As escolas paulista e mineira: análise das atuais escolas processuais civis no Brasil sob a perspectiva das teorias instrumentalista e neoinstitucionalista

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Resumo: O presente estudo tem como objetivo estudar, em linhas gerais, as escolas processuais atualmente adotadas pelo Direito Processual Civil Brasileiro: escolas paulista e mineira. Enquanto a escola paulista tem como principal expoente o processualista Cândido Rangel Dinamarco, com enfoque na teoria instrumentalista, concepção esta predominante nos dias atuais sobre o processo civil brasileiro, a escola mineira, liderada pelo professor universitário mineiro Rosemiro Pereira Leal, destaca-se por uma proposta neoinstitucionalista, numa espécie de crítica racional anacrônica ao Instrumentalismo.

Palavras-chave: escolas. processuais. Brasil. paulista. mineira

Abstract: This study aims to study, in general, procedural schools currently adopted by the Brazilian Civil Procedure: São Paulo and Minas Gerais schools. While the Paulista school's main exponent the proceduralist Cândido Rangel Dinamarco, focusing on the instrumentalist theory, this prevailing concept today on the Brazilian civil procedure, the mining school, led by mining university professor Rosemiro Pereira Leal, is distinguished by a neo-institutionalist proposal, a kind of rational criticism anachronistic to Instrumentalism.

Keywords: schools. procedural. Brazil. São Paulo. Minas Gerais.

Sumário: Introdução. 1. Análise geral das atuais escolas processuais no direito brasileiro. 2. Das principais características das escolas processuais: 2.1 Da escola paulista. 2.2 Da escola mineira. 3. Da comparação entre as escolas paulista e mineira. Conclusão. Referências.

Introdução

 A análise a ser feita nos itens abaixo visa basicamente estudar, em linhas gerais, as escolas processuais atualmente adotadas pelo Direito Processual Civil Brasileiro.

Trata-se das escolas paulista e mineira. Enquanto a primeira é liderada pelo famoso processualista Cândido Rangel Dinamarco, com enfoque na teoria instrumentalista, que é a concepção predominante nos dias atuais sobre o processo civil brasileiro, a segunda, capitaneada pelo professor universitário mineiro Rosemiro Pereira Leal, destaca-se por uma proposta neoinstitucionalista, que formula uma “crítica racional anacrônica ao Instrumentalismo[1].”

Dessa forma, o objetivo deste artigo é expor ambas teorias, destacar os principais aspectos e expoentes de cada uma e, por fim, elaborar um quadro comparativo entre as mesmas, com suas vantagens e desvantagens.

1. Análise geral das atuais escolas processuais no direito brasileiro:

 Na atualidade, destacam-se no cenário brasileiro duas escolas processuais, a Mineira e a Paulista. Embora antagônicas, “não há até o presente momento um diálogo direto e abrangente entre a escola mineira e a escola paulista”, consoante observam os professores Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa, no artigo intitulado Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo, publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n. 72, p. 02.

2. Das principais características das escolas processuais:

2.1 Da escola paulista:

A Escola Paulista tem como principal expoente o jurista Cândido Rangel Dinamarco e se destaca pela teoria instrumentalista, que é a concepção predominante nos dias atuais sobre o processo civil brasileiro.

Na verdade, Dinamarco[2] entende que esse ramo possui 03 (três) fases metodológicas, que são: 1) sincretismo – ligado à Teoria Clássica da Ação, quando o direito processual era considerado mero direito adjetivo do direito material; 2) autonomista ou conceitual – teve origem em 1868, com a famosa obra de Oskar Von Bülow; nesse período, surgiu a ideia de processo como uma relação jurídica processual, como ciência e com objeto material e método próprios; 3) teleológico ou instrumentalista – como um desenvolvimento do período anterior, percebeu-se também que o processo está intrinsecamente ligado a conotações éticas e deontológicas e com objetivos a serem cumpridos nos planos social, econômico e político[3].

O instrumentalismo ganhou notoriedade na década de 1980, contextualizado com a fase de redemocratização pela qual o Brasil passava, após longo e árduo período de ditadura militar.

Nesse diapasão, mister registrar que a perspectiva instrumentalista do direito enfatiza as categorias da ação e jurisdição e está baseada em 03 (três) eixos, quais sejam, 1) valorização da categoria da jurisdição; 2) admissão do caráter teleológico do processo, como algo dotado de fins sociais, políticos e jurídicos, e, 3) noção de que o processo não pode ser encarado como um fim em si mesmo (sentido negativo da instrumentalidade[4]), mas sim como algo que deve perseguir os objetivos fixados nos institutos fundamentais do processo (conotação positiva[5]).

