CONSTITUTIONALITY OF THE NATIONAL BINDING PRECEDENT SYSTEM
Alana Barcelos – Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UniAnhanguera, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás, Técnica Judiciária no TRT da 24ª Região, e-mail: [email protected]
RESUMO: Disserta sobre os precedentes judiciais, no direito brasileiro, à luz da Constituição Federal de 1988, da Lei 11.417/2006 e demais textos normativos ligados a matéria, Procura comparar o atual sistema de precedentes com os enunciados de súmula vinculantes e analisar se possuem alguma diferença prática, quando da aplicação do direito; descobrindo para isso a evolução dos precedentes no Brasil, o conceito dos institutos atrelados confrontando-os entre diversos aspectos, através da metodologia de caráter exploratório e descritivo, que consiste na pesquisa doutrinária, jurisprudencial e bibliográfica.
PALAVRAS CHAVES: Precedentes. Súmulas. Vinculação. Harmonia. Segurança.
RESUME: Dissertations on judicial precedents, without Brazilian law, in the light of the Federal Constitution of 1988, Law 11.417 / 2006 and other normative texts related to the subject. practical difference when applying the law; discovering the evolution of the precedents in Brazil, the concept of institutes linked to various aspects, through the exploratory and descriptive methodology, which consists of clinical, jurisprudential and bibliographical research.
KEYWORDS: Precedent. Precedents. Binding Harmony. Safety.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Da diferenciação entre os enunciados de súmula vinculante e os demais precedentes judiciais vinculantes. 1.1 Do histórico brasileiro dos precedentes judiciais. 1.2 Da conceituação dos institutos. 1.3 Dos elementos e procedimentos de criação. 1.4 Do órgão competente para criá-los. 1.5 Da vinculação. 2. Da constitucionalidade do atual regime de precedentes e perda da razão de existir dos enunciados de súmulas vinculantes. 2.1 Da constitucionalidade do atual regime de precedentes. 2.2 Da perda da razão de existir dos enunciados de súmulas vinculantes. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como intuito analisar o sistema de vinculação dos precedentes judiciais, trazidos pelo Novo Código de Processo Civil, suas espécies, o órgão competente para fixá-lo, vinculação objetiva e subjetiva, procedimento de criação, requisitos do julgamento do precedente.
Posteriormente, pretende-se comparar, diante dos mesmos parâmetros, os enunciados de súmula vinculante, e assim, verificar a legalidade, constitucionalidade e eficácia prática de cada um dos institutos; de modo a verificar se existe a necessidade fática de sua existências ou se alguns dos institutos estão sobejando.
Isso porque, desde o nascimento do direito brasileiro, na sua colonização, já se pensava sobre a necessidade de harmonia dos julgados ante a repetição de lides relevantes, o que se faria em obediência a decisões soberanas. Assim, até os dias de hoje o país busca seu espaço no reconhecimento de uma jurisprudência consolidada e respeitada.
A despeito de ser um país legalista e com origem na civil Law, e ainda, estar a passos largos da tradição dos países europeus com a Common Law, vê-se um avanço na cultura jurídica do país, no decorrer da história processual brasileira.
Tanto é assim, que a relevância das súmulas vinculantes foi levada à status constitucional, com a Emenda Constitucional 45 de 2004, antes disso já foi fortificado a competência do STF e do STJ para o julgamento dos Recursos Extraordinários e Especiais. O que mostra a demasiada importância desse instrumento para o ordenamento jurídico.
Diante disso, e tendo em vista a sutileza com que foi concebido o alargamento dos enunciados obrigatórios com a vigência do Novo Código Processual Civil, busca-se com esse trabalho, verificar se existência dos enunciados de súmula vinculante estaria ameaçada com o novo sistema de precedentes, ou, se estaria, ao contrário, sendo fortificada.
Busca-se ainda, analisar a constitucionalidade da obrigatoriedade desses precedentes, além de buscar qual o meio judicial mais eficaz para trazer a segurança jurídica nos julgados, e isso se faz apoiada nos ideais doutrinárias e no direito comparado.
