Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB: Incoerências

Sandro Brügger Novaes – Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito pelo Instituto Superior de Ciências Aplicadas; Bacharel em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: [email protected]

Resumo: Demonstrar que o Provimento nº 188/2018, emitido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, não está em conformidade com a Constituição Federal e com o Código de Processo Penal. Objetiva ainda, apresentar informações sobre a investigação policial, levada a termo pela Polícia Judiciária, e as especificidades dessa atividade. Apresentar a importância da qualificação técnica nas atividades realizadas pelos Peritos Criminais, além da apresentação detalhada dos artigos mais necessários a questionamentos, constantes ao Provimento nº 188/2018. Demonstrar que o defensor pode efetuar uma investigação mas dentro dos limites da realidade prática, tendo mais a ganhar atuando em colaboração ao Estado que agindo como se estivesse contra o mesmo.

Palavras-chave: Provimento nº 188/2018. Investigação. Inconstitucionalidade.

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Résumé: Démontrer que la disposition n ° 188/2018, publiée par le Conseil Fédéral du Barreau brésilien, n’est pas conforme à la Constitution Fédérale et au Code de Procédure Pénale. Il vise également à présenter des informations sur l’enquête policière, menée par la police judiciaire, et les spécificités de cette activité. Présenter l’importance de la qualification technique dans les activités menées par des experts en matière criminelle, en plus de la présentation détaillée des articles les plus nécessaires à l’interrogatoire, contenus dans le dispositif n ° 188/2018. Démontrer que le défenseur peut mener une enquête, mais dans les limites de la réalité pratique, ayant plus à gagner à travailler en collaboration avec l’État qu’en agissant comme s’il était contre lui.

Mot Clé: Disposition n ° 188/2018. Enquête. Inconstitutionnalité.

 

Sumário: Introdução. 1. Primeiras Impressões. 1.1. Provimento nº 188/2018 e seu Artigo 1º. 1.2 Provimento nº 188/2018 e seu Artigo 4º. 1.3 Provimento nº 188/2018 e seu Artigo 6º. 2. Inquérito Policial. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O objetivo deste artigo científico será o da análise pormenorizada dos dispositivos constantes ao Provimento nº 188/2018 concebido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Tal Provimento seria interessante se não contivesse tantas incoerências e conflitos (não aparentes) reais para com a Constituição Federal e com o Código de Processo Penal.

 

  1. Primeiras Impressões

A regulamentação da prerrogativa do advogado no intuito de realizar diligências investigatórias parece à primeira vista, algo inócuo por si só, visto ser algo inerente ao defensor e jamais cerceado no âmbito jurídico, previsto na Constituição Federal e incentivado pelas instituições. Apenas isto já causa estranheza na elaboração do Provimento nº 188/2018 por parte do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Mas a questão vai além de alguma suposta animosidade da parte do autor para com o citado Provimento: há incompatibilidades diversas com textos legais, começando pela Constituição Federal e atingindo, inclusive, dispositivos do Código de Processo Penal, Princípios do Direito Processual Penal, sem contar situações como a de efetuar o advogado criminalista, investigações paralelas à Polícia Judiciária e não ter de compartilhar informações (como se houvesse previsão legal neste sentido que respaldasse tal situação, o que realmente inexiste). Há no texto, não uma busca pela paridade de armas por parte do Provimento nº 188/2018 em relação ao MP, algo por si só desnecessário posto que tal previsão existe (conforme afirmativa anterior) mas sim, uma permissão vazia, quase que voltada para dentro, já que por não possuir respaldo legal será ignorada, na prática, pelas instituições, principalmente pela Polícia Judiciária durante “persecutio criminis”. Já em relação ao Ministério Público, o mesmo apresenta-se como um órgão estatal, enquanto não se pode afirmar o mesmo para com a OAB, embora possuidora de características ímpares, conforme o Supremo Tribunal Federal já afirmou, e de ser detentora das mais nobres qualidades pertinentes à Democracia, não poder-se-ia afirmar tratar-se de uma entidade administrativa, por exemplo, uma Autarquia. Segundo Alexandre Mazza:

 

“Já a Ordem dos Advogados do Brasil perdeu o status de autarquia no Supremo Tribunal Federal.”. (MAZZA, 2015, p. 183).

 

O Inquérito Policial como peça meramente informativa, busca indícios mínimos de autoria e materialidade para prover, primeiramente, a quem? Ao Ministério Público. É atribuição de quem optar pelo arquivamento ou não do inquérito policial? Do Ministério Público. De maneira comparativa: poderia o defensor buscar a condenação? Não, no entanto, o MP pode optar por dar ou não prosseguimento ao inquérito policial, o que poderia findar ou não em uma ação penal. Porém, maneira um tanto sombria, alguns parecem olvidar que tanto o Delegado de Polícia quanto o Promotor de Justiça visam, seja durante o inquérito policial ou durante a ação penal, simplesmente alcançar a verdade real, objetivando ao cumprimento da Lei, pura e simplesmente, nada além. Infelizmente alguns imaginam algo diferente disto, criando situações inverídicas ou denegrindo autoridades públicas e agentes de autoridade, geralmente o fazendo visando interesses particulares, esta é a realidade. O maior problema enfrentado na sociedade brasileira é a Educação, mas este é outro tema. Percorreremos, os artigos mais polêmicos do Provimento nº 188/2018.

