Resumo: este breve ensaio buscou analisar se é possível que a Fazenda Pública requeira a penhora de bens apreendidos em procedimento policial ou processo judicial, bem como se é válida a recusa em aceitar bem apreendido como garantia da execução. Para esse fim, no referido trabalho, de caráter explicativo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. Ao final, concluiu-se que é possível que a Fazenda Pública requeira a penhora, uma vez que o bem ainda é de titularidade do devedor. Entendeu-se também pela possibilidade de recusa do bem apreendido como garantia da execução, tendo em vista sua baixa liquidez.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Penhora. Processo Penal. Apreensão de bens.
Abstract: this brief essay sought to examine whether it is possible that the Treasury requires the attachment of assets seized in police procedure or court proceedings, and if it is valid refusal to accept and seized as a guarantee of execution. To this end, in that work, explanatory character, a bibliographical and jurisprudential research was conducted. Finally, it was concluded that it is possible that the Treasury requires the attachment, since the property is still owned by the debtor. It was understood also by the possibility of rejection of well seized as collateral execution, given its low liquidity.
Keywords: Civil Procedural Law . Garnishment. Criminal proceedings. Seizure of property
Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade material do devedor e a penhora. 2. A apreensão de bens no Direito Processual Penal. 3. Possibilidade de penhora sobre bem apreendido por autoridade policial. 4. Possibilidade de a Fazenda recusar bem apreendido oferecido à penhora. Conclusão.
Introdução
Não raras vezes, em determinado processo executivo, o credor exequente vê-se impossibilitado de satisfazer seu crédito por não haver bens penhoráveis no patrimônio do devedor.
Neste presente trabalho, discutir-se-á se a apreensão de um bem em procedimento investigativo policial ou judicial é óbice para que a Fazenda Pública ao requerimento de penhora.
1. Responsabilidade material do devedor e a penhora
O Novo Código de Processo Civil – NCPC, instituído pela Lei 13.105/2015, a exemplo do que já previa o antigo Código de Processo Civil, enunciou, em seu art. 789[1], o princípio da responsabilidade material do devedor, em matéria executiva, determinando que é sobre o patrimônio do devedor que recai a execução forçada. Trata-se de reflexo, no campo processual, da regra de direito material prevista no art. 391 do Código Civil.[2]
Com efeito, a lei determina que o devedor responderá com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo exceções legalmente estabelecidas. Isto significa que a responsabilidade do devedor abrange os bens existentes em seu patrimônio à época da execução, bem como aqueles que venham ao patrimônio serem incorporados, não alcançando, entretanto, em princípio, os bens já alienados.[3]
Pois bem. A penhora consiste no ato de individualização de determinado bem do patrimônio do executado, que passará a partir da constrição a se sujeitar diretamente à execução.Com a penhora, a execução deixa de recair abstratamente sobre à totalidade do patrimônio do devedor e passa a incidir sobre bem concreto, que futuramente será utilizado para a satisfação da dívida.[4]
É recorrente se afirmar que a penhora possui também uma função cautelar, uma vez que garante o juízo, isto é, dá ao credor exequente a segurança de que a execução, ao seu final, será útil e eficaz. Isto porque um dos efeitos da penhora é justamente a ineficácia dos atos de alienação ou oneração do bem penhorado perante o credor exequente. Ainda que o bem venha a ser alienado, esse ato não gerará qualquer efeito em relação ao exequente, que permanecerá na execução com o bem penhorado, independentemente de quem for o seu titular.[5]
A lei determina ainda que a penhora observe alguns parâmetros. O artigo 831[6]do NCPC dedica-se a questão da suficiência patrimonial, definindo que a penhora não poderá ser excessiva nem insuficiente, incidindo tão somente sobre os bens necessários ao pagamento da dívida.
Já osarts. 832 e 833 trazem a questão da impenhorabilidade de certos bens, excluindo-os da sujeição à execução, como exceçãoà própria ideia de responsabilidade material do devedor.[7]É bom destacar, entretanto, que o Código Tributário Nacional –CTN, em seu art. 184, amplia a responsabilidade patrimonial do devedor de créditos tributários.
Conforme ensina Ricardo Alexandre, em que pese siga o princípio geral destacado “(…) o CTN foi além e, concedendo mais um privilégio à Fazenda Pública, incluiu, na regra de responsabilidade, bens e rendas que, segundo as normas gerais aplicáveis à espécie, não poderiam ser utilizado num processo de execução.”[8]Isto porque o CTN determina que respondem pelo crédito tributário também os bens gravados com ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, restando somente protegidos da execução os bens e rendas que a própria lei declare absolutamente impenhoráveis. Assim, permite-se à Fazenda Pública, em execuções fiscais tributárias, constringir parcela do patrimônio de seus devedores considerada intangível para outros credores.[9]
Ainda como parâmetro para o ato constritivo, o art. 835 do NCPC impõe a observância de uma ordem preferencial de incidência da penhora, definindo quais bensserão inicialmente penhorados seo devedor possuir mais patrimônio penhorável do que o necessário para a satisfação da dívida.É bom ressaltarque não se trata de ordem de observância absoluta, já que o juiz pode, conforme as circunstâncias do caso concreto, alterar a ordem prevista.[10]
Além disso, é possível a substituição da penhora. Faculta-se às partes requerer a substituição nos casos previstos em lei e ao devedor, quando este demonstrar que lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente. [11]
Cumpre destacar ainda que semelhante ordem é trazida pelo art. 11 da Lei de Execução Fiscal (Lei 6830/1980). Há previsão de que, em qualquer fase do processo, será deferida pelo juiz, ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia e, à Fazenda Pública, a substituição dos bens penhorados por outros, independentemente da ordem enumerada.