No primeiro capítulo foi abordado o histórico dos precedentes no Brasil, com o objetivo de se verificar a evolução, tanto das conquistas como dos regressos relacionados ao tema. Os apontamentos abarcados vãos desde a colonização, passando pela Constituição vigente, e indo até a promulgação do NCPC. Foi, também, trago à baila o conceito dos institutos correlatos, para o leitor não se confundir entre um e outro aspecto. É realizado o levantamento dos elementos e requisitos procedimentais, tanto, dos precedentes obrigatórios em geral, quanto, das particularidades dos enunciados de súmula vinculante. Então por fim, é verificado os efeitos vinculantes de cada instituto.
No segundo capitulo, é analisada a constitucionalidade em tornar os precedentes do artigo 927 do CPC em obrigatórios ou vinculantes, à luz da legislação correlata ao tema, dos princípios vetores do Processual Civil, tal como o princípio da inafastabilidade da jurisdição e do julgamento. E ainda é verificado a necessidade prática na edição de súmulas vinculantes, nos dias atuais, pós NCPC.
1- DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS ENUNCIADOS DE SÚMULA VINCULANTE E OS DEMAIS PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES
1.1 Do histórico brasileiro dos precedentes judiciais
Originalmente, no direito português, a interpretação autêntica das leis constituía prerrogativa exclusiva do monarca, que assim o fazia por meio da publicação de leis interpretativas ou em Relação, quando proferia decisões ao presidir julgamentos na Casa da Suplicação (uma espécie de tribunal supremo) ou da Casa do Cível, em Lisboa. (MORETO, 2012)
Com o passar do tempo, os desembargadores das duas Relações, passaram a ser competentes para proferir assentos, tomados por maioria de votos, sempre que houvesse dúvida sobre a interpretação das ordenações e das leis extravagantes, com eficácia vinculante para casos semelhantes e futuros. A competência do monarca manteve-se apenas nos casos em que subsistia dificuldade interpretativa sobre determinado texto normativo (MORETO, 2012).
No Brasil colonial, com a vinda da família real para o Brasil, viu-se a necessidade de criar uma Casa da Suplicação local, sem que desobedece os pareceres da Casa de Lisboa. Dessa forma, transformou-se a Relação do Rio de Janeiro – órgão criado em 1751, com competência que abrangia o Sul do país – em Casa da Suplicação para o Brasil, para emitir assentos interpretativos, no âmbito de sua jurisdição, com a mesma eficácia daqueles emitidos pela Casa de Suplicação de Lisboa (MORETO, 2012).
Proclamada a Independência, a competência de emitir assentos foi deferida ao Supremo Tribunal de Justiça, instituído pela Constituição do Império de 1824. A regulamentação dos assentos foi feita pelo Regulamento nº 737 de 25 de novembro de 1850, e segundo tal regulamento, os assentos seriam obrigatórios até que fossem derrogados pelo Poder Legislativo (MORETO, 2012).
Os assentos foram extintos com o nascimento da República, todavia, a tendência de harmonização dos julgados não foi. Foram diversas tentativas de aprovar leis no sentido de manter os precedentes. Ocorre que, somente, com a Constituição de 1891 e a criação do Supremo Tribunal Federal e a introdução do recurso extraordinário é que se vislumbrou novo instituto que visava a manutenção da uniformidade nos julgamentos (MORETO, 2012).
Posteriormente, em 1988 foi criado o Superior Tribunal de Justiça e concebido o Recurso Especial, recurso que também visa a uniformidade e harmonia dos julgado, mas em âmbito legal, enquanto o Recurso Extraordinário ficou encarregado dos casos constitucionais (MORETO, 2012). O Código de Processo Civil de 1973 também tentou, timidamente, incrementar algo, trazendo institutos como os de Uniformização da Jurisprudência, a valer no próprio tribunal; além do famoso art. 285-A, que previa uma espécie de precedente do juiz singular. Vejamos:
285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada
Atualmente, como se verificou, a força dos precedentes vem ganhando cada vez mais espaço. A Lei 13.105/2015, o novo CPC, alargou e muito os precedentes vinculantes, além de regulamentar com mais afinco a matéria.
