Resumo: Este artigo científico tem por objetivo abordar a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no Código de Processo Civil e por finalidade esclarecer a necessidade da distribuição dinâmica do ônus da prova na relação jurídica processual. A referida teoria consiste na distribuição diversa do ônus probatório segundo a realidade fática do processo para a produção de provas de forma isonômica. O método de abordagem utilizado foi o indutivo, adotando uma posição jurídico-descritiva, por meio do método de procedimento monográfico, aplicando a técnica de pesquisa bibliográfica. É possível, no direito probatório, por decisão jurídica saneadora fundamentada de natureza interlocutória, a distribuição por ônus dinâmico, de provas objetivas, de forma excepcional, para coibir a prova diabólica.[1]
Palavras-chave: Relação. Ônus dinâmico. Prova. Teoria. Processo civil.
Abstract: This scientific article focus on the theory of the dynamic burden of proof at Civil Procedure Code and the purpose of clarify the need of dynamic burden of proof at procedural legal relationship. The mentioned theory consists in a miscellaneous distribution burden of proof according the procedural factual reality to production of evidence isonomically. The approach method used is the inductive, adopting a descriptive legal position, by means of the monographic method of procedure, applying the bibliographic search technique. It is possible, at evidentiary law, by judicial sound sanitation decision of interlocutory nature, the dynamic burden, of objective evidence, exceptionally, to restrain the negative proof.
Keywords: Relationship. Dynamic burden. Proof; Theory. Civil procedure.
Sumário: Introdução. 1 Do procedimento comum. 1.1 Contextualização e visão panorâmica do Código de Processo Civil. 1.2 Conceito. 1.3 Fases do procedimento comum. 1.3.1 Fase postulatória. 1.3.1.1 Petição inicial. 1.3.1.2 Citação. 1.3.1.3 Audiência de conciliação ou de mediação. 1.3.1.4 Contestação. 1.3.2 Fase saneadora. 1.3.3 Fase instrutória. 1.3.3.1 Audiência de instrição e julgamento. 1.3.4 Fase decisória. 1.3.4.1 Sentença. 1.3.4.2 Coisa julgada. 2 Das provas. 2.1 Aspectos fundamentais do direito probatório. 2.2 Classificação da prova quanto à fonte. 3 Da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. 3.1 Contextualização e ônus probatório. 3.2 Inversão do ônus da prova. 3.3 Distribuição dinâmica do ônus da prova. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Este artigo científico tem por tema o direito probatório no ordenamento jurídico processual brasileiro, com ênfase na teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015).
A formulação do problema está estruturada na resposta para o seguinte questionamento: por que é necessária uma distribuição dinâmica do ônus da prova na relação jurídica processual?
As hipóteses que servem como possíveis respostas para esse questionamento são: para facilitar a relação jurídica processual por garantir que o destinatário da prova aprecie todos os meios probatórios possíveis para formar o convencimento motivado; em algumas situações em concreto, a outra parte na relação jurídica processual possui mais condições para produzir determinado tipo de prova do que a parte que possui o ônus legal; precisa-se tornar a relação jurídica processual mais dinâmica e menos estática, garantindo a isonomia.
A escolha deste tema surgiu com as mudanças introduzidas no ordenamento jurídico processual brasileiro com o advento do Código de Processo Civil.
O ônus dinâmico da prova busca efetivar a isonomia e a cooperação processuais na relação jurídica processual.
A distribuição dinâmica do ônus da prova já era uma realidade no processo do trabalho, agora essa teoria vai ser aplicada no processo civil e a academia irá se beneficiar por entender os limites teóricos e práticos do ônus dinâmico da prova, em uma escala mais significativa.
Portanto, o que se busca é saber o impacto da distribuição dinâmica do ônus da prova na relação jurídica processual.
O objetivo geral é mostrar a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova na relação jurídica processual.
Os objetivos específicos são: identificar o momento processual para a produção de provas; expor o rol de provas típicas presente no Código de Processo Civil, segundo a classificação quanto à fonte; apresentar o momento processual adequado para requerer e aplicar a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova na relação jurídica processual.
O método de abordagem utilizado foi o indutivo, adotando uma posição jurídico-descritiva, por meio do método de procedimento monográfico, aplicando a técnica de pesquisa bibliográfica.
No primeiro item, serão analisados os aspectos mais relevantes do procedimento comum, como o seu conceito e contextualização, bem como os principais atos processuais praticados no âmbito do primeiro grau de jurisdição, conforme as fases do processo (postulatória, saneadora, instrutória e decisória), no juízo monocrático, a saber: a petição inicial, a citação, a audiência de conciliação ou de mediação, a contestação, o despacho saneador do processo, a audiência de instrução e julgamento e a sentença, inclusive o fenômeno da coisa julgada. Nesse item, será apresentado o conceito principal dos atos processuais citados sob a análise de dois ou três doutrinadores, bem como os requisitos desses quando relevantes para a compreensão da matéria e o conceito do autor deste artigo científico sobre tais atos processuais.
No segundo item, serão analisados os aspectos fundamentais do direito probatório, sob a ótica processual, e a classificação da prova quanto à fonte.
No terceiro item, será explanado de forma concentrada o núcleo deste trabalho, com ênfase na teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, com análise de seu conceito, a diferença entre ônus dinâmico e inversão do ônus da prova, a prova da melhor condição probatória pela parte, o valor da prova produzida por ônus dinâmico no processo, o momento processual adequado para requerer a aplicação do ônus dinâmico da prova e quais tipos de prova poderiam sofrer a incidência da distribuição dinâmica do ônus da prova.
1 DO PROCEDIMENTO COMUM
1.1. Contextualização e visão panorâmica do Código de Processo Civil
O processo é o meio de resolução de conflitos de interesses típico do Poder Judiciário, entretanto, o processo como meio não pode ser visto, sabe-se que ele existe, mas ele precisa ser exteriorizado, e a exteriorização do processo é conhecida como procedimento, onde ocorre necessariamente a prática dos atos processuais que impulsionam o processo. Enquanto o processo é o todo, o procedimento é parte, qual seja: a parte do desenvolvimento da relação jurídica processual.
No Código de Processo Civil (CPC) (BRASIL, 2015) há dois tipos de processo: o processo de conhecimento e o processo de execução. O processo de conhecimento é aquele em que há a cognição do direito, pelo magistrado; não existe certeza de quem é realmente o titular do direito na relação jurídica processual; nesse tipo de processo, o objeto da lide será submetido aos mais diversos atos processuais para se decidir, ao final, a titularidade do direito. O processo de execução é aquele em que há a execução de um direito fundado em um título executivo judicial (sentença, por exemplo). Embora, de forma topográfica, o cumprimento de sentença esteja alocado no livro do processo de conhecimento, a doutrina e a jurisprudência reconhecem, de forma teleológica, este procedimento como integrante do processo de execução; ou em um título executivo extrajudicial (títulos de crédito, por exemplo), pois existe a certeza, a liquidez e a exigibilidade do título, onde está expresso o direito; nesse tipo de processo, busca-se a satisfação do crédito, precipuamente.
O CPC (BRASIL, 2015) está dividido em duas partes: a parte geral e a parte especial. Na parte geral, encontra-se a conhecida teoria geral do direito processual civil. Na parte especial, há três livros, a saber: livro I – do processo de conhecimento, livro II – do processo de execução e livro III – do processo nos tribunais.
O livro I – do processo de conhecimento é dividido em três títulos: título I– procedimento comum, título II – cumprimento de sentença e título III – procedimentos especiais. Nesse livro, destaca-se o título I – procedimento comum para o desenvolvimento deste trabalho científico.
