INTRODUÇÃO
Com a edição da Lei 11.382, de 06 de dezembro de 2006, alterou-se profundamente a sistemática do processo de execução de título executivo extrajudicial previsto no Código de Processo Civil.
Referida lei é fruto de movimento reformista[1] que desde a década passada procura conferir maior efetividade e eficiência na prestação da tutela jurisdicional, de modo a garantir um “processo civil de resultados” [2].
Tão logo publicada aludida lei, iniciou-se discussão acerca de quais dessas alterações também repercutiriam nos processos de execução fiscal, tendo em vista a possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 1º da Lei nº. 6.830/80 – Lei das Execuções fiscais).
Um dos mais interessantes debates travados atualmente centra-se nos efeitos decorrentes do recebimento e processamento da ação de embargos à execução, em razão do teor do novel art. 739-A do Código de Processo Civil.
O objetivo do presente trabalho está em verificar se essa nova disciplina dos embargos à execução, prevista no Código de Processo Civil, igualmente se aplica aos executivos fiscais.
Para tanto, faz-se necessário uma análise da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) em comparação com as novidades trazidas ao Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/2006.
2 A PROBLEMÁTICA ENTRE A LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Há muito tempo se discute a co-relação existente entre o sistema da execução de título extrajudicial estabelecido no Código de Processo Civil e o sistema da Execução Fiscal estabelecido na Lei de Execuções Fiscais (lei nº. 6.830/80) [3].
Com a recente modificação do processo de execução de título extrajudicial pela Lei nº. 11.382/2006, essa celeuma está novamente na ordem do dia.
Tal clamor decorre do fato de o legislador brasileiro ter optado pela edição de uma lei especial para disciplinar a execução fiscal, a qual não revogou as disposições gerais do Código de Processo Civil.
A justificativa para a tomada dessa posição deriva da peculiaridade da relação processual estabelecida na cobrança de créditos fiscais, tendo em vista o interesse público envolvido e a necessidade de agilização e racionalização da cobrança da dívida pública. A própria exposição de motivos da Lei de Execuções Fiscais deixa evidente esta situação:
“12. É oportuno relatar que a orientação adotada no anteprojeto resultou do confronto e da análise das três alternativas que se depararam ao Grupo de Trabalho, com a tarefa preliminar e decisiva para definição que melhor se ajustasse aos objetivos visados: 1ª) elaboração de um texto paralelo e, no que coubesse, repetitivo do Código de Processo Civil, regulando completamente a execução fiscal, a exemplo do decreto-lei nº. 960, de 17 de dezembro de 1938, e demais leis pertinentes, cujas normas de natureza adjetiva se acham revogadas pelo estatuto processual de 1973; 2ª) anteprojeto de alteração direta e parcial do próprio texto desse código, para nele incorporar as normas tradicionais de garantias e privilégios da Fazenda Pública em juízo, bem como aquelas que ensejassem maior dinamização da cobrança de dívida ativa; e 3ª) adoção de anteprojeto de lei autônoma, contendo apenas normas especiais sobre a cobrança da Dívida Ativa, que, no mais, teria o suporte processual das regras do Código.
13. A primeira alternativa mostrou o inconveniente de reproduzir, em sua maior parte, normas já contidas no Código de Processo Civil, enquanto que a segunda se mostrou desaconselhável pelo fato de alterar o próprio Código recém-editado, atingindo o plano a que obedece o texto e acarretando não só a ordenação de títulos, capítulos e dispositivos, como também a alteração das remissões existentes.
14. A terceira alternativa mereceu preferência, porque, a par de não revogar as linhas gerais e a filosofia do Código, disciplina a matéria no essencial, para assegurar não só os privilégios e garantias da fazenda Pública em Juízo, como também a agilização e racionalização da cobrança da Dívida Ativa.”
Temos, assim, a coexistência de um sistema geral de execução lastreado no Código de Processo Civil e um sistema especial disciplinado na Lei de Execuções Fiscais.