1.2 Da conceituação dos institutos
Antes de alongar sobre o assunto é preciso trazer conceitos básicos dos institutos correlatos, isso porque o assunto abordado, ainda, suscita muitas dúvidas quando está em evidência.
Para Daniel Amorim Assumpção Neves, precedente é qualquer julgamento que venha a ser utilizado como fundamento para outro julgamento proferido posteriormente. Todavia, nem toda decisão é um precedente vinculante. É necessário que a decisão transcenda o caso concreto para ser utilizada como razão de decidir de outro julgamento, isso é o que dispõe o Enunciado nº 315 do FPPC (NEVES, 2016)
Zaneti diz que uma decisão que se vale de um precedente, como razão de decidir, não pode ser considerada um precedente (ZANETI, Jr, 2015). Marinoni recorda que, por outro lado, algumas decisões nem tem potencial de serem consideradas precedentes, como exemplo, aquelas em que se limitam a aplicar a letra da lei (MARINONI, 2013)
A Jurisprudência, por sua vez, é o resultado de um conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido sobre uma mesma matéria proferida por tribunais. É formada por precedentes, desde que venham sendo utilizados como razão de decidir em outros processos (NEVES, 2016).
Já os enunciados de súmulas, em geral, são uma consolidação objetiva da jurisprudência, a própria materialização da jurisprudência (NEVES, 2016), possuíam, antes do NCPC, valor apenas interpretativo e não cogente. As súmulas vinculantes, por força constitucional, teriam efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta em todo o país, desde que obedecessem a certas estruturas e procedimentos. Vejamos:
O artigo 103-A da CF diz que:
A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Como se pode verificar trata-se de uma linha de crescente de criação, da qual primeiro nasce a lei, logo após a sua interpretação no julgado, em seguida o precedente, somente depois a jurisprudência, e por último as súmulas ou outros precedentes vinculantes. Fredie Didier (DIDIER, 2016) acredita, todavia, que existem precedentes com força obrigatória, que nem chegou a ser jurisprudência.
Mas o que vem a ser um precedente vinculante? De forma a não se confundir com os conceitos acima? O art. 927 do Código de Processo Civil Brasileiro inovou no ordenamento jurídico e estabeleceu quais precedentes serão vinculantes. Vejamos:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados
É interessante observar que os enunciados de súmulas vinculantes, assim como as decisões em controle concentrado de constitucionalidade são elevados a status vinculador, tanto pela Constituição Federal, quanto pelo Código Processual Civil. Mas qual a diferença prática disso para os demais precedentes? É o que o presente trabalho pretende analisar.
1.3 Dos elementos e procedimento de criação
Os elementos do precedente são a razão de decidir (ratio decidendi), o obiter dictum,e os elementos prejudiciais são a aplicação, superação ou distinção (distinguish).
Toda decisão judicial é composta de norma jurídica geral e normal jurídica específica. A norma jurídica geral é o núcleo do precedente, é uma fundamentação universal, que se acopla a outros casos; ou seja, é sua razão de decidir. O obter dictum, por sua vez, é a fundamentação que não fez parte da razão de decidir, ou seja, aquele fundamento apenas complementar, que é inútil para o ordenamento jurídico (DIDIER, 2016).
Todo precedente, pode, em relação a outra demanda com igual questão fática, ser aplicado, ser distinto, ou superado. Ele será aplicado, quando a sua razão de decidir for a mesma. Será distinto, quando demonstrado, fundamentadamente, que o caso trata-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa (Enunciado 306 do FPPC). E por fim, o precedente será superado, quando demonstrado que a situação jurídica da época já está ultrapassada pela jurisprudência atual.
Os requisitos procedimentais exigidos, para criação do precedente obrigatório, consistem em publicidade, uniformidade, estabilidade, integridade e coerência.
A publicidade é erigida no § 5º do art. 927 do CPC: “Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores”.