 

1.1 Provimento nº 188/2018 e seu Artigo 1º

O Provimento nº 188/2018, entrou em vigor no dia 11 de dezembro de 2018 e, já em seu art. 1º, causa estranheza:

 

“Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.”. (grifo nosso).

 

Algo não caiu bem nas palavras grifadas, por exemplo: como seria isso, de um criminalista investigar, digamos, um local de crime onde houvesse ocorrido um homicídio? Ele possuiria qualificação técnica para tal ou acabaria por atrapalhar as investigações levadas a cabo por agentes (Investigadores) da Polícia Civil ou integrantes (Peritos Criminais) de Institutos de Criminalística?

 

E poderia dispor, segundo o citado artigo, da assistência técnica de um especialista? Isso não poderia prejudicar ao próprio cliente que o defensor representasse? Tal investigação paralela levada adiante por um advogado, ocorreria simultaneamente à investigação policial?

 

Muitas dúvidas e nenhuma resposta. Este é aquele momento em que segundo o filósofo prussiano, Friedrich Wilhelm Nietzsche, em seu livro: “A Filosofia na Era Trágica dos Gregos”, ao comentar um instante em que o filósofo pré-socrático Anaxágoras de Clazômenas ao se confrontar com as dúvidas acerca da multiplicidade de elementos, visando refutar pensamentos de outro também grande filósofo, Parmênides de Eleia, teria sido protagonista de um momento interessante na História da Filosofia. Segundo Nietzsche, Anaxágoras “realizou o salto”… o filósofo prussiano, valia-se destes vocábulos quando algum filósofo, ao seu entender, não encontrando mais soluções viáveis aos seus pensamentos finais, após percorrer longo caminho em suas conjecturas, ousava, arriscando um último ato para fornecer estabilidade a toda teoria proposta anteriormente:

 

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“Deve-se olhar para os oponentes dos eleatas para apreciar as vantagens extraordinárias da suposição de Parmênides. Que embaraços – dos quais Parmênides escapara – esperavam agora por Anaxágoras e todos aqueles que acreditavam na multiplicidade de substâncias na pergunta: quantas substâncias? Anaxágoras realizou o salto, fechou os olhos e disse: uma quantidade infinita. Desse modo, ao menos contornava a demonstração incrivelmente trabalhosa de um número definido de materiais elementares.”. (grifo nosso); (NIETZSCHE, 2013, p. 67).

 

De maneira semelhante ao “salto de Anaxágoras”, citado por Nietzsche, o artigo 1º do Provimento nº 188/2018 foi compilado, mas com resultado inverso, não fornecendo a mínima estabilidade ou segurança ao objetivo proposto. Na verdade, todo o Provimento nº 188/2018, apresenta-se como um “salto” às avessas. Anaxágoras, ao menos, sabia o que estava fazendo.

 

Uma das melhores definições (bem condensada) acerca das atividades da Polícia Civil, senão a mais cristalina, encontra-se na Constituição Federal, em seu art. 144, § 4º:

 

“Às polícias civis, § 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”. (grifo nosso).

 

A Carta Magna deixou claro que para a apuração de infrações penais, haverá agentes do Estado, treinados e voltados apenas à tais funções, no intuito de angariar elementos probatórios mínimos para o ensejo da ação penal ou, justamente, comprovar-se a prescindibilidade da mesma, retirando o suspeito ou indiciado (dependendo do momento em que se encontrem as investigações) do foco da futura ação penal que o aguardaria.

 

Conforme bem comentou Fernando da Costa Tourinho Filho:

 

“A Polícia Civil (ou Judiciária, como é mais conhecida) tem, assim, por finalidade investigar as infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo, como bem o diz o art. 4º do CPP.”. (TOURINHO, 2017, p. 116).

 

Pelas palavras acima apresentadas, o art. 1º do Provimento nº 188/2018, apenas por tais citações, já se apresenta inexplicável (de maneira semelhante, a investigação – mesmo que minimamente levada adiante – por parte do “parquet”, apresenta-se, também, como uma situação questionável, por não ser visto com bons olhos a nenhuma instituição acusadora, participar de investigações e, posteriormente, acusar. Isso ofenderia o Princípio da Igualdade das Partes e poderia ensejar

 

situações como o surgimento do art. 1º do Provimento nº 188/2018, mas não aprofundarei nesta questão).

 

Ainda em relação ao art. 1º do Provimento nº 188/2018, o fato do advogado poder efetuar: “com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados”, investigações, apresenta-se como algo temerário e complementa Tourinho:

 

“Note-se, por exemplo, que o réu não pode defender-se a si mesmo, salvo se tiver habilitação técnica. É como soa o art. 263 do CPP. Se fosse possível a defesa a cargo de pessoa sem habilitação, defesa e acusação ficariam desniveladas”. (TOURINHO, 2017, p. 61).