A teoria da instrumentalidade prega a interdisciplinaridade do processo, numa interlocução com a ciência política e as teorias do poder[6], bem como a abertura do sistema processual para a infiltração dos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material[7] e a observância do due processo of law, da legalidade, da isonomia e do contraditório (que envolve a tríplice garantia do conhecimento, diálogo e prova), num discurso entre as partes e o magistrado.

Ainda, a teoria seguida pela escola paulista está profundamente ligada à ideia de acesso à justiça, com a universalidade do processo e da jurisdição, que se dá quando mais pessoas passaram a movimentar o Poder Judiciário, vencendo obstáculos econômicos (custos, dispensa de advogado para algumas causas), sociais (receio e desconfiança de um poder atrelado ao Estado) e jurídicos (legitimidade ativa ad causam, por exemplo).

Por sua vez, com essa universalização do acesso ao Poder Judiciário, expressamente albergada pelo texto constitucional de 1988 (princípio da inafastabilidade do acesso ao Judiciário), tem-se um panorama novo e favorável ao jurisdicionado, pois mais matérias e assuntos são objeto de apreciação judicial (como os direitos coletivos e supraindividuais), além de cada vez mais o Judiciário está adentrando na análise do mérito do ato administrativo, superando a noção de discricionariedade e de políticas públicas governamentais e a sutil diferença entre direitos subjetivos e interesses legítimos[8].

Cabe salientar que o instrumentalismo adveio na terceira fase de evolução do direito processual, na linha desenvolvida pela Escola Paulista de Liebman, ao preconizar um juiz mais livre e atento aos escopos endo e extraprocessuais, além dos princípios e garantias processuais, com o objetivo de obter a decisão mais efetiva e célere para o caso concreto e pacificar com justiça o conflito.

Nada obstante, essa teoria não embute somente elogios. Há, pois, críticas.

Nesse sentido, segundo os professores Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa[9], o ponto negativo da instrumentalidade é estar muito ligada a conceitos e categorias da doutrina tradicional[10], de modo que a proposta de Dinamarco acabou se reduzindo à afirmação de uma instrumentalidade das formas[11].

2.2 Da escola mineira:

Em contraposição da instrumentalidade, destaca-se a Escola Mineira, cujo maior expoente é o professor universitário mineiro Rosemiro Pereira Leal, por meio da proposta neoinstitucionalista, que formula uma “crítica racional anacrônica ao Instrumentalismo[12].”

Prega essa teoria, fundada nas categorias dos pensadores alemães Niklas Luhmann e Jürgen Habermas, críticas à visão centrada nos conceitos de ação e jurisdição da concepção instrumentalista da escola paulista, por entender que, na verdade, o julgador não é tão livre quanto seria um julgador instrumentalista, já que é fortemente influenciado pelas inovações legislativas e instado a aplicar as teses jurídicas fixadas pelas Cortes Superiores, que, na verdade, estão mais inclinadas a julgar teses que casos, o que seria incompatível como sua missão constitucional[13].

3. Da comparação entre as escolas paulista e mineira:

Logo, diversamente da vertente seguida pelo instrumentalismo, o neoinstitucionalismo não compartilha da supracitada liberdade judicial, mesmo porque a verdade é que, em raríssimas hipóteses, o magistrado goza dessa autonomia para decidir da forma que entender. De fato, não raro o magistrado tem poderes que se restringem à gestão do processo e fica adstrito a teses já fixadas pelas Cortes Superiores, o Colendo Superior Tribunal de Justiça e o Colendo Supremo Tribunal Federal, este, contudo, que não exerce o seu papel de uma verdadeira corte constitucional, mas sim mais de uma última instância recursal ou, quando muito, de instância única de foro privilegiado.

Por oportuno, cumpre frisar que essa tese é pouco difundida nos meios acadêmicos e jurídicos na atualidade, quiçá em virtude de seus interlocutores se encontrarem no seio do Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ), de Minas Gerais. Ademais, trata-se de uma teoria com linguagem demasiadamente hermética e postura pouco cortês com a instrumentalidade[14].

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Seja como for, é fato que, no panorama jurídico nacional, nenhuma teoria, nos dias atuais, com a nova realidade social, política, econômica e jurídica enfrentada pelo Brasil, parece ser suficiente por si própria.

O dogmatismo jurídico é importante, o respeito de direitos, princípios e garantias processuais e constitucionais também o é. Ainda, não se pode prescindir da grande relevância dos institutos processuais e da longa batalha para se firmar uma teoria do direito processual.

Porém, a pragmática jamais deve ser esquecida, notadamente para que seja alcançada uma decisão justa, efetiva, rápida, capaz de deixar as partes felizes (ou menos infelizes), como nota Dinamarco, ou seja, um processo de feição humana, mais atento aos escopos extrajurídicos.

Conclusão.

Como visto, o Brasil atual se destacam duas principais escolas processuais, a paulista e a mineira, ambas fundadas em teorias bem construídas, contundentes e robustas, que desafiam juristas e os põem em plena atividade hermenêutica no mister constitucional de pacificação dos conflitos e de inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário, como meio de conter abusos e garantir a equidade das decisões judiciais.