O dever de uniformidade consiste na busca da harmonia dos julgados, a estabilidade consiste no dever de os tribunais observarem os seus próprios precedentes (Enunciado 453 do FPPC); o dever de integridade impõe aos tribunais decidirem em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico, além da observância das técnicas de distinção e superação, adequando seus julgados a linha evolutiva jurisprudencial (Enunciado 456 FPPC); o dever de coerência, no mesmo sentido, leva em conta a necessidade dos tribunais não ignorarem seus próprios precedentes (dever de autoreferência) e a de não-contradição, salvo distinção ou superação (Enunciado 454 e 455 do FPPC).
Além do mais, exige-se, na formação, superação ou distinção do precedente respeito ao contraditório, fundamentação e a segurança jurídica. É o que estabelece os parágrafos do art. 927 do CPC.
Por outro lado, o procedimento para criação revisão ou cancelamento dos enunciados de súmula vinculante está abarcado no art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil e na Lei nº 11.417/2006. O artigo 103-A estabelece que “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula […] que terá efeito vinculante (CF, 1988)”.
No mesmo sentido, a Lei nº 11.417/2006, estabelece detalhes a cerca do procedimento de criação, revisão ou cancelamento dos enunciados de súmula vinculante. Dentre eles, o quorum de presença e votação, o prazo para publicidade do enunciado, os legitimados, a eficácia temporal, a eficácia subjetiva, a possibilidade de ingresso com reclamação ao STF em caso de descumprimento do enunciado de súmulas vinculantes.
É importante verificar, que, além dos ditames meramente formais, a Constituição exigiu dois elementos específicos para que um precedente, passasse à enunciado de súmula vinculante. O primeiro é a necessidade que a matéria abordada fosse constitucional, o segundo é que já houvessem reiteradas decisões sobre aquela mesma situação jurídica.
Com o atual sistema de precedentes obrigatórios, é possível vislumbrar algumas decisões judiciais se tornarem vinculantes, sem antes terem se multiplicados em reiterados julgados. É o caso da edição de uma súmula, sem antes estar firmada em reiteração de julgados.
Da mesma forma, é possível imaginar que terá força cogente matérias que não tem condão constitucional, que estão abarcadas apenas em norma infraconstitucional ou em Regimentos Internos dos tribunais; como é o caso dos acórdãos em Incidentes de Assunção de Competência ou os Incidentes de Resolução de Demanda Repetitiva.
Diante disso, já se vislumbra, diferenças básicas procedimentais entre os precedentes obrigatórios em geral e os enunciados de súmulas vinculantes.
1.4 Do órgão competente para criá-los
É certo que o único órgão competente para criar os enunciados de súmulas vinculantes é o Supremo Tribunal Federal. O que pode fazer de ofício ou por provocação dos legitimados elencados no artigo 3º da Lei nº 11.417/2006. Vejamos:
Art. 3º São legitimados a propor a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculantes:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – o Procurador-Geral da República;
V – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI – o Defensor Público-Geral da União;
VII – partido político com representação no Congresso Nacional;
VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
X – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
XI – os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
- 1o O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.
No que diz respeito aos demais precedentes judiciais obrigatórios, é preciso verificar caso a caso. As decisões passadas em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmulas comuns do STF e os acórdãos em Recurso Extraordinário Repetitivo também serão de competência criativa do Supremo Tribunal Federal. Já os acórdãos em Recurso Extraordinário Especial e os enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça, serão da competência do Superior Tribunal de Justiça, por óbvio.
Ocorre que, agora, com o Novo Código de Processo Civil, os Tribunais de segunda instância também poderão produzir precedentes obrigatórios, no âmbito de sua jurisdição. Isso porque, são considerados precedentes vinculantes os acórdãos em IAC (Incidente de Assunção de Competência) e IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas), além da orientação do plenário ou órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Cabe aos regimentos internos dos tribunais a regulamentação da forma e pressupostos para edição de súmulas correspondentes à sua jurisprudência dominante, segundo o § 1º do artigo 926 do Novo Código de Processo Civil (NEVES, 2016).
Como se pode verificar, o poder de estabilizar a jurisprudência foi dissolvido para todos os órgãos colegiados judicantes. O que, antes do Novo Código, era papel apenas da corte suprema do país, hoje, está nas mãos de todo o judiciário.