 

Se o réu não pode defender-se sem auxílio técnico, como um criminalista (sem respaldo técnico), poderia durante a fase das investigações policiais, por exemplo, apoderar-se de alguma eventual “prova” colhida em local do delito citado anteriormente (um homicídio hipotético) e efetuar, por exemplo, exames na arma do crime (caso fosse ele o primeiro a encontrar tal artefato)? Que tipo de conclusões tiraria de posse de tal objeto? Elaboraria ele, algum exame nas ranhuras do cano de uma arma de fogo (caso fosse esta a arma do crime) para verificar se coincidiriam com as ranhuras do projétil alojado no cadáver ou realizaria exames laboratoriais em uma faca com manchas de sangue? Teria o defensor, acesso ao cadáver e poderia manuseá-lo? São questões que sequer deveriam ser suscitadas visto a óbvia impossibilidade de tais concretizações. O conteúdo do art. 1º do Provimento observado, esvazia-se diante de tais considerações. E poderia ser aceitável que uma pessoa (defensor) sem qualificações técnicas para efetuar investigações e análises de materiais, atuasse às cegas para defender outro (cliente) indivíduo, que por sua vez, não possui qualificações sequer para defender-se em juízo? Não faz sentido. Pior que há, ainda que timidamente, textos circulando pela internet incentivando tais práticas. Nas palavras de um dos respeitados Peritos Criminais do Brasil, Domingos Tocchetto, autor da consagrada obra: “Balística Forense”:

 

“A fase da cadeia de custódia que exige mais atenção neste sentido é a coleta do projetil no local do crime ou corpo da vítima. Projetis incrustados em alvos rígidos, como alvenaria, madeira, metal, vidro, podem sofrer danos no momento da extração. Sugere-se que, nestes casos, seja retirado material do seu entorno para livrá-lo do anteparo sem imputar pressão ou fricção pela utilização de instrumentos rígidos. Outras deformações somadas àquelas decorrentes do impacto do projetil no anteparo poderão inviabilizar os exames microcomparativos ou levar a resultados periciais não conclusivos. Os mesmos cuidados devem ser tomados nos Institutos Médico-legais ao se extrair elementos de munição do corpo da vítima. Pinças com extremidades protegidas e algodão poderão ser utilizadas para tal.”. (TOCCHETTO, 2016, p. 12-13).

 

Este é apenas um pequeno exemplo da dificuldade e necessidade de cuidados especiais que requer uma investigação policial, principalmente, quando há vítimas fatais, não havendo espaço para amadores, pois não se trata somente da vida do investigado, mas da vida perdida de um ser humano, situação que requer cuidados extremos, em todas as direções, em prol do bem maior que é a harmonia social.

 

1.2 Provimento nº 188/2018 e seu Artigo 4º

Vejamos o Artigo 4º, do Provimento nº 188/2018 na íntegra:

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“Art. 4º Poderá o advogado, na condução da investigação defensiva, promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de

 

depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.

 

Parágrafo único. Na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.”. (grifo nosso).

 

Como cogitar-se a utilização de “detetives particulares” se a Lei nº 13.432/2017 que: “Dispõe sobre o exercício da profissão de detetive particular”, em seu art. 2º, reza:

 

“Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se detetive particular o profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial, planeje e execute coleta de dados e informações de natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante.”.

 

Então, como o art. 4º, do Provimento nº 188/2018, simplesmente “atropela” a Lei nº 13.432/2017? Acaso o Provimento em questão possui a capacidade de revogar (derrogar ou ab-rogar ) leis? O Conselho Federal da OAB não possui as qualidades para legislar, logo, tal art. deste provimento apresenta-se como inócuo, inválido, enquanto que o PU do mesmo art., é flagrantemente inconstitucional, conforme demonstra o art. 5°, inciso LVI da Constituição Federal:

 

“LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”.

 

Se são inadmissíveis provas obtidas por meios ilícitos, conforme a própria Carta Magna confirma e se a Lei nº 13.432/2017, em seu art. 2º, afirma que a atuação do detetive particular deve restringir-se a coleta de dados e informações de natureza não criminal, afirmar o contrário no Provimento nº 188/2018, em seu art. 4º PU, foi extrapolar a atuação da defesa durante a fase investigativa do Inquérito Policial, principalmente. Não há que se comparar as atividades de um detetive particular e seu conhecimento nulo em relação, por exemplo, às técnicas na busca de provas em um local de crime relativos a um homicídio, com a atuação e constantes aperfeiçoamentos realizados por Investigadores de Polícia Civil de uma Delegacia Especializada em Homicídios. Não há comparações plausíveis entre ambas as profissões, sem, no entanto, desmerecer em absoluto, as atividades do Detetive Particular, a intenção do presente trabalho não é esta, mas apenas demonstrar que a área de atuação de ambos é completamente diferente, técnicas empregadas em seus ofícios são igualmente opostas, havendo um abismo entre tais atividades.