A problemática, portanto, está centrada na possibilidade de se aplicar as disposições do Código de Processo Civil (lex generalis) às hipóteses regidas pela Lei de Execuções Fiscais (lex especialis). Nesse sentido:
“A criação de um diploma legislativo especial (lex especialis) para a normatização de determinadas relações jurídicas sempre gera uma inter-relação necessária com o corpo legislativo básico, geral (lex generalis). Os exemplos em que tal situação ocorre são inúmeros em nosso ordenamento, e, só para citar alguns exemplos, temos, além da Lei das Execuções Fiscais, a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), a Lei da Ação Popular (Lei nº. 4.717/65), a Lei do Mandado de Segurança (Lei nº. 1.533/51), a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92)” (BEGO; SILVA; OLIVEIRA, 2007, p. 434)..
Para tanto, mostra-se necessário a fixação de um método interpretativo de conciliação entre esses dois sistemas, a fim de solucionar todas as dúvidas que surjam em razão da incidência das normas gerais de execução sobre o sistema da execução fiscal.
Nesse particular, o legislador brasileiro, visualizando a possibilidade de conflito, já estabeleceu expressamente as regras que devem reger a convivência destes sistemas, consoante se observa do art. 1º da Lei das Execuções Fiscais:
“Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”
Como se vê, na omissão de sua lei de regência, a execução fiscal deve ser regulada subsidiariamente pelas regras contidas no Código de Processo Civil. Destarte, caberá a aplicação das normas do Código de Processo Civil apenas quando não houver regulamentação específica sobre certo tema na Lei das Execuções Fiscais[4].
Não é outra a lição que extraímos da doutrina:
“Conquanto seja um subsistema processual à parte, que regula as relações processuais específicas em relação ao CPC, a LEI DAS EXECUÇÕES FISCAIS não possui aplicação estanque. Aliás, nenhum subsistema pode ser aplicado de maneira isolada, como se denota de sua própria sujeição a um sistema jurídico genérico (in casu, o sistema processual geral do CPC). Logo, quaisquer situações relativas à execução fiscal, não contempladas na Lei das Execuções Fiscais, devem ser tuteladas subsidiariamente, pelo diploma processual civil geral, conforme dispõe o art. 1º da Lei especial” (COLNAGO, 2003, p. 22).
Com base nesse mesmo raciocínio, qualquer nova alteração produzida no Código de Processo Civil também poderá ser aplicada subsidiariamente às execuções fiscais, desde que as novas regras não contradigam o disposto na Lei das Execuções Fiscais.
Nesses termos, as disposições da Lei 11.382/06, que modificaram sensivelmente as normas do CPC referentes à execução de título extrajudicial, são perfeitamente aplicáveis à execução fiscal naquilo que não contrariar as disposições da lei especial.
3 OS EMBARGOS À EXECUÇÃO FRENTE ÀS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 11.382/06
Costuma-se afirmar na doutrina que os embargos à execução constituem ação de conhecimento incidente e autônoma em relação à ação de execução (WAMBIER; TALAMINI; ALMEIDA, 2002, p. 295).
Trata-se, pois, de meio de defesa[5] colocado à disposição do executado para se opor à pretensão do exeqüente.
Na versão original do CPC de 1973, tendo em vista a autonomia entre a cognição e a execução, não era permitida a defesa do devedor no bojo do processo executivo, sendo os embargos à execução o remédio específico para tal fim[6].
Com a reforma da Lei 11.232/2005, essa independência deixou de existir nas execuções de título judicial, uma vez que contra a execução de sentença deve ser oposta a impugnação prevista nos arts. 475-L e 465-M do Código de Processo Civil. Com isso, a oposição à execução de título judicial, na sistemática da Lei 11.232/05, passou a se desenvolver incidentalmente nos próprios autos.
A referida autonomia, contudo, foi mantida pela Lei 11.382/06 às execuções de título extrajudicial.