Nessa linha, se a realidade brasileira não concede mais poderes ao juiz na escolha da tese jurídica a ser aplicada, cabe assegurar também mais e maior controle das decisões de Cortes Supremas. Ocorre que, hoje, infelizmente, essas decisões só estão sujeitas, no máximo, à supervisão de um órgão interno, o Conselho de Justiça Federal, o que poderá implicar um sistema travado, anacrônico e fadado a repetir teses ultrapassadas, numa espécie de teatro, sem a imprescindibilidade e importância da atividade criadora judicial, fortemente vinculada à realidade e alterações nos meios social, político e econômico.

Isto posto, com base nas duas escolas processuais do momento, a paulista e a mineira, o que se tem é a imprescindibilidade de conciliar o ativismo judicial, para não restringir o magistrado a reiterar precedentes pelas Cortes Superiores, e, por outro lado, em garantir mecanismos que importem a rápida e mais efetiva solução dos conflitos judiciais, muitas vezes, inclusive, sem a necessidade de submetê-lo á apreciação do Judiciário. Nesse cenário, ganham realce as conciliações/acordos extrajudiciais e, no bolo judicial, o papel desempenhado pelas Súmulas Vinculantes.

Porém, ainda há muito a fazer em busca de uma sociedade brasileira justa, livre e solidária, da forma pregada e almejada pela Carta Maior de 1988, e conciliar ambas teorias parece ser um bom caminho para esse intento.

Referências.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de Outubro de 1988. Legislação. [Brasília]. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 16 de novembro de 2014,
CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL. Disponível em www.cjf.jus.br. Acesso em 09 de novembro de 2014,
COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo. Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 72,
DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 7ª edição. São Paulo: Dialética, 2009;
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 13ª edição. Salvador: Podium, 2011,
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. Volume 1. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003,
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume 1. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002,
GUIMARÃES, Aline Lisbôa Naves et al. Jurisdição constitucional e concentração do acesso à justiça: a voz que vem de cima, in Série Pensando o Direito, Volume 15, pp. 128-143,
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. Volume 1. São Paulo: Landy, 2002.

Notas:
[1] COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 76, apresentação em “Resumo”.

[2] Instituições de Direito Processual Civil. Volume 1. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 253/255 e 270/271.

[3] Pode-se citar como interlocutores italianos desse período os juristas Mauro Cappelletti e Vittorio Denti.

[4] O aspecto negativo da instrumentalidade está associado à negação do processo como valor em si mesmo e implica repúdio aos exageros processualísticos a que o aprimoramento da técnica pode insensivelmente conduzir, consoante ensina Cândido Rangel Dinamarco, na obra A instrumentalidade do processo. Volume 1. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 390.

[5] COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 76, pp. 02/03. Na obra A instrumentalidade do processo. Volume 1. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 390, Dinamarco demonstra, quanto a esse aspecto da instrumentalidade, a preocupação de extrair do processo, como instrumento que é, o máximo de proveito quanto aos resultados propostos, ou seja, a efetividade do processo, mediante a pacificação com justiça, e a obtenção de decisões justas e efetivas, que atinjam a função sócio-político-jurídica. Afirma, ainda, o jurista que “Falar da efetividade do processo, ou da sua instrumentalidade em sentido positivo, é falar da sua aptidão, mediante a observância racional desses princípios e garantias, a pacificar segundo critérios de justiça” (p. 375).

[6] Cândido Rangel Dinamarco aduz ser imprescindível buscar subsídios na ciência política para a correta visão do processo e de seus rumos, por entender que “esta é a sede adequada ao estudo do poder, o poder é que constitui a essência da jurisdição e todo o sistema é construído em torno dele e para o seu exercício”, na obra A instrumentalidade do processo. Volume 1. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 384.

[7] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. Volume 1. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 381.

[8] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. Volume 1. 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 372/373.

[9] COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 76, pp. 04/05.

[10] Os juristas concluem que, talvez, esse dogmatismo e respeito à tradição italiana se deva à forte ligação que Dinamarco possui com as ideias preconizadas por Liebman e Chiovenda. A propósito, Liebman, quando veio para o Brasil em meados do século XX, foi muito importante para a evolução do direito processual brasileiro, pois fundou a Escola Paulista de Direito Processual inclusive, a qual teve influências no Código de Processo Civil de 1973, elaborado por, entre outros, seu discípulo Alfredo Buzaid.

[11] COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 76, p. 04.

[12] COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 76, apresentação em “Resumo”.

[13] COSTA. Henrique Araújo. COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro) n.º 76, p. 10.


Informações Sobre o Autor

Graziele Mariete Buzanello

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp Rede LFG 2010. Procuradora Federal


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