus curiae (art. 138 do CPC) é terceiro admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto, passar a titularizar posições subjetivas relativas às partes – nem mesmo limitada e subsidiariamente, como o assistente simples. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais elementos para decidir. Daí o nome de “amigo da corte”.
O amicus curiae não assume a condição de parte. E sua intervenção não se fundamenta no interesse jurídico na vitória de uma das partes, diferenciando-se, sob esse aspecto inclusive da assistência. Por isso, ele não assume poderes processuais sequer para auxiliar qualquer das partes. Ainda que os seus poderes sejam definidos em cada caso concreto pelo juiz (art. 138, § 2º, do CPC), na essência serão limitados à prestação de subsídios para a decisão.
A participação do amicus curiae, com o fornecimento de subsídios ao julgador, contribui para o incremento de qualidade das decisões judiciais. Amplia-se a possibilidade de obtenção de decisões mais justas – e, portanto, mais consentâneas com a garantia da plenitude da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF/1988). Por outro lado, sobretudo nos processos de cunho precipuamente objetivo (ações diretas de controle de constitucionalidade; mecanismos de resolução de questões repetitivas etc.), a admissão do amicus é um dos modos de ampliação e qualificação do contraditório (art. 5º, LV, da CF/1988).
O ingresso do amicus curiae no processo pode derivar de pedido de uma das partes ou do próprio terceiro. Pode também ser requisitado de ofício pelo juiz. Portanto, essa é uma modalidade de intervenção que tanto pode ser espontânea (voluntária) quanto provocada (coata).
A qualidade de interveniente processual do amicus curiae é justificada em razão do alcance das decisões nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. Ora, justamente porque essas decisões têm eficácia erga omnes e efeito vinculante, atingindo vários indivíduos dentro de uma mesma sociedade, deve-se possibilitar que o debate das decisões proferidas pelo Poder Judiciário seja pluralizado.
A intervenção do amicus curiae nas ações de controle de constitucionalidade possui claro objetivo de pluralizar e legitimar o debate em constitucional. Através das informações fáticas e técnicas trazidas pelo amicus curiae, o Tribunal tem melhores condições de solucionar as controvérsias e de interpretar a Carta Constitucional da maneira que melhor atenda aos interesses da sociedade.
Nesses casos a intervenção será provocada pelo relator, requerida por uma das “partes” ou pelo próprio interessado. Nos termos do § 2º, do art. 7º, da Lei nº. 9.868/99, a intervenção será admitida se for demonstrada a representatividade do postulante (requisito subjetivo) e a relevância da matéria (requisito objetivo). Este último requisito já está presente nos recursos cujas matérias foram reconhecidas como de repercussão geral e, em geral, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas declaratórias de constitucionalidade. Já a questão da representatividade, segundo o próprio STF, deve passar por um crivo mais apurado, evitando a proliferação de requerimentos de intervenção. A legitimação da ingerência do amicus curiae “deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional”.
Deferida a intervenção do amicus curiae, admite o STF que este apresente memoriais, preste as informações que lhe venham a ser solicitadas e realize sustentação oral.
Entretanto, no âmbito do STJ, em questão de ordem levantada pelo Min. Teori Albino Zavascki no REsp nº. 1.205.946/SP, decidiu a Corte Especial, em 17/08/2011, que o amicus curiae não teria direito à sustentação oral, ao argumento de que essa prerrogativa, pelo regramento do tribunal, somente é conferida à parte e seus assistentes. O novo CPC, apesar de não disciplinar especificamente essa questão, incumbiu ao relator (ou ao juiz) definir dos poderes do amicus curiae (art. 138, § 2º, CPC). Assim, entendo que a possibilidade (ou não) de sustentação oral é tema a ser definido pelo relator, que deverá ponderar, diante do caso concreto, se há ou não necessidade da manifestação. Se a importância do bem jurídico ou a repercussão social da decisão impuser uma participação mais efetiva, com intenso debate oral, não há razão para não se admitir a sustentação do órgão ou entidade que estiver atuando como amicus curiae.
