Inconstitucionalidade da taxatividade da competência dos juizados especiais federais

Resumo: O presente artigo tem como escopo a demonstração da inconstitucionalidade da taxatividade da competência dos Juizados Especiais Federais no julgamento de matérias cíveis. Será demonstrada a pertinência da afirmativa do presente trabalho através da demonstração do histórico e evolução da criação dos microssistemas jurisdicionais dos juizados especiais, bem como sua pertinência para julgamento das causas de baixa complexidade de forma célere e acessível. Outro aspecto que evidenciará a afirmativa do presente trabalho é a demonstração das garantias processuais constitucionais, que elucidam o quanto se distancia da Constituição Federal a taxatividade de competência aqui apontada. [1]

Palavras Chave: Juizados Especiais Federais. Competência Absoluta. Inconstitucionalidade.

Sumário: 1. Introdução; 2. Microssistemas especiais; 2.1 Criação dos juizados especiais cíveis e federais; 3 Garantias processuais na constituição; 4. Dos pontos deflagradores da inconstitucionalidade; 4.1. Da impossibilidade de escolha do rito; 4.2. Do conflito entre as leis 9.099 e 10.259 no que tange à competência; 5. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo trazer à lume uma discussão que revolve muito mais um postulado de direitos e garantias Constitucionais, do que, propriamente dito, uma mera dialética sobre a pertinência da criação e existência dos Juizados Especiais Federais.

Importante salientar que, este artigo, de modo algum, visa propor uma derrocada acerca do microssistema dos Juizados Federais, pelo contrário, visa debater acerca da inconstitucional taxatividade da competência do dito microssistema para análise de determinadas causas.

Ao contrário do que estabelecido, tanto na Constituição Federal, quanto na Lei 9.099/95, que facultam a competência dos microssistemas dos Juizados Especiais, para o julgamento de determinadas causas, quando criados os Juizados Especiais Federais, resolveu-se, por tirar do jurisdicionado a faculdade de escolher por uma jurisdição mais enxuta, que, de certo modo, extirpa alguns direitos e garantias processuais, em nome da celeridade e economicidade – quem sabe, em certo modo, até um mais fácil acesso à justiça – processuais.

Para uma melhor compreensão acerca do tema, traremos o histórico da necessidade de implementação de um microssistema mais simples e abrangente no que tange à resolução de conflitos, bem como sua colocação no ordenamento principiológico Constitucional, o que, demonstrará a pertinência da criação destes microssistemas judiciários, o que, em contrapartida, demonstrará que, em que pese ser necessário para um melhor alcance dos interesses dos jurisdicionados, há que se manter garantias processuais sólidas, inclusive a escolha por este rito processual, que, por sua essência, não pode se mostrar complexo e abrangente, tal como os ritos comuns.

2. MICROSSISTEMAS ESPECIAIS

Em nosso ordenamento Constitucional atual, fora instituída a criação dos Juizados Especiais, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios, através do disposto no art. 98 inciso primeiro da Carta, que assim dispõe.

juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Tais juizados, tal como previsto na Constituição, tem sua razão de ser, principalmente, do julgamento de causas de menor complexidade que demandam, do pronto de vista técnico jurídico, menor burocracia processual.

2.1 CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS E FEDERAIS

O principal fundamento para que se começasse a se pensar um uma estrutura menos complexa e burocrática, processualmente falando, para a solução de conflitos, certamente se deu pela dificuldade que o jurisdicionado encontrava no acesso à justiça, pois, há de se concordar que uma lide judiciária é complexa e cara, pois, temos taxas, honorários, sucumbências, perícias, e taxas, e taxas etc.

Juristas brasileiros, em meados da década de 1980, vislumbrando a experiência, em outros países, principalmente cujas principiologias jurisdicionais caminham no sentido da Common Low, viram a implementação de um sistema jurisdicional, pautado na solução de conflitos através de conciliação e arbitragem, como um meio de aproximar o jurisdicionado, ao Estado Juiz para a solução de seus problemas sociais e sociológicos.