Pode-se dizer que, por exclusão, sabe-se qual o tipo de procedimento que deverá ser adotado para a resolução de conflitos, segundo as determinações legais, conforme exemplifica-se.
Se o direito do titular está fundado em um título executivo judicial, adota-se o procedimento do cumprimento de sentença.
Se o direito do titular está fundado em um título executivo extrajudicial, adota-se o procedimento alocado no livro II – do processo de execução, onde existe disposição sobre o procedimento de execução dos títulos executivos extrajudiciais.
Se o direito do titular está fundado em alguma das causas do título III, do livro I, adota-se um dos procedimentos especiais, que são divididos em procedimentos de jurisdição voluntária e em procedimentos de jurisdição contenciosa. É válido destacar que os procedimentos especiais presentes no CPC (BRASIL, 2015) são apenas alguns dos existentes no ordenamento jurídico processual brasileiro, pois outras leis podem disciplinar procedimentos especiais, como é o caso da Lei n. 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais) (BRASIL, 1995).
Se o direito do titular não se enquadrar em nenhuma das categorias citadas, adota-se o procedimento comum.
Depois de exaurida a fase decisória inicial do processo, aplica-se, conforme o caso, o disposto no livro III – do processo nos tribunais, onde há disposições sobre os meios de impugnação das decisões judiciais, de forma precípua, os recursos e os meios processuais de observância dos precedentes.
1.2. Conceito
Para Theodoro Júnior (2016, p. 744), “o procedimento comum é o mais completo e o mais apto à perfeita realização do processo de conhecimento, pela amplitude com que permite às partes e ao juiz pesquisar a verdade real e encontrar a justa composição da lide”.
O que se conhece como procedimento comum, nas palavras de Bueno (2016, p. 290), “[…], isto é, os atos a serem praticados desde a apresentação da petição inicial (fase postulatória), até o proferimento da sentença e a descrição de alguns de seus possíveis conteúdos e de sua aptidão de transitar em julgado (fase decisória) […]”.
O procedimento comum é a exteriorização do processo de conhecimento em que se desenvolve a relação jurídica processual, de forma mais ampla e detalhada, desde a apresentação da petição inicial apta até o trânsito em julgado do provimento judicial definitivo que resolveu a lide, estabelecendo a paz social, com a pacificação da justiça.
1.3. Fases do procedimento comum
Adota-se neste trabalho o mesmo critério das fases encontrado na doutrina. O procedimento comum é dividido em quatro fases: postulatória, saneadora, instrutória e decisória.
1.3.1 Fase postulatória
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 744), a fase postulatória “é a que dura da propositura da ação à resposta do réu, podendo ocasionalmente penetrar nas providências preliminares determinadas pelo juiz, como preâmbulo do saneamento”.
A fase postulatória pode ser identificada pela prática de determinados atos processuais. Postulatória é derivada de postular, ou seja, de pedir algo, no vocabulário processual civil, de colocar em juízo. Os atos processuais praticados na fase postulatória são: petição inicial, citação do réu, a audiência de conciliação ou de mediação e a contestação.
1.3.1.1 Petição inicial
Segundo Hartmann e Hartmann (2017, p. 7), “a petição inicial é a peça que inaugura o processo, ou seja, aquela que corporifica o instrumento da demanda, eis que é pela mesma que o autor provoca o Estado a prestar a jurisdição, por meio do exercício do direito de ação”.
Para Bueno (2016, p. 291): “Petição inicial é o primeiro requerimento formulado pelo autor no qual concretiza, exteriorizando-o, o exercício do seu direito de ação rompendo a inércia da jurisdição e apresentando os contornos, subjetivos e objetivos, da tutela jurisdicional por ele pretendida”.
Segundo Sá (2016, p. 335), “a petição inicial é o invólucro formal ou a instrumentalização física da demanda (já que o direito de ação é geral e abstrato) da qual o autor deduz sua pretensão em juízo”.
A petição inicial é o pedido formulado pelo autor, segundo os requisitos legais, que origina a relação jurídica processual, com o exercício do direito de ação que provoca a jurisdição, originariamente inerte, para resolução da lide.
O CPC (BRASIL, 2015) define os requisitos da petição inicial, conforme se expõe.
O primeiro grupo de requisitos está descrito no artigo 319 do CPC (BRASIL, 2015), a saber: o endereçamento da petição, a qualificação das partes, os fatos, os fundamentos jurídicos do pedido, o pedido com as suas especificações, o valor da causa, as provas com que o autor pretende comprovar os fatos alegados e a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
O endereçamento da petição inicial envolve a identificação do órgão jurisdicional competente, absolutamente (em razão da matéria) e relativamente (em razão do lugar), segundo as disposições legais da Constituição Federal (BRASIL, 1988), do CPC (BRASIL, 2015) e das Leis de Organização Judiciária, para apreciação e processamento da lide.
A qualificação das partes envolve a identificação das partes, autor e réu, para o devido desenvolvimento da relação jurídica processual. Segundo as exigências do CPC (BRASIL, 2015), no artigo 319, II, a qualificação das partes engloba: “os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”.
Embora não esteja expresso no texto do inciso, é recomendável inserir na qualificação do autor e do réu, enquanto pessoas físicas, a nacionalidade e o número de identificação da cédula de identidade; enquanto pessoas jurídicas, o número da inscrição estadual, quando houver.
Os fatos, ou causa de pedir remota, são as razões fáticas que ensejarão o pedido.
O fundamento jurídico do pedido[2], ou causa de pedir próxima, é, segundo Sá (2016, p. 338), “[…] o nexo de causalidade entre os fatos e o pedido. O fundamento jurídico é, portanto, o vício que atinge a relação jurídica de direito material que enseja ao titular de determinada tutela jurídica busque a seu favor”.
O pedido com as suas especificações envolve que o pedido seja certo, de acordo com Bueno (2016, p. 292), “[…] no sentido de o autor indicar com precisão o que pretende em termos de tutela jurisdicional”, e que o pedido seja determinado, segundo Bueno (2016, p. 293), “[…], ele deve indicar a quantidade e a qualidade do que pretende o autor”.
O valor da causa, segundo Bueno (2016, p. 294):“A petição inicial deverá indicar o valor da causa (art. 319, V) que, em geral, corresponde à expressão econômica do direito reclamado pelo autor. A exigência prevalece mesmo quando o direito sobre o qual o autor requer que recaia a tutela jurisdicional não tenha expressão econômica imediata (art. 291). Seja quando se trata de direito que não tem expressão patrimonial ou quando não for possível ao autor, desde logo, precisar as consequências do dano e, consequentemente, sua expressão econômica. Nestes casos, cabe ao autor estimar o valor da causa, justificando sua iniciativa, o que viabilizará adequada manifestação do réu (art. 293) e do propósito do magistrado a este respeito (art. 292, §3º)”.
Sobre as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados, citamos Bueno (2016, p. 295): “o inciso VI do art. 319 exige do autor a indicação, na petição inicial, dos meios de prova mediante os quais pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados”.
Sobre a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação, referimos as palavras de Bueno (2016, p. 295): “a última exigência feita pelo art. 319, e que é novidade trazida pelo CPC de 2015, é que a petição inicial revele a opção do autor sobre a realização ou não da audiência de conciliação ou de mediação (inciso VII)”.
O segundo grupo de requisitos envolve: a juntada de documentos indispensáveis à propositura da ação, o endereço profissional do procurador, o pagamento de custas e taxas judiciais e a juntada de procuração.