No que se refere à interposição de recursos, o STF, na ADI (ED) 3.105, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, entendeu que o amicus curiae carece de legitimidade recursal, salvo com relação à decisão que não o admita como tal no processo. O novo CPC segue a posição do STF, ao passo que inadmite a interposição de recursos, com exceção daquele que servirá para impugnar a decisão de não admissibilidade de sua intervenção. A nova lei processual também excepciona os embargos de declaração e o recurso em incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, §§ 1º e 3º).
O CPC prevê expressamente a possibilidade de participação do amicus curiae em outras ações e não apenas nas de controle de constitucionalidade. Com efeito, o art. 138 dispõe que:
“O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação”.
Como se vê, o novo Código estabelece alguns requisitos para a intervenção do amicus curiae. A relevância da matéria está presente nos recursos relativos a matérias com repercussão geral reconhecida e, em geral, nas ações declaratórias de constitucionalidade e nas ações diretas de inconstitucionalidade. Nesses casos a relevância da matéria já existe em razão da necessidade de interposição do recurso ou do mero ajuizamento (critérios objetivos para aferição do requisito). Entretanto, nas outras demandas a relevância precisa ser analisada diante do caso concreto (critério subjetivo para aferição do requisito).
O requisito relevância da matéria requer que a questão jurídica objeto da controversa extrapole os interesses subjetivos das partes. Ou seja, a matéria discutida em juízo deve extravasar o âmbito das relações firmadas entre os litigantes. Cassio Scarpinela Bueno considera, ainda, que esse requisito deve ter relação com a necessidade de se trazer aos autos outros elementos que sirvam para a formação do convencimento do juiz.
A especificidade do tema tem relação com o conhecimento do amicus curiae acerca do tema objeto da demanda. Esse conhecimento, que pode ser técnico ou científico, deve ser útil ao processo e à formação da convicção do juiz ou do órgão julgador para o julgamento da matéria de direito.
Sendo assim, o amicus curiae só poderá ser admitido para efeito de manifestação quando os seus conhecimentos puderem auxiliar na resolução da controvérsia. Para tanto, o julgador deve verificar a necessidade (ou não) de se analisar o mérito não apenas através dos documentos trazidos pelas partes, mas, também, por meio de elementos fáticos que tenham relação com a demanda.
Para possibilitar a intervenção do amicus curiae, o órgão julgador não deve observar apenas o aspecto jurídico da questão, mas, também, os reflexos ou a repercussão que a controvérsia pode gerar no âmbito da coletividade. Questões relevantes do ponto de vista econômico, social, político ou jurídico, que suplantem os interesses individuais das partes, merecem a intervenção de pessoas ou entidades representativas da sociedade civil. Daí porque também se exige a repercussão social da controvérsia.
Saliente-se que o amicus curiae não intervém no processo para defender seus próprios interesses. A participação formal de pessoa (física ou jurídica), órgão ou entidade, deve se fundamentar na necessidade de se defender os interesses gerais da coletividade ou aqueles que expressem valores essenciais de determinado grupo ou classe. É necessário, assim, que a intervenção seja admitida quando houver representatividade adequada, o que “não significa que o amicus curiae precise levar ao processo a manifestação unânime daqueles que representa (…). O que se quer é debater sobre pontos de vista diversos, sobre valorações diversas em busca de consenso majoritário; não a unanimidade”.
O requisito da representatividade também está presente no controle concentrado de constitucionalidade (art. 7º, § 2º, da Lei nº. 9.868/99). Nesse ponto ele se assemelha ao requisito da “pertinência temática”, utilizado para aferição da legitimidade ativa ad causam nas ações de controle concentrado.
A relação de congruência que deve existir entre as finalidades do terceiro interveniente e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle concentrado, também precisa ser observada nas demais ações que possibilitem a intervenção do amicus curiae. Se, portanto, o objeto do processo não tiver qualquer relação com os fins institucionais da pessoa (física ou jurídica), órgão ou entidade especializada, não haverá representatividade adequada a justificar a intervenção.
O modo de intervenção do amicus curiae pode ser espontâneo ou provocado. Isso porque o art. 138, caput do novo CPC, utiliza a expressão “de ofício ou a requerimento das partes”, o que significa dizer que a intervenção poderá se dar mediante manifestação do próprio amicus curiae (espontânea) ou através de sua intimação para manifestação em juízo (provocada).