 

Importante recordarmos o que o artigo 37 da Constituição Federal tem a apresentar:

 

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…).

 

Conforme bem menciona Alexandre de Moraes, ainda em relação ao artigo 37 da Constituição Federal:

 

“A Constituição Federal, inovando em relação às anteriores, regulamenta, no Título III, um capítulo específico para a organização da administração pública, pormenorizando-a enquanto estrutura governamental e enquanto função, e determinando no art. 37 que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeça, além dos diversos preceitos expressos, aos princípios da Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”. (MORAES, 2017, p. 347).

 

Seguindo no mesmo diapasão, aprofundando ao Princípio da Legalidade, ainda com Alexandre de

Moraes:

 

“O tradicional princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal e anteriormente estudado, aplica-se normalmente na Administração Pública, porém de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitida a realização de tudo o que a lei não proíba. Esse princípio coaduna-se com a própria função administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas sim, em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de preservar-se a ordem jurídica”. (MORAES, 2017, p. 348).

 

O art. 37 da Constituição Federal, dentre os cinco princípios por ele absorvidos, apresenta o Princípio da Legalidade como aquele que norteia a Administração Pública. Percebe-se que tanto o Delegado de Polícia quanto o Promotor de Justiça seguem este princípio à risca, enquanto que o Provimento nº 188/2018 acaba por, ao arrepio da Lei, incentivar condutas, de fato, inconstitucionais.

 

Sobre a ilicitude das provas, importante observação de Eugênio Pacelli:

 

“Em uma ordem jurídica fundada no reconhecimento, afirmação e proteção dos direitos fundamentais, não há como recusar a estatura fundante do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, sobretudo, porque destinado a proteger os jurisdicionados contra investidas arbitrárias do Poder Público. Não bastasse, também a relevância do debate acerca da aplicação do princípio da adequabilidade (proporcionalidade e razoabilidade) na hermenêutica constitucional faz crescer de importância as normas jurídicas atinentes às provas. De todo modo, não nos furtaremos ao amplo desenvolvimento do tema, quando do exame do capítulo específico da teoria e dos meios de prova. Ali se verá e se aplaudirá também a alteração trazida pela Lei nº 11.690/08, na parte em que ela explicita a contaminação da ilicitude (art. 157, CPP), como a adotar a teoria dos frutos da árvore envenenada, já incorporada na doutrina e na jurisprudência nacionais, com ressalvas, também explícitas, das teorias da descoberta inevitável e da fonte independente, a justificar hipóteses de não contaminação.”. (PACELLI, 2020, p. 87).

 

1.3 Provimento nº 188/2018 e seu Artigo 6º

Conforme o artigo 6º:

 

“Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados.

 

Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do resultado da investigação exigirão expressa autorização do constituinte.”. (grifo nosso).

 

As palavras grifadas no caput deste artigo, surpreendem e causam espécie, pois tal artigo parece desejar solapar o papel da autoridade competente e da Polícia Judiciária, como se os defensores e particulares contratados por seus clientes fossem capazes de levar a cabo uma investigação policial quando de fato, não o são. É a realidade, sem fantasias: não há que se comparar a investigação policial levada à termo pelo Estado com a atuação de particulares. Crer no contrário é devanear, é desconhecer a realidade e os fatores e elementos que envolvem uma investigação policial, conforme veremos a seguir.

 

  1. Inquérito Policial

Em relação à natureza do Inquérito Policial, Tourinho afirma com a clareza que sempre lhe foi peculiar:

 

“O inquérito Policial tem natureza administrativa. São seus caracteres: ser escrito (art. 9º CPP), sigiloso (art. 20 do CPP) e inquisitivo, já que nele não há contraditório. É verdade que o inciso LV do art. 5º da CF dispõe que ‘aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes’. Nem por isso se pode dizer seja o inquérito contraditório. Primeiro, porque no inquérito não há acusado; segundo, porque não é processo. A expressão processo administrativo tem outro sentido, mesmo porque no inquérito não há litigante, e a Magna Carta fala dos ‘litigantes em processo judicial ou administrativo…’. O inquérito é medida preparatória para o exercício da ação penal e, por sinal, dispensável, dês que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a ingressar em juízo.”. (TOURINHO, 2017, p. 120).

 

O art. 6º do Provimento nº 188/2018, citado no item 1.3 deste trabalho, luta contra o fato do inquérito policial possuir característica inquisitiva, pois o defensor “não ter o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados”, não pode ser compreendido de outra forma, já que o próprio defensor tem direito de acessar aos autos do inquérito. Parece haver neste art. 6º uma “mágoa” para com a autonomia da autoridade policial nas investigações policiais, quando este não anexa todas as informações angariadas na investigação preliminar, aos autos, mas isto ocorre, justamente em função do sigilo necessário às investigações até que as mesmas estejam conclusas. Continuando, observaremos o art. 20 do Código de Processo Penal:

 

“A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.”.