Segundo a interpretação do art. 320 do CPC (BRASIL, 2015), a petição inicial deverá ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Sobre esse requisito, explica Sá (2016, p. 358): “preconiza o art. 320 do CPC/2015 que o autor deverá instruir desde logo com a petição inicial e os documentos indispensáveis para à propositura da demanda”. Isso ocorre, por exemplo, quando, em uma ação para a fixação de alimentos em caráter provisório de um menor, se torna necessária a juntada da certidão de nascimento do autor.
O endereço profissional do procurador para recebimento de intimações, segundo a interpretação do art. 77, V, do CPC (BRASIL, 2015). O endereço profissional engloba os endereços eletrônico e não eletrônico.
O pagamento de custas e taxas judiciais, exceto se o autor for beneficiário da assistência judiciária gratuita, segundo a interpretação do art. 82 do CPC (BRASIL, 2015).
Segundo o art. 287, caput, do CPC (BRASIL, 2015): “a petição inicial deve vir acompanhada de procuração, que conterá os endereços do advogado, eletrônico e não eletrônico”.
Observados os dois grupos de requisitos citados, a petição inicial estará apta. Assim, o próximo ato da fase postulatória é a citação do réu.
1.3.1.2 Citação
Segundo o art. 238 do CPC (BRASIL, 2015): “citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”.
A citação é o ato processual que completa a relação jurídica processual, pois, a partir desse momento, o réu, no processo de conhecimento, terá ciência de que é parte em um processo e poderá adotar as medidas processuais cabíveis para a sua defesa.
Após a citação válida, passa-se para a audiência de conciliação ou de mediação, se assim optarem as partes. Caso as partes optem pela não realização da audiência de conciliação ou de mediação, passa-se para o ato seguinte: a defesa do réu, por contestação.
1.3.1.3 Audiência de conciliação ou de mediação
O réu deve ser citado em um prazo mínimo de vinte dias antes da audiência de conciliação ou de mediação. O referido prazo é regressivo e deve ser contado da juntada do mandado ou do aviso de recebimento aos autos do processo.
Caso as partes optem pela realização da audiência de conciliação ou de mediação, ela ocorrerá da seguinte maneira: será presidida por um conciliador[3] ou por um mediador[4], nesse momento, tenta-se resolver a lide por um acordo que gera a extinção do processo.
Se uma transação for obtida na audiência de conciliação ou de mediação, haverá homologação por sentença.
A legislação processual civil não determina um número mínimo ou um número máximo de vezes para a realização da audiência de conciliação ou de mediação, portanto, opera-se quantas audiências as partes optem por fazer, nesses moldes.
Se as partes não obtiverem êxito nas transações, começa-se o prazo para a produção de defesa do réu, por contestação.
1.3.1.4 Contestação
Para Hartmann e Hartmann (2017, p. 19), a contestação é o “instrumento utilizado pelo demandado no procedimento comum (e até em outros), para apresentar suas defesas de cunho processual e material”.
Segundo Bueno (2016, p. 308):“A contestação pode e deve ser compreendida como a contraposição formal ao direito de ação tal qual exercido pelo autor e materializado na petição inicial. A contestação, neste sentido, contrapõe-se à petição inicial. A contestação é que veicula o direito de defesa, é ela que exterioriza perante o Estado-juiz o exercício daquele direito, tanto quanto o “direito de ação” do autor é veiculado pela petição inicial. Ela se justifica, portanto, não só em função dos princípios da “ampla defesa” e do “contraditório”, mas também pelo próprio princípio da “isonomia” e do “acesso à justiça””.
Para Sá (2016, p. 368), “a contestação é a principal peça de defesa do réu em que se concentram todos os elementos de resistência à demanda inicial”.
Na contestação, o réu apresenta a defesa pertinente aos argumentos do autor, da petição inicial. Essa defesa engloba as preliminares e a defesa direta do mérito, em observância aos princípios da eventualidade[5] e da impugnação especificada[6], sob consequências de revelia e confissão. Recebida a contestação apta, passa-se para a fase saneadora.
1.3.2 Fase saneadora
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 745):“Desde o recebimento da petição inicial até o início da fase de instrução, o juiz exerce uma atividade destinada a verificar a regularidade do processo, mediante decretação das nulidades insanáveis e promoção do suprimento daquelas que forem sanáveis. Com isso, procura-se chegar à instrução, sem correr o risco de estar o processo imprestável para a obtenção de um julgamento de mérito.
Compreende essa fase as diligências de emenda ou complementação da inicial (NCPC, art. 321), as “providências preliminares” (arts. 347 e 353) e o “saneamento do processo” (art. 357). Pode conduzir ao reconhecimento de estar o processo em ordem, ou pode levar à sua extinção sem julgamento do mérito, quando concluir o juiz que o caso não reúne os requisitos necessários para uma decisão da lide”.
Na fase saneadora, os principais atos processuais praticados são: providências preliminares[7] e a decisão interlocutória de saneamento e organização do processo. Entende-se que a emenda ou complementação da inicial está inserida na fase postulatória, pois, antes de o réu ser citado, a petição inicial precisa estar apta para a produção de efeitos jurídicos processuais.
Como mostra-se neste trabalho uma linha procedimental regular, considera-se nessa fase a decisão interlocutória de saneamento e organização do processo.
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 847), “na ordem lógica das questões, só haverá decisão de saneamento quando não couber a extinção do processo, nos termos do art. 354, nem for possível o julgamento antecipado do mérito (art. 355)”.
Para Bueno (2016, p. 335):“O principal objetivo do art. 357, assim, é o de, reconhecendo que o processo está isento de nulidades – porque as eventualmente ocorrentes foram saneadas – ou de criar condições para que eventuais vícios o sejam, prepará-lo para a fase instrutória, após o que será proferida sentença. É como o próprio dispositivo enuncia – e isto merece ser evidenciado – não só de sanear o processo mas também – e principalmente –, de organizá-lo para a fase seguinte, a fase instrutória. É neste sentido e para estes fins que o rol de atividades que ocupa os cinco incisos do caput merece ser interpretado: (i) resolver, se houver, as questões processuais pendentes; (ii) delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; (iii) definir a distribuição do ônus da prova, com observância o art. 373; (iv) delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e (v) designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento”.
Para Sá (2016, p. 405):“O saneamento se dá em regra de forma concentrada, pois há uma fase própria (ordinatória) para a sua consecução. Contudo, algumas atividades poderão ser exercidas de forma difusa ao longo do procedimento, como a eliminação de vícios processuais que, sendo de natureza cogente, poderão ser analisados a qualquer tempo e grau de jurisdição”.
Conforme o entendimento de processualistas como Sá (2016) e Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016), a organização do processo, pelo despacho de saneamento e organização, pelo juiz, possui dois planos: retrospectivo e prospectivo. O plano retrospectivo consiste na função de o magistrado afastar obstáculos processuais que possam de alguma forma impedir a apreciação do mérito. O plano prospectivo consiste na definição da controversibilidade do objeto litigioso e da prova; nesse momento, há a distribuição do ônus da prova e as definições dos meios de prova e das questões de direito sobre as quais haverá decisão de mérito.
Saneado e organizado o processo, passa-se para a fase instrutória.