Tanto no caso de a intervenção ser requerida pelo terceiro ou pelo juiz (ou relator), o amicus curiae terá o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar. Esse prazo só tem razão de ser nos casos de intervenção provocada, devendo ser contado a partir da intimação da decisão que, proferida de ofício, determinou a manifestação da pessoa, órgão ou entidade.
Após admissão do amicus curiae, caberá ao relator ou juiz definir os seus poderes (art. 138, § 2º). Em que pese a generalidade da redação, é preciso levar em consideração que a atuação do amicus curiae há de ser capaz de influenciar o julgamento da lide, aprimorando a decisão jurisdicional. Para tanto, deve o amicus curiae desempenhar todo e qualquer ato processual que seja correlato para se atingir essa finalidade, como, por exemplo, requerer a produção de provas e manifestar-se oralmente.
Frise-se que a intervenção do amicus curiae não acarreta alteração da competência (art. 138, § 1º, 1ª parte), ou seja, a regra é que esse interveniente, ao ser admitido nos autos, irá se submeter à competência já fixada para o processo.
O CPC não estabelece o momento para a intervenção do amicus curiae. Entretanto, em sede de controle de constitucionalidade, o STF entende que o seu ingresso somente é possível até a inclusão do processo na pauta de julgamento.
No mesmo sentido também já se manifestou o STJ:
“A Seção, em questão de ordem levantada pelo Min. Benedito Gonçalves, indeferiu o pedido de terceiro para ingressar no feito como amicus curiae, ou assistente, uma vez que já pautado e iniciado o julgamento, com dois votos já proferidos”. (STJ, QO no REsp nº. 1.003.955/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12/11/2008
Diante desse entendimento e levando-se em consideração a importância da atuação do amicus curiae para a instrução processual, acredito que a sua intervenção deve ser admitida a qualquer tempo, desde que antes de conclusos os autos para julgamento (nos processos de primeiro grau), ou até a data da remessa dos autos pelo Relator à mesa para julgamento (nos processos perante os tribunais).
A manifestação do amicus curiae é realizada por meio de petição simples. Quando a intervenção se der de forma espontânea, a petição deve conter as razões pelas quais a pessoa, o órgão ou a entidade pretende intervir no processo, bem como as suas considerações relativas ao mérito da causa. Frise-se que as informações apresentadas pelo interveniente não vinculam o juízo, razão pela qual a sua admissão não importa prejuízo para os litigantes.
Como visto, o novo CPC incluiu a intervenção do amicus curiae como uma das modalidades de intervenção de terceiros. Uma das implicações dessa topografia é que, em princípio, cabível seria o agravo de instrumento em face da decisão que admite ou inadmite a intervenção do amicus curiae, uma vez que, consoante previsão do art. 1015, IX, da decisão que interlocutória que versar sobre admissão ou inadmissão de intervenção de terceiro, cabível é o agravo de instrumento.
Assim, levando-se em conta a especialidade do art. 138, pode-se concluir que a irrecorribilidade recai tão somente sobre a decisão que solicita (o próprio juiz) ou admite (pedido formulado pelas partes ou pelo próprio amicus curiae); quanto à decisão que indefere o pedido de intervenção, cabível é o agravo de instrumento.
A distinção, para efeitos recursais, entre decisão admite e inadmite a intervenção encontra justificativa na finalidade da participação do amicus curiae em todas as causas em que se verifica a relevância da matéria e a repercussão social da controvérsia. Em razão da força vinculadora dos precedentes, o que for decidido em uma demanda com citadas características poderá servir de norma ou no mínimo de orientação para outras decisões em idênticas controvérsias. Dessa forma, salutar é que se democratize o processo, permitindo a intervenção de pessoa, órgão ou entidade com adequada representatividade na qualidade de amicus curiae, a fim de se conferir legitimidade à norma (precedente) formada a partir da decisão judicial.