Assim, atualmente, o manejo dos embargos à execução é reservado apenas às execuções de título executivo extrajudicial (art. 736 do CPC), às execuções movidas contra a Fazenda Pública (art. 741 do CPC) e às execuções movidas em face do suposto devedor de alimentos (art. 732 do CPC).
Observa-se, porém, que embora mantido o nome de embargos, a técnica processual de defesa do executado nas execuções fundadas em títulos extrajudiciais acabou sendo substancialmente alterada pela Lei 11.382/06 (MACHADO, 2007, p. 340).
Dentre as principais alterações, destaca-se a subtração da exigência da garantia prévia do juízo (art. 736 do CPC) e a exclusão do efeito suspensivo como regra (art. 739-A do CPC).
Agora, os embargos à execução de título extrajudicial não dependem mais de garantia do juízo, não sendo necessária a constrição de bens pela penhora, depósito ou caução. Nos termos do art. 738 do CPC, os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação, independentemente de penhora.
Além disso, consoante o art. 739-A do CPC, os embargos à execução também não possuem mais efeito suspensivo automático. Apenas excepcionalmente, observados os requisitos do parágrafo 1º do art. 739-A do CPC, poderá ser concedido tal efeito aos embargos.
O propósito desse estudo consiste, justamente, em analisar se a recente disposição do art. 739-A do Código de Processo Civil também alcança os executivos fiscais.
4 O EFEITO SUSPENSIVO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO – ANÁLISE DO ART. 739-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
No revogado art. 739, § 1º, do Código de Processo Civil[7], o efeito suspensivo decorria do mero ajuizamento dos embargos à execução, operando-se ope legis (porque assim dizia a lei).
A lei nº. 11.382/06, porém, revogou expressamente o art. 739 do Código de Processo Civil, de modo que a matéria passou a ser disciplinada pelo art. 739-A do Código de Processo Civil, in verbis:
“Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.
§ 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
§ 2o A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.
§ 3o Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.
§ 4o A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.
§ 5o Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.
§ 6o A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.”
Como se vê, o novo art. 739-A, introduzido pela lei nº. 11.382/06, alterou toda a sistemática anterior. Agora, a oposição dos embargos não gera como efeito automático a suspensão da execução, o que só pode ser obtido mediante decisão fundamentada do juiz, observados os requisitos do parágrafo 1º do art. 739-A.
Desta forma, “a suspensão da execução, que antes era ope legis, dependendo de simples apresentação dos embargos, com a reforma passou a ser ope judicis, isto é, decorre de decisão proferida pelo juiz à luz dos requisitos do parágrafo 1º do art. 739-A” (WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2007, p. 212).
Com essa medida, atende-se a um dos maiores reclamos dos operadores do direito em prol da efetividade do processo, uma vez que o efeito suspensivo tem sido apontado pela doutrina como um dos maiores responsáveis pela falta de celeridade no processo civil.
“Dentre os inúmeros fatores que podem ser apontados como responsáveis pela ausência de efetiva prestação da tutela jurisdicional executiva, deve-se mencionar que a suspensão automática da execução pelos embargos afeta em larga medida a eficácia abstrata do título, tal como prevista por Enrico Túlio Liebman, que afirma que, no processo de execução, o juiz não tem de determinar provas, nem formar a sua convicção e sim, unicamente, deferir o pedido que se apresente fundamentado em título competente. Este não é só necessário, é também suficiente para este efeito; quer dizer, ele traz consigo, digamos assim, acumulada e consolidada, toda a energia necessária para que o credor possa eficazmente desenvolver a atividade destinada a atingir o resultado que o próprio título indica ser conforme o direito” (MOLLICA, 2007, p. 367).
Para a concessão do efeito suspensivo aos embargos, o § 1º do art. 739-A exige os seguintes requisitos: a) relevância da fundamentação; b) risco manifesto de dano grave de incerta ou difícil reparação; c) garantia da execução.