Alguns problemas surgem daí, a começar pela necessidade de revogação de súmulas com entendimento já superado por superveniência legal ou mesmo mudança de posicionamento do próprio tribunal. Se assim não procederem, os tribunais estarão violando o dever de coerência, estabilidade e integridade dos precedentes, previsto no artigo 926 do Novo Código de Processo Civil (NEVES, 2016).
1.5 Da vinculação
O artigo 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, os enunciados de súmulas vinculantes terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Pode-se observar que existe uma vinculação para todos os órgãos e poderes do país, tanto os órgãos judicantes, como os órgãos administrativos, ficando excepcionado, apenas, o Poder Legislativo – o único Poder que está isento para inovar no ordenamento jurídico sobre assuntos já tratados em enunciados de Súmulas Vinculantes -.
Ademais, essa vinculação contempla não, apenas, a esfera nacional, mas, também, as esferas estaduais e municipais; independente se o assunto abordado no enunciado tem caráter local, regional ou nacional. Afirmando, assim, o artigo 92 § 2ª da Constituição, segundo o qual o Supremo Tribunal Federal tem jurisdição em todo o território nacional.
Antes do Novo Código de Processo Civil, apenas os enunciados de súmulas vinculantes, proferidos em consonância com o art. 103-A e os acórdãos em controle de constitucionalidade concentrado tinham esse poder vinculador. Assim, sempre se diferenciava os enunciados de súmulas comuns das súmulas vinculantes. Vejamos:
“A súmula vinculante apresenta uma função seletiva, pois busca nortear as teses e orientações jurídicas que serão dotadas de obrigatoriedade, excluindo outras que poderão, no máximo, ter força persuasiva”. (LEITE ,2007. p. 171)
O efeito vinculante das súmulas não surge de uma única decisão, e sim de reiteradas decisões, foi explicita o art. 103-A. dessa forma a súmula representa a composição da jurisprudência. Desta maneira, imprescindível é que vinculação aconteça a partir de um embasamento dominante desse conjunto de decisões levando em consideração o mesmo sentido que o TF atribuiu para a formação da base das jurisprudências em matéria constitucional. “a vinculação não deve advir do verbete sumular isoladamente, pois do contrário, não haveria de fato a vinculação de fundamentos determinantes, mas apenas a imposição do enunciado que compõe a súmula”. (LEAL, 2006. p.176-177)
Após a vigência do Novo Código de Processo Civil, existe uma celeuma acerca da vinculação subjetiva dos demais precedentes obrigatórios. Isso porque, num primeiro momento, o artigo 927 do código diz que apenas os juízes e tribunais devem os observar; levando a crer que sua força obrigatória vinculava apenas o Poder Judiciário.
Todavia, numa leitura sistemática e teleológica do Novo Código, a doutrina atual sustenta a existência de um “sistema de precedentes”. Dessa forma, as regras isoladas de uma espécie de precedente valeriam para todas as outras.
Diante disso, no capítulo referente ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, existe um mandamus vinculativo, também, ao Poder Executivo. Vejamos:
Artigo 984. § 2o Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.
O Código exige que o objeto da questão seja afeto a prestação de serviço público, ou seja, está particularizando o caso de vinculação – não sendo tão abrangente como nos enunciados de súmula vinculante-. Mas, mesmo assim, se tal artigo pode ser aplicado para as demais espécies de precedentes obrigatórios, entendo que eles acabarão vinculando, também, a administração pública e não só o Judiciário, como se defere do artigo 927.
Outro ponto que sucinta questionamentos é a expressão “observarão” do artigo 927 do Código de Processo Civil, onde é disposto que “os juízes e os tribunais observarão”. Para parcela minoritária da doutrina o dispositivo cria tão somente um dever ao órgão jurisdicional de levar em consideração, em suas decisões, os precedentes e enunciados sumulares lá previstos. Dessa forma, considerá-los não significaria a obrigatoriedade de segui-los, podendo fundamentar suas decisões pelo equívoco do precedente ou da súmula (CÂMARA, 2015).
A doutrina amplamente majoritária entende, por outro lado, que o artigo 927 do Novo Código é suficiente para consagrar a eficácia obrigatória e vinculante dos precedentes e enunciados sumulares previstos em seus incisos (SCARPINELLA, p.545 TUCCI, p.454, MARINONI, THEODORO Jr, p.309)
É preciso, ainda, observar que alguns precedentes obrigatórios, vinculam toda a nação, enquanto outros possuem vinculação apenas regional. É o caso dos Incidentes de Assunção de Competência e Incidentes de Demandas Repetitivas, além, das orientações firmadas pelo plenário ou órgão especial.
Tais precedentes vinculam, apenas, a área de jurisdição do tribunal prolator. Assim, uma decisão em IAC proferido em um TRF local, somente obrigaria a fixação da tese na área abrangida por aquele tribunal; estando os demais TRF´s livres para fixar tese diversa.
Assim é o entendimento do Enunciado 170 do FPPC: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos (Enunciado 170 FPPC)”.
2 – DA CONSTITUCIONALIDADE DO ATUAL REGIME DE PRECEDENTES E PERDA DA RAZÃO DE EXISTIR DAS SÚMULAS VINCULANTES
2.1 Da Constitucionalidade do atual regime
A eficácia obrigatória dos precedentes previstos no inciso I e II do artigo 927 do Novo Código de Processo Civil, também, possui previsão constitucional. São eles, os enunciados de súmulas vinculantes (artigo 103-A da Constituição Federal) e os acordão proferidos em controle de constitucionalidade concentrada (artigo 102 § 2º da Constituição Federal). Todavia, a eficácia vinculante dos demais incisos decorre tão somente de norma infraconstitucional, o que tem levantado dúvidas a respeito de sua constitucionalidade.
Tucci afirma que:
As normas que criam uma eficácia vinculante de precedentes e de súmulas não vinculantes sem previsão nesse sentido no texto constitucional são inconstitucionais, já que a Constituição Federal reserva efeito vinculante apenas às súmulas vinculantes, mediante devido processo, e os julgamentos originados em controle concentrado de constitucionalidade (TUCCI, p. 454).
Já Nelson Nery acredita que se a norma infraconstitucional cria precedentes obrigatórios, ela está afrontando a repartição de poderes, posto que estaria deixando a cargo do Poder Judiciário a missão de fazer norma abstrata com caráter de lei. Vejamos:
A vinculação obrigatória às súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, bem como aos precedentes criados no julgamento de casos repetitivos e no incidente de assunção de competência invade a seara legislativa, por outorgar ao Poder Judiciário o estabelecimento de normas, criando uma vinculação inconstitucional a preceitos abstratos e gerais fixados pelo Poder Judiciário, ou seja, com características de lei (NERY JR, p.1.836)
Mas há doutrina que sustente a constitucionalidade da criação de precedentes vinculantes, pelo Novo Código de Processo Civil. Para eles a questão está em diferenciar a atividade legislativa da atividade interpretativa.
Assim pensa Zaneti Jr: “ Não se deve confundir a atividade de dar um sentido unívoco a norma que foi criada pela via legislativa, com a tarefa de criação da norma (ZANETI JR, p. 1.312, 2015)”.
Humberto Theodoro aponta de maneira diversa, mas confirma a constitucionalidade:
A função jurisdicional ultrapassa, modernamente, o objetivo clássico de aplicar a lei na solução do conflito jurídico, para compreender também a tarefa de definir paradigmas de interpretação e aplicação do direito positivo, atuando assim, como fonte complementar de direito, capaz, no acesso à justiça, de proporcionar efetividade aos princípios da isonomia, da segurança jurídica e de celeridade na prestação jurisdicional. (THEODORO JR, p. 148, 2018)
Daniel Amorim Assumpção acredita que a questão merece discussão doutrinária, todavia, acha difícil o Supremo Tribunal Federal declarar tais normas inconstitucionais. Isso porque, a eficácia vinculante consagrada em tais dispositivos, tem uma promessa de diminuição no número de processos e recursos, em especial nos recursos especial e extraordinário; o que seria de interesse daquela corte (NEVES, 2016).
É imperioso verificar que, num possível controle constitucionalidade dos precedentes obrigatórios, os enunciados de súmula vinculantes não podem ser objeto de controle de constitucionalidade concentrado. Isso porque, devem respeito a procedimento legal próprio para criação, revisão ou cancelamento, aquele previsto na Lei 11.417/2006. As súmulas vinculantes são apenas paradigma do controle, mas nunca objeto.
Já os demais procedentes obrigatórios podem ser objeto de controle de constitucionalidade, tanto, concentrado, quanto, difuso.
1.2 Da perda da razão de existir das súmulas vinculantes
Qual o sentido, em o Supremo Tribunal Federal continuar a editar súmulas vinculantes, com procedimento mais exacerbado que as súmulas comuns, se, na prática, ambas terão o mesmo efeito vinculante?
Esse é a indagação que o presente trabalho procurou responder.
Existem doutrinadores que entendem que as súmulas vinculantes perderam sua razão de existir em face da eficácia vinculante estendida aos demais precedentes do artigo 927 do Código de Processo Civil.
Esse é o entendimento
Outros doutrinadores, entretanto, acreditam que as súmulas vinculantes não perderam sua razão de existir. Dentre os argumentos estão:
1- Apenas o desrespeito às súmulas vinculantes gera o cabimento da Reclamação Constitucional.
A Reclamação Constitucional é prevista no artigo 103 – A da Constituição Federal, vejamos:
- 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
A Reclamação Constitucional, também, é regulada pela Lei 11.417/2006. É um instrumento, a mais, que o STF se utiliza para firmar a soberania de suas decisões.
Humberto Theodoro Jr apregoa a existência de um precedente com vinculação forte (súmulas vinculantes) e os demais precedentes com vinculação fraca. Vejamos:
Quando a jurisprudência é vinculante em grau máximo, a sua infringência enseja reclamação da parte prejudicada ao tribunal, o qual promoverá o necessário para que a força da sua jurisprudência seja restabelecida e respeitada. Se os precedentes não gozam de tal força (vinculação fraca) a parte, inconformada com ua inobservância, terá de impugnar a decisão pelas vias ordinárias recursais. Logo, as súmulas comuns não contam com uma tutela tão energética e específica (THEODORO JR, p.841, 2018).
2 – A vinculação das súmulas vinculantes também se estende à Administração Pública, enquanto as súmulas comuns só ao Poder Judiciário.
A despeito do artigo 984 § 2º do Código de Processo Civil exigir que as concessionárias de serviços públicos acatem as decisões em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas; a maioria da doutrina, ainda vislumbra que os precedentes em geral, não tem força vinculativa para o Poder Executivo, mas somente para o Poder Judiciário. Assim, é imperioso verificar que a força cogente das súmulas vinculantes tem maior espectro subjetivo do que os demais precedentes judiciais.
CONCLUSÃO
O presente trabalho verificou a celeuma doutrinária que existe entre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos precedentes vinculantes do artigo 927 do Novo Código de Processo Civil e entende que é cedo para afirmar algo. Todavia, verifica-se bons argumentos doutrinários tanto pela constitucionalidade, como pela inconstitucionalidade.
Observou-se que, a despeito da aparente desnecessidade prática da edição de enunciados de súmulas vinculantes, tendo em vista o efeito obrigatório dado aos demais precedentes. Ainda se vislumbra uma maior força cogente e persuasiva das súmulas vinculantes em relação aos demais precedentes, isso porque, possui maior expectro subjetivo de vinculação, vinculando não só o Judiciário, mas também o Executivo.
Finalmente, buscou-se com esse trabalho trazer a importância das inovações trazidas pelo Novo CPC com o sistema de precedentes vinculantes, em especial pelo prestígio à celeridade, segurança jurídica e eficiência na prestação jurisdicional. Todavia, não deixou-se de reconhecer a controvérsia existente entre a constitucionalidade de tais institutos, visando, com isso, a discussão sistêmica e o aprofundamento jurídico.
REFERÊNCIAS:
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Lex: revisão constitucional, edição administrativa do Senado Federal, Brasília, p. 10, out./1988.
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