Aliás, com relação à legitimidade para interposição de recurso pelo amicus curiae, o novo Código seguiu o que dispõe o art. 7º, § 2º da Lei n.º 9.868/1999, bem como a jurisprudência firmada no STF.
Sobre esse ponto, deve-se ressaltar que a legitimidade recursal do amicus curiae se restringe à decisão que inadmite a sua intervenção. Uma vez admitido como amicus curiae, a pessoa natural ou jurídica não tem legitimidade para interpor recurso contra a decisão de mérito.
À guisa de síntese: a) a decisão que solicita ou admite a intervenção de amicus curiae é irrecorrível; b) a decisão que inadmite a intervenção de amicus curiae é recorrível: i) por agravo de instrumento, se tratar de decisão de juiz de primeiro grau; ii) por agravo interno se tratar de decisão monocrática de relator; iii) por recurso especial se tratar de decisão de órgão colegiado dos Tribunais de Justiça ou dos TRF’s.
O CPC, além de possibilitar a interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que não admite a intervenção, também oferece ao amicus curiae a possibilidade de oposição de embargos declaratórios (art. 138, § 1º, parte final). E vai mais além. Nos termos do § 3º, do art. 138, o amicus curiae também pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
Embargos de declaração é espécie de recurso que tem por finalidade esclarecer decisão obscura ou contraditória, ou, ainda, integrar julgado omisso. Como o amicus curiae intervém no processo para auxiliar o juízo, pluralizando o debate acerca da matéria objeto da controvérsia, nada mais correto que legitimá-lo a interpor essa espécie recursal contra eventual sentença ou acórdão omisso, obscuro ou contraditório.
O incidente de resolução de demandas repetitivas (ou IRDR) tem cabimento quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, for constatada uma multiplicação de ações fundadas em uma mesma tese jurídica. Com o objetivo de evitar decisões conflitantes, o juiz ou relator, as partes, o Ministério Público (art. 974), poderão requerer a instauração do incidente, que será dirigido ao presidente do tribunal onde a demanda estiver sendo processada.
O tribunal que processa o incidente tem o dever de velar pela uniformização e estabilização de sua jurisprudência. Para tanto, antes de decidir a questão, poderá ouvir as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia (art. 983). Trata-se, portanto, de clara manifestação do amicus curiae, cuja finalidade é, sem dúvida, democratizar e enriquecer o debate.
A capacidade postulatória constitui pressuposto processual de validade e, em regra, é conferida aos advogados devidamente inscritos na OAB.
Para as hipóteses de intervenção de terceiros tratadas no CPC/73, não existem dúvidas quanto à necessidade de representação por advogado. O denunciado, o chamado, o opoente e o nomeado precisavam constituir advogado para intervir no feito, seja para postularem ou para se defenderem.
No CPC, apesar de inexistir regra expressa sobre o assunto, entendo ser razoável exigir a representação por advogado em qualquer modalidade de intervenção, inclusive quando a ingerência nos autos se der pelo amicus curiae.
Sobre o tema, o STF, no julgamento da ADPF 180/SP, decidiu que o pedido de admissão do amicus curiae deve ser assinado por advogado constituído, sob pena de não ser conhecido. Entretanto, não há entendimento pacífico (seja na doutrina ou na jurisprudência). Cassio Scarpinella Bueno, por exemplo, considera ser desnecessária a representação por advogado nas intervenções provocadas, ou seja, naquelas solicitadas de ofício pelo juiz. Já Carolina Tupinambá defende que a obrigatoriedade da representação, seja na intervenção provocada ou na voluntária, pode constituir entrave à participação do amicus curiae no debate.
O amicus curiae, como visto, não se confunde com a intervenção de terceiros, uma vez que não se torna parte, já que não possui um interesse jurídico direto contra as partes e não pode praticar atos processuais que cabem a estas, como recorrer. O amicus curiae ainda não se confunde com a atuação do Ministério Público como custus legis, tendo em vista que não defende necessariamente interesse público, não é fiscal da lei e sua não atuação não implica qualquer dano ou prejuízo ao processo. Do mesmo modo, não se confunde com a figura do perito, que dentre outras diferenças recebe honorários pelos serviços prestados.