 

  • claro que o defensor ou terceiros, durante as investigações, não terão acesso a essas informações enquanto não estiver formada a convicção dos investigadores da Polícia Judiciária, sob o risco de ocasionar máculas insanáveis à investigação e tal situação faz todo o sentido. E nesta fase não cabe o contraditório, sendo esta uma realidade que não deve ser olvidada, como bem observou Tourinho:

 

“Se no inquérito não há acusação, mas investigação, não se pode admitir contraditório naquela fase preambular da ação penal.”. (TOURINHO, 2017, p. 121).

 

Seguindo a mesma linha explanatória (ao menos neste quesito), Aury Lopes Jr.:

 

“A investigação preliminar situa-se na fase pré-processual, sendo o gênero do qual são espécies o inquérito policial, as comissões parlamentares de inquérito, sindicâncias etc. Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou o não processo.”. (LOPES JR. 2017, p. 119-120).

 

Há abaixo, palavras pertinentes em relação à atuação da defesa durante a investigação policial, sendo que as mesmas, apresentam-se, poder-se-ia dizer, definitivas, na pessoa do doutrinador Eugênio Pacelli:

 

“A formação do convencimento do encarregado da acusação, como visto, pode decorrer também de atividades desenvolvidas em procedimentos administrativos levados a cabo por outras autoridades administrativas e até mesmo por atuação de particular, isto é, pelo encaminhamento de documentação ou informação suficiente à formação da opinio delicti. Em relação ao particular, o que estamos afirmando é que eventuais elementos probatórios poderão ser fornecidos por ele, desde que resultantes de atividades lícitas. Se houver ilicitude na respectiva obtenção, a regra é a inadmissibilidade da prova. No ponto, a recente Lei nº 13.432/17 dispôs sobre a atuação dos chamados ‘detetives particulares’, que, inobstante coletarem dados e informações apenas de

 

 

natureza não criminal (art. 2º), visando a interesse privado do contratante, receberam a

 

prerrogativa de poderem colaborar com investigação policial em curso, desde que expressamente autorizado pelo contratante (art. 5º) e aceito pelo Delegado de Polícia (art. 5º, parágrafo único). Mesmo que a autoridade policial não rejeite o ingresso do detetive (e pode fazê-lo a qualquer tempo), ainda assim não poderá ele participar diretamente de diligências policiais (art. 10, IV). Ou seja, trata-se de atuação puramente acessória, de auxílio indireto (e duvidoso…) à investigação. A nosso aviso, a possibilidade de “investigação defensiva”, ao menos nos moldes traçados pela nova legislação, sempre esteve à disposição dos réus e também das vítimas (ainda que à margem de previsão expressa), de modo que a lei não introduziu nenhuma novidade. De todo modo, nenhum prejuízo advém desse verdadeiro referendum concedido à profissão.. (grifo nosso); (PACELLI, 2020, p. 92).

 

De todo modo, Pacelli foi muito feliz ao afirmar que a investigação defensiva sempre esteve à disposição da defesa e que nenhum prejuízo advirá deste Provimento, já que o Delegado de Polícia pode simplesmente não permitir a participação de detetives particulares, defensores e outros, durante as diligências policiais.

 

Se o inquérito é peça meramente informativa, por que tantos autores se debatem, diuturnamente contra o mesmo? A questão vai bem além dos tópicos relativos à investigação policial, bem além. Muitos afirmam que o modelo inquisitivo pertinente ao inquérito policial estaria “ultrapassado” ou algo do gênero, o que não corresponde à realidade em nenhum aspecto. Tanto se afirma sobre o que “funciona” nos países x ou y, mas parecem não compreender que a questão não gira somente nas medidas que dão certo ou não em outros países, pois isso nunca foi e jamais será parâmetro para embasar nada. A questão perpassa os âmbitos históricos, jurídicos, sociais etc.

 

Muito se comenta da parte de alguns criminalistas acerca dos conflitos quando de suas visitas às delegacias de polícia civil, por exemplo. Não parece estranho que somente policiais civis “destratem” defensores que busquem informações? Por óbvio que o oposto, muitas vezes, também ocorre, mas isso quase não se comenta. E nem sempre tais conflitos ou ofensas da parte de defensores contra policiais ocorrem somente por aqueles desejarem acesso irrestrito a informações acerca de investigações ainda em andamento e sigilosas.

 

Vejamos um dos muitos motivos pelos quais a importância da investigação policial deve ser observada atentamente e preservada de interferências externas, como bem fundamentou Tocchetto:

 

“A preservação dos vestígios materiais dependerá do isolamento do local. É dever da autoridade policial providenciar a correta preservação do local de tiro ou de qualquer outro local em que tenha ocorrido uma infração penal. Esta obrigação está contida no incido I do art. 6º do CPP.”. (TOCCHETO, 2016, p. 3).

 

Vejamos agora o art. 6º, inciso I, do Código de Processo Penal na íntegra e com comentários posteriores efetuados pelo doutrinador Guilherme de Souza Nucci:

 

“Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

 

I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

 

  • – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

 

 

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

 

IV – ouvir o ofendido;

 

V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;

 

VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

 

VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

 

VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

 

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

 

X – colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.

