Sumário: 1. Argüição de incompetência relativa – 2. Inclusão do parágrafo único ao art. 305 e a sua problematização – 3. Sugestões para minorar os problemas que podem advir da má aplicação do parágrafo único do art. 305.
1. Argüição de incompetência relativa
Uma vez citado, confere-se ao réu o direito de argüir a incompetência no prazo de defesa. Tratando-se de incompetência absoluta, deverá suscitar a matéria em preliminar de contestação, conforme art. 301, II, do CPC. Sendo caso de incompetência relativa, o demandado deverá provocá-la através de um específico meio de defesa: a exceção de incompetência, prevista no art. 112.
O art. 112 se encontra engajado no capítulo referente à competência e, mais precisamente, na seção da declaração de incompetência (Livro I, Título IV, Capítulo III, Seção V, do CPC). No capítulo concernente à resposta do réu (Livro I, Título VIII, Capítulo II, Seção III, do CPC), novamente a matéria é abordada. Neste contexto, diz-se que a parte (o réu) pode “argüir, por meio de exceção, a incompetência” (art. 304).
Com a apresentação da exceção de incompetência, deve o juiz determinar a suspensão do processo (art. 265, III), que ficará sobrestado “até que seja definitivamente julgada” (art. 306). É certo que não é tranqüila a interpretação acerca da terminologia “definitivamente julgada”. Pode-se entender, de um lado, que se trata do julgamento feito pelo juiz de primeiro grau, notadamente porque o recurso cabível contra a decisão é o agravo de instrumento, despido de efeito suspensivo. Por outro lado, pode-se entender que a regra do art. 306 é especial e pretende a retomada do processo somente após o julgamento da exceção em grau de recurso, se houver
Ofertada a exceção, o prazo ficará suspenso para apresentação de contestação e/ou reconvenção. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ensinam:
“(…) uma vez oferecida a exceção, no prazo da defesa – e antes de concluído esse prazo, desde que não oferecidas as demais respostas concomitantemente -, suspende-se o prazo inclusive para o oferecimento de outras respostas que o réu possa deduzir (contestação e reconvenção), ficando-lhe defeso apresentar essas peças. Tais respostas outras somente poderão ser apresentadas depois de julgadas as exceções, quando então terá curso novamente o feito” (Manual do processo de conhecimento, p. 161/162).
No mesmo sentido, Fredie Didier Jr.:
“Oferecida somente a exceção, não poderá o réu oferecer contestação e reconvenção, em razão da suspensão do processo. Como ocorre a suspensão, o prazo de defesa será restituído por tempo igual ao que faltava para a sua complementação, se é que faltava” (Direito processual civil, p. 447).
Esse entendimento é tranqüilo na jurisprudência do STJ:
“Acolhida a exceção de incompetência, o prazo para contestação ou interposição de recurso contra decisões anteriores ao incidente só recomeça a fluir com a intimação do réu da chegada dos autos ao juízo declarado competente” (STJ – 3ª Turma – REsp. nº 513964/SC – Rel. Min. Castro Filho – j. 12.04.05).
“Oposta exceção de incompetência, o prazo para contestação fica suspenso, fluindo, pelo tempo restante, após o julgamento da exceção” (STJ – 4ª Turma – REsp. nº 111404/ES – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. 17.09.02. No mesmo sentido: 6ª Turma – REsp. nº 61142/SP – Rel. Min. William Patterson – j. 03.12.96 e 4ª Turma – REsp. nº 73414/PB – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 18.06.96).
Ouso criticar essa sistemática, porquanto causa efetivo prejuízo à celeridade do processo. Com efeito, se a exceção de incompetência for acolhida, remetendo-se o feito ao juízo competente, correrá para o réu o prazo para apresentação de contestação e/ou reconvenção.
A contrario sensu, se a exceção for desacolhida e tão logo o réu seja intimado, igualmente correrá o prazo para a apresentação daquelas outras peças. Essa conclusão se dá porque a exceção de incompetência é defesa processual dilatória, não importando jamais em terminação do feito. Se o réu terá o ônus de apresentar contestação, por que postergar o oferecimento da mesma? Parece-me que seria melhor se a lei impusesse ao réu o ônus de concentrar todas as defesas em única oportunidade, tal como o faz no tocante à contestação e à reconvenção (art. 299).
2. Inclusão do parágrafo único ao art. 305 e a sua problematização
A Lei nº 11.280/06 incluiu um parágrafo ao art. 305. Ei-lo:
“Na exceção de incompetência (art. 112 desta Lei), a petição pode ser protocolizada no juízo de domicílio do réu, com requerimento de sua imediata remessa ao juízo que determinou a citação”.
A nova regra visa a ampliar a esfera de direitos processuais do réu. Assim, poderá oferecer a exceção de incompetência no lugar do seu domicílio. Contudo, muito embora não haja disposição expressa, é comum na mecânica forense o oferecimento de resposta no próprio juízo deprecado, desde que a carta precatória ainda não tenha sido devolvida.
Impõe-se, contudo, esclarecer que o juízo deprecado não está obrigado a aguardar o prazo de defesa para determinar a devolução da carta precatória, tão logo cumprida. Isso porque, o prazo de defesa só se inicia com a devolução da carta precatória aos autos do processo e não do mandado aos autos da carta. Nesse sentido, art. 241, IV, do CPC.
É por isso que há de se afastar, de pronto, a exegese de que o novo parágrafo único do art. 305 só teria aplicabilidade no tocante à citação por carta precatória. Incorrer nessa limitada interpretação seria retirar do dispositivo sua eficácia na maioria dos casos.