Considerando a grande importância do amicus curiae na tarefa hermenêutica, destacando informações, dados e entendimentos ainda não suscitados pelas partes ou até mesmo não contemplados pelo magistrado, percebe-se a sua importância na formação de um resultado interpretativo das leis e da própria Constituição. Nesse sentido, o projeto do novo Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 322, a possibilidade de atuação do amicus curiae em todos os graus de jurisdição, incluindo a possibilidade de pessoas naturais serem admitidas como amicus curiae.
Na verdade, tendo em vista que a função do amicus curiae é colaborativa (colaborar com o juiz na obtenção de uma decisão judicial mais justa), seu interesse na causa deve ser meramente institucional.
Nesse sentido, o que se espera do amicus curiae é que ele parta da neutralidade, para, com base em seus conhecimentos específicos sobre o objeto do processo, inclinar-se no sentido de uma ou outra solução para a lide. É por conta do ponto de partida (a neutralidade) que se convencionou chamar esse terceiro interveniente de “amigo da Corte”, e não de “amigo da parte”.
A diferença é sutil, mas relevante. Do terceiro que ingressa no processo como assistente de uma das partes não se espera jamais uma posição de neutralidade, mas uma defesa aberta de um interesse próprio, conexo ou inter-relacionado com aquele que constitui o objeto central do processo. Já do amigo da Corte, se espera que tenha como ponto de partida a neutralidade (mesma neutralidade que é o ponto de partida da própria Corte), para que, mediante análise da causa sob seus conhecimentos específicos, aí sim alcance o seu posicionamento a respeito da solução final a ser dada à lide.
Assim, embora o posicionamento do amicus curiae possa, por via reflexa, ir ao encontro de uma ou outra das teses discutidas pelas partes, inclinando a balança para um ou outro lado, sua atuação difere da atuação do assistente da parte justamente na consideração de seu ponto de partida, que dever ser a neutralidade.
Portanto, não há que se falar em absoluta imparcialidade do amicus curiae. Apesar de ser um colaborador do juiz, é permitido ao amigo da Corte ter opinião própria sobre o tema discutido, interpretar fatos, apresentar informações complementares, estudos, pareceres etc., desde que, sempre, partindo da neutralidade e fundamentando seu posicionamento final em elementos técnicos (interesse institucional), e não em interesses pessoais (interesse jurídico/processual).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com características originárias do direito romano, o instituto do amicus curiae desenvolveu sua estrutura, conforme observa-se atualmente, no direito anglo-saxão, notadamente nos ordenamentos jurídicos britânico e americano. No Brasil, até a promulgação do Novo CPC, estava adstrito há hipóteses específicas, tais como controle concentrado de constitucionalidade, causas relativas ao direito societário, bem como previsão no Estatuto da OAB.
A Lei n° 13.015/2015, acertadamente, além de disciplinar o instituto do amicus curiae, ampliou o cabimento dessa intervenção, antes restrito a casos específicos. Atualmente, esse terceiro poderá ingressar em juízo e colaborar para o julgamento da causa, em qualquer procedimento ou instância, desde que atendidos os requisitos previstos em lei.
O Código de Processo Civil enfrentou questões polêmicas do antigo código, tais como a natureza jurídica da figura e o procedimento para a intervenção. Porém, não regulou o momento da intervenção, os poderes processuais do amicus curiae, entre outros pontos que também suscitam divergências na doutrina e/ou jurisprudência.
De qualquer forma, é inegável a contribuição das inovações introduzidas pelo código de processo civil, no que se refere ao amicus curiae. E mais do que isso, a relevância do instituto para o ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista as suas funções de legitimador das decisões judiciais, concretizador de diversos princípios de ordem constitucional e processual (democrático, da soberania popular, do acesso à jurisdição e da cooperação) e de amplificador do contraditório.
Informações Sobre o Autor
Benigno Nuñez Novo
graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 1999 especialista em educação: Área de Concentração: Ensino – Faculdade Piauiense 2005 mestre em Ciências da Educação – Universidad Autónoma de Asunción 2009 e doutor em Direito Internacional – Universidad Autónoma de Asunción 2011