 

Presença no local dos fatos: seria extremamente útil que a autoridade policial pudesse comparecer, sempre e pessoalmente, ao lugar onde o crime ocorreu, mormente no caso daqueles que deixam nítidos vestígios, tais como homicídio, latrocínio, furto com arrombamento, incêndio, aborto etc. A não alteração do local é fundamental para que os peritos criminais possam elaborar laudos úteis ao esclarecimento da verdade real. Se alguém, por exemplo, move o cadáver de lugar, estará comprometendo, seriamente, muitas das conclusões a respeito da ação criminosa e mesmo da busca de seu autor. Não podendo ir pessoalmente, deve, ao menos em delitos graves e violentos, enviar policiais que possam preservar o lugar até a chegada da equipe técnica.”. (NUCCI, 2017, 78-79).

 

Se o Código de Processo Penal, prevê em seu art. 6º, inciso I, que é: “dever da autoridade policial providenciar a correta preservação do local (…)”, por que tantos se opõe a situações como esta? O objetivo principal não deveria ser o da busca pela verdade real ao invés da satisfação de interesses pessoais? Como sociedade, visamos o interesse coletivo ou a satisfação de interesses particulares? Fica a reflexão. Continuando com Tocchetto:

 

“A atuação da autoridade policial na preservação do local é de vital importância. Essa atuação, por vezes, deve ser firme, enérgica, evitando a alteração ou subtração de vestígios materiais importantes, relacionados com o fato. A própria autoridade policial ou seu agente deve respeitar o local evitando o deslocamento ou recolhimento, antes da chegada dos peritos, de qualquer vestígio material. O perito oficial deve ser a primeira pessoa a adentrar o local. Após a conclusão do seu exame pericial deve comunicar à autoridade policial presente que o local está liberado. A partir desse momento a autoridade policial tomará as demais providências que julgar necessárias para o seu trabalho.”. (TOCCHETTO, 2016, p. 3).

 

Mantendo o mesmo exemplo inicial, sobre um homicídio hipotético, quando a Polícia Militar é acionada acerca de algum delito e dirige-se ao local do delito em questão, o correto seria a preservação do local do crime, até a chegada da Autoridade Policial e dos Peritos Criminais. A investigação defensiva, segundo o art. 4º do Provimento nº 188/2018, não fornece credibilidade

 

adequada ao exemplo de um homicídio, por exemplo, efetuado com arma ou armas de fogo. Como seria a situação do art. 4º, combinado com o art. 6º, do mesmo Provimento nº 188/2018, onde um defensor que chegasse ao local de um crime, adentrasse a área de isolamento, revirasse um ou mais corpos, tomasse posse de uma ou mais armas de fogo (art. 4º) e levasse consigo tais artefatos sem sequer ter de informar a autoridade policial (art. 6º)? Seria o caos para qualquer investigação! O defensor tem de compreender que deve agir dentro de suas capacidades técnicas, as quais não se incluem análise cadavérica (por acaso o defensor é um legista? Cursou Medicina e é um legista oficial do Estado?), conhecimentos e utilização de equipamentos para análise balística de projéteis (acaso o defensor é formado em Física ou Química e é um Perito Criminal Oficial do Estado? Se assim o fosse, não poderia advogar…) etc.

 

E nos meios empregados a um homicídio hipotético, nas palavras do saudoso Julio Fabbrini Mirabete:

 

“Os meios podem ser físicos (disparos de revólver, golpes de punhal etc.), químicos (uso de veneno ou de açúcar contra diabéticos etc), patogênicos ou patológicos (transmissão de moléstia por meio de vírus ou bactérias etc.), ou ainda psíquicos ou morais, consistentes na provocação de emoção violenta a um cardíaco (v. Filme “As Diabólicas”), na comunicação determinante de intensa dor moral ou pavor, ou na simples palavra daquele que, nos exemplos de Noronha, conduz o cego ao abismo ou faz o apologético explodir em estrondosa gargalhada após lauta refeição.”. (MIRABETE, 2006, p. 30).

 

Já em 1971, de maneira semelhante à citação acima, Heleno C. Fragoso deixou-nos algumas explanações relativas a armas, tipos e naturezas:

 

“As legislações antigas referiam-se a armas ofensivas e defensivas, bem como a arma insidiosas. Hoje prevalece na doutrina a distinção entra armas próprias e impróprias, que é, aliás, antiga, já estando prevista nos Códigos toscano, de 1853, e sardo, de 1859. A expressão arma perante nossa lei compreende todos os instrumentos normalmente destinados ao ataque ou à defesa (arma própria), bem como quaisquer outros instrumentos que, conquanto destinados a outros fins, podem ser eficientemente empregados no ataque ou na defesa (arma imprópria). São armas próprias, por exemplo, as de fogo, como revólveres metralhadoras, pistolas, espingardas; e as armas brancas, como punhais, sabres, estiletes, estoques, espadas. Aqui também se incluem os explosivos como bombas e granadas, morteiros, etc. São armas impróprias, por exemplo, as espingardas de caça, as facas, facões, navalhas, canivetes, não se excluindo qualquer outro instrumento pesado ou utensílio que possa servir ao ataque, como bastões, barras de ferro e, inclusive, pedras.”. (FRAGOSO, 1971, p. 73).