1.3.3 Fase instrutória
Sobre essa fase, explica Theodoro Júnior (2016, p. 745):“Destina-se à coleta do material probatório, que servirá de suporte à decisão do mérito. Reconstituem-se por meio dela, no bojo dos autos, os fatos relacionados à lide. É a de contornos menos definidos, as partes já começam sua atividade probatória com a inicial e a contestação, momentos em que, de ordinário, devem produzir a prova documental (NCPC, art. 434). Saneado o processo, porém, surge um momento em que os atos processuais são preponderantemente probatórios: é o da realização das perícias e o da primeira parte da audiência de instrução e julgamento, destinada ao recolhimento dos depoimentos das partes e testemunhas”.
Sobre a fase instrutória, diz Bueno (2016, p. 341):“Nos casos em que o processo é declarado saneado, isto é, reconhecido que não há nenhum vício que possa comprometer o seu “ser devido”, e que não há nada que impeça o seu desenvolvimento, nem do exercício regular do direito de ação, e, de maneira mais ampla, nem que impeça ao magistrado apreciar o direito controvertido pelas partes, reconhecendo quem é merecedor de tutela jurisdicional, tem início a “fase instrutória”.
Importa frisar, a este respeito, que a fase instrutória do procedimento comum pressupõe o saneamento e a organização a que se refere o art. 357 e, antes disto, que o caso não era de extinção do processo, nos moldes do art. 354, nem de julgamento antecipado do mérito, como permite o art. 355. Nos casos em que tiver havido julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356), a fase instrutória desenvolver-se-á com relação ao que ainda não foi julgado. Neste caso, portanto, a adoção de uma das técnicas do “julgamento conforme o estado do processo” não impede a de outra, justamente pela sua razão de ser.
O art. 357 e as novidades por ele trazidas com relação às atividades não só de saneamento, mas, como interessa mais para cá, de organização do processo com vistas ao desenvolvimento ótimo da fase instrutória são dignas de destaque. A aplicação escorreita daquele dispositivo viabilizará que, de antemão, no limiar da fase instrutória, autor e réu saibam com precisão o que se espera deles (e reciprocamente) e do próprio magistrado e de eventuais terceiros ao longo da produção da prova e, se for o caso, na audiência de instrução e julgamento. Tudo para, otimizado o processo e seus atos, viabilizar ao juiz condições ótimas de proferir sentença com fundamento no art. 487, I, isto é, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o (s) pedido (s) do autor e/ou do réu, quando este reconvém. Trata-se do CPC de 2015 aplicando em concreto o “modelo de processo cooperativo” de seu art. 6º”.
A fase instrutória tem função precípua de decidir as questões levantadas nas peças processuais inaugurais do autor (petição inicial) e do réu (contestação) para a obtenção da decisão final sobre o mérito do processo, por via de regra. Na fase instrutória, os principais atos processuais praticados são: a produção de provas e a audiência de instrução e julgamento.
Sobre a produção probatória, tecem-se considerações mais profundas nos próximos itens deste trabalho científico.
1.3.3.1 Audiência de instrução e julgamento
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 853):“Audiência é o ato processual solene realizado na sede do juízo que se presta para o juiz colher a prova oral e ouvir pessoalmente as partes e seus procuradores. Em várias oportunidades, o juiz promove audiências, como a de conciliação ou mediação (art. 334), e as de justificação liminar nas ações possessórias (art. 562) e nas de tutela de urgência (art. 300, § 2º).
Contudo, a principal audiência regulada pelo Código de Processo Civil é a de instrução e julgamento (arts. 358 a 368), que é o momento integrante do procedimento comum e também se aplica a todos os demais procedimentos, desde que haja prova oral ou esclarecimento de peritos a ser colhido antes da decisão da causa.
No procedimento oral, é ela o ponto alto, pois concentra os atos culminantes da disputa judicial. Nela, o juiz entra em contato direto com as provas, ouve o debate final das partes e profere a sentença que põe termo ao litígio. Por meio dela, põem-se em prática os princípios da oralidade e concentração do processo moderno”.
Para Bueno (2016, p. 342-343):“A audiência de instrução e julgamento é ato processual complexo em que diversas atividades jurisdicionais são praticadas, ainda que todas elas voltadas a uma só e comum finalidade: a formação da convicção do juiz com vistas ao julgamento da causa, sempre compreendida a expressão no sentido de decidir quem, autor ou réu, faz jus à tutela jurisdicional.
A audiência, como todo ato jurisdicional, é pública. Trata-se de exigência feita desde o “modelo constitucional do processo civil” e expressamente reiterada pelo art. 368, que faz, também afinado àquele modelo, ressalva às “exceções legais”, que, no CPC de 2015, encontram-se no art. 189 e que têm fundamento no art. 93, IX, da CF.
É bastante comum a afirmação, com base no caput do art. 365, de que a audiência é una e contínua, embora ela possa deixar de ser realizada num só dia quando não for possível a oitiva do perito e das testemunhas (o que pressupõe concordância das partes). A unidade e a continuidade da audiência devem ser entendidas no sentido de que por mais adiamentos ou prorrogações que a audiência possa receber, uma vez iniciada, ela não recomeça, pelo que os atos processuais que, antes de seu início, poderiam ter sido praticados pelas partes já não poderão mais sê-lo porque foram atingidos pela preclusão. A audiência de instrução e julgamento, destarte, é, em si mesma considerada um só ato processual, embora passível de ser praticado em mais de um dia pelas necessidades do caso concreto. Tanto assim que o parágrafo único do art. 365 determina que, consoante o caso, “o juiz marcará seu prosseguimento para a data mais próxima possível, em pauta preferencial”.
É o juiz que preside a audiência exercendo o que o art. 360, caput, chama de “poder de polícia”, especificando o que em perspectiva mais genérica prevê o inciso VII do art. 139. No exercício daquele dever-poder, compete-lhe: (i) manter a ordem e o decoro na audiência; (ii) ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportam inconvenientemente; (iii) requisitar, quando necessário, a força policial; (iv) tratar, com urbanidade, as partes, os advogados, os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e qualquer outra pessoa que participe do processo e (v) registrar em ata, com exatidão, todos os requerimentos apresentados em audiência. Estas duas últimas prescrições são decorrência imediata do modelo de processo cooperativo a que se refere o art. 6º.
As audiências de instrução e julgamento devem ser marcadas com intervalo mínimo de uma hora entre uma e outra, diretriz que decorre do § 9º do art. 357”.
A audiência de instrução e julgamento é o ato processual em que há a colheita das provas subjetivas e onde se realiza o debate oral da causa pelas partes. Só ocorre se houver a necessidade de colheita de provas subjetivas e de debates orais; se a prova que tenha de ser produzida for exclusivamente objetiva, não haverá necessidade da prática deste ato processual, podendo o magistrado decidir a causa pelo provimento jurisdicional[8] final na fase decisória.
1.3.4 Fase decisória
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 746), a fase decisória:“[…] é a que se destina à prolação da sentença de mérito. Realiza-se após o encerramento da instrução que, de ordinário, ocorre dentro da própria audiência, quando o juiz encerra a coleta das provas orais e permite às partes produzir suas alegações finais (NCPC, art. 364)”.
Para Bueno (2016, p. 381):“A fase decisória deve ser compreendida como a fase do processo em que o magistrado proferirá sentença. Em rigor, ela se limita (ou pode se limitar) à análise da sentença, idealmente proferida para colocar fim à etapa de conhecimento do processo na primeira instância”.
A fase decisória representa a conclusão do processo no âmbito do primeiro grau de jurisdição, de forma precípua, com o proferimento da sentença, pelo magistrado, que resolverá o conflito de interesses. Nessa fase, o principal ato processual praticado é a sentença.
1.3.4.1 Sentença
Segundo o conceito legal estabelecido pelo CPC (BRASIL, 2015), no artigo 203, § 1º: “Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”.