Ainda quanto à penhora, o art. 845 do NCPC determina que se efetue o ato de constrição onde se encontrem os bens, mesmo que sob a posse, detenção ou a guarda da terceiros, ou seja, para a realização da penhora em nada importa onde estejam os bens ou de quem estejam em posse, detenção ou guarda. Basta que os bens integrem o patrimônio do devedor responsável pelo crédito objeto da execução.[12]
2. A apreensão de bens no Direito Processual Penal
No curso de um inquérito policial, conforme dispõe o art. 6º do Código de Processo Penal – CPP, a autoridade policial deve proceder à apreensão de objetos que tiverem relação com os fatos investigados, determinando ainda a coleta probatória e o exame pericial nas provas a fim de elucidar a materialidade do fato investigado.
É possível também que bens sejam apreendidos no procedimento de busca e apreensão, quando estiverem presentes fundadas razões, diretamente ligadas à elucidação de investigações em curso perante determinado juízo criminal, na forma do art. 240 do CPP.
Feita a instrução probatória, com a análise de todos os laudos, os bens apreendidos poderão ser liberados, conforme determina um conjunto específico de regras, constante dos arts. 118 a 124 do CPP. Em síntese, a lei determina que os objetos apreendidos não poderão ser restituídos enquanto interessarem ao processo. Caso não haja mais utilidade ao processo, os bens apreendidos deverão ser restituídos aos seus titulares.
Já os bens que configurem instrumento do crime, produtos ou proventos deste, serão perdidos em favor do Estado, como efeito da condenação penal, na forma do art. 91, II, a, do Código Penal. [13]
3. Possibilidade de penhora sobre bem apreendido por autoridade policial
Em regra, conforme demonstrado, o devedor responde com todo o seu patrimônio presente e futuro pela satisfação de suas obrigações, na forma previstaem lei. Caso não haja o pagamento voluntário, determina-se o ato constritivo da penhora sobre os bens necessários à satisfação da dívida, afetando parte do patrimônio do devedor à execução.
Assim, é de se reconhecer que o bem apreendido em procedimento policial, durante procedimento ou inquérito policial, não deixa de ser de propriedade do investigado, incidindo apenas restrições quanto à sua alienação, enquanto haja utilidade à elucidação do fato criminoso apurado.
A perda da propriedade do bem, por ato estatal, no momento da sentença,é evento futuro e incerto, que não impedea penhora pretendida. Isso porque, de acordo com o já exposto, a penhora tem a função cautelar de garantia do juízo e será efetuada ainda que o bem esteja sob a posse, detenção ou guarda de terceiros. É suficiente, portanto, que os bens sejam de titularidade do devedor responsável, situação que ocorre quando há tão somente a apreensão do bem para fins de investigação penal.
Na jurisprudência, é possível encontrar julgados que, em execução trabalhista, admitem a penhora de bens apreendidos. A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais deu provimento a recurso oferecido por um trabalhador e determinou a penhora de veículos de propriedade dos devedores que estavam apreendidos pela Polícia Federal.
“PENHORA. BEM APREENDIDO PELA POLÍCIA FEDERAL. Embora constem restrições nos veículos de propriedade da primeira executada e de seus sócios, e mesmo estando eventualmente retidos na Polícia Federal os referidos bens, estes, segundo consulta ao Renajud, ainda integram o patrimônio dos executados, o quanto basta para que seja deferida a penhora pretendida, consoante o preveem as normas inscritas no arts.591 e592,III, todos doCPC. Por outro lado, a eventual preferência no concurso de credores sobre o produto da alienação dos bens constritos é matéria que não obsta a penhora em si. Agravo de petição provido para determinar a expedição de mandado de penhora e avaliação dos referidos bens, prosseguindo-se no juízo de origem com os demais atos executivos, como se entender de direito.”(TRT-3 – AGRAVO DE PETICAO : AP 00937201109203008 0000937-36.2011.5.03.0092, grifo nosso)
Nesse sentido, por compor o patrimônio do executado, é legítimo que a Fazenda requeira a penhora sobre determinado bem de propriedade do devedor, ainda que apreendido em procedimento policial.
3. Possibilidade de a Fazenda recusar bem apreendido oferecido à penhora
A penhora, de acordo com o demonstrado, pode incidir sobre qualquer bem do executado, devendo, em regra, observar uma ordem legal de preferência, recaindo preferencialmente sobre bens com maior liquidez, isto é, bens com maior facilidade de serem convertidos em moeda, sem perda significativa de valor, como dinheiro e títulos de crédito.