Outra experiência preconizadora da criação dos Juizados de Pequenas Causas, veio do Rio Grande do Sul, quando aquele Estado, apoiou a criação dos Conselhos de Conciliação, da iniciativa da associação de Juízes bem como contou com o apoio do Poder Judiciário. Tais conselhos eram órgãos não jurisdicionais, cujos objetivos eram a conciliação entre partes, evitando, desta maneira o acúmulo de processos e facilitação de acesso à justiça e era composto por conciliadores honorários que adivinham das classes de Advogados, membros do Ministério Público, Procuradores do Estado e Juízes aposentados.

Todos que atuavam naqueles conselhos o faziam de forma honorária e seu funcionamento era nas instalações do próprio Tribunal, sempre no período noturno e contava com a supervisão de Juízes que de pronto homologavam os acordos ali celebrados dando por finalizadas as lides.

Para a Professora Ada Pellegrini.

“[…]foi nos Juizados de conciliação que se extraíram os dados empíricos que conduziram à elaboração da Lei das Pequenas Causa. E são alguns deles que haverão de transformar-se em Juizados Especiais de Pequenas Causas, numa eloquente demonstração da importância da análise sociológica para a correta implantação das vias informais, jurisdicionais ou não, capazes de oferecer alternativas idôneas ao processo formal.”[2]

Com esse intento, fora promulgada, em 1984, a Lei 7.244, que criava os Juizados de Pequenas Causas que tinha como peculiaridades o processamento e julgamento de causas, cujos valores não ultrapassassem a monta de 20 salários mínimos e que tivessem por objeto a condenação em dinheiro; a condenação à entrega de coisa certa móvel ou a cumprimento de obrigação de fazer, a cargo de fabricante ou fornecedor de bens e serviços para consumo; a desconstituição e a declaração de nulidade de contrato relativo a coisas móveis e semoventes; a possibilidade de, não obtida a conciliação, as partes optarem, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista na citada lei.

Como já dito, para que se chegasse ao ponto de promulgação da Lei dos Juizados de Pequenas Causas, fora de crucial importância o estudo e aperfeiçoamento da experiência norte americana que já contava com semelhante sistema jurisdicional, o qual tinha como fator expoente a solução de conflitos através da arbitragem.

No entanto, nossa Lei, ao contrário da norte americana, tinha como fator expoente a tentativa de conciliação entre as partes do processo, tornando subsidiária a forma de solução de conflitos através da arbitragem e finalmente através de uma Sentença.

Nesse sentido, importante contribuição da Dra. Oriante Piske.

A Lei das Pequenas Causas não foi, e não se esperava mesmo que fosse, um corpo isolado com vida autônoma e despregado de raízes lançadas para fora de si. Ela constituiu um ponto bastante luminoso na constelação das leis processuais no universo do ordenamento jurídico brasileiro. A criação dos Juizados de Pequenas Causas foi uma imposição do interesse nacional, por representar a garantia do acesso à Justiça das grandes massas populacionais. As despesas com custas e honorários de advogado, o tempo perdido nas diligências preliminares ao ajuizamento da demanda, o temor de uma longa tramitação da causa, constituíam fatores que desestimulavam os prejudicados, mesmo pessoas de alguns recursos, de pleitear em juízo aquilo que entendiam ser de seu direito.”[3]

Podemos afirmar que a criação dos Juizados de Pequenas Causas, foi, sim, um marco legislativo que deu início a uma cultura de desburocratização processual e facilitação do acesso à Justiça em nosso país, até por que, foi promulgada tal lei, antes mesmo da previsão Constitucional desses microssistemas judiciários.

Como vimos acima, a Constituição de 1988, previu, expressamente, o estabelecimento de tais sistemas, dando, inclusive, seus nortes orientadores para funcionamento e procedimento, o que embasou, para no ano de 1995, ser promulgada a Lei 9.099 que instituiu, no Brasil, os Juizados Especiais, que em muito se assemelhavam dos Juizados de Pequenas Causa, porém, com alguns princípios, que distanciavam o novo sistema da mera condição de julgamentos de causas de pequeno valor.

Os Juizados Especiais, tal como criados no ano de 1995, tinham, e têm, como nortes, além da previsibilidade do valor da causa, a essência de julgamento de causas menos complexas, porém, mantendo os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e conciliação e transação.

Evidentemente, tais princípios, em alguns pontos colidem com os princípios dos procedimentos comuns, até porquê, no procedimento comum, são previstas garantias processuais, que, se aplicadas ao microssistema dos Juizados Especiais, tornariam estes tão burocráticos, processualmente falando, quanto os ditos “juízos comuns”.

Entretanto, a criação de tais microssistemas, não foi exaustiva no que tange aos procedimentos processuais, o que, certamente levaria a uma lacuna procedimental, que tornaria temerária a garantia Constitucional, do devido processo legal, o que, certamente torna subsidiária a aplicação dos Códigos Processuais, tanto civil, quanto penal. Importante salientar, quanto a este último, que a Lei que instituiu os Juizados Especiais, não somente previu o julgamento de causas cíveis, mas também causas criminais, cujo ato lesivo, seja de menor potencial ofensivo.

Ainda importa salientar que, a criação dos microssistemas dos Juizados Especiais, disposta na Lei 9.099, por pautar-se nos princípios acima salientados, não poderia abranger toda a gama garantista processual prevista no Código do Processo Civil, o que, deixou de lado algumas fases e recursos processuais ali previstos.

Entretanto, a escolha pelo rito sempre foi do jurisdicionado, pois, optando pelo rito sumaríssimo, teria algumas vantagens, tais como a celeridade, informalidade, gratuidade e inclusive, a dispensa de contratação de Advogado para representação processual, ao passo que, alguns recursos não são previstos para a aplicação neste microssistema, tais como, Agravo de Instrumento, Recurso Especial entre outros.

Ainda na esteira da criação de tais microssistemas judiciários, tendo em vista que a União não litiga nas Justiças Estaduais e a Lei 9.099 de 1995, previa expressamente a criação dos Juizados Especiais nestas esferas, nos seguintes dizeres.

“Art. 1º Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência”.[4]

Como na Carta Constitucional, original, a criação de tais Juizados, era em âmbito estadual ou do distrito federal e territórios, para que as causas em que a União fosse parte era necessário emendar a Carta neste ponto específico, o que foi solucionado através da Emenda Constitucional nº 22 de 1999, que introduziu o parágrafo único do art. 98 prevendo a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. Tal dispositivo foi renumerado através da Emenda Constitucional nº 40 de 2004, passando, este dispositivo, a figurar no parágrafo primeiro da Carta.

Com a devida autorização Constitucional, em 2001, foi promulgada a Lei 10.259, que instituiu a criação dos Juizados Especiais, cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal.

Podemos asseverar em síntese, para o momento, que a Lei que instituiu a criação dos Juizados Especiais Federais, em sua essência, dispunha dos princípios processuais, deste microssistema sumaríssimo que fora disposto pela Lei 9.099/95, inclusive, com a determinação que essa lei seria utilizada de forma subsidiária, naquilo que não confrontasse com os dispositivos específicos para os Juizados Federais.

Por fim, temos que mencionar que o ciclo de criação de Juizados Especiais não se estancou com a promulgação da Lei 10.259/01, pois, ainda restava estabelecer legitimidade processual ao entes federativos Estados, Distrito Federal e Municípios, para a litigância em Juizados Especiais, o que foi resolvido através da publicação da Lei 12.153 de 2009.

Esta Lei, em que pese ter o escopo voltado para abarcar os direitos relativos às fazendas Estaduais e Municipais, teve como base legal a Lei que criou os Juizados Especiais Federais, em suma, ambas as Lei são bastante parecidas, entretanto, esta última traz alguns dispositivos que aproveitam à Lei 10.259/01, o que de certa forma, cria uma complementariedade entre ambas e ambas com a Lei 9.099/95.

3 GARANTIAS PROCESSUAIS NA CONSTITUIÇÃO

Como delineado no início, o escopo do presente trabalho, é a demonstração da inconstitucionalidade da taxatividade da competência absoluta dos Juizados Especiais Federais, em matéria cível, pois, como demonstrado, os microssistemas dos juizados especiais, têm como o objetivo, a desburocratização processual judicial, o que, torna o processo mais célere, mais, fácil, mais barato etc.

Não custa repetir que, em momento algum deste artigo, será dito que os microssistemas dos juizados especiais são indevidos, ou mesmo que fora um erro sua criação. Pelo contrário, são formas fantásticas de solução de conflitos, têm características essenciais para que o processo torne-se célere, fácil e acessível.

O que tem que se deixar claro é que, quando da criação dos Juizados Especiais Federais, a Lei que os criaram impôs uma taxatividade de competências que torna muito perigoso o acesso à justiça sob o manto principiológico Constitucional, principalmente no que tange às garantias processuais.

Nesta nuance, importante salientar a diferença entre direitos e garantias, nas sábias palavras de Gerson de Barros Calatróia[5].

“Direitos e garantias fundamentais pertencem à categoria ampla dos direitos individuais. A diferença está na circunstância de que as garantias não resguardam bens da vida propriamente ditos, tais como a liberdade, a propriedade, a segurança, mas fornecem instrumentos jurídicos ao indivíduo, especialmente fortes e rápidos para garantir os direitos individuais.”

Para que possamos fundamentar a inconstitucionalidade da taxatividade da competência dos Juizados Especiais Federais, devemos saber e entender quais são as garantias processuais insculpidas na Carta da Republica.

Partimos então do direito ao devido processo legal, disposto no art. 5º, inciso LIV. Em que pese parecer bastante vago e incompleto tal garantia, o direito fundamental ao devido processo legal, por si mesmo já é prepulsor do sentimento geral da segurança jurídica, pois, o jurisdicionado, por tal princípio, parte do princípio que suas pretensões, colocadas à mão do Estado Juiz, serão analisadas e julgadas conforme regras claras e dispostas antes mesmo de sua propositura, o que lhe deixa seguro de que serão respeitas as regras processuais.

O devido processo legal, como dito acima, não deve ser interpretado com um fim em si mesmo, pois, há outras garantias processuais que o complementam e lhe dão a dita segurança jurídica.

Outra garantia que complementa o devido processo legal é o direito ao contraditório e à ampla defesa, disposto no inciso LV, do mesmo artigo 5º da Constituição.

O contraditório e ampla defesa garante que ninguém será acusado e/ou processado, sem que seja lhe dado o direito de contradizer ao que lhe está sendo imputado, restando o direito, para tanto, de forma ampla e de maneira previamente regrada, de produzir provas e argumentos que possam evidenciar sua inocência ou inadequação quanto ao que está sendo dito sobre si.

A nosso ver, o direito ao contraditório e à ampla defesa, não deve ser interpretado como um direito exclusivo daquele que está acusado ou processado, mas um direito que cabe à ambas as partes da relação jurídica, tanto acusador, quanto acusado, ou até mesmo ao Ministério Público, quando atua como fiscal da Lei e protetor dos direitos dos incapazes. Tal garantia, em uma perspectiva de quem é o Autor ou acusador, tem o condão de lhe garantir que, na seara processual, poderá utilizar-se de todos os meios legais para provar aquilo que tem direito, garantindo ainda que, seja amplo e irrestrito seu direito às garantias processuais, para que, dessa forma, possa demonstrar ao Estado Juiz que suas argumentações são condizentes com a verdade.

A ampla defesa, como uma garantia processual Constitucional, também tem o viés de preservar ao jurisdicionado, um amplo direito aos instrumentos processuais necessários à demonstração de suas razões.

Outra garantia é a que está insculpida no caput do art. 5º, pois informa que todos serão iguais perante a Lei, ou seja, não há de ter qualquer distinção entre os litigantes, seja em razão do sexo, idade, raça, credo etc, deve o Estado Juiz, quando na analise para a solução do litígio, aplicar as regras processuais indistintamente, buscando, a qualquer custo, a solução através da aplicação das normas legais e Constitucionais, de maneira equânime e justa.

Outra garantia que caminha de mãos dadas ao da igualdade, reside no inciso XXXVII do mesmo art. 5º, pois dispõe que não haverá juízo ou tribunal de exceção, ou seja, é o corolário do juízo natural, pois, deve as regras processuais preverem, de antemão, qual será o juízo para que causa, ou para cada cidadão, pois, dessa forma, não há que se deixar margem para que haja qualquer tipo de favorecimento ou de suspeição acerca do julgador, que deve, de forma suprema, ser imparcial e equidistante dos interesses das partes.

Outra garantia de suma importância, diz respeito à inafastabilidade do controle jurisdicional, essa garantia, disposta no inciso XXXV, também do artigo 5º, impõe ao Estado Juiz, o dever de julgar as matérias a ele postas, não podendo, sob qualquer pretexto, a recusa ao julgamento.

O texto dessa garantia, em sua literalidade, diz que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, claro que em uma análise superficial, resta o entendimento que não poderá existir em nosso ordenamento jurídico, dispositivos legais que apreciados em Juízo, porém há que se fazer uma análise mais aprofundada de tal garantia, trazendo ao lume do entendimento jurídico que, cabe ao Poder Judiciário dar solução aos conflitos a eles expostos, independentemente de haver ou não solução legal. Nesse viés, cabe ao julgador, mesmo que sem solução legal ao conflito disposto, julgar e aplicar, além do direito positivo, outra soluções jurídicas, tais como, usos e costumes, princípios gerais do direito, analogia etc.

Ainda na esteira das garantias processuais Constitucionais, temos que todos os atos judiciais serão públicos. Tal princípio da publicidade dos atos, está disposto tanto no art. 5º, no inciso LX, quanto no art. 93, IX. A publicidade dos atos judiciais, ressalvada a intimidade ou exigência de interesse social, é de indisponível importância para a garantia da transparência das soluções prolatadas pelo Estado Juiz, bem como para a validade dos próprios atos judiciais.

Temos também que observar o princípio da motivação das decisões judiciais, disposto no art. 93, IX, por tal princípio entende-se que, é dever do Estado Juiz, fundamentar a solução a que chegou para tal conflito a ele disposto, pois, se é dever deste mesmo Estado Juiz, aplicar o direito aos conflitos, ou outras soluções na eventual lacuna legal, é fundamental que demonstre como formou seu convencimento para se chegar à solução do conflito.

Garantia do duplo grau de jurisdição, em que pese tal direito não estar expresso na Constituição, há que se ressalvar sua materialidade Constitucional, pois, em linhas gerais, faz integra outras garantias processuais, mencionadas acimas, tais como a do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório etc.

Nesse sentido importante contribuição de SÉRGIO MASSARU TAKOI[6].

“Não há na Constituição de 1988 de forma expressa a garantia genérica do princípio do duplo grau de jurisdição, nem poder-se-ia dizer que este estaria implicitamente garantido no artigo 5, LV e respectivo parágrafo único, isso porque a Suprema Corte já decidiu no RE 201297-1, DJ 05.09.97, Relator Ministro Moreira Alves, pela negativa desse entendimento, ao afirmar que “a própria Constituição admite a existência de decisões em grau único de jurisdição não apenas nos casos que especifica, como os de ações originárias perante o Supremo Tribunal Federal, mas também genericamente, ao admitir, no artigo 102, III, recurso extraordinário nas causas decididas em única instância, quando ocorre hipótese prevista numa das letras “a”, “b” ou “c”, do mesmo dispositivo.” […]

No entanto, há que ser considerada para afirmar ou não a inexistência de previsão constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição o artigo 8°, 2, h, da Convenção Americana de Direitos Humanos que dispõe que “durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: h – direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”, especialmente após o advento da Emenda Constitucional 45/04, que ao instituir o § 3° ao artigo 5° da CF/88, passou a atribuir às convenções internacionais sobre direitos humanos hierarquia constitucional.”

As garantias processuais Constitucionais acima dispostas, não são exaurientes, existem outras tantas, tão importantes quanto, entretanto, são aquelas que fundamentam o objetivo do presente artigo, ou seja, de demonstrar que a taxatividade da competência dos juizados especiais federias, tal como será demonstrado a seguir.

4. DOS PONTOS DEFLAGRADORES DA INCONSTITUCIONALIDADE

4.1. DA IMPOSSIBILIDADE DE ESCOLHA DO RITO

Importante observarmos que, quando fora instituída a Lei 9.099/95, o legislador, claramente tinha o fim de excluir do rito especial tudo quanto tivesse alguma ligação com qualquer ente público. A lei, ao normatizar quem são os destinatários da norma no art. 3º, § 2º, excluiu os entes públicos. Ao assim proceder, quis o legislador excluir discussões que envolvessem patrimônio público e o interesse qualificado da Sociedade representado de forma direta ou indireta pela União.

Nessa esteira, a delimitação de atuação do rito especialíssimo, ateve-se a incluir no rol de seus jurisdicionados, somente pessoas particulares, posto que, tinham como, dentro do rito, disporem de seus direitos, quando assim possível fosse, para que, na solução dos conflitos através de uma eventual composição, a controvérsia fosse dirimida de forma mais célere.

O rito especialíssimo a que se julga pelo microssistema dos juizados especiais, tem como objetivo precípuo o de dar celeridade aos procedimentos judiciais que não demandam grande complexidade de análise por parte do poder Judiciário, tendo assim, maior possibilidade de, nos termos do microssistema, julgar as ações ali propostas com mais rapidez e com grande possibilidade de acertos e transações.

Há que se ter em mente que, por se tratar de um rito especialíssimo, o jurisdicionado, pelo espírito da lei 9.099 suprime alguns ritos e procedimentos dispostos pelos ritos comuns, o que, certamente, ao arrepio do princípio constitucional da ampla defesa, do contraditório e o devido processo legal, suprime direitos dos jurisdicionados.

Nesta esteira, há que se levar em consideração que, o rito especial disposto na Lei 9.099 é rito facultativo, devendo o jurisdicionado, ao propor a demanda, fazer a escolha por tal rito, consciente de que alguns procedimentos e direitos processuais não estarão à sua disposição, entretanto, faz a escolha prevendo certa celeridade do andamento e solução de seu conflito.

Ocorre que, no microssistema dos Juizados Especiais Federais, não é dada a escolha ao jurisdicionado em optar pela supressão de alguns direitos e garantias processuais, tendo em vista que, a escolha pelo rito dos Juizados Especiais Federais não é facultativa, mas sim impositiva, visto que o art. 3º, §3º da Lei 10.259, impõe competência absoluta para julgamentos das Varas Especiais nas subseções onde se encontram instaladas, quando a causa não ultrapassar o valor de sessenta salários mínimos e nem figurarem nos casos expressos de exclusão de competência do microssistema.

Sendo assim, o jurisdicionado não optou pela competência dos Juizados Especiais Federais, mas sim, em decorrência do valor da ação, foi compelido pela escolha do rito, sendo obrigado a submeter-se ao seu rito e especificidades.

Nessa esteira de pensamento, alguns dispositivos processuais, cujas garantidas encontram-se na Constituição, são usurpados do jurisdicionado, tais como, agravo de instrumento, ação rescisória, Recurso Especial – este no sentido de discutir infração à legislação federal, conservado do Recurso Especial para uniformização de jurisprudência –, entre outros.

O jurisdicionado que se viu compelido a optar pelo rito do microssistema especial, se viu também suprimido em seu direito ao devido processo legal, pois, mesmo não tendo escolhido o rito pelo sistema especialíssimo, viu-se sem a possibilidade de utilizar da possibilidade de rescisão de uma decisão que, embora transitada em julgado, por seus dispositivos é ilegal e não compatível com o sistema jurídico pátrio.

Ainda, tem-se que se levar em consideração que, o julgador que interpreta o art. 1º da lei 10.259, de uma forma que recepcione todos os dispositivos da Lei 9.099, o faz de forma totalmente inconstitucional, pois, ao assim proceder suprime direitos e garantias processuais dos jurisdicionados.

4.2. DO CONFLITO ENTRE AS LEIS 9.099 E 10.259 NO QUE TANGE À COMPETÊNCIA

Ainda fazendo o aclaramento da inconstitucionalidade tratada neste artigo, temos que, obrigatoriamente, explanar acerca do conflito prescrito no art. 1º da lei 10.259, pois, lá é determinado que serão aplicadas as disposições da Lei 9.099, que trata do procedimento do Juizado Especial Civil, contanto que tais disposições não conflitassem com a Lei que criou o Juizado Especial Federal.

Primeiramente há que se asseverar que a competência do juizado especial cível, instituído pela lei 9.099, é taxativa e tratada no corpo da própria norma, tal como disposto a seguir.

“Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;

III – a ação de despejo para uso próprio;

IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.”

Pela leitura da norma temos que a competência do juizado especial cível é ordenada pela questão da matéria e pela questão da demanda, ou seja, julga qualquer assunto que não exceda a quarenta salários mínimos, bem como algumas matérias específicas ali enunciadas.

Não se vê no corpo da Lei o absolutismo do rito, aliás a dita norma mostra-se silente no que diz à obrigatoriedade de julgamento pelo rito do juizado especial cível.

Neste sentido temos que, obrigatoriamente, trazer a este lume, o princípio Constitucional da legalidade para o administrado, ou seja, conforme prescrito no art. 5º, II da Carta Magna, ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de Lei, ou seja, se no corpo da Lei 9.099, não é dada a obrigatoriedade pela escolha do rito, o jurisdicionado poderá optar pelo rito especialíssimo ou pelo rito comum, conforme seus anseios.

Foram necessários diversos julgados, inclusive por parte do STJ (RESP 280193/SP) e enunciado do FONAJE (Enunciado 1 – O exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor.), para que fosse pacificada a facultatividade, por parte do jurisdicionado, em optar pelo rito do juizado especial cível.

Tal celeuma jurídica se deu pelo fato de que a escolha pelo rito do juizado especial, claramente retira alguns direitos e garantias processuais do jurisdicionado, como por exemplo, a supressão da possibilidade de julgamento de recurso especial, a impossibilidade de proposição de ação rescisória, a impossibilidade de interposição de agravo de instrumento, entre outros.

Tendo em vista que o rito do juizado especial cível, de certa forma pode ser prejudicial ao jurisdicionado, a jurisprudência caminhou no sentido de deixar a opção para ele próprio, já ciente de que, o rito especialíssimo oferece a possibilidade de uma solução mais célere para o conflito, no entanto, com menos garantias processuais.

Quando criados os juizados especiais federais, com o advento da Lei 10.259, buscou-se, para solução dos conflitos, de certa forma, de menor complexidade, aplicar os dispositivos adotados pelos juizados especiais cíveis, contanto que tais dispositivos não conflitassem com as disposições específicas a serem adotadas para os juizados especiais federais.

O art. 1º da lei 10.259 diz, expressamente, que serão aplicados os dispositivos da lei 9.099, desde que não conflitasse com o que disposto na própria norma, ocorre que, na lei dos juizados cíveis, não há taxatividade na escolha do rito, como dito alhures, o jurisdicionado poderá escolher o rito especial, tendo ciência de que lhe serão restringidas algumas garantias processuais, já no sistema dos juizados federais, há taxatividade expressa pela escolha do rito, ou seja, o §3º do art. 3º, determina que todas as causas que não ultrapassarem o valor de sessenta salários mínimos os JEFs terão competência absoluta para julgá-las.

Assim, o conflito é claro, pois, no caso da lei que institui os JEFs a taxatividade pela escolha do rito contradiz-se com o espírito da lei 9.099 que coloca à disposição do Jurisdicionado um sistema processual mais célere mas com algumas restrições às garantias processuais.

5. CONCLUSÃO

Por tudo quanto argumentado e disposto no bojo do presente artigo, resta clara a conclusão que, se, em dado momento da vida judiciária do país, fora necessária a criação de um microssistema judicial para que as demandas de menor complexidade fossem julgadas de maneira célere e sem as burocracias jurisdicionais previstas no sistema processual civil, há que se entender que, tal possibilidade somente poderá ser utilizada com a expressa ciência e aceitação do jurisdicionado, até porquê, a este serão retiradas algumas garantias processuais em nome da “leveza” do rito.

O que se busca com o presente trabalho é a demonstração de que, taxatividade da competência dos ritos especialíssimos, se mostra bastante prejudicial ao jurisdicionado que tem a intenção de utilizar-se de todos os instrumentos processuais para a busca de seu direito, mesmo sabendo que, para isso, a ele será imposto um rito mais robusto, burocrático e, em muitos casos, mais caro.

 

Referências
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TAKOI, Sergio Massaru. O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição é Materialmente Constitucional? 2015. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-principio-do-duplo-grau-de-jurisdicao-e-materialmente-constitucional/14851>. Acesso em: 23 jun. 2017.
 
Notas
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Carlos Alberto Vieira de Golveia, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-SP, Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, Membro da Comissão de Previdência de Regime Próprio da OAB-SP, Ex-Membro do Comissão Especial de Seguridade Social e Previdência Complementar do Conselho Federal da OAB e Sócio Proprietário da Carlos Gouveia e Marques Advogados. Também é Diretor Acadêmico da Acadêmia Jurídica – AJurídica Cursos, Professional Coach pela Slac, Practitioner em PNL pela Unipensi e Hipnólogo. Sendo ainda, Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale (Antiga Famater). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo/Constitucional/Previdenciário, atuando principalmente nos seguintes temas: servidor público federal, direito a dupla aposentadoria do servidor público, aposentadoria especial do servidor público, regime próprio de previdência social, regime geral de previdência social, desaposentação, aposentadorias em geral, gestão de afastados, desconfiguração de NTEP/FAP/SAT, sendo especialista em direito previdenciário-trabalhista-empresarial. Também é professor de vários cursos de pós-graduação, da ESA/OAB-SP e de Cursos de extensão/atualização no Brasil. Assumindo atualmente a Coordenação do Curso de Pós em Direito Previdenciário, do Curso de Pós em Direito Público, do Curso de MBA em Direito Previdenciário e do Cursos de Pós em Empresarial e Tributário do Legale Cursos Jurídicos. E finalmente é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais

[2] GRINOVER, Ada Pelegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990. P. 213.

[4] BRASIL, Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995.

[5] CALATRÓIA, Gerson de Barros. AS GARANTIAS PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Revista do Curso de Direito, São Paulo, v. 6, p.72-92, jun. 2009. Mensal. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/view/943/1000>. Acesso em: 23 jun. 2017.

[6] TAKOI, Sergio Massaru. O princípio do duplo grau de jurisdição é materialmente constitucional? 2015. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-principio-do-duplo-grau-de-jurisdicao-e-materialmente-constitucional/14851>. Acesso em: 23 jun. 2017.


Informações Sobre o Autor

Paulo Roberto Isaac Ferreira

Advogado formado em direito pela Universidade do Vale do Paraíba no ano de 2012 Pós Graduado em Direito Previdenciário pela Universidade Damásio de Jesus no ano de 2013 Pós Graduando em Direito Público pela Faculdade Legale Pós Graduando pela Faculdade Legale


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