Para Bueno (2016, p. 382):“O conceito, ao empregar concomitantemente critérios de finalidade (colocar fim à fase cognitiva do procedimento em primeira instância e que extingue a fase de cumprimento de sentença, ou, ainda, que extingue a execução) e de conteúdo (ter como fundamento uma das hipóteses dos arts. 485 ou 487) para caracterizar a sentença, contrapondo-a às decisões interlocutórias, quer responder às não poucas críticas que a Lei n. 11.232/2005, ao dar nova redação aos §§ 1º e 2º do art. 162 do CPC de 1973, recebeu”.
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 1028-1029), sentença:“[…] é tanto o ato que extingue o processo sem resolução do mérito como o que o faz resolvendo o mérito da causa. Mas, teórica e praticamente, há que se distinguir, dada a completa diversidade de efeitos, entre os provimentos que solucionam a lide e os que não a alcançam.
Assim, as sentenças são tradicionalmente classificadas em:
(a) sentenças terminativas; e
(b) sentenças definitivas.
Terminativas são as que “põem fim ao processo, sem lhe resolverem, entretanto o mérito”. São as que correspondem aos casos de extinção previstos no art. 485. Importam reconhecimento de inadmissibilidade da tutela jurisdicional nas circunstâncias em que foi invocada pela parte. O direito de ação permanece latente, mesmo depois de proferida a sentença.
Definitivas são as sentenças “que decidem o mérito da causa, no todo ou em parte”. […] Como a resolução do mérito da causa pode ser fracionada, não se deve considerar sentença senão o julgamento que completa o acertamento em torno do objeto do processo. […]. Sentença, realmente, só ocorre quando, no primeiro grau de jurisdição, o juiz conclui a fase cognitiva do processo. O novo Código corrigiu a incorreção da legislação anterior e qualificou a sentença de forma objetiva, sem se importar com o seu conteúdo, que tanto pode referir-se ao mérito, como a preliminares processuais. Não é, pois, o conteúdo que qualifica a decisão como sentença, mas, sim, o fato de ela extinguir ou não o processo ou uma de suas fases”.
Sentença é o ato processual em que o magistrado decide a lide e mérito da causa[9], com base nas provas produzidas durante o procedimento comum no primeiro grau de jurisdição, dando fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extinguindo a execução.
1.3.4.2 Coisa julgada
Para Bueno (2016, p. 401):“É bastante comum a distinção entre a “coisa julgada formal” e a “coisa julgada material”. A coisa julgada formal tende a ser entendida como a ocorrência da imutabilidade da sentença “dentro” do processo em que proferida. Neste sentido, não há como recusar se tratar de instituto que se aproxima bastante da preclusão, residindo a distinção entre ambos em aspecto exterior a eles, já que a coisa julgada formal tende a ser identificada com o encerramento da “etapa cognitiva” do processo.
A chamada “coisa julgada material”, por sua vez, representa a característica de indiscutibilidade e imutabilidade do quanto decidido para “fora” do processo, com vistas a estabilizar as relações de direito material tais quais resolvidas perante o mesmo juízo ou qualquer outro. Trata-se, a bem da verdade, da concepção da coisa julgada a que geralmente se faz referência e que é albergada pelo próprio art. 502. Tanto assim que o uso da expressão “coisa julgada” sem qualquer qualificativo quer dizer, quanto a isto não há maiores discrepâncias e este Manual não pretende criá-las, coisa julgada material e não coisa julgada formal.
Por assim dizer, denomina-se coisa julgada formal a decisão não mais sujeita a qualquer espécie de impugnação quando analisada na perspectiva endoprocessual. A coisa julgada material é aquela mesma característica de imutabilidade, analisada extraprocessualmente, isto é, como característica da imutabilidade da decisão de mérito do ponto de vista exterior”.
Segundo Sá (2016, p. 558):“A coisa julgada formal tem eficácia circunscrita ao processo que se efetivou. A extensão dos efeitos da sentença não pode transbordar os limites do processo. Sua eficácia é, portanto, endoprocessual. Sua diferença com a coisa julgada material reside apenas na área abrangida pela sua incidência.[…]
Já a coisa julgada material produz efeitos panprocessuais, assim seus efeitos projetam-se para fora do processo que a produziu atingindo não só o processo como também todos (e eventuais) os processos que veiculem a mesma questão sobre as partes que decidido e sedimentado foi pelo processo originário.[…]
A coisa julgada formal é uma etapa para a formação da coisa julgada material. É necessário que a decisão transite em julgado (preclusão máxima). Tendo ocorrido tal fenômeno, há de se verificar se houve análise aprofundada do direito discutido (lide). Se sim, houve coisa julgada material.
Ademais, a análise do objeto litigioso deve ter sido dada em cognição exauriente”.
A coisa julgada é o fenômeno que ocorre no processo para a garantia da segurança jurídica. Tal fenômeno possui dois desdobramentos: a coisa julgada formal e a coisa julgada material. A coisa julgada formal é o encerramento/fim da cognição do processo, produzindo efeitos dentro daquela relação jurídica processual. A coisa julgada material é a indiscutibilidade e a imutabilidade da decisão proferida para a resolução de uma lide, produzindo efeitos fora daquela relação jurídica processual, por já se ter operado cognição exauriente daquele conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida.
2 DAS PROVAS
2.1 Aspectos fundamentais do direito probatório
O direito probatório é o ramo especializado do direito processual que possui como objeto de estudo a prova judicial, sob diversas óticas, desde a teoria geral até as provas em espécie.
É válido ressaltar que o processo judicial moderno busca aferir a verdade real, em detrimento da famosa verdade formal, pois os autos não podem “fabricar” ou “criar” uma verdade que não seja a fática. Isso ocorre por causa da lógica cooperativa do processo e da efetivação da dinâmica da relação jurídica, em contraponto à estática legal.
O direito probatório é a regra geral do nosso ordenamento jurídico, contudo, há três exceções a esse direito, a saber: quando o direito probatório foi atingido pela preclusão; as limitações processuais do procedimento de utilização da prova (por exemplos, o mandado de segurança e o habeas corpus, devido ao tutelamento mandamental propriamente dito); e as provas ilícitas ou as obtidas dessa forma.
Segundo Sá (2016, p. 420-421):“A prova ilícita se insere dentro de um contexto maior: o da prova ilegal. Assim, a prova ilegal pode ser dividida em prova ilegítima e prova ilícita. A primeira viola norma de direito processual. Ocorre no momento da produção da prova. Em verdade, o meio de produção da prova é legítimo, mas a forma de sua produção, não (v. g., assinatura sob tortura, testemunho sob coação, obtenção de documento mediante furto). A segunda viola norma de direito material, ou seja, opera-se no momento da colheita da prova (v. g., filmagem proibida, gravação clandestina).[…]
Há três situações, entretanto, em que a prova ilícita por derivação deve ser relativizada, permitindo a sua produção: i) para a proteção de direitos fundamentais; ii) quando o conjunto probatório não tiver relação com a prova ilícita produzida; iii) a prova que, de um jeito ou de outro, seria descoberta (inevitable discovery exception). Ocorre quando essa mesma prova poderia ter sido obtida por meios lícitos”.
Sobre os fundamentos da prova, esclarece Sá (2016, p. 417-418):“Se a finalidade do Estado é conferir a tutela jurisdicional (declaração e realização de um dado direito) e todo direito decorre de um fato, torna-se impossível atribuir um direito a alguém sem que, correlatamente, se demonstre a existência de um fato.
É a partir dessa premissa que deve ser entendido o vocábulo prova. Provar é demonstrar. Se o magistrado não conhece sobre os fatos é importante informá-lo sobre a sua existência, para que deles possa extrair as devidas consequências jurídicas. Sobre os fatos, compete às partes exercer a sua prova. A fundamentação jurídica, ao Estado cabe aduzir (iura novit curia).
A palavra prova é expressão polissêmica. Não só significa o conjunto de atividades que objetivam demonstrar a verdade, como também designa o próprio resultado da instrução. Se o magistrado assevera que há prova sobre determinada situação jurídica, certamente porque o magistrado tomou como provado aquele fato.
A relação da prova com os fatos exerce, igualmente, uma relação de causa e efeito: quanto maior a carga fática aportada no processo, maior será a necessidade de se provar e mais importante será a atividade instrutória.
O juiz utiliza a prova para: a) fazer a reconstrução histórica dos fatos (testemunha); b) representação de algo (documentos); e c) reprodução objetiva (perícia ou inspeção judicial).
A prova deve ser pertinente, relevante e adequada. A pertinência relaciona-se ao vínculo que a prova possui com o objeto que se pretenda provar. A relevância é um passo à frente referente à pertinência, pois enquanto esta versa sobre a proximidade da prova com o fato probando, aquela fala sobre o fato em si. Assim, somente os fatos jurígenos podem ser objeto de prova. Os fato secundários (ou simples), por não influenciarem no resultado da lide (sequer compõem o conteúdo mínimo da causa de pedir), não apresentam relevância a sua comprovação. E, por fim, a adequação vincula-se a sua previsão legal”.
Segundo o direito probatório, a prova possui características, conforme leciona Theodoro Júnior (2016, p. 870):“Toda prova há de ter um objeto, uma finalidade, um destinatário, e deverá ser obtida mediante meios e métodos determinados. A prova judiciária tem como objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo, relevantes para o julgamento da causa. Sua finalidade é a formação da convicção em torno dos mesmos fatos. O destinatário é o juiz, pois é ele que deverá se convencer da verdade dos fatos para dar solução jurídica ao litígio. Os meios legais de prova são os previstos nos arts. 369 a 484 do NCPC; mas, além deles, permite o Código outros não especificados, desde que “moralmente legítimos” (art. 369).
Há quem faça distinção entre fontes, objeto e meio de prova. O objeto, para a doutrina dominante, são, realmente, os fatos relevantes para o julgamento da causa, ou seja, os acontecimentos cuja existência pretérita, presente ou futura, possa se prestar à revelação histórica do conflito a ser solucionado. Fonte é aquilo que se utiliza para comprovar o fato inspecionado (como o relato in concreto de uma testemunha, o efetivo conteúdo de um documento, o teor de uma confissão ou a informação técnica prestada pelo perito). Meio, por fim, seriam os modos admitidos em lei genericamente para a realização da prova (como, v. g., o testemunho, o documento, a confissão, a perícia, a inspeção judicial, o indício). É, em relação aos meios de prova, que se costuma falar que o processo judicial se serve da prova documental, da prova testemunhal, da prova pericial etc.[…]
Há, outrossim, um método ou sistema processual preconizado legalmente para o emprego dos meios de prova que forma o procedimento probatório minuciosamente regulado pelo Código e que deve ser observado pelas partes e pelo juiz para que a apuração da verdade fática seja eficaz para fundamentar e justificar a sentença”.
Ainda sobre as provas, há uma discussão, no campo doutrinário, sobre a natureza da prova, conforme esclarece Sá (2016, p. 418-419):“A discussão sobre a natureza da prova é dividida em três correntes:
a) Corrente materialista – Para os defensores da corrente materialista, as normas sobre a prova são de ordem material, porque a prova tem relação com a própria substância do direito. Ademais, o direito não subsiste sem a prova. […]. As provas têm influência direta na decisão a ser proferida no campo material e não no processo.[…]
b) Corrente processualista – A corrente processualista defende que o principal objetivo da prova é a convicção judicial, assim, teria a prova uma função instrumental tendente a dar deslinde aos fatos.[…]
c) Corrente mista – Por fim, há uma corrente mista, defendida especialmente por Chiovenda (a despeito de muitos autores entenderem que sua posição seja processualista, não há dúvida que o autor segue uma corrente mista) que defende se tratar a prova tanto no direito material como no direito processual.
A despeito de haver dúvida em certos segmentos da doutrina, acerca da natureza da prova, a prova é instituto que deve ser estudado no âmbito processual. Mesmo tendo o Código Civil disciplinado sobre prova também (arts. 212-232), não se pode aceitar a ideia de que as provas se situam no campo material.
O direito material disciplina sobre a solenidade, constituição do documento e institutos intrinsecamente considerados (a despeito de o CPC/2015, vez ou outra, disciplinar sobre a prova no seu sentido intrínseco: “quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”(art. 406)), ou seja, a prova propriamente dita. Já o processo (e neste ponto interessa o nosso estudo) discute sua forma de produção, objeto, ônus, destinatário, validade, entre outros.
Há de se ter presente que, tendo o juiz como o destinatário da prova, resta evidente o caráter processual da prova”.
O direito probatório, de forma precisa, busca garantir a efetividade do conflito de interesse, no âmbito processual, por regular, conforme exposto, os principais aspectos do direito fundamental à prova. Isso ocorre porque seria muito fácil para uma parte imputar fatos à outra, e deixar que o processo se desenvolvesse de qualquer forma, trazendo prejuízos incalculáveis ao polo em desamparo probatório “robusto legítimo”.
É válido destacar que, processualmente, a parte se defende ou alega fatos, mas para isso precisa “montar” um conjunto probatório mínimo de suas alegações, sob pena de ser condenada por litigância de má-fé.
Segundo Bueno (2016, p. 145):“O litigante de má-fé poderá ser condenado como tal, de ofício ou a requerimento, a pagar multa, que deverá ser superior a 1% e inferior a 10% do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos por ela sofridos e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas por ela efetuadas”.
Superados os aspectos gerais do direito probatório, passa-se ao entendimento das provas sob uma classificação quanto à fonte.
2.2 Classificação da prova quanto à fonte
Fonte significa, basicamente, de onde surge e/ou nasce algo. Fazendo uma aplicação para o direito probatório, fonte é de onde surge a prova. As provas são classificadas quanto à fonte em: pessoal ou real.
A prova pessoal, também conhecida como prova subjetiva, é aquela que tem por fonte o sujeito, propriamente dito, decorre de uma manifestação humana (subjetiva). São exemplos de provas subjetivas, segundo o CPC (BRASIL, 2015): produção antecipada de prova, depoimento da parte, confissão, prova testemunhal, perícias sobre pessoas e inspeção judicial sobre pessoas.
A prova real, também conhecida como prova objetiva, é aquela que tem por fonte tudo aquilo que não for sujeito, ou seja, a coisa, propriamente dita. São exemplos de provas subjetivas, segundo o CPC (BRASIL, 2015): produção antecipada de prova, ata notarial, exibição de documento ou coisa, prova documental, perícia sobre coisas e inspeção judicial sobre coisas.
3 DA TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA
3.1 Contextualização e ônus probatório
Conforme é sabido, o processo é uma relação jurídica que é caracterizada por uma ligação, por via de regra, tripartite: juiz, autor e réu. Nessa relação, que é qualificada pela lide, as partes apresentam alegações de fatos que geram direitos. Contudo, as alegações precisam ser comprovadas para a produção de efeitos reais, no plano jurídico material.
No mundo ocidental, opera-se a ideologia de que o autor precisa comprovar os fatos constitutivos de seu direito, ou seja, aqueles fatos que criam o seu direito, ao passo que o réu precisa comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Por fato impeditivo, entenda-se aquele que obsta o direito do autor. O fato modificativo é aquele que altera o direito que o autor possuiria. E o fato extintivo é aquele que destrói qualquer possibilidade de alcance do direito do autor. Em nosso ordenamento jurídico, nomeia-se essa ideia como ônus legal e estático, posto que foi incorporado ao ordenamento jurídico pela lei.
O ônus seria não o dever, mas a incumbência de se fazer algo, sob risco de alguma consequência. Nesse entendimento, o ônus da prova, segundo Sá (2016), seria não uma imposição para que a parte produza a prova daquilo que alegou, mas a assunção do risco de não fazê-la.
Segundo Sá (2016), o ônus probatório é o encargo atribuído às partes, fundado na lei ou na vontade judicial, para a demonstração da existência de fatos de seu interesse.
O ônus probatório possui o escopo de orientação da decisão judicial para que, de forma objetiva, o magistrado possa, mesmo em casos difíceis, apresentar soluções para as controvérsias submetidas ao Poder Judiciário, na forma de processo.
Alguns autores, como Bueno (2016) e Marinoni e Arenhart e Mitidiero (2016), entendem existir uma dupla finalidade do ônus da prova, a saber: como regra de instrução ou procedimento e como regra de julgamento. Sob o enfoque da regra de instrução ou procedimento, no sentido de que as partes fiquem cientes dos riscos e das consequências da não produção da prova, a seu favor, criando um estímulo para a produção probatória, bem como para o comportamento processual. Sob o enfoque da regra de julgamento, entende-se que, na falta de elementos suficientes, o magistrado decida a favor de quem melhor se incumbiu, no encargo probatório, de forma a coibir o efeito de não julgamento.
Há, ainda, uma discussão sobre a natureza do ônus da prova, como se podendo ser classificado em: direito material, direito processual ou sistema misto. Pelo entendimento da natureza de direito material, entende-se que o ônus da prova estaria atraído pela relação jurídica de base material, objeto do conflito. Segundo o entendimento da natureza de direito processual, o ônus da prova estaria vinculado ao processo, de forma expressa e direta. E, pelo sistema misto, o ônus da prova seria entendido como norma de caráter tanto material quanto processual, uma vez que, embora ocorra na relação jurídica processual, possui vínculo indissolúvel com o direito material (THEODORO JÚNIOR, 2016). No Brasil, adota-se o entendimento da natureza mista do ônus da prova.
Uma vez superada a propedêutica do ônus da prova, passa-se para a consideração de que momento os meios de prova devem ser apresentados no processo.
Segundo Sá (2016, p. 435):“Quatro são os momentos em que os meios de prova serão verificados no processo: o da propositura, o da admissão, o da realização e o da valoração.
A propositura é o pedido para que a prova seja realizada. O autor pode apresentar as provas em dois momentos: i) na inicial; e ii) após a apresentação de defesa quando o magistrado irá requerer a produção das provas que se pretende produzir, agora com base nos novos argumentos trazidos pelo réu. Já o réu deve apresentá-las na contestação, sob pena de preclusão.
A realização é a produção da prova em si. É a extração do meio de prova e sua serventia para o processo. A forma de realização da prova dependerá das regras constantes no direito processual. Assim, existem provas cuja produção demande rigorosa formalidade atenta a lei (pericial, v. g.) e outras tantas que possuem um formalismo sutil como a prova documental.
A valoração da prova é o ato final e privativo do juiz que analisará o conjunto probatório e dele decidirá”.
Nesse sentido, pode-se dizer que os meios de prova serão analisados e produzidos conforme o momento processual cabível. Contudo, antes de entender o que é a distribuição dinâmica do ônus da prova, precisa-se compreender a inversão do ônus da prova, posto que são duas formas completamente distintas de produção probatória na relação jurídica de direito material.
3.2 Inversão do ônus da prova
Para se falar em inversão do ônus da prova, precisa-se compreender que não há um conceito específico para ela, mas há categorias de inversão do ônus da prova que ajudam a compreender a sua finalidade.
Segundo Sá (2016, p. 432):“A inversão do ônus da prova pode ser legal, convencional ou judicial.
Será legal (ope legis) quando a lei instituir a inversão decorrente da presunção relativa prevista em lei […].
De raríssima incidência prática, a convencional (ope judicis) decorre da vontade das partes. Esta convenção pode ser disciplinada de forma livre – CC, art. 104, III – (instrumento público, particular, em juízo [audiência ou petição]). Conforme se verifica do § 3º do art. 373, a lei não prevê as hipóteses de inversão convencional, mas sim quando ela não pode ser realizada: i) sobre direito indisponível (vide também art. 51, VI, do CDC); e ii) a inversão não causar dificuldade na prova por uma das partes. Esta convenção pode ser celebrada antes ou durante o processo conforme o art. 373, § 4º, do CPC/2015.
A inversão judicial ocorrerá quando o magistrado sentir a necessidade (será visto oportunamente no estudo do ônus dinâmico da prova, infra) da inversão ou quando a lei o autorizar a fazê-lo (CDC, v. g.). O momento adequado para se proceder a inversão será no momento de proferir a sentença. E isso porque, antes desse evento, não tem o magistrado condições de verificar se a prova será suficiente”.
A inversão do ônus da prova ocorre pela situação prática do processo em que, segundo a lei, a convenção ou o entendimento do magistrado, se desloca o ônus probatório estático da parte que o possui, segundo a legislação, e se transfere para a outra parte. É válido dizer que isso ocorre por determinações jurídicas.
3.3 Distribuição dinâmica do ônus da prova
Segundo Sá (2016, p. 434):“O CPC sempre adotou o ônus estático da prova. Assim o era como regra exclusiva do CPC/73 (art. 333) e assim o é no CPC/2015 em seu já referido art. 373, vale dizer, o encargo probandi de cada um dos litigantes é prévia e abstratamente conferido por lei, não levando em consideração as partes em conflito.
Todavia, por uma série de fatores (sociais, econômicos e mesmo físicos) a parte a quem compete o ônus da prova pode ficar impossibilitada de exercê-lo, gerando o que se convencionou chamar de prova diabólica. Desta feita, aos poucos a doutrina vinha aceitando a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.
Por ônus dinâmico entenda-se a possibilidade de o magistrado, não aprioristicamente, mas à luz do caso concreto, fixar a qual das partes competirá o encargo probatório diante da impossibilidade/dificuldade da outra.
Trata-se de mais um mecanismo atípico colocado à disposição do magistrado para que confira a paridade de armas e promova a isonomia substancial das partes no processo.
O CPC/2015 apenas normatizou o que já vinha sendo entendido pela doutrina ao estabelecer em seu art. 373, § 1º: “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
Portanto, há duas condições para a aplicação do ônus dinâmico, uma material e outra processual. Na material deve se constatar a insuficiência e impossibilidade de aplicação do método tradicional. Já na processual deve a decisão ser motivada (declinar os motivos da inversão judicial) e a oportunidade de se poder produzir a prova”.
Para Bueno (2016, p. 350-351):“Os §§ 1º e 2º do art. 373, por sua vez, inovam ao admitir e disciplinar expressamente os casos em que pode haver modificação (legal ou judicial) das regras constantes dos incisos do caput. O § 1º deixa claro que deve haver decisão judicial prévia que determine a modificação e crie condições para que a parte efetivamente se desincumba do ônus respectivo, com as condicionantes do § 2º, que veda o que usualmente é conhecido como “prova diabólica”, isto é, aquela impossível ou excessivamente difícil para uma das partes (a prova negativa de um fato específico, como, por exemplo, nunca ter estado em um determinado lugar).