Foi visto ainda que essa ordem legal não é necessariamente de observância obrigatória, podendo ser relativizada diante do caso concreto, sendo possível inclusive as partes requererem a substituição da penhora. Quanto ao devedor, conforme determina o art. 847 do NCPC, este poderá requerer a substituição, se atendidos dois requisitos: a comprovação de que se trata de penhora que lhe é menos onerosa e de que não trará prejuízo ao exequente.
Essa disposição legal busca compatibilizar a ideia da menor onerosidade da execução em relação ao devedor com a garantia constitucional da razoável duração do processo judicial e administrativo, cujo objetivo é a proteção da própria efetividade do meio de fazer valer o direito que tenha sido objeto de resistência de outra parte.[14]
Especificamente quanto ao processo de execução, o processo efetivo é aquele que possibilita a satisfação do direito creditório, indicando que o meio menos oneroso para o devedor somente será adotado se, dentre os diversos meios à disposição, for igualmente eficaz ao processo.[15]
Não é por outra razão que a Fazenda exequente tem direito subjetivo à substituição de garantia dada em uma execução fiscal, por exemplo, por bem cuja liquidez seja maior, atendendo à ordem legal prevista no art. 11 da Lei 6830/1980.[16]
Nesse sentido também se posiciona a jurisprudência. No julgamento do Recurso Especial 1.090.898, julgado em outubro de 2012, sob a sistemática de recurso representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça, confrontado com a pretensão de determinado executado em equiparar precatórios de sua titularidade a dinheiro ou fiança bancária, entendeu que a Fazenda Pública pode recusar a substituição de bem que não observe a ordem legal de gradação.
Entendeu-se que não é possível obrigar a Fazenda Pública exequente a aceitar em garantia à execução bem que não observe a ordem legal, sendo que a mera violação à ordem é justificativa suficiente para a Fazenda Pública possa recusar o oferecimento de bem à penhora.
Conforme foi dito, a execução se processa no interesse do exequente, haja vista que a finalidade do processo executivo é justamente satisfazer o seu direito creditório. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo também que a ausência de liquidez dobem é razão para sua rejeição como garantia de dívida.[17]Nesse mesmo sentido, o art. 848 do NCPC passou a determinar, de forma expressa, que a baixa liquidez de um bem é uma das hipóteses que autorizam o deferimento de substituição da penhora.[18]
Especificamente quanto aos bens apreendidos em procedimento policial, conforme foi demonstrado, em que pese ainda sejam de titularidade do devedor, encontram-se constritos ao interesse da investigação penal, enquanto forem necessários à elucidação do crime.
Nesse sentido, pode-se afirmar que é legítima a recusa da Fazenda Pública em aceitar bem oferecido à penhora que se esteja apreendido em procedimento policial.Isso porque a alienação do bem não será possível, frustrando a execução e se mostrando absolutamente inútil à satisfação da dívida. Se a própria não observância da ordem legal de gradação é razão suficiente para a recusa da Fazenda Pública em aceitar o bem como garantia, com mais razão o é em se tratando de bem de difícil ou improvável liquidez.
Na própria jurisprudência, encontra-se um julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que entendeu por legítima a recusa da União em receber como garantia da execução bens apreendidos pela Polícia Federal.[19]
Conclusão
Pelo exposto, foi demonstrado que o princípio da responsabilidade material orienta o processo executivo, implicando que o patrimônio do devedor é a garantia de satisfação de suas obrigações assumidas. Em um processo de execução forçada, se não houver o pagamento voluntário da dívida, determina-se o ato constritivo da penhora, que incide sobre determinado bem do devedor, destacando-o do patrimônio geral e atrelando-o à execução.
Viu-se que é possível que a autoridade policial, em um procedimento de inquérito ou no curso de um processo judicial, apreenda bens necessários à elucidação do fato criminoso, concluindo-se que estes bens não deixam de ser de propriedade do devedor e sim sobre eles incidem tão somente algumas restrições.Nesse sentido, concluiu-se que é possível que a Fazenda Pública exequente requeira a penhora sobre bem apreendido pela autoridade policial, uma vez que ainda integra o patrimônio do devedor.
Quanto à possibilidade da Fazenda Pública recusar o bem apreendido como garantia da execução, chegou-se à conclusão de que os Tribunais admitem a recusa quando há, inclusive, inobservância da gradação legal, entendendo também que é legítima a recusa quanto a bens de baixa ou impossível liquidez. Assim, haja vista que o bem ficará apreendido enquanto for relevante ao procedimento ou processo judicial, é plenamente possível a recusa de sua oferta como garantia pela Fazenda Pública.
Informações Sobre o Autor
Rafael de Oliveira Taveira
advogado, formado na Universidade de Brasília (UnB), especializando-se no curso de Pós-Graduação “Ordem Jurídica e Ministério Público” da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT).