O Direito Processual Civil Contemporâneo: Uma Análise da Ação à Luz do Código de Processo Civil de 2015

Felipe Antônio da Silva[1]

Luis Eduardo Telles Benzi[2]

Resumo: O presente artigo buscou estudar a ação, suas teorias, condições e elementos, através de uma vasta pesquisa doutrinária e jurisprudencial. A evolução do Direito de Ação passou por diversas teorias ao longo dos anos, com debates acerca da sua autonomia e natureza. A doutrina processualista contemporânea, em sua maioria, manifesta-se no sentido da independência do Direito de Ação frente ao Direito Material, mas o tema não é pacífico. Desde o advento do Código de Processo Civil de 2015, o tema das Condições da Ação tem gerado um forte debate pelos processualistas. Com a exclusão da Possibilidade Jurídica do Pedido enquanto Condição da Ação autônoma pelo diploma processual vigente, parte da doutrina de advoga no sentido de sua subsunção pelo Interesse de Agir, alinhados ao entendimento de Liebman. O tema da Teoria dos Pedidos Implícitos também tem gerado debates doutrinários à luz do art. 322, §2° do CPC.

Palavras-chave: Processo Civil. Condições da Ação. Teoria Geral do Processo. Possibilidade Jurídica do Pedido. Teorias da Ação.

 

Abstract: The present article sought to study the action, its theories, conditions and elements, through a vast doctrinal and jurisprudential research. The evolution of the Right of Action has gone through several theories over the years, with debates about its autonomy and nature. The contemporary proceduralist doctrine, for the most part, manifests itself in the sense of the independence of the Right of Action from the Substantive Law, but the theme is not pacific. Since the advent of the Civil Procedure Code of 2015, the subject of the Conditions of Action has generated a vast debate by proceduralists. With the exclusion of the Legal Possibility of the Request as a Condition of the autonomous Action by the current procedural diploma, part of the lawyer’s doctrine in the sense of its subsumption by the Interest of Acting, aligned with Liebman’s understanding.The theme of the Theory of Implicit Orders has also generated doctrinal debates in the light of art. 322, §2 of the CPC.

Keywords: Civil Process. Action Conditions. General theory of the process. Legal Possibility of the Request. Theories of Action.

 

Sumário: Introdução. 1. Ação. 1.1. Atipicidade das Ações. 1.2. Teorias Sobre o Direito de Ação. 1.2.1. Teoria Imanentista. 1.2.2. Ação Como Direito Autônomo e Concreto (Teoria do Direito Concreto de Ação). 1.2.3. A Doutrina de Chiovenda. 1.2.4. Ação Como Direito Público Subjetivo, Autônomo e Abstrato. 1.2.5. A Teoria Eclética do Direito de Ação de Liebman. 1.2.6. A Teoria da Asserção  – Teoria Della Prospettazione. 1.2.7. Elio Fazzalari – Um Novo Conceito de Ação. 2. As Condições da Ação. 2.1. Interesse de Agir. 2.2. Legitimidade Ad Causam. 2.3. O Debate Acerca da Possibilidade Jurídica do Pedido e a Supressão da Expressão “Condições da Ação” do Código de Processo Civil de 2015. 3. Elementos da Ação (ou Elementos Identificadores da Ação). 3.1. Finalidade Prática – Coisa Julgada ou Litispendência (Identificação Total) e Conexão ou Continência (Identificação Parcial). 3.1.1. Coisa Julgada. 3.1.2. Litispendência. 3.1.3. Conexão. 3.1.4. Continência. 3.2. Espécies de Elementos da Ação. 3.2.1. Partes. 3.2.2. Pedido. 3.2.2.1. Teoria dos Pedidos Implícitos. 3.2.3. Causa de Pedir. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe diversas inovações se comparado ao seu antecessor de 1973. Nesse sentido, várias discussões ganharam holofote, dentre elas destacam-se as Condições da Ação, seus elementos e teorias acerca do direito de ação. Desde a entrada em vigor do diploma atual, os processualistas divergem sobre a temática das Condições da Ação. Alguns entendem que a Possibilidade Jurídica do Pedido, condição da ação autônoma no Código de Processo Civil de 1973, não mais existe, haja vista a supressão dessa expressão pelo código atual. Outros processualistas defendem que a mera supressão da expressão não fez com que o instituto deixasse de existir, estando presente ainda como condição autônoma, embora não positivada. Por outro lado, estudiosos fundados na redação do CPC atual, manifestam-se no sentido de que a Possibilidade Jurídica do pedido não foi suprimida do sistema, deixando apenas de ser considerado condição da ação autônoma e passando a integrar o “Interesse de Agir”. (NEVES, 2021)

 

Com raízes bem estabelecidas e de matriz constitucional, o direito de ação evoluiu através dos anos até alcançar a matriz autonomista e abstrata que possui hoje. Excetuados alguns processuais clássicos, que ainda defendem a submissão do direito de ação ao direito material, larga doutrina entende pela existência independente desses direitos. Liebman, jurista italiano que foi um dos responsáveis pela evolução do Processo no Brasil, desenvolveu a Teoria Eclética ou Autonomista da Ação, por volta de 1930, que foi colocada em uma posição fronteiriça entre as Teorias do Direito Concreto e Abstrato da ação. Em síntese, entendia o Direito de Ação como um direito público subjetivo (exercido em face do Estado), independente e autônomo em relação do direito material, mas não completamente abstrato, motivo pelo qual se fez necessário o estabelecimento de um “filtro” para que alcançasse o provimento jurisdicional, as chamadas “Condições da Ação” (CANDINI, 2018).

 

Por outro lado, Giuseppe Chiovenda não vislumbrava qualquer subjetividade ou animus público no Direito de ação, sendo este exercido apenas em face do demandado a fim de submetê-lo a jurisdição estatal (RIBEIRO, 2011).

 

Liebman desenvolveu importantes institutos processuais e ajudou no desenvolvimento de outros inúmeros. O italiano atribuiu relevante interesse ao conhecido “Despacho Saneador”. Para o autor, o instituto, que foi criado pelo legislador português com o nome “Despacho Regulador do Processo”, tinha como finalidade o reconhecimento de nulidades. Após, recebeu a denominação “Despacho Saneador” pela reforma em 1926, tendo ampliada a sua abrangência para, além das nulidades, conhecer de outras questões que obstassem o conhecimento do mérito, como “as exceções dilatórias, a legitimidade das partes, a coisa julgada, a prescrição e as nulidades” (LIEBMAN, 1976).

 

Nesse sentido, surgiu a Teoria Della Prospettazione, também conhecida como Teoria da Asserção, que é adota no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Para essa teoria, a análise das condições da ação deverá ser feita em abstrato (in status assertionis), compulsadas pelo magistrado com base no alegado pelo autor na Petição Inicial (NEVES, 2021).

 

Portanto, para Liebman, caso a ausência das condições da ação seja verificada de plano na inicial, deve o juiz extinguir o processo por carência das condições da ação, sem resolver o mérito. Por outro lado, tendo de enfrentar um juízo de cognição para além do aventado na inicial, não se tratará de extinção sem resolução do mérito, mas de improcedência do pedido, porquanto teria o magistrado adentrado as questões relativas ao mérito da demanda (GAJARDONI, 2021).

 

Quanto aos elementos da ação, tem-se a regra das disposições do CPC/15, em que o pedido deve ser certo e determinado, entretanto, parte da doutrina defende a chamada Teoria dos Pedidos Implícitos, decorrentes do dever da boa-fé e do art. 233, §2° do Código de Processo Civil (GAJARDONI, 2018).

 

Conforme se verá, o processo deve ser um instrumento de efetivação do direito e não apenas uma mera declaração de seu reconhecimento. O sistema atual prevê formas de efetivação do direito reconhecido a fim de concretizar a resposta dada pelo Judiciário. As medidas atípicas de execução, o Poder Geral de Efetivação e os Pedidos Implícitos, constituem formas permitir uma melhor prestação jurisdicional, de forma não apenas a declarar a existência ou não do direito, mas também de torna-lo concreto.

 

 

  1. Ação

          Com berço no Direito Romano, a ação somente fazia sentido se analisada sob o prisma do direito material, devendo ser exercida unicamente em face do réu. Aquele que possuía uma pretensão era detentor da actio em face do demandado. Até meados do século XIX, inexistia distinção entre ação e direito material (RIBEIRO, 2011).

 

 

Segundo Luis Guilherme Marinoni:

 

A doutrina recorria a conhecidas definições romanistas, com a de Celso, que dizia que “a ação nada mais é do que o direito de alguém perseguir em juízo o que lhe é devido” (actio autem nihil aliud est quam ius persequendi in iudicio quod sibi debetur). Na Itália e na França a doutrina admitia a perfeição do ditado de Celso, limitando-se alguns a colocar o dedo sobre a expressão “o que lhe é devido” (quod sibi debetur) para advertir a necessidade da sua complementação com “ou o que é seu” (vel quod suum est) (…) deixando claro que a definição abrangia também os direitos reais2 .

 

 

 

De matriz constitucional (art. 5°, XXXV, Constituição Federal de 1988), a Ação pode ser conceituada, atualmente, como o Direito Público Subjetivo e Abstrato de requerer ao Estado-Juiz, ou quem lhe faça as vezes, a tutela jurisdicional (CANDINI, 2018).

 

Permeado pelo princípio da inércia, o Estado somente se movimentará quando provocado, em regra. Essa provocação ocorre mediante o Direito de Ação (ou de petição). Nessa senda, cumpre diferenciar a “Ação de Direito Material” da “Ação de Direito Processual”. A ação de Direito Material se releva por intermédio da Autotutela, exceção no nosso ordenamento jurídico, autorizada quando não há necessidade de se pedir proteção ao Estado, de forma que o próprio indivíduo age em sua proteção. Exemplo da Ação de Direito Material pode ser retirado do art. 1.210, §1° do Código Civil, também conhecido como Desforço Imediato da Posse (GAJARDONI, 2021):

 

 

 

Art. 1.210, §1°. O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

 

 

 

Por outro lado, o Direito de Ação Processual é aquele cuja faculdade atribuída ao titular do direito para que, mediante provocação, exerça seu direito constitucional de instigação à Jurisdição na defesa de seus direitos perante terceiros (CANDINI, 2018).

 

 

Em lição da saudosa professa Ada Pellegrini (p.250), ação “é o direito ao exercício da atividade jurisdicional”. Ante a inércia natural do Judiciário, por intermédio do direito de ação, provoca-se o exercício da jurisdição, que, por consequente, manifesta-se por intermédio do complexo de atos tecnicamente interligados que é o processo (GRINOVER,  2015).

 

Conforme se verá adiante, constitui uma conquista para a ciência processual o reconhecimento da autonomia do direito de ação frente ao direito material, visto que o seu não reconhecimento poderia levar a paradoxos e situações jurídicas tecnicamente impossíveis. (GRINOVER, 2015).

 

 

1.1. Atipicidade das Ações

É de praxe no meio jurídico que as Petições Iniciais possuam títulos identificadores, como, por exemplo: Ação de Divórcio; Ação de Alimentos; Ação de Usucapião. Entretanto, a ação não possui nome. Por óbvio, não há vício algum em identificar o procedimento por um título, mas isso é irrelevante para identificar, tecnicamente, a ação, posto que a ação é identificada pelos seus elementos, quais sejam: partes; pedido e; causa de pedir (GAJARDONI, 2022).

 

O costume de “nomear” a ação remete ao período formulário do Direito Romano. Nesse período, o Estado nomeava um “Pretor” para que julgasse as lides que, eventualmente, surgissem. Anualmente, o Pretor editava uma lista de ações (leges actiones) que ele aceitaria no corrente ano. Caso o cidadão não conseguisse incluir suas pretensões entre aquelas listadas, não poderia exercer o seu direito de ação. Embora torne, num primeiro momento, mais fácil a identificação, tecnicamente, a ação não tem nome, sendo esta identificada por seus elementos, pouco importando o nome que se dê a ela (GAJARDONI, 2022).

 

Ainda nessa evolução, foi que surgiu o princípio da Irrelevância do Nome da Ação (juris novit curia e mihi factum dabo tibi juis), que se traduz na ideia de o julgador não está vinculado ao título atribuído à demanda, devendo debruçar-se sobre as partes, o pedido e a causa de pedir. Parte-se do pressuposto de que “o juiz conhece o direito”, de forma que a narrativa jurídica feita na inicial é irrelevante frente a narrativa fática (BARRETO, 2017).

 

Portanto, não há que se falar em “nome da ação”, pois esta é identificada pelas partes, pedido e causa de pedir, não pelo seu título.

 

1.2. Teorias Sobre o Direito de Ação

Através dos anos, a natureza jurídica do direito de ação foi interpretada de diferentes formas, por diferentes processualistas de diferentes vertentes. Daí, surgiram várias teorias para tentar explicar como o direito de ação se manifesta.

 

1.2.1 Teoria Imanentista

          Teoria clássica, também conhecida como “Teoria Civilista”, remonta à conceituação romana de Celso, pela qual a ação era o direito de pedir, em juízo, o que nos é devido (ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi) (GRINOVER, 2015).

 

Durante séculos o direito de ação ficou substanciado no direito material, sendo a ação e o processo meros capítulos do direito material. A Escola Clássica, ou Imanentista, entendia o direito de ação como uma mera qualidade de todo direito (ou o próprio direito) reagindo a uma violação. Este conceito dominou por muito tempo, pois dele resultavam três consequências inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito. Portanto, direito material e direito de ação eram tratados como se sinônimos fossem (GRINOVER, 2015).

 

Os defensores desta teoria afirmam que o direito de ação é exercido em face do seu adversário, não contra o Estado. Portanto, o processo seria apenas um simples procedimento, um conjunto de atos que buscam um determinado fim (NEVES, 2021).

 

Ressalta-se que a ação, para a Teoria Imanentista, detinha o mesmo “nome” que o atribuído ao direito material, nos termos do período formulário do Direito Romano, pois a ação correspondia, necessariamente, a um direito material. Não existia, portanto, autonomia da ação frente ao Direito Material (CHAVES, 2019).

 

Esta teoria teve como seu principal expoente Savigny. No Brasil, foi adotada por Bevilácqua e João Monteiro (GRINOVER, 2015).

 

O problema desta teoria é que ela não serve para explicar a questão das ações meramente declaratórias e das julgadas improcedentes, tendo em vista que parte do pressuposto que a ação nada mais é do que o direito material devido ao titular, ou seja, caso o autor não tiver o direito material (sentença improcedente), não terá exercido o direito de ação (CANDINI, 2018).

 

 

Essa divergência chegou a ser debatida na Alemanha por Muther e Windscheid, processualistas da época. Ao final, Windscheid aceitou parcialmente as ideias de Muther acerca da natureza do direito de ação e sua distinção. Após isso, surgiram outras teorias que passaram a enxergar o direito material o direito de ação como duas classes diferentes (GRINOVER, 2015).

 

1.2.2. Ação Como Direito Autônomo e Concreto (Teoria do Direito Concreto de Ação)

Foi Adolf Wach o precursor da Teoria do Direito Concreto da Ação, ainda na Alemanha. Por esta teoria, o direito de ação é um direito autônomo que, não necessariamente, faz referência ao Direito material violado ou ameaçado, conforme demonstrado nas ações meramente declaratórias. É um direito a ser exercido em face do Estado, pois busca exigir proteção jurídica, mas também é exercido em face do adversário processual, em que se exige a sujeição (GRINOVER, 2015).

 

Todavia, o direito de ação somente será exercido quando da prolação de uma sentença de mérito favorável. Ou seja, ante uma sentença de improcedência, não haveria sido exercido o direito de ação. Por assim dizer, o direito de ação era concreto, somente exercido quando existente, no caso concreto, o direito subjetivo. (GRINOVER, 2015).

 

Embora tenha tido o mérito de demonstrar que ação processual não se confundia com o direito subjetivo, vez que havia a possibilidade de existir ação a que não correspondesse nenhum direito material (Ação Declaratória), incorreu no mesmo erro da Teoria Civilista, pois não conseguiu explicar a ação julgada improcedente, ao passo que o juiz teria exercido a jurisdição, prolatando sentença de mérito, mas não no sentido de proteger o direito material em debate (CANDINI, 2018).

 

Portanto, à Teoria do Direito Concreto da Ação faz-se dois questionamentos (NEVES, 2021):

 

  1. a) nos casos em que haja sentença de improcedência, declarando a inexistência do direito material alegado pelo autor, resolvendo o mérito em desfavor do autor, este não teria exercido o direito de ação?

 

  1. b) nos casos em que haja sentença de procedência na ação declaratória negativa, declarando a inexistência do direito material do autor, este não teria exercido o direito de ação?

 

A Teoria do Direito Concreto não responde de forma satisfatória às indagações acima.

 

Chiovenda filiou-se a esta teoria, quando da construção da “ação como direito potestativo” em 1903, que intitulou “L’azione nel sistema dei diritti”. O italiano afirmava que a ação não é direcionada contra o Estado, mas apenas em face do seu adversário. Nesse sentido, Chiovenda entendia que a ação não é um direito subjetivo público, por não ser utilizado em face do Estado, sendo, contudo, autônomo em relação ao direito material (CHAVES, 2019).

 

1.2.3. A Doutrina de Chiovenda

          Chiovenda, por sua vez, avançando nos estudos da ação, propõe que esta é exercida em face do Estado, objetivando sujeitar o demandado ao exercício da jurisdição. Nesse sentido, a ação teria característica de direito potestativo (RIBEIRO, 2011).

 

A ação, portanto, busca sujeitar a parte adversa aos efeitos produzidos por uma Sentença de Procedência, conforme explica Marinoni:

 

Segundo Chiovenda, somente é investido da ação aquele cuja demanda é acolhida. Portanto, a ação é um poder em face do adversário que depende de uma sentença favorável, isto é, que necessita de uma sentença que declare a vontade da lei, uma vez que é dela que serão projetados efeitos jurídicos

 

 

Ao discorrer sobre o debate acerca da autonomia do direito de ação, Chiovenda se filia ao entendimento firmando por Cintra, Dinamarco e Grinover:

 

A ação configura o poder jurídico de dar vida à condição para atuação da vontade da lei. Exaure-se com seu exercício, tendente à produção de um efeito jurídico em favor de um sujeito e com ônus para o outro, o qual nada pode fazer a fim de evitar tal efeito

 

Para além, o direito de ação seria autônomo, independente do Direito Material, mas não se trata de um direito público nem mesmo subjetivo (RIBEIRO, 2011).

 

Nesse sentido, como desdobramento da teoria do direito concreto de ação, Chiovenda defendia que o direito de ação não seria um direito público, ou seja, um direito a ser exercido em face do Estado, sendo exercido apenas frente ao demandado, que ficaria sujeito aos efeitos da sentença derivada do exercício do direito de ação pelo autor (NEVES, 2021).

 

1.2.4. Ação Como Direito Público Subjetivo, Autônomo e Abstrato

Desenvolvida pelo Alemão Degenkolb em sua obra “Einlassungzwang und Urteilnorm” (“Ingresso Forçado em Juízo e Norma Judicial”), a teoria da ação como direito abstrato de agir antecede até mesmo a doutrina de Chiovenda (CHAVES, 2019) (GRINOVER, 2015).

 

Esta teoria afirma que o direito de ação independe da efetiva existência do direito material em debate, ou seja, ainda que a sentença negue a pretensão inicial do autor, o direito de ação terá sido exercido. Esta teoria apresenta grande evolução em comparação às anteriores, não apenas por entender o direito de ação como independente, mas por conferir a ela a característica de direito público (GRINOVER, 2015).

 

A Teoria Abstrata do Direito de Ação vai além de suas antecessoras ao afirmar a independência entre o direito material e o direito de ação (NEVES, 2021).

 

Seus defensores afirmam que o direito de ação é abstrato, genérico, amplo e incondicionado, não existindo quaisquer requisitos a serem preenchidos para a sua existência. Não existem, portanto, condições da ação, tampouco se estas somente possam ser analisadas sob o prisma do direito material, que, para esta teoria, é irrelevante para a existência do direito de ação, não fazendo sentido pensar em “Carência da ação” (NEVES, 2021).

 

Conforme explica Daniel Amorim (p.128), as consequências desta teoria são extremamente relevantes:

 

ao entender que toda sentença de carência de ação é na realidade uma sentença de mérito (art. 487, I, do CPC), após o trânsito em julgado essa sentença estará protegida pelo fenômeno da coisa julgada material, o que não ocorre com a sentença terminativa fundada em carência da ação (art. 485, VI, do CPC). Para alguns doutrinadores, essa tese, além de ser academicamente a mais correta, é a mais condizente com o princípio da economia processual, ao evitar a repropositura de demandas cuja pretensão do autor já foi rejeitada.

 

O italiano Rocco defendeu esta teoria em seu país, explicando-a de forma própria, conforme leciona Pellegrini (p. 252):

 

“Quando se solicita a intervenção do Estado para a tutela de interesses ameaçados ou violados, surge um outro interesse, que é o interesse à tutela daqueles pelo Estado. Assim, o interesse tutelado pelo direito é o interesse principal e o interesse à tutela deste, por parte do Estado, é o interesse secundário. Para que configure o direito de ação é suficiente que o indivíduo se refira a um interesse primário, juridicamente protegido; tal direito de ação é exercido contra o Estado”.

 

 

A partir desta teoria, processualistas da época desenvolveram seus próprios estudos. O italiano Carnelutti, por exemplo, entendia a ação como um direito abstrato, de natureza pública, porém, exercido em face do Juiz, não contra o Estado (GRINOVER, 2015).

 

 

1.2.5. A Teoria Eclética do Direito de Ação de Liebman

Enrico Tulio Liebman, italiano que permaneceu no Brasil durante o período da Segunda Guerra Mundial, foi um dos responsáveis pela evolução da técnica processual brasileira (GRINOVER, 2015).

 

Crítico da Teoria Abstrata do Direito de Ação, Liebman entendia exacerbada a abstração proposta por Degenkolb. O italiano defendia que, embora autônomo frente ao direito material, o direito de ação possuía com este conexão. Dessa forma, formulou-se um filtro prévio ao processo, denominado “Condições da Ação (CHAVES, 2019).

 

Inicialmente, Liebman propôs três condições da ação: interesse de agir; Legitimidade de agir (Legitimidade ad causam) e; Possibilidade Jurídica do Pedido. Entretanto, a partir da terceira edição de seu manual, suprimiu a última condição (CHAVES, 2019).

 

Liebman desenvolve então a Teoria Eclética do Direito de Ação. O autor define o instituto como um direito subjetivo instrumental. Conforme explica Grinover (p. 253):

 

“O Autor a define como direito subjetivo instrumental – e, mais do que um direito, um poder ao qual não corresponde a obrigação do Estado, igualmente interessado na distribuição da justiça; poder esse correlato com a sujeição e instrumentalmente conexo a uma pretensão material. Afirma também que o direito de ação de natureza constitucional (emanação do status civitatis), em sua extrema abstração e generalidade, não pode ter nenhuma relevância para o processo, constituindo o simples fundamento ou pressuposto sobre o qual se baseia a ação em sentido processual. Por último, dá por exercida a função jurisdicional somente quando o juiz pronuncie uma sentença sobre o mérito (isto é, decisão sobre a pretensão material deduzida em juízo), favorável ou desfavorável”.

 

 

 

Os entendimentos de Liebman gozam de prestígio na doutrina processual pátria, pois consideram as Condições da Ação o verdeiro elo entre a ação e o direito material (GRINOVER, 2015).

 

 

Buscando uma separação entre a ação processual e ação incondicionada como garantia constitucional, Liebman definiu que a ação como garantia constitucional é “o poder de agir em juízo e reconhecido a todos”, independente do direito material, sendo instrumento para “dar justiça a quem a pedir, e por isso uma das regras fundamentais de nosso ordenamento constitucional assegurada a todos a possibilidade de levar-lhes a sua pretensão a obtê-la” (LIEBMAN, 2005).

 

Verificando o magistrado a ausência de qualquer das condições da ação, haverá impedimento para o julgamento de mérito. Dar-se-á o nome “Carência da ação”. Portanto, ocorrerá a extinção do processo sem resolução do mérito, visto que a demanda não resistiu aos filtros impostos (condições da ação) (CHAVES, 2019).

 

 

Pela teoria eclética, as condições da ação não possuem relação com a existência da ação, mas sim com o seu exercício regular, de forma que caberia, inclusive, prova em sentido contrário  (RIBEIRO, 2011).

 

Todavia, a Teoria Eclética sofre fortes críticas. Kazuo Watanabe discorre:

 

A procedência dessas críticas está na dependência da adoção, pelos defensores da teoria eclética, dos seguintes pontos: a) as condições da ação são pressupostos para a existência da ação e, à falta de qualquer delas, inexistirá o direito de ação e por isso, quando o juiz pronuncia a “carência da ação”, nem mesmo haverá processo, mas mero fato, e o juiz não terá exercido função jurisdicional; b) as condições da ação devem ser aferidas segundo o que vier a ser comprovado no processo, após o exame das provas, e não apenas tendo-se em consideração a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in statu assertionis), com abstração, pois aquela posição levaria às condições da ação concreta, ligadas à situação de fato efetivamente existente e evidenciadas através das provas, e não apenas afirmadas e consideradas em abstrato

 

Embora minoritária, as críticas à Teoria da Eclética fincam raízes na ideia de que as condições da ação precisam ser provadas, para que, somente assim, funcionem como requisitos de existência da própria ação. Esta ideia perpassa pela corrente concretista, pois leva a termo que somente tem direito de ação aquele que recebe uma sentença de procedência (RIBEIRO, 2011).

 

Outra parte da doutrina também faz críticas no sentido de que a Sentença que extingue o processo por carência da ação também é uma resposta do Estado-Juiz ao exercício de um direito pelo autor. Portanto, caberia a Teoria Eclética explicar qual direito foi esse exercido. Num primeiro momento, tenta-se diferenciar o direito de ação com o direito de petição, afirmando que o primeiro seria um direito de obter uma sentença de mérito, que depende de determinados requisitos, enquanto o segundo seria o direito de obtenção de uma manifestação do Poder Público, dentre eles o Judiciário, sendo amplo, genérico e incondicional (NEVES, 2021).

 

A corrente abstrativista (ou assertivista) nos parece mais acertada, visto que caso o autor tenha sua pretensão indeferida (não possua o direito material), ainda assim teria exercido o direito de ação, pois autônomos e independentes. Ressalva-se, contudo, que na hipótese de o Magistrado ter de deslocar sua cognição para além dos fatos narrados na Inicial a fim de verificar ou não a existência das condições da ação, ter-se-ia adentrado o mérito da demanda, havendo, portando, o exercício da jurisdição.

 

Alexandre de Freitas Câmara discorre:

 

 

Há que se afirmar que a teoria eclética, embora permaneça dominante, sofreu algumas alterações ao longo do tempo que a fizeram se distanciar da concepção original formulada por Liebman. Assim é que alguns autores mais modernos afirmam que as “condições da ação” não são requisitos de existência daquele direito, mas sim do seu legítimo exercício. Afirmam esses autores que o direito de ação, como qualquer posição jurídica de vantagem, pode ser exercido de forma legítima ou de forma abusiva. As “condições da ação” seriam, então, os requisitos do legítimo exercício da ação, e a “carência de ação” deverá ser vista não mais como “inexistência”, mas como “abuso” do direito de ação.

 

 

 

 

Nesse sentido, as condições da ação não seriam pré-requisito do direito de ação, mas seus balizadores de razoabilidade. Portanto, seria ilógico que a suposta ausência de uma condição da ação fosse capaz de levar a uma sentença terminativa, podendo o autor ingressar novamente com uma demanda acerca de um direito que ele não possui (RIBEIRO, 2011).

 

Os defensores desta teoria entendem que as condições da ação são matéria de ordem pública, não havendo preclusão, podendo ser conhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, mediante cognição sumária ou exauriente, devendo o magistrado extinguir o processo ser resolução do mérito por carência da ação (NEVES, 2021). Adotamos o entendimento de que o Código de Processo Civil de 2015 acolheu a Teoria Eclértica, ao dispor que:

 

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

 

VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

  • 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.

1.2.6. A Teoria da Asserção – Teoria Della Prospettazione

É a teoria adotada no âmbito de Superior Tribunal de Justiça.

 

Frente a esse debate, buscou-se alterar o momento da cognição acerca das Condições da Ação para o primeiro contado do magistrado com a Inicial. Portanto, o juiz deve analisar, de forma abstrata, as condições da ação à luz do alegado na Inicial, tomando como verídicos os fatos narrados. Neste primeiro momento, não vislumbrando o magistrado a ausência das condições da ação, determinando a citação da parte adversa, e vindo aos autos alegação acerca da ausência de alguma das condições da ação, a decisão que será proferida será de mérito (improcedência), não terminativa (extinção do processo) (RIBEIRO, 2011).

 

Para a teoria da asserção, caso seja possível que o juiz conheça, mediante cognição sumária, a ausência de alguma das condições da ação, deverá proferir sentença terminativa, evitando que se dê continuidade a uma demanda fadada ao insucesso. Funda-se na Economia Processual. Nesse ponto, a teoria da asserção e a teoria eclética não possuem diferenças (NEVES, 2021).

 

Já com a teoria abstrata pura, guarda relação ao passo que, necessitando o juiz de adentrar em questões que vão além do alegado na inicial, terá adentrado o mérito, portanto, deverá proferir uma sentença de improcedência (NEVES, 2021).

 

Todavia, como as condições da ação perdem a natureza de “condição” após a citação da parte, passando a ser “mérito”, afasta-se a natureza de ordem pública, ficando sujeitas à preclusão, inclusive pelo próprio juízo (preclusão pro judicato) (NEVES, 2021).

 

Watanabe, em comentários feito sobre o trabalhado do Prof. Machado Guimarães (“A Instância e a Relação Processual), afirma que:

 

 

Deve o juiz, aceitando provisoriamente as afirmações feitas pelo autor – sivera sint exposita – apreciar preliminarmente a existência das condições da ação, julgando, na ausência de uma delas, o autor carecedor da ação; só em seguida apreciará o mérito principal, isto é, a procedência ou improcedência da ação.

 

 

 

Em trabalho posterior, Liebman ensina que:

 

 

todo problema, quer de interesse processual, quer de legitimação ad causam, deve ser proposto e resolvido, admitindo-se, provisoriamente e em via hipotética, que as afirmações do autor sejam verdadeiras; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse. Quer isto dizer que, se da constatação do réu surge a dúvida sobre a veracidade das afirmações feitas pelo autor e é necessário fazer-se uma instrução, já é um problema de mérito.

 

 

 

Portanto, conforme Watanabe, o debate finca raízes no momento de verificação das condições da ação (ou condições para o julgamento do mérito da demanda). Devem as condições da ação serem analisadas nos termos da inicial (in statu assertionis), ou à luz das provas da alegação?

 

Comungamos do entendimento do Prof. Watanabe. Pelo menos provisoriamente deve ser tido como verdade o narrado na inicial pelo autor. Caso haja a superveniência de fato que infirme o alegado, a decisão será de mérito.

 

Nesse sentido, Watanabe:

 

O exame das condições da ação deve ser feito “com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in iudicium deducta”; vale dizer, o órgão julgador, ao apreciá-las, “considera tal relação jurídica in statu asserionis, ou seja, à vista do que se afirmou” raciocinando ele, ao estabelecer a cognição, “como que admita, por hipótese, e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria (o juízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrados pela atividade instrutória”, como preleciona Barbosa Moreira.

 

 

A Teoria da Asserção também não escapa de críticas. O Código de Processo Civil de 2015 (art. 485, VI) atribui à falta das condições da ação a extinção do processo sem resolução do mérito. Parte da Doutrina não aceita a Teoria da Asserção (RIBEIRO, 2011).

 

Freitas Câmara leciona:

 

 

Divide-se a doutrina, sobre o tema, em duas grandes correntes. Uma primeira, liderada por Liebman, e que conta com a adesão, entre outros, de Dinamarco e de Orestes Nestor de Souza Laspro, considera que a presença das “condições da ação deve ser demonstrada, cabendo, inclusive, produzir provas para convencer o juiz de que as mesmas estão presentes. De outro lado, uma segunda teoria, chamada ”teoria da asserção”, segundo a qual a verificação da presença das “condições da ação” se dá à luz das afirmações feitas pelo demandante em sua petição inicial, devendo o julgador considerar a relação jurídica deduzida em juízo in statu assertionis, isto é, à vista do que se afirmou. Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação. Defendem esta teoria, entre outros, Barbosa Moreira e Watanabe. Na mais moderna doutrina estrangeira, encontra-se adesão a esta teoria em Elio Fazzalari

 

 

Em síntese, as críticas à Teoria da Asserção são: a) legitimação de mentiras na Inicial; b) a teoria da asserção tem proximidade à verdade formal e não material; c) contrariaria expressa disposição legal, ao passo que o art. 485, §3° dispõe que ao magistrado é dada a possibilidade de conhecer de ofício da ausência das condições da ação, a qualquer tempo e grau de jurisdição, frente a sua natureza de interesse público (RIBEIRO, 2011).

 

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe diversas disposições que privilegiam a Boa-fé processual, elevando esta, inclusive, a status de princípio. As partes devem expor os fatos em juízo conforme a verdade, sendo este dever legal imposto pelo art. 77, I. O art. 5° do CPC reafirma o dever de boa-fé das partes. O boa-fé decorrente das disposições processuais é objetiva, ou seja, prescinde de análise quanto ao ânimo da parte. Para além, ao tratar da Responsabilidade das Partes por Dano Processual, o CPC assevera que, aquele que litigar de má-fé, responderá por perdas e danos, sendo exemplo de litigância de má-fé aquele que altera a verdade dos fatos (inciso II) ou provocar incidente manifestamente infundado (inciso VI). Portanto, o próprio sistema processual instituiu meios de se evitar inverdades ou subterfúgios processuais. Além da sanção processual, há também a cominação de multa sobre o valor da causa. Nos parece suficiente às partes que pensam em adotar esse tipo de prática.

 

 

Parte da crítica alega que, neste caso, todos os pleitos deveriam ter pronunciamento de mérito, mas não é o que de fato ocorre. Se, à luz da inicial, de plano, o magistrado verificar a ausência das condições da ação, não julgará o seu mérito (RIBEIRO, 2011).

 

O Superior Tribunal de justiça possui vários julgados adotando a teoria da asserção:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. LEGITIMIDADE ATIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE.

INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 e 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.

  1. A jurisprudência desta Corte Superior adota a teoria da asserção, segundo a qual, a presença das condições da ação, dentre elas a legitimidade ativa, é apreciada à luz da narrativa contida na petição inicial, não se confundindo com o exame do direito material objeto da ação.
  2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revisão de cláusulas contratuais e revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmulas n. 5 e 7 do STJ), o que impede o acolhimento da insurgência relacionada à legitimidade ativa do autor da ação de exibição de documentos.
  3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 520.790/PB, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 3/11/2022.) (Grifo nosso)

 

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO E DIREITO CIVIL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL INDENIZÁVEL E LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. REVER A CONCLUSÃO A QUE CHEGOU A CORTE DE ORIGEM DEMANDA O REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 7/STJ.

  1. Da leitura dos autos, verifica-se que a Corte estadual julgou fundamentadamente a matéria devolvida à sua apreciação, expondo as razões que levaram às suas conclusões quanto à ilegitimidade passiva das Corrés Grupo Cedros e Intercontinental. Portanto, a pretensão ora deduzida, em verdade, traduz-se em mero inconformismo com a decisão posta, o que não revela, por si só, a existência de qualquer vício nesta.
  2. O mero inadimplemento contratual não causa, por si só, abalo moral indenizável, mas, caso seja excessivo o atraso, é possível a configuração do dano moral e, assim, a condenação ao pagamento de indenização. Assim, rever a conclusão a que chegou o Tribunal de origem e entender, como quer a parte recorrente, que houve configuração de dano moral indenizável, pois a situação perpassou o mero dissabor, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
  3. A jurisprudência deste Superior Tribunal é uníssona ao adotar “a teoria da asserção, segundo a qual a presença das condições da ação, entre elas a legitimidade ativa, é apreciada à luz da narrativa contida na petição inicial, não se confundindo com o exame do direito material objeto da ação” (AgInt no AREsp 948.539/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 03/11/2016).
  4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

(AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.048.161/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 13/12/2022.) (Grifo nosso).

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. NÃO OCORRÊNCIA. CONDIÇÕES DA AÇÃO. EXAME. TEORIA DA ASSERÇÃO. DECISÃO MANTIDA.

  1. A análise sobre a presença das condições deve ser feita à luz da causa de pedir e dos fundamentos apresentados com a petição inicial (Teoria da Asserção).
  2. No caso concreto, o exame sobre a responsabilidade civil da agravante foi realizado, na demanda originária, no campo do mérito da controvérsia, o que afasta a tese de violação literal dos dispositivos constantes dos arts. 3º, 267, VI e § 3º, 301, X, e § 4º, 505 e 515, caput e §§ 1º e 2º, todos do CPC/1973.
  3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AgRg no AREsp n. 115.031/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe de 19/9/2016.) (Grifo nosso).

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. OMISSÃO. ART. 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. ART. 267, VII, DO CPC/1973. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. INÉPCIA DA INICIAL E ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ART. 70, III, DO CPC/1973.

INADMISSIBILIDADE NO CASO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não se verifica a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC/1973, uma vez que o Tribunal de origem prestou jurisdição completa. É indevido conjecturar-se a existência de omissão, obscuridade ou contradição no julgado apenas porque decidido em desconformidade com os interesses da parte. 2.

Especificamente quanto ao art. 267, VII, do CPC/1973, que trata da convenção de arbitragem, verifica-se que não foi apreciado, sequer implicitamente, pelo Tribunal a quo, tampouco foi invocado nos embargos de declaração opostos pela parte, a fim de sanar eventual omissão. Ausente, assim, o indispensável prequestionamento, atraindo o óbice das Súmulas 282 e 356/STF. 3. Ao examinar os aspectos relativos à inépcia da inicial, ilegitimidade passiva da demandada e denunciação da lide, o Tribunal de origem decidiu com base nas circunstâncias da causa, razão pela qual a modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, inviável em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ). 4. As condições da ação, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, ou seja, à luz das afirmações deduzidas na inicial, sem a necessidade de uma investigação mais aprofundada das provas.

  1. A denunciação da lide, na hipótese do inciso III do art. 70 do CPC/1973, não deve ser admitida quando, para tanto, se fizer necessária a realização de provas adicionais, estranhas e desnecessárias à causa original, conforme consignado pelo v. acórdão recorrido. Precedentes.
  2. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 410.544/SP, relator Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, julgado em 22/3/2018, DJe de 27/3/2018.) (Grifo nosso).

 

 

 

A Suprema Corte também detém julgados no sentido de que o ordenamento jurídico pátrio adota a Teoria da Asserção:

 

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. AUSÊNCIA DO NECESSÁRIO PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E INCURSIONAMENTO NO CONTEXTO PROBATÓRIO CARREADO AUOS AUTOS. SÚMULA 279 DESTA CORTE. 4. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. A legitimidade para a causa, segundo a teoria da asserção adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro para a verificação das condições da ação, é aferida conforme as afirmações feitas pelo autor na inicial. . Agravo de instrumento conhecido e não provido.” 7. Agravo regimental a que se nega provimento.

(ARE 713211 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-121  DIVULG 24-06-2013  PUBLIC 25-06-2013) (Grifo nosso).

 

 

Quando realizada uma análise prática, verificamos que a Teoria da Asserção apresenta soluções satisfatórias, enquanto a Teoria Eclética não as apresenta.

 

Tenhamos como exemplo uma demanda que tenha como objetivo a cobrança de uma dívida. “A” afirma que “B” é seu credor. À luz da inicial, o juiz conhece da relação jurídica de “A” e “B”, do título e do Inadimplemento. Pela Teoria da Asserção, num primeiro momento, estão presentes as condições da ação, de forma que o magistrado poderá conhecer do mérito. Eventualmente, verificando a ausência de alguma das condições da ação, a decisão ainda será de mérito, declarado que “B” não deve a “A”. Portanto, a demanda será improcedente. “A” terá exercido direito de ação e a decisão formará coisa julgada material. Por outro lado, sendo adeptos da Teoria da Apresentação, quando o juiz verificasse a ausência de alguma das condições da ação, deveria decidir de forma terminativa, exinguindo o processo sem resolução do mérito (RIBEIRO, 2011).

 

1.2.7. Elio Fazzalari – Um Novo Conceito de Ação

Para além das teorias abordadas, Fazzalari apresenta um novo conceito de ação, utilizando-se como marco a teoria da legitimação para agir pertencente à Teoria Geral do Direito (CHAVES, 2019).

 

Para Fazzalari, a legitimação deverá ser aferida pelo provimento. Portanto, trata ação como um direito ao provimento (CHAVES, 2019).

 

A teoria subdivide-se em dois aspectos: a) situação legitimante e; b) situação legitimada. A primeira busca identificar quem atuará no processo e como poderá ser atingido por ele. “Pode ser vislumbrada como uma situação constituída perante a qual um poder, uma faculdade ou um dever é conferido a um sujeito, permitindo-se, desta feita, identificar quem poderá atuar no processo” (GONÇALVES, 2011).

 

Já a Situação Legitimada é posterior a definição das partes. Ou seja, uma vez identificados os sujeitos, por intermédio da sua situação legitimante, nascem os poderes, deveres e faculdades do sujeito individualizado, que terá legitimidade para agir (legitimação para o processo), atuando no processo em contraditório até o final (CHAVES, 2019).

 

Fazzalari defende que todos possuem legitimação para gir no processo (réu, autor, interveniente, juiz, serventuário, Ministério Público). Portanto, a ação pode ser definida como “uma situação subjetiva composta, que analisada sob o aspecto de uma posição subjetiva, compreende uma série de poderes, deveres e faculdades que a parte possui ao longo do processo, até a produção do provimento final” (GRINOVER, 2015).

 

Para mais, ressalta-se que para Fazzalari a legitimação é sempre ativa (autor e réu). Assim sendo, não é correto falar em “legitimação passiva das partes”, somente se analisarmos sob o foco do provimento final (sentença) que poderemos verificar quem sofrerá seus efeitos (CHAVES, 2019).

 

  1. As Condições da Ação

Desenvolvida por Liebman, as Condições da Ação são o filtro exercido da ação para o provimento meritório do Judiciário. Ainda que haja a carência da ação, ou seja, ausentes as condições da ação, haverá o exercício da jurisdição (GRINOVER, 2015).

 

O Código de Processo Civil de 2015 inovou frente ao seu antecessor, retirando a “Possibilidade Jurídica do Pedido” e a própria expressão “Condição da Ação” de seu corpo. Essa inovação não se trata de uma surpresa, visto que Liebman, na última edição de seu livro, já entendia como condição da ação apenas a Legitimidade e o Interesse de agir (CHAVES, 2019).

 

O art. 3° do CPC/73 dispunha que “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”. Por outro lado, o Código de Processo Civil de 2015 dispõe em seu art. 17 que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”.

 

A doutrina contemporânea entende que são duas as condições da ação: Interesse de agir e; Legitimidade Ad Causam.

 

2.1. Interesse de Agir

Se traduz na ideia de que, embora o Estado possua interesse em exercer a função jurisdicional, visto a pacificação social decorrente de seu exercício (pelo menos em tese), para se acionar o judiciário em busca da jurisdição, é necessário que, da sua demanda, possa se obter um resultado útil (GRINOVER, 2015).

 

Conforme explica a professora Ada Pellegrini (p.260):

 

Interesse de Agir – Essa condição da ação assenta-se na premissa de que, tendo embora o Estado o interesse no exercício da jurisdição (função indispensável para manter a paz e a ordem na sociedade), não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. É preciso, pois, sob esse prisma, que, em cada casso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada.

 

 

Portanto, compreende-se que o Interesse de Agir repousa sob o argumento de que demandas temerárias não serão aceitas, pois desnecessária a intervenção estatal. No mesmo sentido a via eleita pelo requerente deve guardar correlação com o que se pede, repousando na devida adequação (GRINOVER, 2015).

 

O binômio Necessidade-Adequação é utilizado para se referir ao Interesse de Agir. A “Necessidade”, conforme leciona Grinover, manifesta-se na “impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado”. A “Necessidade” opera-se ou porque a parte adversa não concorda em satisfazer a pretensão do autor, já que vedada a autotutela (em regra), ou porque há imposição legal (ações constitutivas necessárias) (GRINOVER, 2015).

 

A necessidade, então, consiste na indispensabilidade da intervenção estatal à solução da lide (CHAVES, 2019).

 

 

Charles Teixeira Chaves discorre:

 

 

O interesse de agir repousaria na necessidade entre o solicitado (pedido) e atividade jurisdicional, não pode ser preexistente; enquanto a possibilidade jurídica aponta pela existência no ordenamento jurídico da providência pleiteada, apenas comprovável no curso do processo.

 

 

 

Por outro lado, a Adequação refere-se ao enquadramento do pedido feito com a via eleita para se obter a prestação jurisdicional.

 

Parte da doutrina entende que o magistrado não deve indeferir a inicial sob a alegação da carência do interesse de agir, visto que esta é uma condição que deverá ser produzida frente ao contraditório, no decorrer do processo. Assim sendo, em respeito ao devido processo legal, a necessidade, utilidade ou adequação, não poderá ser imanente. Portanto, ao magistrado não é dado o poder de impedir a instauração do procedimento alegando carência da ação por ausência do Interesse de Agir sem analisar o pedido à luz do devido processo legal (CHAVES, 2019).

 

Esta última posição nos parece mais adequada. O processo contemporâneo não deve assumir uma feição exacerbadamente formalista que, embora não impeça, prolongue ou dificulte o acesso à justiça pelo cidadão. Assim sendo, dá-se ao processo uma forma de instrumento útil, cuja maior parte dos vícios podem ser sanados de forma endoprocessual, tornando mais difícil a extinção de processos sem resolução do mérito. Em razão disso, existem doutrinadores que defendem a existência de um princípio judicial chamado de “Primazia do Conhecimento do Mérito”, pelo qual o Magistrado possui o dever de manejar todos os esforços necessários para que haja um julgamento de mérito. Reitera-se, portanto, a ideia de que “processo por processo, não funciona”, brocardo tão dito pelo professor Costa Machado e ao qual nós nos filiamos.

 

2.2. Legitimidade Ad Causam

Também conhecida como “Legitimidade Para Agir”, a doutrina tradicional conceitua como “a pertinência subjetiva da demanda, ou, em outras palavras, é a situação prevista em lei que permite a um determinado sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito formar o polo passivo dessa demanda” (NEVES, 2021).

 

Ainda para a doutrina tradicional, compreende-se que serão legitimados para o processo aqueles que são titulares da relação jurídica material. Esta doutrina ainda faz sentido se analisada sob a óptica da legitimidade ordinária (NEVES, 2021).

 

Inicialmente, cumpre diferenciar os institutos da legitimidade ordinária e da legitimidade extraordinária.

 

A Legitimidade Ordinária é a regra no nosso ordenamento jurídico, conforme art. 18 do CPC/15. Nesse sentido, “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Verifica-se a Legitimidade Ordinária quando o autor da demanda atua em juízo em nome próprio defendendo direito próprio. É a regra. “A” teve seu direito ferido por “B”, portanto, “A” ingressou em juízo em face de “B”.

 

Em sentido diverso, a Legitimidade Extraordinária, ou “Substituição Processual”, se manifesta quando o autor ingressa em juízo em nome próprio na defesa de um direito que não lhe pertence ou que também lhe pertence. É exceção, ocorrendo apenas nas hipóteses previstas em lei. “A” teve seu direito ferido por “B”, entretanto, “C” ingressa em juízo na defesa do direito que pertence ao “A” (podendo ser também direito de “C”). Exemplo ocorre nos casos de Condomínios. “A”, “B” e “C” são donos de um condomínio. “D” invade o condomínio. Qualquer um dos donos possuem legitimidade para ingressar em juízo na defesa do condomínio, direito que não pertence unicamente ao autor. A Legitimidade extraordinária pode ser: exclusiva ou concorrente. Na primeira, há apenas um legitimado, como é o caso da Lei 14.230 que, antes do julgamento das ADI’s 7042 e 7043 em 2022, conferia ao Ministério Público legitimidade exclusiva para a propositura da Ação Civil Pública. No caso da Legitimidade concorrente, vários são os legitimados para ingressar em juízo em nome próprio na defesa de direito alheio, como o caso da Defensoria Pública, Ministério Público, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e associações autorizadas por lei para propor Ação Civil Pública, com a interpretação dada pelo Supremo nas ADI’s 7042 e 7043.

 

 

Grinover (p.261) ensina:

 

Legitimidade “Ad Causam” – ainda como desdobramento da idéia [sic] da utilidade do provimento jurisdicional pedido, temos a regra que o Código de Processo Civil enuncia expressamente no art. 6°: “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Assim, em princípio, é titular de ação apenas a própria pessoa que se diz titular do direito subjetivo material cuja tutela pede (legitimidade ativo), podendo ser demandado apenas aquele que seja titular da obrigação correspondente (Legitimidade Passiva).

 

 

 

Não se deve confundir, todavia, “Legitimidade Extraordinária” com “Representação”. No caso da representação, a própria pessoa titular do direito ingressa em juízo, em nome próprio, mas, por algum motivo, no caso concreto, deverá ser representada (ou assistida) por alguém que possua capacidade de estar em juízo (legitimidade ad processum). Exemplo de representação é o do menor que, para cobrar alimentos em juízo, é necessário que esteja representado por sua mãe (GONÇALVES, 2021).

 

2.3. O Debate Acerca da Possibilidade Jurídica do Pedido e a Supressão da Expressão “Condições da Ação” do Código de Processo Civil de 2015

Conforme já mencionado antes, o CPC/15 suprimiu a possibilidade jurídica do pedido das disposições relativas às condições da ação (suprimiu, até mesmo, a expressão “Condições da Ação”). Todavia, não significa que, na hipótese de o magistrado verificar na inicial pedido impossível do ponto de vista jurídico, ou até mesmo do ponto de vista fático, deverá recebê-la e prosseguir com o processo (GONÇALVES, 2021).

 

A Possibilidade Jurídica do Pedido manifesta-se pela possibilidade de conhecimento pelo judiciário da demanda sob análise. Ocorre que determinadas lides (“conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”, pelo conceito Carnelutiano), não podem ser julgadas pelo Judiciário, vez por expressa proibição legal, vez por sua impossibilidade fática. Exemplo de ausência da possibilidade jurídica do pedido é a cobrança por dívida de jogo, expressamente vedada pelo ordenamento jurídico. Outro exemplo é a impossibilidade fático-jurídica de se vender ou comprar um lote na lua. Em ambos os casos, estará ausente a possibilidade jurídica do pedido (ou, para a doutrina contemporânea, o interesse de agir) (GONÇALVES, 2021).

 

Para Marcos Vinicius Gonçalves (p. 285), no exemplo da dívida de jogo, o juiz deverá indeferir a petição e inicial e proceder à extinção do processo sem resolução do mérito, não pela impossibilidade jurídica do pedido (vedação legal), mas sim por falta de interesse de agir. Portanto, embora a possibilidade jurídica do pedido não exista mais enquanto condição da ação autônoma, estaria esta abarcada pelo interesse de agir. O resultado será o mesmo: extinção do processo sem resolução do mérito.

 

O próprio Liebman, a partir da 3ª edição de seu Manual, deixou de considerar a Possibilidade Jurídica do Pedido como condição da ação, advogando pela sua subsunção pelo interesse de agir (GONÇALVES, 2021).

 

Nesse sentido, Liebman reconheceu que a Possibilidade Jurídica do Pedido tratar-se-ia de mérito e não de condição da ação (CHAVES, 2019).

 

A Corte Especial, em decisão unânime proferida pela Terceira Turma, no âmbito do REsp 1.757.123/SP, em 2019, defende esse entendimento:

 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE. ART. 1.015, II, CPC/15 5- O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/73, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina brasileira, que reconhecia o fenômeno como um aspecto do mérito do processo, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/15, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação. 6- A possibilidade jurídica do pedido após o CPC/15, pois, compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, de modo que a decisão interlocutória que versar sobre essa matéria, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, poderá ser objeto de impugnação imediata por agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, CPC/15. 7- Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1757123/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019) (Grifo Nosso).

 

 

Parte da doutrina entende ainda que, com a exclusão da expressão “Condições da Ação”, o Código de Processo Civil de 2015 teria eliminado tal instituto, fazendo com que a Legitimidade Ad Causam e o Interesse de Agir passassem à classe dos Pressupostos Processuais. Este é o entendimento do professor Fredie Didier Jr. (CHAVES, 2019).

 

Não comungamos desse entendimento. Argumento basilar reside no fato de que a mera supressão da expressão não faz com que o instituto desapareça do sistema processual. Nesse sentido, no art. 485 do próprio CPC, o legislador separou em dois incisos diferentes as Condições da Ação (Legitimidade e Interesse de Agir) e os Pressupostos Processuais:

 

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

I – indeferir a petição inicial;

II – o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III – por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;

VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;

VIII – homologar a desistência da ação;

IX – em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e

X – nos demais casos prescritos neste Código. (Grifo nosso).

 

Acaso sinônimos fossem, desnecessário seria tratá-los em incisos diferentes, na contramão do princípio Verba Cum Effectu Sunt Accipienda (“A lei não contém palavras inúteis”).

 

Ainda que assim o fosse, o art. 17 do CPC, embora não mencione a palavra “ação”, nos termos do CPC/73, utiliza-se da expressão “postular em juízo”. Ora, não deixa de se referir à ação (CHAVES, 2019).

 

Respeitável, noutro sentido, a doutrina do Professor Didier, que advoga no sentido da inclusão da legitimidade ad causam e interesse de agir dentro dos pressupostos processuais, mas trata-se de doutrina minoritária, que não comungamos (DIDIER JR., 2015).

 

  1. Elementos da Ação (ou Elementos Identificadores da Ação)

Conforme dito anteriormente, a ação é identificada não pelo seu título, pois ação não tem nome, mas sim por seus elementos, cuja nomenclatura mais correta é “Elementos Identificadores da Ação” (GAJARDONI, 2021).

 

O sistema processual contemporâneo adota a Teoria da Tríplice Identidade (Tria Eadem), que preceitua que são três os elementos da ação: partes; pedido e; causa de pedir.

 

Os elementos identificadores da ação desempenham uma finalidade prática muito relevante, que é o auxílio na verificação dos institutos da Coisa Julgada ou Litispendência e da Conexão ou da Continência.

 

Por oportuno, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre os institutos supracitados.

 

3.1. Finalidade Prática – Coisa Julgada ou Litispendência (Identificação Total) e Conexão ou Continência (Identificação Parcial)

3.1.1. Coisa Julgada

O fenômeno processual da coisa julgada ocorre quando “se repete ação que já foi decidida por uma sentença de que não caiba recurso” (art. 301, §3°, segunda parte, CPC/15).

 

A coisa julgada, que poderá ser material ou formal, tem como objetivo impedir a repropositura de uma demanda cujo a resposta já tenha sido dada de forma definitiva pelo Judiciário. Tendo a jurisdição a característica da definitividade, tornou-se necessário a elaboração de um instituto para prestigiá-la.

 

Para além das disposições do Código de Processo de 2015 acerca da Coisa Julgada, indaga-se: como se identifica uma ação que já foi anteriormente proposta? Conforme já exposto, com base nos seus elementos: partes; pedido e; causa de pedir. Portanto, havendo a propositura de uma ação cujas as partes, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos de uma ação anteriormente proposta, verifica-se que as ações são idênticas, portanto, atacará a decisão anterior da mesma ação, ferindo a coisa julgada, não devendo ser conhecida pelo Judiciário.

 

Assim sendo, a existência de coisa julgada terá como fim uma sentença terminativa, ou seja, não haverá a resolução do mérito, nos termos do art. 485, V, do CPC.

 

3.1.2. Litispendência

Inclusa no conceito de identificação total, a Litispendência se assemelha bastante com a Coisa Julgada. Na litispendência também há identidade entre as partes, o pedido e a causa de pedir, porém a ação idêntica já está em curso. “Há litispendência quando se repete ação que está em curso” (art. 337, §3°, CPC/15).

 

Assim como a Coisa Julgada, havendo litispendência o magistrado deverá extinguir o processo sem resolução do mérito, pelo comando do art. 485, V, da legislação processual.

 

Os elementos da ação são responsáveis pela identificação da litispendência, ao passo que se faz necessário analisá-los à luz da ação litispendente.

 

No caso da litispendência, como ainda não houve resposta judicial à demanda, a propositura da nova ação dependerá da correção do vício que deu ensejo à sentença terminativa (art. 486, §1°, CPC).

 

3.1.3. Conexão

Ocorre a conexão quando em “duas ou mais ações lhes for comum o pedido ou a causa de pedir” (art. 55, CPC/15). Diferente dos institutos anteriores, não há correlação total entre as demandas (partes, pedido e causa de pedir), apenas parcial (pedido ou causa de pedir).

 

O pedido e a causa de pedir são elementos da ação, determinantes para a identificação da conexão. No caso da conexão e da continência, cuja identificação é parcial, o efeito não será a extinção do processo sem resolução do mérito, mas sim a reunião das ações perante o juízo prevento (NEVES, 2021).

 

3.1.4. Continência

No caso da continência, ocorre quando em “duas ou mais ações houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais” (art. 56, CPC/15).

 

No caso da ação continente (pedido mais amplo) houver sido proposta antes da ação contida (pedido menos amplo), esta terá sentença sem terminativa. Ao revés, caso a ação continente seja proposta após a ação contida, a primeira que deverá ser extinta sem resolução do mérito.

 

3.2. Espécies de Elementos da Ação

3.2.1. Partes

Segundo a Profa. Ada Pellegrini (p.262), “são partes as pessoas que participam do contraditório perante o Estado-Juiz”. Adota, portanto, um conceito ampliativo de parte processual, sendo aquela que atua em contraditório, excetuado o magistrado. Assim sendo, todos os agentes processuais poderiam estar inseridos no conceito de parte, como o Ministério Público nos casos em que atua como custos legis, o Amicus Curiae e os demais intervenientes.

 

Chiovenda, por outro lado, adota um conceito mais restritivo de parte, sendo parte aquele que figura na relação material, ou seja, quem pede e contra quem pede. Para Chiovenda, portanto, terceiros não seriam parte no processo, pois não pedem nada e nem têm nada pedido contra. A melhor doutrina entende que este entendimento encontra-se superado pelos ensinamentos de Liebman, que adota o conceito de parte como todo aquele que participa na relação jurídico em contraditório, sendo parte o assistente e até o Amicus Curiae, como entende a professora Ada Pellegrini (GAJARDONI, 2018).

 

Nos parece ser mais correto o entendimento da corrente ampliativa de Liebman. O Código de Processo Civil de 2015, dentre outros exemplos, concedeu ao terceiro interveniente poderes extensos, sendo a redação do art. 121 do CPC clara no sentido de que “o assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido”. Para mais, o art. 138, §3° do Código de Processo Civil possibilita que o Amicus Curiae oponha embargos de declaração e que nos casos de IRDR poderá utilizar-se dos recursos especial e extraordinário.

 

3.2.2. Pedido

Outro elemento da ação é o pedido (petitum). Ingressa-se no judiciário em busca de algo, um provimento, uma medida, um objeto ou bem da vida. Parte da doutrina entende que o juiz não resolve o conflito, a lide, tampouco causa uma pacificação social verdadeira, mas resolve o pedido feito pela parte (GAJARDONI, 2018).

 

O Juiz, em regra, deve ater-se ao pedido, é o que se denominou princípio da adstrição, ou seja, deve o magistrado decidir dentro dos limites impostos pelas partes, dentro do pedido (GAJARDONI, 2018).

 

O pedido é o verdadeiro limitador da atividade jurisdicional. O pedido se divide em imediato e mediato. O pedido imediato é a tutela jurisdicional reclamada, o provimento que se busca. Por exemplo, nas ações de Usucapião, o pedido imediato é uma sentença declaratória de propriedade. Por outro lado, o pedido mediato é o bem da vida pretendido, o que se deseja de fato. Nas ações de Usucapião, o pedido mediato é o exercício da propriedade do imóvel desejado.

 

O CPC/15 trouxe uma seção específica para tratar do pedido, a partir do art. 322. A regra no ordenamento jurídico é o pedido certo e determinado. Excepcionalmente, é possível que o pedido seja genérico, nos casos das ações universais, se o autor não puder individualizar os bens demandados; quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato e; quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. Outras regras como o pedido alternativo e subsidiário também encontram amparo legal.

 

O tema da cumulação dos pedidos merece destaque. É certo que, para que haja a cumulação dos pedidos, alguns requisitos devem estar presentes. O Código de Processo Civil possibilita a cumulação de pedidos quando: a) os pedidos sejam compatíveis entre si; seja competente para conhecer deles o mesmo juízo e; seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. Caso haja necessidade de se empregar procedimentos diferentes, ainda assim será possível a cumulação, desde que o autor opte pelo procedimento comum (art. 327, §2°, CPC). Ressalta-se que a cumulação de pedidos é incompatível com os pedidos subsidiários.

 

No Código de Processo Civil de 1973 havia uma restrição maior ao teor dos pedidos. Foi com o advento do CPC/15 que, em razão do princípio da boa-fé, cooperação e instrumentalidade, surgiu a Teoria dos Pedidos Implícitos.

 

3.2.2.1. Teoria dos Pedidos Implícitos

A regra é que o pedido deve ser expresso, não cabendo ao Magistrado conceder algo que não lhe foi expressamente pedido, sob pena de proferir uma sentença ultra, extra ou infra petita (NEVES, 2021).

 

Entretanto, essa regra tem sido revista e tomado uma nova roupagem pelos processualistas atuais. O Superior Tribunal de Justiça tem ampliado o conceito de pedido implícito para abarcar a concessão de pedido não feito pelo autor na inicial, desde que decorra do conjunto lógico presente na Inicial (NEVES, 2021).

 

Exemplo da aplicação dessa teoria é a possibilidade de condenação em dividendos e juros sobre o próprio capital nos casos de demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, independentemente de pedido expresso do autor, por decorrer de forma lógica do pedido de complementação (STJ, 2ª Seção, REsp 1.373.483/RS, rel. Min. Paulo de Tarso, julgado em 11/06/14).

 

Outro exemplo é a admissão como pedido implícito de novo julgamento nos casos de ação rescisória, por considerar lógica a sua decorrência da desconstituição da decisão impugnada (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 1.070.825/PR, rel. Min Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/09/2013).

 

O Código de Processo de 2015 adota a teoria dos pedidos implícitos:

 

Art. 322. O pedido deve ser certo.

 

  • 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé. (Grifo nosso)

 

 

Defendemos a aplicação dessa teoria. Boa é a doutrina que acolhe a teoria dos pedidos implícitos, pois fundada não apenas na economia processual e na boa-fé, mas por admitir uma atividade pró-ativa do judiciário para prestar, da melhor forma, a atividade jurisdicional.

 

Há tempos a doutrina processual civil vislumbra o magistrado não apenas como o julgador frio da causa, “boca da lei”, mas como um agente da promoção dos direitos e garantias constitucionais. Exemplo disso é a aplicação das Medidas Atípicas de Execução, que conferem ao magistrado um poder mais amplo para efetivar o direito ali reconhecido. Ao juiz, não cumpre apenas decidir, mas também efetivar o direito que foi legalmente reconhecido pelo judiciário. Por óbvio, não defendemos uma atuação inquisitorial do magistrado (muito embora, na doutrina processual civil, ainda haja vários resquícios desse sistema), mas sim uma atuação ponderada e pautada na efetivação, equidade e garantia dos direitos fundamentais. Se a inafastabilidade da jurisdição é um direito fundamental, ao magistrado devem ser conferidos poderes para sua salvaguarda. Pensamento semelhante à Teoria dos Poderes Implícitos. Ora, se um poder é conferido a alguém, a esse alguém também devem ser conferidos os meios de exercê-lo.

 

Fato é que o Código de Processo Civil de 2015 manteve a ideia das alterações realizadas em seu antecessor, perpetuando a noção do processo sincrético, onde as atividades cognitiva e executiva são realizadas no mesmo processo, tudo isso a fim de fazer funcionar um processo mais célere, mais efetivo, que não busca apenas a atividade declarativa, mas também a executiva.

 

O professor Fernando Gajardoni, Juiz de Direito, Mestre e Doutor em Direito Processual pela USP, ensina:

 

no código de processo anterior se interpretavam restritivamente os pedidos, mas agora se interpretam de acordo com o conjunto da postulação, observada a boa-fé, conforme art. 322, §2° do novo CPC. “Temos, portanto, a adoção da teoria dos pedidos implícitos”.

 

 

Não se defende, como pregado por parte da doutrina, a retirada de requisitos específicos ou a conivência com a ausência da técnica processual, fato é, que, à luz do Neoprocessualismo, impõe-se ao sistema uma releitura de dogmas que, até então, traziam ao processo uma feição estritamente formal.

 

Confere-se ao magistrado não uma exceção direta e arbitrária ao princípio do dispositivo, mas a possibilidade de tornar o processo um instrumento à efetivação do direito que ali se busca.

 

Tanto é, que, até a reforma da Consolidação das Leis Trabalhistas em 2017, o juiz, de ofício, iniciava o cumprimento de sentença após o seu trânsito em julgado. Essa técnica prestigiava a celeridade e eficiência, além de, numa seara em que há uma parte hipossuficiente, enaltecer o princípio da proteção. Devem-se buscar ferramentas processuais que permitam a satisfação do direito reconhecido.

 

Não defendemos, portanto, uma posição monocular da relação processual. É evidente que o processo deve ser analisado sob o prisma da triangulação processual, tendo como base o contraditório e ampla defesa. Não é facultado ao magistrado que decida, em grau algum de jurisdição, sobre matéria a qual não possibilitou a parte que se manifestasse, ainda que se trate de norma cogente. Nesse sentido, a teoria dos pedidos implícitos não deve ser utilizada na contramão da boa-fé, fazendo surpresa ao réu quando do julgamento, mas banhada e modelada pela manta do contraditório e cooperação.

 

3.2.3. Causa de Pedir

Esse elemento da ação guarda íntima relação com a ratio petitum, razão de pedir, ou seja, o fato pelo qual se origina o ingresso em juízo (FILHO, 2012).

 

A doutrina divide a Causa de Pedir em duas espécies: causa de pedir próxima e; causa de pedir remota. A causa de pedir próxima é a fundamentação jurídica em si, o enquadramento jurídico do fato feito pela parte. Por outro lado, a causa de pedir remota é o fato, o acontecimento fático que deu ensejo ao exercício do direito de ação (FILHO, 2012).

 

O direito processual civil pátrio exige não apenas a narrativa dos fundamentos jurídicos, mas também dos fundamentos fáticos.

 

Cumpre diferenciar fundamento jurídico do fundamento legal. O fundamento legal, que não integra a causa de pedir e não vincula o magistrado quando do julgamento, é a indicação do artigo de lei em que se enquadra o acontecimento. Em sentido diverso, o fundamento jurídico é a ligação, o liame jurídico que o fato possui com o pedido, ou seja, a aplicação, com base no ordenamento jurídico, do motivo pelo qual o autor merece o que pede diante dos fatos narrados (NEVES, 2021).

 

Todavia, a doutrina brasileira divide-se quanto à teoria adotada pelo sistema processual vigente. Parte da doutrina, sendo esta majoritária, entende que o Brasil adotou a Teoria da Substanciação, de matriz alemã, que propõe que a causa de pedir, seja qual for a natureza da ação, é formada apenas pelos fatos jurídicos alegados pelo autor, portanto, apenas pela causa de pedir próxima (NEVES, 2021).

 

Entretanto, essa mesma doutrina afirma que a causa de pedir é composta tanto pelos fundamentos jurídicos, quanto pelos fundamentos fáticos, gerando certa incongruência (NEVES, 2021).

 

Por outro lado, a doutrina minoritária defende a existência de uma teoria mista, de forma que, ao exigir que o autor na inicial narre os fatos e os fundamentos jurídicos, o direito brasileiro teria acolhido uma teoria que buscasse um equilíbrio entre a teoria da substanciação e da individualização (afirma que a causa de pedir somente é composta pela relação jurídica afirmada pelo autor), logo, a teoria mista (NEVES, 2021).

 

Conclusão

De fato, o sistema processual brasileiro ainda possui algumas inconsistências, muito embora grande parte das dificuldades processuais, notadamente a morosidade, decorram de problemas estruturais administrativos do próprio Poder Judiciário, não da legislação.

Reputamos superada a divergência que outrora existia acerca da autonomia ou não do direito de ação. Não há de se falar mais em servidão do direito de ação ao direito material. Entendemos, portanto, pela independência do direito de ação, como direito público subjetivo e autônomo.

Ainda nesse sentido, embora não exista mais, topograficamente, no Código de Processo Civil de 2015 a expressão “Condições da Ação”, o instituto ainda existe e, ante a sua ausência, o processo deverá ser extinto mediante sentença terminativa por carência da ação.

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, entendemos que esta deixou de ser condição da ação autônoma, passando a integrar o Interesse de Agir. Assim sendo, restaram apenas duas condições da ação no sistema processual atual, a Legitimidade ad causam e o Interesse de Agir, este último englobando a possibilidade jurídica do pedido, conforme os ensinamentos de Liebman.

A Teoria da Asserção do professor Watanabe é a que melhor nos oferece soluções práticas. Vislumbramos nesta teoria a solução para o momento de verificação das condições da ação, bem como os seus desdobramentos.

A sistemática processual contemporânea contempla de forma basilar os ideais da boa-fé, cooperação e instrumentalismo. Nessa senda, deixa o processo de ser visto unicamente como um conjunto de atos logicamente interligados que visam uma sentença, mas sim como um instrumento utilizado para a satisfação de um direito. Deixa o magistrado de exercer um papel unicamente declarativo, mas passa a exercer uma função concretizadora. As medidas atípicas de execução e a Teoria dos pedidos implícitos revelam a possibilidade dada ao magistrado de exercer o poder geral de efetivação, que é mais amplo que o poder geral de cautela, não apenas declarando a existência ou inexistência de um direito, mas utilizando-se dos meios e poderes a ele conferidos, satisfazer e concretizar o direito que outrora fora reconhecido, marcando, cada vez, o sincretismo processual.

A efetividade é uma marca do processo constitucional de um Estado Democrático de Direito, que deve servir para aproximar o cidadão do Poder Público e, mais que isso, manter o bem-estar social inerente ao Contrato Social.

Fernanda Cunha Sousa:

 

“A concretização dos direitos fundamentais é imposta pela cidadania, demonstrando que a simples menção a eles pode não significar nada, se ao lado do reconhecimento textual, não caminharem juntas as garantias potenciais de torná-los efetivos, ou seja, o principal ponto, quando da interpretação e aplicação das normas legais, é a dignidade do ser humano, conforme reza a Constituição Federal de 1988”.

 

Conclui-se. Cabe aos Magistrados, Membros do Ministério Público, Advogados Públicos e Privados, Defensores Públicos e a todos que oficiem no processo, uma atuação pautada nos princípios contemporâneos do processo, especialmente a Boa-Fé, Lealdade, Previsibilidade e Instrumentalidade. Reconhecendo que o processo não é um fim em si mesmo, mas que dele resultam repercussões sociais de ordem pragmática. Atuando não apenas em prol de uma (pseudo)regularidade, mas também em favor da efetivação da tutela jurisdicional, como marca do Direito Processual Contemporâneo.

 

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[1]Felipe Antônio da Silva: Estagiário de Direito do Ministério Público de Minas Gerais na 04ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte. Estagiou em Escritório de Advocacia. Foi aprovado nos Concursos de Estágio do Ministério Público Federal e do Estado de Minas Gerais, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Tribunal Regional Eleitoral-MG, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e da União, na Advocacia-Geral da União e na Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte. Acadêmico de Direito do Centro Universitário UniHorizontes

[2]Luis Eduardo Telles Benzi: Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Titular da 04ª Promotoria de Justiça do Juízo de Registros Públicos de Belo Horizonte. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

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