De acordo com o § 1º do art. 373, nos casos previstos em lei (como se dá, por exemplo, no inciso VIII do art. 6º do Código do Consumidor, em que o que há é, propriamente, uma inversão do ônus da prova) ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de produzir prova nos moldes do caput, ou, ainda, considerando a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o magistrado atribuir o ônus da prova de modo diverso. Para tanto, deverá fazê-lo em decisão fundamentada (que justifique o porquê da incidência do § 1º e a inexistência dos óbices do § 2º), dando à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
É importante entender que a modificação do ônus da prova referida nos dispositivos aqui analisados interfere no próprio procedimento. Tanto assim que o inciso III do art. 357, que trata do saneamento e da organização do processo, é expresso quanto à alteração ocorrer naquele instante por decisão que antecede, portanto, o início da fase instrutória e, mais especificamente, a produção daquela prova. O CPC de 2015 consagra o tema, destarte, como regra de procedimento, e não, como pensam alguns no âmbito do CPC de 1973, como regra de julgamento. É mais um caso em que o modelo de processo cooperativo é concretizado por regra do CPC de 2015.
O § 3º do art. 373 trata da distribuição convencional do ônus da prova, admitindo-a, tanto quanto no CPC de 1973, desde que a convenção não recaia sobre direito indisponível da parte ou quando não tornar excessivamente difícil a sua produção. O § 4º esclarece que a convenção das partes sobre ônus da prova pode se dar antes ou durante o processo, o que se harmoniza com o disposto no art. 190”.
Segundo Theodoro Júnior (2016, p. 907): “A distribuição dinâmica do ônus da prova é uma técnica processual que decorre do princípio do processo cooperativo, que o novo Código trata como norma fundamental do moderno processo justo, o qual se empenha numa pacificação social efetiva e justa, a ser obtida democraticamente […]”.
A distribuição dinâmica do ônus da prova existe, na realidade processual brasileira, como forma de coibir a prova diabólica. Esse mecanismo de efetividade da justiça busca satisfazer e cumprir o modelo constitucional de processo, por fazer com que as lides sejam resolvidas da melhor forma possível, segundo os critérios fáticos.
O ônus dinâmico se opõe, de certa forma, ao ônus estático, por romper com a ideologia de que o autor prova fatos constitutivos de seu direito, e o réu prova os fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor. É válido destacar que o referido mecanismo não é a regra processual de nosso ordenamento jurídico, mas a exceção, segundo a especificidade de cada relação jurídica processual.
A inversão do ônus da prova é diferente da distribuição dinâmica do ônus da prova. Enquanto naquela as partes podem dispor de forma diversa sobre o ônus da prova por convenção, por lei ou por “vontade” do magistrado, nesta o ônus da prova é distribuído de forma distinta pelos critérios e realidades do processo, segundo o entendimento do magistrado. Mesmo que as partes venham arguir possibilidade de aplicação do ônus dinâmico, cabe ao juiz a palavra final sobre ele.
A prova da melhor condição da parte para produzir a prova por ônus dinâmico ocorre quando, segundo critérios subjetivos do magistrado, se aferir cumulativamente as seguintes condições: impossibilidade ou dificuldade excessiva de cumprir o encargo probatório segundo as determinações legais; maior facilidade de produção probatória por aquele que, inicialmente, não tinha a incumbência legal. Para que tenha validade é preciso que exista uma decisão fundamentada do magistrado determinando a aplicação do referido mecanismo. Caso a parte sofra e não concorde com a decisão judicial de produção probatória por ônus dinâmico, há possibilidade de interposição de recurso de agravo de instrumento, conforme o artigo 1.015, XI, do CPC (BRASIL, 2015).
O valor da prova produzida por ônus dinâmico, no processo, é relativo. Posto que em nosso ordenamento jurídico não existe critério objetivo que diga que a prova é absoluta e capaz de ilidir os demais meios probatórios. Mesmo que a prova produzida de forma dinâmica seja considerada a mais importante do processo, em razão do contexto fático, ainda assim terá valor relativo.
O momento processual para requerer a aplicação da produção de prova por distribuição dinâmica é na fase de organização e saneamento do processo, pelos seguintes fundamentos: com a formação do processo, não há como o magistrado verificar os critérios de melhor produção da prova por parte diversa da que possui o ônus legal; durante o curso do processo até a fase de saneamento e organização, o magistrado pode verificar que uma parte possui mais condições de produzir uma prova do que outra; durante o saneamento, é legítimo que as partes requeiram a produção de prova por distribuição dinâmica de forma fundamentada para o magistrado; e, por fim, com o despacho saneador, devidamente fundamentado, efetiva-se a distribuição dinâmica do ônus da prova, na relação jurídica processual.
Depois de superada a discussão propedêutica da distribuição dinâmica do ônus da prova, passa-se a discutir quais tipos de provas poderiam ser produzidos por ônus dinâmico. Por estudo, segundo o critério de classificação das provas quanto às fontes, entende-se que as provas objetivas ou reais seriam o alvo de aplicação do referido mecanismo de efetividade da justiça, posto que são elas, no contexto fático do processo, que estão em poder de parte diversa daquela que possui o ônus legal. Não se vislumbra possibilidade de aplicação de ônus dinâmico para provas subjetivas, pois não há como dizer que uma testemunha, uma confissão ou um depoimento, apenas para exemplificar, são capazes, isoladamente, de satisfazer os requisitos da melhor condição fático-probatória da parte diversa.
CONCLUSÃO
O procedimento comum é o modo como o processo judicial civil resolve os conflitos de interesses sob a égide do Código de Processo Civil, principalmente no que tange ao processo de conhecimento.
O referido procedimento é dividido em quatro fases que possuem peculiaridades e atos processuais específicos, a saber: postulatória, a formação da relação jurídica processual, desde a petição inicial até a contestação; saneadora, a organização do processo para instrução, exteriorizada pelas providências preliminares, e a decisão interlocutória de saneamento e organização do processo; instrutória, para a colheita de provas em audiência de instrução e julgamento; decisória, conclusão do processo no primeiro grau de jurisdição, pela sentença.
O direito probatório objetiva muito mais do que apenas regular a teoria geral das provas, inclui a admissibilidade e a possibilidade de sua produção de forma legítima para fazer verdadeira comunhão e auxiliar o magistrado na tomada da decisão, segundo a realidade fática de cada lide.
Diante do exposto, verifica-se que é possível, no direito probatório brasileiro, a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova na relação jurídica processual, por intermédio de decisão jurídica saneadora fundamentada de natureza interlocutória, capaz de ser agravada, caso a parte verifique que será excessivamente prejudicada e que não preenche os requisitos da melhor condição probatória.
As provas que serão alvo da distribuição dinâmica serão as objetivas ou reais. Em razão disso, pode-se dizer que há efetividade desse mecanismo de justiça por concretizar o modelo cooperativo e isonômico de processo civil estabelecido pelo Código de Processo Civil.
A distribuição dinâmica do ônus da prova não é considerada regra processual, mas exceção, no direito probatório, segundo a verificação fática de cada um dos processos pelo magistrado. Nem poderia ser assim considerada, em razão de que nem sempre haverá prova diabólica a ser coibida no processo judicial.
Informações Sobre o Autor
Felipe da Silva Lopes
Acadêmico de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas CIESA