O primeiro requisito indicado é a relevância da fundamentação. Nessa hipótese, “não se está diante de mero fumus boni iuris. Mais do que isso, exige-se que os fundamentos apresentados pelo executado convençam o juiz da efetiva possibilidade de êxito dos embargos” (WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2007, p. 212).
Além desse fator, exige-se que o prosseguimento da execução possa, manifestamente, causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. Trata-se de requisito semelhante ao periculum in mora previsto para as tutelas de urgência. Nesse caso, contudo, reclama-se que o dano seja manifesto e grave.
Por fim, a lei também requer que a execução esteja garantida por penhora, depósito ou caução. Assim, embora não se exija mais a penhora para o ajuizamento dos embargos à execução, a garantia do juízo é requisito para que os embargos sejam recebidos no efeito suspensivo.
O § 2º do art. 739-A estabelece que a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.
Já os §§ 3º e 4º, do art. 739-A do CPC, tratam dos embargos objetiva ou subjetivamente parciais, permitindo a modulação de seu efeito suspensivo. Segundo o § 3º, o efeito suspensivo atribuído aos embargos não se estende a todo o objeto da execução, quando esses forem parciais. Da mesma forma, o parágrafo 4º estabelece que o efeito suspensivo não atinge os executados que não embargaram a execução, quando o fundamento disser respeito apenas ao embargante (§ 4º).
Por sua vez, prevê o § 5º do art. 739-A que quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, deverá o embargante declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória de cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou do não conhecimento deste fundamento.
Ao fim e ao cabo, o § 6º do art. 739-A estabelece que a concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação de atos de penhora e de avaliação de bens.
5 REFLEXOS DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO ART. 739-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ÀS EXECUÇÕES FISCAIS
A lei de execuções fiscais disciplina especificamente os Embargos à execução, como se pode observar do art. 16 da Lei nº. 6.830/80, in verbis:
“Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:
I – do depósito;
II – da juntada da prova da fiança bancária;
III – da intimação da penhora.
§ 1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
§ 2º – No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite.
§ 3º – Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos.”
Tal dispositivo, em contraposição ao que consta do art. 736 do Código de Processo Civil, é expresso no sentido de que os embargos à execução não são admitidos antes de garantida a execução fiscal por depósito, fiança bancária ou penhora.
A garantia do juízo, portanto, permanece como pressuposto de admissibilidade dos embargos à execução fiscal, tendo em vista a previsão específica da Lei nº. 6.830/80 (art. 16 § 1º), que afasta a incidência da regra geral do Código de Processo Civil (art. 736)[8].
Note-se, porém, que referido mandamento legal nada estabelece quanto aos efeitos decorrentes do recebimento dos embargos à execução fiscal.
Por conta disso, antes da edição da Lei nº. 11.382/06, doutrina e jurisprudência defendiam que a oposição de ação de embargos à execução fiscal também acarretava a suspensão do executivo fiscal, a exemplo do que ocorria na execução civil. Argumentava-se, para tanto, a necessidade de aplicação supletiva do Código de Processo Civil, tendo em vista a omissão da Lei de Execuções Fiscais (Art. 1º da Lei 6.830/80). Desse modo, considerando o disposto no revogado art. 739, § 1º, do Código de Processo Civil, os embargos à execução fiscal eram sempre recebidos no efeito suspensivo.
Nesse sentido:
“Os Embargos suspendem a execução. Dispõe os §§ 1º a 3º do art. 739 do CPC, acrescentados pela lei 8.953/94: “§1º Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo. §2º Quando os embargos forem parciais, a execução prosseguirá quanto à parte não embargada. §3º O oferecimento dos embargos por um dos devedores não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante” (PAULSEN, 2003, p. 203).