Veja-se que a citação por oficial de justiça não é a regra, seja no próprio juízo processante, seja através de carta precatória. Se, originariamente, a citação por correio só estava autorizada quando o réu fosse comerciante ou industrial, a Lei nº 8.710/93 mudou drasticamente esse figurino, dando nova redação ao art. 222. Assim, a citação pelo correio passou a ser regra geral.
De outro lado, o novo parágrafo único do art. 305 não se restringiu expressamente aos casos de citação através de mandado cumprido no âmbito de carta precatória. Portanto, é possível concluir que a nova prerrogativa conferida ao réu se aplica a qualquer modalidade de citação (por correios, por oficial de justiça e por edital).
Tal sistemática, malgrado, trará muito mais problemas que benefícios. Há várias circunstâncias de ordem prática que nos levam a essa conclusão. Vejamos, pois, algumas delas:
i) O juízo onde corre o processo não terá meios de fiscalizar, de imediato, o oferecimento da exceção em outro lugar. Basta imaginar uma situação em que o processo tramita em uma comarca distante do domicílio do réu. Haverá, sobremaneira, dificuldade em se estabelecer pronta comunicação.
ii) A remessa da peça apresentada no domicílio do réu trará custos. Indaga-se, então, quem deverá arcar com os mesmos? O citando ou o Poder Judiciário? Não basta que a peça seja remetida por fax. Primeiro, porque se apenas isto bastasse, dispensar-se-ia a regra do parágrafo único do art. 305, pois, valendo-se da Lei nº 9.800/99, poderia o próprio réu assim proceder. Segundo, juntamente com a exceção de incompetência, podem ser apresentados documentos que reclamem a análise em seus originais. Portanto, haverá um inevitável custo com a remessa ao juízo competente.
iii) Dependendo do movimento processual da escrivania que receber a peça, a comunicação ao juízo competente poderá não ser imediata. A prática forense demonstra que em certos cartórios judiciais, com elevado acervo e/ou fluxo, as petições demoram dias para serem juntadas aos respectivos autos. Ora, com a exceção de incompetência apresentada na forma do art. 305, parágrafo único, não será diferente. Razoavelmente, alguns dias podem decorrer entre o recebimento da peça e a observação de que foi protocolada naquela forma. Ademais, em certas comarcas, as petições não são apresentadas na secretaria do próprio juízo, mas em protocolos integrados e/ou centralizados, o que demandaria maior tempo até que a exceção chegue ao juiz.
iv) A lei, ainda, não diz a quem caberá o recebimento da exceção. Em comarca de vara única, poderá ser ao juiz que nela oficia. Questiona-se, pois, a qual juiz competirá nas comarcas onde diversos são os juízos? A petição deverá ser distribuída?
v) Outra indagação: que horário deverá ser levado em conta para aferição do cumprimento de prazo? O do juízo onde a exceção foi apresentada ou do lugar onde processo tramita?
Esses são alguns dos tantos problemas de ordem prática que, no dia-a-dia, poderão ocorrer, às vezes, com conseqüências desastrosas. Por qualquer motivo que seja, não havendo a comunicação imediata entre o juízo receptor e aquele onde corre o processo, poderá a secretaria deste último certificar o decurso in albis do prazo. Daí, naturalmente haverá a decretação de revelia, que poderá inclusive culminar no julgamento antecipado da lide (art. 330, II).
Desconhecendo-se a apresentação da exceção de incompetência em outra comarca, não se cogitará no juízo do processo sobre a suspensão de prazo, na forma preceituada no art. 306.
Caso o processo seja resolvido com base no art. 330, II, referido julgamento será nulo, por ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. Em sendo decretada a revelia, o réu sequer será intimado da sentença (art. 322), que “transitará em julgado” indevidamente. Nessas situações, poderá haver uma enxurrada de agravos, apelações ou ações rescisórias no âmbito dos tribunais, causando maiores transtornos inclusive com violação do princípio da celeridade processual.
2.3. Sugestões para minorar os problemas que podem advir da má aplicação do parágrafo único do art. 305
Algumas soluções podem ser propostas, no sentido de evitar conseqüências danosas ao réu, à própria atividade jurisdicional e, por via de conseqüência, ao autor. Por evidente, não são soluções exaustivas, mesmo porque não se conhecem todos os problemas que podem surgir em torno da nova regra. Estes somente aparecerão na dinâmica forense. Vejamos:
i) Nas comarcas compostas por mais de um juízo, caberá à diretoria do fórum a providência do art. 305, parágrafo único.
ii) Por não se tratar de atividade jurisdicional, mas de mera conduta administrativa, o ato poderá ser materialmente delegado a qualquer serventuário; sendo, portanto, desnecessário “despacho” no foro do domicílio do réu-excipiente.
iii) O custo com a remessa da peça e documentos ao juízo competente deverá ser arcado pelo próprio réu, sendo imprescindível a regulamentação legal quanto às despesas respectivas, a exemplo da criação de “porte de remessa”, tal como há no direito recursal.
iv) A secretaria do juízo onde tramita o processo, verificando que no prazo legal não foi apresentada resposta, deverá aguardar prazo razoável antes de certificar o decurso in albis. Assim, na medida do possível, evitar-se-á a decretação indevida de revelia.
v) Para fins de aferição de tempestividade, há de ser considerado o horário de funcionamento da comarca onde a peça foi apresentada e não onde se processa o feito.
Não obstante as soluções apresentadas e outras porventura encontradas, de qualquer forma, seria salutar a regulamentação no âmbito do próprio direito positivo.
Bibliografia
Informações Sobre o Autor
Iure Pedroza Menezes