 

O que faria um defensor que, desrespeitando a legislação, adentrasse local de crime antes da Polícia Civil e encontrasse um morteiro calibre 60 mm ou 81 mm? E se o defensor se apoderasse de uma granada de mão de fragmentação defensiva? E se o mesmo encontrasse uma granada de bocal? Levaria, sem informar à Autoridade Policial, e faria o que com tais petrechos? Que tipo de perícia executaria um defensor nestes objetos e o que um detetive particular poderia fazer para colaborar nesse sentido? A resposta é simples: absolutamente nada.

 

E nas situações acima, há aqueles defensores que se acham capazes de substituir ou equiparar suas investigações particulares ao trabalho técnico, profissional, realizado pela Polícia Judiciária, indo contra o bom senso e o que é pior: sem amparo legal. É necessário que haja uma séria conscientização por parte dos defensores e, atuação firme da parte do Estado para não permitir

 

absurdos que coloquem em risco as vidas de incautos e, por conseguinte, de terceiros. Se cada um atuasse “no seu quadrado”, tudo ocorreria da melhor maneira possível para todos.

 

Vejamos o que nos apresenta o art. 158 do Código de Processo Penal:

 

“Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”.

 

Pois bem, o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não pode ser realizado por defensores, visto sequer possuírem condições técnicas para tal. Prosseguindo, agora, com Guilherme de Souza Nucci:

 

Perícia é o exame de algo ou alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, podendo fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal. Trata-se de um meio de prova. Quando ocorre uma infração penal que deixa vestígios materiais, deve a autoridade policial, tão logo tenha conhecimento de sua prática, determinar a realização do exame de corpo de delito (art. 6º, VII, CPP).”. (NUCCI, 2017, p. 436-437).

 

Que a perícia é realizada por Peritos Criminais, isso sempre esteve claro.

 

Vejamos, atentamente, o art. 158 – C, do Código de Processo Penal e seus parágrafos:

 

“Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares.

 

  • 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.

 

  • É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização.”. (grifo nosso).

 

Então, o Código de Processo Penal, em seu art. 158 – C, em seu § 2º, nos apresenta a informação de que é crime adentrar locais isolados bem como remover vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do Perito Criminal responsável, sendo tal ato tipificado como fraude processual, ou seja, a ilegalidade do Provimento nº 188/2018 é flagrante. Não há enganos sobre isso.

 

Percorreremos agora sobre a Lei nº 12.830/2013, especificamente, sobre o art. 2º, na pessoa da doutrinadora Cláudia Barros Portocarrero:

 

“Art. 2º. As Funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. Do artigo 2º da Lei nº 12. 830/2013. O artigo em comento retrata a importância e o reconhecimento que devem ser atribuídos às funções de polícia judiciária. Com propriedade, Mauro Cesar da Silva Júnior afirma que o artigo 2º da Lei nº 12.830/2013 sepulta a inócua posição defendida por alguns doutrinadores, de que a carreira de Delegado de Polícia não teria natureza jurídica. Em verdade, diante de toda gama de atuação do Delegado de Polícia, seja através do manejo dos institutos que integram o conceito analítico de crime, seja pelo necessário papel de intervenção que o Código de Processo Penal o destina, em razão da condução do inquérito policial, bem como dos demais procedimentos pertinentes às medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, parágrafo 2º, do

 

CPP), ou mesmo diante da própria prisão, seja ela em flagrante, temporária ou preventiva, o fato é que nunca vimos como possível considerar as funções de polícia judiciária como alheias às de natureza jurídica, essenciais e exclusivas do Estado. Se antes havia algum tipo de dúvida, isto não subsistirá diante da clareza hialina do artigo 2º da Lei nº 12.830/2013.”. (grifo nosso); (PORTOCARRERO, 2020, p. 525-526).

 

  • repetido em diversas doutrinas e dispositivos como na citação acima, em negrito, que a apuração das infrações penais deve ser exercida pelo Delegado de Polícia e seus agentes, sendo suas funções de fundamental importância para o desenrolar da fase pré-processual e exclusivas do Estado!

 

Importante, novamente, recordar que o Inquérito Policial é peça informativa, dispensável e há um Princípio, não do Direito Processual Penal, mas sim, do Direito Penal que bem corrobora tal afirmativa: é o Princípio da Intervenção Mínima, que segundo Damásio de Jesus:

 

“Trata-se de reconhecer que o Direito Penal, por ter como característica a imposição das mais graves penas previstas no ordenamento jurídico, só deve ser utilizado quando absolutamente necessário, intervindo o mínimo possível. Esse princípio encontra origem no pensamento iluminista clássico, a partir do qual se desenvolveu a ideia de que o Estado deve interferir na esfera individual somente o mínimo necessário. Daí decorre que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, o último recurso a ser utilizado pelo Estado.”. (JESUS, 2020, p. 53).

 

Ora, o Inquérito Policial só é instaurado caso haja indícios de provas de materialidade e autoria, intervindo nas relações sociais o mínimo possível, podendo ser dispensável, servindo para prover de informações ao verdadeiro titular da ação penal, seja o particular ou o “parquet”, conforme demonstra Heráclito Antônio Mossin:

 

“Com efeito, ‘não é essencial ao oferecimento da denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça acusatória esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria.’. Isso porque, a expressão sempre que servir de base a uma ou outra, inserida no texto legal reproduzido, induz ao entendimento claro de que a peça postulatória pública ou privada não pressupõe necessariamente o inquérito policial para ser oferecida.”. (MOSSIN, 2015, p. 21).

 

Voltando ao artigo 158 – C, em seu § 2º, Código de Processo Penal, onde:

 

“É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável (…)”.

 

Observa-se acima a cautela estatal para com a coisa pública, o cuidado do legislador para que não se contamine o local do crime e, assim, não se inutilizem, consequentemente, provas no local do crime. Nas palavras de Domingos Tocchetto, pode-se perceber a importância da correta coleta de vestígios nos locais de crime:

 

“A coleta do vestígio é um procedimento delicado, pois interpretações errôneas embasadas em falsos resultados muitas vezes têm origem na contaminação decorrente da mistura de materiais por acondicionamento inadequado, pela utilização de instrumento coletor impróprio ou pela transferência de material do agente coletor para a cena do crime ou para o objeto da vítima. O uso de EPI (equipamento de proteção individual) minimiza os problemas de contaminação e protege os profissionais dos perigos biológicos, físicos e químicos na cena de crime (biossegurança). Os métodos e instrumentos de coleta, bem como o armazenamento do vestígio, devem respeitar as suas características físicas e químicas e serão determinados pelos respectivos laboratórios. O

 

acondicionamento correto do vestígio garante a sua integridade. As peças serão colocadas em um recipiente primário (embalagem interna), constituído de material inerte às amostras. Uma gama de recipientes e suportes deve integrar a maleta do profissional de perícia, dada a diversidade de materiais que pode encontrar no local do crime. Frascos plásticos e de vidro transparente, caixas de papelão, envelopes de papel impermeáveis e com janelas de visualização, tubos de ensaio com tampa de borracha e outros, devem ter grau de resistência adequado e serão selados de forma a garantir que não vazem durante o envio ou que ocorra a mistura de conteúdos.”. (TOCCHETTO, 2016, p. 9).

 

Diante do exposto, não há que se cogitar que leigos se aproximem de um local de crime, devendo, conforme previsto em lei, que sejam penalizados, posto que o risco de se destruir por completo a linha investigativa é real, o que poderia não apenas prejudicar ao investigado mas, principalmente, à elucidação do delito, ficando a vítima sem a devida justiça e os familiares, devastados pela não resolução de tal delito. Neste momento, quem seria responsabilizado pela não resolução do caso? O defensor? Dificilmente. A responsabilidade será sempre direcionada aos integrantes da Polícia Civil e, justamente por isso, há o esmero, a cautela do Delegado de Polícia para com a investigação policial e a não intrusão de terceiros durante a execução da mesma.

 

Em relação ao art. 7º do Provimento nº 188/2018, despiciendas considerações acerca do mesmo. Na íntegra:

 

“As atividades descritas neste Provimento são privativas da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades.”.

 

Então, segundo o art. 7º do Provimento em voga, as atividades citadas acima seriam: “privativas da advocacia”, o que não procede sob nenhum prisma.

 

Conclusão

Embora não possa interferir diretamente nas investigações policiais, o Provimento nº 188/2018, pode fazer crer a alguns defensores que possuam o direito de atuar paralelamente à tais investigações, o que não é real, visto que sem a liberação por parte da Autoridade Policial para que tal situação ocorra, estar-se-ia seguindo de encontro à legislação vigente. O defensor tem mais a ganhar atuando em estreita colaboração com a Polícia Judiciária, deixando-a efetuar as investigações que lhe são atribuídas por Lei e, valendo-se de tais resultados para iniciar sua própria checagem a respeito de tais elementos probatórios, caso necessário, que agindo por conta própria, pois devemos lembrar que no Direito, não “vale tudo”, ao contrário: temos leis, muitas até, para diversas situações oriundas do convívio social, a questão é lembrarmos que se as seguirmos, prudentemente, quão menores serão os dissabores.

 

Referências

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Revista de Direito Penal – Aspectos da Teoria do Tipo. nº 2. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.

 

JESUS, Damásio de. Direito Penal 1 – Parte Geral. 37 ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.

 

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2017.

 

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

 

MOSSIN, Heráclito Antônio; MOSSIN, Júlio César O. G. Manual de Prática Processual Penal. 2 ed. Leme: JH MIZUNO, 2015.

 

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2020.

 

PORTOCARRERO, Cláudia Barros; FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Leis Penais Extravagantes.

 

5 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2020.

 

TOCCHETTO, Domingos. Balística Forense. 8 ed. Campinas: Millennium Editora, 2016.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

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