Tal situação foi modificada com a edição da Lei 11.382/06, que revogou o art. 739, § 1º, do Código de Processo Civil, e introduziu o art. 739-A, segundo o qual os embargos do executado não possuem mais o efeito suspensivo como regra.
Agora, conforme destacado alhures, referido efeito suspensivo não decorre diretamente do ajuizamento dos embargos (ope legis), mas sim de ato do juiz (ope judices), dependendo da presença dos requisitos do parágrafo 1º do art. 739-A do Código de Processo Civil.
Como a Lei de Execuções Fiscais continua omissa sobre o assunto, uma vez que não traz nenhuma disposição acerca dos efeitos dos embargos, deve ser observado o mesmo raciocínio anterior, aplicando-se o Código de Processo Civil subsidiariamente.
De certo, por aplicação acessória do art. 739-A do Código de Processo Civil, os embargos do executado não adiam mais a execução fiscal, cabendo ao juiz, mediante requerimento do executado e convencendo-se da relevância do argumento e do risco de dano, atribuir aos embargos o efeito suspensivo.
Tratando-se de norma processual, o disposto no art. 739-A do Código de Processo Civil tem emprego imediato, incidindo inclusive nas execuções fiscais em curso (art. 1.211 do Código de Processo Civil). Nesse particular, entretanto, salienta-se que os embargos à execução opostos antes da entrada em vigor da Lei 11.382/06 estão sujeitos à disciplina jurídica do momento da propositura da ação, uma vez que a lei não pode retroagir para modificar os atos processuais já praticados, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica[9].
Vale acrescentar, ainda, que a concessão do efeito suspensivo à execução fiscal, nos termos do art. 739-A, § 1º, do Código de Processo Civil, será ainda mais limitada, porquanto a fundamentação do embargante deverá ser suficiente para afastar a presunção de certeza e liqüidez da certidão de dívida ativa, que, nos termos do art. 204 do CTN, possui o efeito de prova pré-constituída (MARQUES, 2007).
Toda essa discussão foi muito bem sintetizada por Leonardo José Carneiro da Cunha:
“A lei nº. 6830/80 não trata dos efeitos decorrentes da propositura dos embargos do executado. Incidem, diante disso, as novas regras contidas no Código de Processo Civil. Significa que, ajuizados os embargos, a execução fiscal não estará, automaticamente, suspensa. Os embargos não suspendem mais a execução fiscal, cabendo ao juiz, diante de requerimento do executado e convencendo-se da relevância do argumento e do risco de dano, atribuir aos embargos o efeito suspensivo. Em outras palavras, a execução fiscal passará a ser suspensa, não com a propositura dos embargos, mas sim com a determinação judicial de que os embargos merecem, no caso concreto, ser recebidos com efeito suspensivo.
Já se viu que, na execução fiscal, é bastante amplo o objeto dos embargos, podendo o executado alegar qualquer matéria em seu favor, salvo compensação, sendo-lhe vedado o uso da reconvenção. Se o executado alegar excesso de execução, deverá indicar, na petição inicial de seus embargos, o valor que entende correto, apresentando memória de cálculo que o demonstre. Trata-se de ônus atribuído ao embargante pelo § 5º do art. 739-A do CPC, que, no particular, deve aplicar-se aos embargos à execução fiscal. A falta de indicação do valor correto ou a ausência de memória de cálculo que o demonstre implicará a rejeição liminar dos embargos ou o não conhecimento desse fundamento.
Em resumo, pode-se afirmar que os embargos à execução fiscal dependem da garantia do juízo, não ostentando, contudo, efeito suspensivo, se bem que o juiz possa, diante da relevância do argumento e do risco de dano, conceder tal efeito suspensivo aos embargos. Se os embargos versarem sobre excesso de execução, aplica-se o disposto no § 5º do art. 739-A do CPC, cabendo ao embargante demonstrar o valor que entende correto. A necessidade de garantia do juízo para a oposição dos embargos mantém a possibilidade – largamente aceita na jurisprudência – da exceção de pré-executividade na execução fiscal” (CUNHA, 2007, 317).
Não se desconhece, por sua vez, a existência de muitas vozes doutrinárias contrárias às conclusões aqui apresentadas[10]. Nenhum dos argumentos expostos, todavia, parece superar a coerência e lógica do raciocínio aqui defendido, sendo prevalente a idéia de que “a não-atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal será a regra, concedendo-se o apenas excepcionalmente e mediante o preenchimento dos requisitos legais estabelecidos pelo CPC” (BEGO; SILVA; OLIVEIRA, 2007, idem, p. 450).
Prova disso pode ser obtida nos mais recentes julgados de nossos tribunais, que acabaram absorvendo a tese aqui defendida, como se nota a seguir:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – NECESSIDADE DE EFETIVA GARANTIA DO JUÍZO PARA SEU PROCESSAMENTO – LEI 6.830/80, ARTIGO 16, § 1º – EFEITOS DOS EMBARGOS CONFORME DISPÕE O ARTIGO 739-A, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APLICÁVEL SUBSIDIARIAMENTE ANTE A OMISSÃO DA LEI DAS EXECUÇÕES FISCAL NESTE ASPECTO – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. Os artigos 7º e 8º da Lei nº 6.830/80 deixam claro que o devedor é citado para também “garantir” a execução e no seu silêncio haverá penhora forçada (artigo 10), segundo a ordem do artigo 11. Os embargos poderão ser opostos em 30 dias contados da intimação da penhora (artigo 16, III). 2. Há necessidade de efetiva garantia do juízo para o processamento dos embargos à execução (§ 1º do artigo 16 da Lei nº 6.830/80), uma vez que a Lei das Execuções Fiscais não é omissa quanto à penhora e embargos de modo a ser suplementada pelo Código de Processo Civil. 3. Tais embargos, agora, não têm mais efeito suspensivo, já que, como a Lei nº 6.830/80 nada estabelece a respeito dos efeitos dos embargos, valem as normas gerais do Código de Processo Civil (artigo 1º), de modo que os que forem opostos pelo executado não suspenderão o curso da execução (art. 739-A), salvo a hipótese do § 1º do artigo 739-A. Mas mesmo essa exceção envolve a plena garantia da execução. 4. O devedor restou beneficiado com as inovações da Lei nº 11.382/2006, mas não é lícito dar-lhe mais do que o previsto na “bondosa” legislação sob pena de travar-se o direito de que tem a seu favor a presunção decorrente do título executivo. 5. Agravo de instrumento provido.” (AG 345424-SP, Processo nº. 200803000319554, TRF – 3ª Região, Primeira Turma. Relator Juiz Johonsom Di Salvo, publicada no DJ de 06/04/2009, pág. 177). (disponível em: http://www.jf.gov.br/juris/?). Acesso em 20/04/09
“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – ATRIBUIÇÃO DE EFEITO USPENSIVO – HIPÓTESE DO ART. 739-A DO CPC – AGRAVO PROVIDO MONOCRATICAMENTE – AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A aplicação – subsidiária – do art. 739-A do CPC encontra apoio no art. 1º da Lei nº. 6.830/80 e na jurisprudência (REsp 654340/PB), sendo, pois, simples faceta do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF/88). 2. O artigo 739-A do CPC, incluído pela Lei nº. 11.382/2006, dispõe que a atribuição de efeito suspensivo – em embargos de execução – é medida excepcional, que reclama, de primeiro, aferição da eventual relevância do fundamento, que, se existente, ensejará, em seqüência, exame de possível iminência de dano só arduamente passível de recomposição (e desde que a execução esteja garantida por penhora). 3. Agravo interno não provido” (AGTAG, Processo nº. 200801000402576, TRF – 1ª Região, Sétima Turma, publicada no DJ de 13/10/2008, pág. 579). (disponível em: http://www.jf.gov.br/juris/?). Acesso em 20/04/09.
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EFEITO SUSPENSIVO. LEI 11.382/2006. REFORMAS PROCESSUAIS. INCLUSÃO DO ART. 739-A NO CPC. REFLEXOS NA LEI 6.830/1980. “DIÁLOGO DAS FONTES”. 1. Após a entrada em vigor da Lei 11.382/2006, que incluiu no CPC o art. 739-A, os embargos do devedor poderão ser recebidos com efeito suspensivo somente se houver requerimento do embargante e, cumulativamente, estiverem preenchidos os seguintes requisitos: a) relevância da argumentação; b) grave dano de difícil ou incerta reparação; e c) garantia integral do juízo. 2. A novel legislação é mais uma etapa da denominada “reforma do CPC”, conjunto de medidas que vêm modernizando o ordenamento jurídico para tornar mais célere e eficaz o processo como técnica de composição de lides. 3. Sob esse enfoque, a atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor deixou de ser decorrência automática de seu simples ajuizamento. Em homenagem aos princípios da boa-fé e da lealdade processual, exige-se que o executado demonstre efetiva vontade de colaborar para a rápida e justa solução do litígio e comprove que o seu direito é bom. 4. Trata-se de nova concepção aplicada à teoria geral do processo de execução, que, por essa ratio, reflete-se na legislação processual esparsa que disciplina microssistemas de execução, desde que as normas do CPC possam ser subsidiariamente utilizadas para o preenchimento de lacunas. Aplicação, no âmbito processual, da teoria do “diálogo das fontes”. 5. A Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980) determina, em seu art. 1º, a aplicação subsidiária das normas do CPC. Não havendo disciplina específica a respeito do efeito suspensivo nos embargos à execução fiscal, a doutrina e a jurisprudência sempre aplicaram as regras do Código de Processo Civil. 6. A interpretação sistemática pressupõe, além da análise da relação que os dispositivos da Lei 6.830/1980 guardam entre si, a respectiva interação com os princípios e regras da teoria geral do processo de execução. Nessas condições, as alterações promovidas pela Lei 11.382/2006, notadamente o art. 739-A, § 1º, do CPC, são plenamente aplicáveis aos processos regidos pela Lei 6.830/1980. 7. Não se trata de privilégio odioso a ser concedido à Fazenda Pública, mas sim de justificável prerrogativa alicerçada nos princípios que norteiam o Estado Social, dotando a Administração de meios eficazes para a célere recuperação dos créditos públicos. 8. Recurso Especial não provido.” (REsp1024128-PR, Recurso Especial 2008/0015146-7, STJ – Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJ 19/12/2008) (disponível em: http://www.jf.gov.br/juris/?). Acesso em 20/04/09 (grifos nossos).
A problemática está centrada no fato de o legislador brasileiro ter optado pela edição de uma lei especial para disciplinar a execução fiscal (Lei nº. 6.830/80), a qual deve ser regulada subsidiariamente pelas regras contidas no Código de Processo Civil.
Em razão disso, estabeleceu-se grande controvérsia doutrinária acerca dos efeitos dos embargos à execução fiscal, face o teor do novel art. 739-A do Código de Processo Civil.
Segundo o art. 739-A do Código de Processo Civil, os embargos do executado não suspendem o processo executivo, salvo mediante requerimento expresso do embargante, no qual se demonstre a presença dos requisitos exigidos pelo parágrafo 1º do referido dispositivo.
Como a Lei de Execuções Fiscais é omissa sobre o assunto, uma vez que não traz nenhuma disposição acerca dos efeitos dos embargos, defende-se a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Dessa forma, atualmente, pode-se concluir que a oposição dos embargos não gera como efeito automático a suspensão da execução fiscal (ope legis), o que só poderá ser obtido mediante decisão fundamentada do juiz (ope judicis), observados os requisitos do parágrafo 1º do art. 739-A.
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Daniel Ruiz Cabello
Graduado pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru. Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil