Resumo: O objetivo do estudo em tela é analisar a aspiração inicial do alcance da responsabilidade tributária na sucessão empresarial, de modo a demonstrar suas consequências no mercado de fusões e aquisições, principalmente no que concerne à transmissão de multas (moratórias e punitivas) aos sucessores que não realizaram o fato imponível, conforme disposto na súmula 554 do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-Chave: Súmula 554; Responsabilidade Tributária; Sucessão.
Abstract: The purpose of the screen study is to analyze the initial aspiration of the reach of the tax liability in business succession, showing its consequences in the mergers and acquisitions- M&A, particularly regarding the transmission of fines, the successors who did not have the enforceable fact, as editor of the Precedent 554 of the Superior Court of Justice.
Keywords: Precedent 554. Tax Liability. Mergers and acquisitions (M&A)
Sumário: Introdução; 1 As formas de reorganização societária; 1.1 Da transformação; 1.2 Da incorporação; 1.3 Da Cisão; 1.4 Da Fusão; 2 Responsabilidade tributária; 2.1 Sujeição passiva indireta; 2.1.1 Responsabilidade por substituição; 2.1.2 Responsabilidade por transferência; 2.1.2.1 Responsabilidade de terceiro; 2.1.2.2 Responsabilidade por infração; 2.1.2.3 Responsabilidade por sucessão; 2.2 Responsabilidade tributária na sucessão empresarial; 2.2.1 Sucessão nas hipóteses de fusão e incorporação; 2.2.2 Sucessão na aquisição de estabelecimentos; 3 Entendimento do Superior Tribunal de Justiça; 3.1 Súmula 554 do STJ; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O estudo em questão tem como finalidade abordar o alcance da responsabilidade tributária por sucessão empresarial, também chamada de “responsabilidade dos devedores sucessores”, disciplinada nos artigos 129 a 133 do Código Tributário Nacional.
Um estudo amplo sobre a responsabilidade tributária torna-se fundamental para a realização destas operações, podendo, inclusive, interferir na valoração da sociedade e/ou levar a desacordos comerciais que impossibilitam o fechamento do negócio entre as partes envolvidas.
Assim sendo, torna-se importante discorrer sobre os conceitos de fusão, transformação, incorporação e cisão, realizando, mesmo que de forma sucinta, uma análise jurídica tributária de todas essas operações.
O mercado de Mergers and acquisitions – M&A e, em português, fusões e aquisições – apesar de regulado pelo Direito Comercial e operacionalizado no âmbito privado, envolve outros ramos do direito, inclusive o tributário.
No tocante às normas de cunho tributário, incumbe à administração pública identificar o responsável pelas dívidas fiscais, após a operação societária, pelo pagamento dos tributos, bem como das multas moratórias e punitivas. A responsabilização da sucessora no pagamento das multas é uma questão extremamente controversa, sendo bastante discutida nos tribunais superiores brasileiros e nas doutrinas especializadas no assunto.
Com a justificativa de dirimir de vez com a questão, em dezembro de 2015, o Superior Tribunal de Justiça publicou a Súmula 554, que ampliou o alcance da responsabilidade das sucessoras, dispondo que “créditos tributários” alcançariam não só os tributos devidos, como, também, as multas (moratórias e punitivas).
Após análise detalhada de cada tipo de operação e discorrendo sobre a responsabilidade tributária por sucessão empresarial, pretende-se ao final, analisar as distinções entre tributo e multa, com o objetivo de diagnosticar as consequências da edição da referida Súmula 554 do Superior Tribunal de Justiça no mercado de M&A e a legalidade da edição da mesma no ordenamento jurídico brasileiro.
1. AS FORMAS DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
O planejamento tributário, em âmbito fiscal, é regulado pelo artigo 110 do Código Tributário Nacional. Tal artigo dispõe sobre a impossibilidade de alterar a definição, conceito e formas de direito privado na legislação tributária, veja-se:
“Art. 110 – A Lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
Neste caso, para um estudo em relação às formas de reorganização societária, deve-se levar em conta o alcance das leis tributárias, respeitando os conteúdos e os conceitos disciplinados por leis de cunho privado, regulados pela Constituição Federal e Constituições Estaduais.
Para melhor compreensão acerca da responsabilidade tributária dos sucessores, se faz importante um estudo acerca da definição de cada uma dessas operações, conforme será demonstrado abaixo.
1.1 Da transformação
A transformação é o ato por meio do qual a sociedade passa de um tipo para outro, independentemente de dissolução e liquidação, como preceitua o art. 1.113 do Código Civil e o art. 220 da LSA. Veja-se:
“Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se. (…)
Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.
Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade.”
Assim, como o próprio nome diz, este tipo de operação transforma as características societárias, mas não extingue sua individualidade, porque permanecem íntegros a pessoa jurídica, o quadro dos sócios, o patrimônio, e inclusive, os créditos e débitos da sociedade, só que submetida ao novo regime adotado.
Corrêa e Lima[1] nos ensina que:
“O corpo e o espírito da sociedade empresarial continuam os mesmos, quer a chamemos de companhia, de sociedade em comandita simples, ou seja, lá o que for. Por detrás do rótulo e atrás da firma ou denominação vamos encontrar, pulsando, a empresa, entidade econômica de capital e trabalho, organizada para a produção e circulação de bens e serviços. “
Desta forma, a personalidade jurídica da empresa permanecerá a mesma, havendo modificações apenas do formato constitutivo em relação ao vínculo societário da pessoa jurídica anteriormente constituída.
1.2 Da incorporação
Ocorre a incorporação quando uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, havendo, assim, sucessão dos direitos e obrigações. Para tal finalidade, todas as sociedades envolvidas deverão aprovar a medida no seu âmbito interno nos termos exigidos pelo regramento de cada tipo societário envolvido no processo, nos termos do art. 1.116 do Código Civil e também do art. 227 da LSA. Senão, veja-se:
“Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos. (…)
Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.”
Nesse sentido, nos ensina Diniz[2]:
“A incorporação é a operação pela qual uma sociedade vem a absorver uma ou mais (de tipos iguais ou diferentes) com a aprovação dos sócios das mesmas (mediante quórum absoluto ou qualificado legalmente requerido conforme o tipo societário das sociedades envolvidas), sucedendo-as em todos os direitos e obrigações e agregando seus patrimônios aos direitos e deveres, sem que com isso venha a surgir nova sociedade (CC, art. 1.116).”
Desta forma, a incorporação não criará uma nova sociedade, mas, sim, uma ou mais empresas sucedendo a outra nos direitos e nas obrigações. Sendo assim, neste tipo de operação, haverá a sucessão de todos os direitos e obrigações, sendo que o patrimônio da sociedade incorporada se soma ao da incorporadora, em que aquela deixará de existir.
1.3 Da cisão
A cisão é a operação societária por meio da qual uma sociedade transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, tanto constituídas especialmente para tal fim como já anteriormente existentes, extinguindo-se a sociedade cindida, se houver versão de todo seu patrimônio, ou dividindo-se seu capital, se for parcial a versão. Esta modalidade encontra-se prevista na Lei das S/A n. 6.404/76, art. 229, que afirma:
“Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.”
Assim, entende-se que na cisão ocorre a transferência de parcelas do patrimônio, ou seja, de ativos e de passivos. Consequentemente, a sociedade que absorver parcela do patrimônio de sociedade cindida, irá suceder-se a esta em todos os direitos e obrigações relacionadas ao ato da cisão. Ademais, ressalta-se que a operação de Cisão poderá ser parcial ou total. Maria Helena Diniz[3] caracteriza estes dois tipos da seguinte forma:
“Na Parcial, se apenas parte do patrimônio de uma sociedade for transferida a outra, ficando, então, a outra parcela em poder da cindida que não se extinguirá (Lei n. 6.40/76, art. 227), e continuará exercendo sua atividade sob a mesma denominação social, mas com capital reduzido (…)
Na Total, se houver transferência de todo o patrimônio da sociedade cindida “A”, que se extinguirá, para outras “B” e “C”, e os sócios da cindida “A” passarão a integrar as sociedades beneficiadas “B” e “C” com a cisão, que sucederão a cindida nos direitos e obrigações (Lei n. 6.04/76, art. 229, §5), respondendo solidariamente pelas obrigações da sociedade extinta”.
Na cisão parcial não há extinção da empresa cindida, uma vez que ela apenas transfere parte de seu capital, de modo que continuará no exercício de suas atividades. Nesse caso, haverá responsabilidade solidária entre a cindida e a sociedade que absorveu sua parcela, apenas com relação às parcelas que lhe foram transferidas.
Em relação à cisão total, haverá a extinção da sociedade cindida, sendo que as sociedades que integralizarem seu capital, a sucederão nos direitos e obrigações, bem como, responderão de maneira solidária as obrigações da sociedade extinguida.
1.4 Da fusão
Na fusão ocorrerá a união de duas ou mais empresas que irão se extinguir para a formação de uma nova sociedade, conforme artigos 1.119 do Código Civil e o art. 228, da Lei das Sociedades Anônimas:
“Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações. (…)
Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.
§ 1º A assembleia-geral de cada companhia, se aprovar o protocolo de fusão, “
A nova empresa, fruto da união de duas ou mais sociedades, sucederá em todos os direitos e obrigações as responsabilidades das empresas fundidas. Assim sendo, haverá a extinção das empresas originais, passando a existir apenas uma nova pessoa jurídica.
2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
O objetivo do legislador, ao instituir a responsabilidade tributária, foi assegurar à Fazenda Pública o efetivo recebimento dos créditos, em situações em que o contribuinte se torna incapaz para a realização do pagamento do tributo devido. O conceito de responsabilidade tributária é explicado por Geraldo Ataliba[4]:
“Há responsabilidade tributária, sempre que, pela lei, ocorrido o fato imponível, não é posto no pólo passivo da obrigação consequente (na qualidade de obrigado tributário, stricto sensu, portanto) o promovente ou idealizador do fato que suscitou a incidência (o contribuinte– art. 121, parágrafo único, I, do CTN, o sujeito passivo natural ou direto como usualmente designado), se não um terceiro, expressamente referido na lei. “
O Código Tributário Nacional dispõe que sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Desta forma, sujeito passivo é aquele que figura no polo passivo da relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal. São duas, as espécies de sujeitos passivos da relação jurídica tributária: (i) o contribuinte, que tem uma relação pessoal com o fato gerador e (ii) o responsável, que adquire tal responsabilidade por força de lei. Conforme artigo 121 do CTN. In verbis:
“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”
Contribuinte, então, é a pessoa que de fato realizou o fato jurídico tributário. Na ausência de uma dessas condições, o sujeito será responsável ou realizador do fato jurídico, mas, nunca, o próprio contribuinte. Sobre o tema, o Jurista Ruy Barbosa Nogueira[5], nos ensina:
“Sujeito passivo da obrigação tributária, em princípio, deve ser aquele que praticou a situação descrita como núcleo do fato gerador, aquele a quem pode ser imputada autoria ou titularidade passiva do fato imponível. Como objetivamente a situação fática e de conteúdo econômico, o titular ou beneficiário do fato deve ser, em princípio, o contribuinte, mesmo porque é com o resultado da realização do fato tributado que ganha para pagar o tributo ou manifesta capacidade contributiva.”
Além disso, importante ressaltar que a lei poderá atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a uma terceira pessoa, desde que a mesma esteja vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo ou atribuindo ao contribuinte caráter supletivo, no cumprimento total ou parcial da responsabilidade tributária.
2.1 Sujeição passiva indireta
A responsabilidade, conforme visto acima, poderá ser atribuída a uma terceira pessoa que não contribuiu diretamente com o fato gerador do tributo. Assim, o legislador ordinário poderá criar outros tipos de responsabilidade, conforme disposto no artigo 128 do CTN, veja-se:
“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”
Para um melhor entendimento das espécies de responsabilidade existentes no ordenamento jurídico tributário brasileiro, o presente trabalho começará a tratar, a partir de agora, dos diferentes tipos de responsabilidade tributária atribuída a terceiros.
2.1.1 Responsabilidade por substituição
Neste tipo de responsabilidade, conforme o próprio nome sugere, a responsabilidade pelo pagamento do tributo, por força expressa da lei, será substituída pela sua atribuição a uma terceira pessoa. Desta forma, a dívida pelo pagamento do tributo, desde sua origem, será de responsabilidade de uma terceira pessoa, mesmo que esta não tenha realizado o fato gerador.
De acordo com a doutrina, a responsabilidade por substituição pode ser classificada como progressiva, ou seja, para frente e regressiva (para trás). A primeira está disposta no artigo 150 §7º da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
§7 A lei poderá atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
Para Mattos[6], a responsabilidade tributária por substituição progressiva “envolve impostos sobre a produção e a circulação, ou seja, impostos plurifásicos que incidem sobre várias operações dentro de uma cadeia econômica. Mas pode, também, ser aplicado em outras espécies de tributos. ”
Já na regressiva, conforme art. 128 do CTN, a substituição tributária se dará após a ocorrência do fato gerador. Mattos, ainda completa[7]:
“Na regressiva o ressarcimento financeiro do substituto se dá imediatamente na nota fiscal, descontando-se do valor da mercadoria a ser paga ao substituto, a quantia referente ao tributo recolhido ao Fisco.”
Leandro Paulsen[8], sobre os dois tipos de responsabilidade por substituição, assim nos ensina:
“Na substituição para frente há uma antecipação do pagamento relativamente a obrigação que surgiria para o contribuinte à frente, caso em que o legislador tem de presumir a base de cálculo provável e, caso não se realize o fato gerador presumido, assegurar imediata e preferencial restituição ao contribuinte da quantia que lhe foi retida pelo substituto, tal como previsto, aliás no art. 150, § 7º, da CF. (…)
Na substituição para trás, há uma postergação do pagamento do tributo, transferindo-se a obrigação de reter e recolher o montante devido, que seria do vendedor, ao adquirente dos produtos ou serviços. “
Conclui-se então, que a responsabilidade por substituição tem um viés facilitador para a atividade de arrecadação, tornando substituto aquele que possui condições para realizar o recolhimento do tributo, desde o início do fato imponível descrito na lei.
2.1.2 Responsabilidade por transferência
A responsabilidade por transferência acontece quando a lei atribui o dever de pagar tributo a determinada pessoa, anteriormente atribuído a outra, em virtude da ocorrência de fato posterior à incidência da obrigação tributária. Neste tipo de responsabilidade, a obrigação constitui inicialmente em relação ao contribuinte, comunicando-se posteriormente para o responsável. Para Rubens Gomes de Souza[9] três seriam as hipóteses de responsabilidade por transferência, veja-se:
“A solidariedade ("hipótese em que duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela mesma obrigação", a sucessão ("hipótese em que a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do desaparecimento do devedor original" e a responsabilidade ("hipótese em que a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto”).”
Desta forma, a responsabilidade por transferência pode se derivar de três situações: (i) a responsabilidade de terceiros; (ii) responsabilidade por infrações; e (iii) responsabilidade por sucessão. Segue abaixo breve análise sobre cada uma delas.
2.1.2.1 Responsabilidade de terceiros
A responsabilidade de terceiros, previstas nos artigos 134 e 135 do Código tributário nacional, diz respeito ao dever de cuidado, em virtude de lei ou contrato, que determinadas pessoas devem possuir com relação ao patrimônio de outras. Vejamos:
“Art. 134 do CTN: Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.”
Assim, por se tratar de responsabilidade solidária, a cobrança independe da verificação da impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Conforme nos ensina Harada[10]:
“O certo é que a própria norma condiciona a responsabilidade solidária de terceiros aí referidos a dois requisitos impostergáveis: a impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal e o fato de o responsável solidário ter uma vinculação indireta, através de ato comissivo ou omissivo, com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária. Quis o legislador, na verdade, referir-se à responsabilidade subsidiária, porque a solidária não comporta benefício de ordem.”
Hugo de Brito Machado[11], ainda conclui que “é preciso que exista uma relação entre a obrigação tributária e o comportamento daquele a quem a lei atribui a responsabilidade”. A responsabilidade de terceiros só se aplica aos tributos e às penalidades de caráter moratório. Conforme explanado por Eduardo Sabbag[12]:
“Repare que somente a obrigação principal poderá ser exigida dos terceiros, excluindo-se, assim, o cumprimento dos deveres acessórios e a aplicação das penalidades, excetuada as de caráter moratório.”
Portanto, somente são transferíveis as multas que punem o inadimplemento da obrigação tributária principal, afinal, conforme disposto no parágrafo único do referido artigo, em matéria de penalidades, de caráter moratório somente são transferíveis as multas que punem o inadimplemento da obrigação tributária principal.
Por sua vez, o artigo 135 do CTN, dispõe em relação ao caráter “pessoal” e exclusivo, resultante de atos praticados em excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, in verbis:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Citando Sacha Calmon:[13]
“Em suma, o art. 135 retira a “solidariedade” e a “subsidiariedade” do art. 134. Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto”.
O art. 135 do CTN comporta uma espécie de responsabilidade por substituição, afinal, a obrigação tributária recai sobre o responsável desde o momento em que ocorre o fato gerador.
Harada[14], completa o entendimento, dispondo que a responsabilidade pessoal é justificável, em razão destes atos terem o caráter de atos abusivos ilegais ou não autorizados:
“Nessas hipóteses, ocorre a responsabilidade por substituição e não apenas responsabilidade solidária estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, como nos casos elencados no artigo antecedente. Essa responsabilidade por substituição, outrossim, inclui quaisquer penalidades, bem como as obrigações acessórias.”
Portanto, para que o contribuinte não seja atingido é necessária a existência de excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto sendo que a última é imprescindível à atuação dolosa do agente.
2.1.2.2 Responsabilidade por infração
A responsabilidade por infração tem como fundamento a prática de uma infração de natureza tributária. Este tipo de responsabilidade, conforme o CTN deve ser objetiva e pessoal. O artigo 136 do CTN cuida da responsabilização objetiva dos agentes ou responsáveis:
“Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.
Sobre o assunto, dispõe FERRAGUT:[15]
“O enunciado [do art. 136] não define as infrações por ele regulamentadas, nem apresenta qualquer tipo de restrição quanto à sua aplicabilidade, razão pela qual consideramos que ele [o art. 136] se refere a toda e qualquer infração tributária, seja de cunho administrativo-tributário, seja eminentemente penal.”
Já o artigo 137 do CTN, dispõe da responsabilidade pessoal das infrações de cunho tributário, in verbis:
“Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:
I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.”
FERRAGUT[16] completa:
“A autoria das infrações descritas no artigo 137 é do agente, entendido tanto como o executor material de uma infração, quanto qualquer outra pessoa que tiver concorrido para a prática do delito, como partícipe ou mandante.”
Por fim, o artigo 138 cita os critérios de exclusão da responsabilidade dos agentes:
“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.”
Conclui-se que a responsabilidade por infrações será pessoal e objetiva, independentemente da intenção dos agentes, para qualquer diploma legal que trate de matéria tributária, seja lei, tratado, convenções, decretos. Em que pese o fato de as infrações tributárias e os delitos fiscais nascerem de uma mesma conduta, a imputação da responsabilidade pelos últimos será regulada, exclusivamente, por normas e princípios próprios do Direito Penal Tributário.
2.1.2.3 Responsabilidade por sucessão
Na responsabilidade por sucessão, o responsável será outra pessoa que não apenas realizou o fato gerador, podendo a mesma ocorrer antes ou depois da constituição o crédito tributário. Conforme disposto no artigo 129 do Código Tributário Nacional:
“Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.”
O artigo 130 do CTN trata da responsabilidade por sucessão dos adquirentes de bens imóveis, os quais ficam obrigados a pagar os débitos fiscais de seus sucedidos, salvo quando conste no título a prova de sua quitação.
“Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.”
Não constando a prova da quitação ou existência do débito, o adquirente passará a ser responsável pelo pagamento dos tributos inerentes ao imóvel, salvo no caso de arrematação em hasta pública. Já o artigo 131, do CTN, descreve as figuras dos que são pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários:
“Art. 131. São pessoalmente responsáveis:
I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;
II – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação;
III – o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão”.
Assim, o adquirente responderá pelos ônus tributários de seu proprietário anterior, no caso da sucessão inter vivos e na sucessão causa mortis, o espólio será responsável pelo pagamento dos tributos, pelos tributos devidos pelo falecido até a data da abertura da sucessão e o sucessor até a data da partilha (até o limite da herança).
2.2 Responsabilidade tributária na sucessão empresarial
Os artigos 132 e 133 do CTN tratam especificamente da responsabilidade dos agentes empresariais, nos casos de fusão, transformação ou incorporação. Por se tratar de conteúdo relevante para as análises propostas neste estudo, tais artigos serão analisados em subitens distintos, conforme abaixo.
2.2.1 Sucessão nas hipóteses de fusão e de incorporação
No tocante à sucessão societária, dispõe o art. 132 do CTN, in verbis:
“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.”
Tal artigo dispõe da responsabilidade tributária na sucessão empresarial, contemplando os fenômenos da fusão, incorporação e a transformação. Apesar de citar expressamente a transformação, importante ressaltar que nesta operação não ocorre a extinção da pessoa jurídica não havendo transferência da responsabilidade tributária. Conforme citado por Luiz Emydio da Rosa Junior[17], in verbis:
“O art. 132 alude, impropriamente, a operação societária de transformação, porque não é o caso de extinção e nem de sucessão de pessoa jurídica. A sociedade muda apenas sua veste legal, passando, por exemplo, de sociedade limitada para sociedade anônima.”
A jurisprudência caminha para o mesmo sentido, conforme julgado do Rel. Ministro José Delgado[18], do TRF, 1ª Região. In verbis:
“TRIBUTÁRIO. INCORPORAÇÃO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUCESSÃO.
1. O artigo 132 do CTN prescreve a responsabilidade fiscal da pessoa jurídica pelos débitos anteriormente constituídos, ou seja, aqueles cujos fatos geradores ocorreram antes da incorporação ou fusão.
2. Os termos do contrato, que regulou a incorporação, não são oponíveis a terceiros.
3. Apelação improvida.”
Ainda, conforme disposto no parágrafo primeiro, a sucessão será aplicável quando ocorrer a extinção da pessoa jurídica. Deste modo, não basta ocorrer a fusão ou a incorporação para que o débito tributário seja transferido para outra pessoa, devendo ocorrer, cumulativamente, a continuidade das atividades exercida pela sociedade.
O objetivo principal deste tipo de sucessão é evitar a elisão fiscal – pratica que consiste na execução de procedimentos, antes do fato gerador, legítimos, para reduzir, eliminar ou postergar a tipificação da obrigação tributária, caracterizando, assim, a legitimidade do planejamento tributário. É o que cita Mattos[19]:
“(…) evitar que, através de mudança na roupagem societária da empresa, haja uma situação que caracterizaria o não pagamento de tributos por meio da utilização de formas jurídicas lícitas, isto é, admitidas em direito.”
Importante pontuar que no caso da cisão, apesar de não estar expresso no CTN, ressalta-se que a mesma também será aplicada nas normas dispostas no artigo 132 do referido código. O motivo da omissão está no fato de que o CTN é de 1966 e o instituto da "cisão" só foi previsto no ordenamento jurídico brasileiro dez anos mais tarde, com a edição da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).
Com este teor, segue abaixo jurisprudência do STJ, relator Min. Teori Albino Zavascki[20]:
“(…) embora não conste expressamente do rol do art. 132 do CTN, a cisão da sociedade é modalidade de mutação empresarial sujeita, para efeito de responsabilidade tributária, ao mesmo tratamento jurídico conferido às demais espécies de sucessão (…)”
Conforme exposto, o artigo 132 do CTN atribui responsabilidade tributária apenas quanto aos tributos devidos até a data do ato de fusão e incorporação pela pessoa jurídica incorporada ou fusionada, sendo omisso em relação às multas e outras penalidades.
2.2.2 Sucessão na aquisição de estabelecimentos
O artigo 133 do CTN, assim dispõe sobre a sucessão comercial. Veja-se:
“Art. 133 – A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:
I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.”
Desta forma, entende-se que as normas contidas no artigo 133 abrangem praticamente todas as atividades comerciais. Isto significa que para haver o fenômeno da responsabilidade tributária, deverá existir a exploração da mesma atividade econômica pelo adquirente, caso contrário, não há que se falar em sucessão tributária.
Com a leitura do artigo acima, entende-se que o adquirente só responderá pelos tributos relativos ao estabelecimento adquirido, se o alienante cessar a exploração da atividade que vinha executando e não passar a explorar outra atividade. Na hipótese do inciso I, a responsabilidade do adquirente é integral, respondendo sozinho e não havendo obrigação por parte do alienante.
Já no caso do inciso II, se o alienante prossegue a exploração da atividade que desenvolvia no estabelecimento alienado, ou passa a explorar outra, dentro de seis meses contados da data da alienação, a responsabilidade do adquirente é subsidiária, permanecendo o alienante como o principal obrigado.
3. ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conforme anteriormente disposto, no artigo 132 do CTN, há previsão da responsabilidade por sucessão nos casos de fusão, incorporação e transformação de empresas. Deste modo, ocorrendo uma incorporação, o sucessor será responsável pelos tributos devidos pela empresa incorporada, fundida ou transformada.
Ressalta-se que o artigo 132 dispõe expressamente apenas em relação aos tributos não dispondo em nenhum momento em relação às multas inerentes à responsabilidade por sucessão. Assim a norma não fala em obrigação tributária, mas em tributo.
O conceito legal de tributo está descrito no artigo 3º do Código Tributário Nacional. Deste conceito legal, ressalta que o tributo é obrigação compulsória consistente em pecúnia ou que possa ser assim exprimida e que não constitua sanção de ato ilícito:
“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Desta forma, as multas aplicáveis pelo não pagamento tempestivo dos tributos ou pelo não cumprimento de obrigações tributárias acessórias não se enquadram no conceito legal de tributo, pois constituem sanção por ato ilícito. Ângela Maria da Motta Pacheco[21] completa:
“(…) tem por finalidade assegurar a satisfação do crédito do Estado, entendido como obrigação tributária principal, ou seja, o tributo. Note-se que os casos de sucessão previstos nos artigos 130, 131, 132 e 133 referem-se à responsabilidade por "tributos", aí não cabendo nenhuma hipótese a multa, sanção pecuniária, que é devida por ato ilícito.”
A responsabilidade tributária depende de expressa previsão legal, não admitindo assim a inclusão de débitos de forma arbitrária, principalmente nos casos em que o contribuinte não pode agir no sentido de evitar o ônus deste pagamento. Este é o entendimento de Luciano Amaro[22], in verbis:
“Em suma, o ônus do tributo não pode ser deslocado arbitrariamente pela lei para qualquer pessoa (como responsável por substituição, por solidariedade ou por subsidiariedade), ainda que vinculada ao fato gerador, se essa pessoa não puder agir no sentido de evitar esse ônus nem tiver como diligenciar no sentido de que o tributo seja recolhido à conta do indivíduo que, dado o fato gerador, seria o elegível como contribuinte.”
Importante ressaltar que as multas tributárias, por se revestirem de caráter de penalidade, estão sujeitas ao princípio da pessoalidade das penas, razão pela qual não podem ultrapassar a pessoa do infrator. Conforme Artigo 5º, XVL da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”
Ademais, as multas (moratórias e de ofício), revestem o caráter de penalidade, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgado do Recurso Extraordinário n.º 79.625/SP, no qual o voto do Relator, Ministro Cordeiro Guerra se extrai os seguintes entendimentos:
“(…) a partir da vigência do Código Tributário Nacional, não obstante o disposto no seu art. 184 e 134, § único, toda multa fiscal é punitiva, e, consequentemente, inexigível na falência. De fato, não disciplina o CTN as sanções fiscais de modo a extremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige a sua legalidade, artigo 97, V.
(…) A multa moratória visa corrigir os danos decorrentes da impontualidade, e não sancionar o inadimplemento. Purgada a mora pela correção monetária e os juros, a sanção fiscal tem, a meu ver, o caráter de pena administrativa.”
Assim, a multa de natureza penal/administrativa, não poderá transcender a pessoa do infrator, pelo fato do legislador não dispor expressamente tal responsabilidade para a sociedade incorporadora. Este é o entendimento de Maria Teresa Martínez López[23]:
“Em se tratando de imposição de multa, imprescindível a obediência ao princípio da legalidade e o da tipicidade, que se completam como instrumento de defesa da liberdade humana. Onde o legislador não faz referência, não cabe ao interprete fazê-lo. Pelo princípio da legalidade, o jurista obriga-se a pensar os problemas a partir da lei, mas nunca contra ela. Feitas as considerações acima, pode-se dizer que, como regra geral a denominação ‘tributo’ inserida no art. 132 do CTN não é extensiva à multa, quer da obrigação principal, quer da acessória como se verá mais adiante.”
Deste modo, pelos conceitos do artigo 3º do Código Tributário Nacional, as multas – sejam elas moratórias ou de ofício – terão caráter de penalidade e, desta forma, consistirão em sanção de ato ilícito, sendo diferentes de tributos.
3.1 Súmula 554 do STJ
Apesar do exposto acima, e do entendimento de que empresa sucessora seria responsável apenas pelos tributos, estando dispensada de arcar com o pagamento das multas, o Superior Tribunal de Justiça, instado a se manifestar em relação ao assunto, fixou o seguinte entendimento[24]:
“Nada obstante os art. 132 e 133 apenas referiam-se aos tributos devidos pelo sucedido, o art. 129 dispõe que o disposto na Seção II do Código Tributário Nacional [Responsabilidade dos Sucessores] aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição, compreendendo o crédito tributário não apenas as dívidas decorrentes de tributos, mas também de penalidades pecuniárias (art. 139 c/c § 1º do art. 113 do CTN)”.
Desta forma, ao contrário do entendimento exposto em capítulos anteriores, para o STJ a responsabilidade tributária dos sucessores estende-se às multas impostas ao sucedido, seja de natureza moratória ou punitiva, referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão. Tal entendimento vem sendo acolhido pelo STJ já há algum tempo. No REsp 592.007⁄RS[25], de dezembro de 2003, o Ministro José Delgado já dispunha que os artigos 132 e 133 do CTN impõe ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos, quanto pelas multas decorrentes, seja de caráter moratório ou punitivo. In verbis:
“Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não-pagamento do tributo na época do vencimento. Na expressão “créditos tributários” estão incluídos as multas moratórias. A empresa, quando chamada na qualidade de sucessora tributária, é responsável pelo tributo declarado pela sucedida e não pago no vencimento, incluindo-se o valor da multa moratória.”
Sobre o tema, o Ministro Luiz Fux, no julgado do REsp 923.012[26], dispôs:
“(…) a responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão. “
Nessa linha de raciocínio, completa Sacha Calmon Navarro[27]:
“(…)Se as multas não fossem transferíveis em casos que tais, seria muito fácil a pagar multas pelo simples subterfúgio da alteração do tipo societário. Num passe de mágica, pela utilização das "formas" de Direito societário, seriam elididas as sanções fiscais garantidoras do cumprimento dos deveres tributários, o principal e os instrumentais. Ora, o Direito Tributário, na espécie, encontra escora no axioma societas distat a singulis, preferindo-o ao "formalismo jurídico". Importa-lhe mais conferir o ativo e o passivo da pessoa sucedida para verificar se entre as contas de débito existem multas fiscais passíveis de serem assumidas pelos sucessores. Torna-se imprescindível, todavia, fixar um ponto: a multa transferível é só aquela que integra o passivo da pessoa jurídica no momento da sucessão empresarial ou está em discussão (suspensa). Insistimos em que nossas razões são axiológicas.”
De modo a dirimir de vez com a questão, foi editada a Súmula 554[28], em dezembro de 2015, com o seguinte teor:
“Súmula 554: Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.”
As multas moratórias ou punitivas representam dívida de valor e, como tal, acompanham o passivo do patrimônio transmitido ao sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão. A multa será devida pelo sucessor, não importando se ela é de caráter moratório ou punitivo.
Para o STJ, apesar de multa não ser tributo, ela também é transmitida para o sucessor em caso de sucessão empresarial, afinal, a multa é uma dívida de valor que faz parte do patrimônio passivo do sucedido, sendo assim, transferida ao sucessor. Tal súmula é um importante instrumento em favor das fazendas públicas, principalmente agora, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que entrou em vigor em março de 2016.
Com o intuito de racionalizar o sistema recursal e evitar que os Tribunais Superiores sejam obrigados a se manifestar repetidas vezes sobre a mesma tese jurídica, valorizando assim os precedentes jurisprudenciais, o novo CPC estabelece no art. 927:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.”
No novo CPC, as decisões em repetitivos, súmulas, repercussão geral e súmula vinculante do STF serão, de fato, vinculantes aos juízes de primeiro grau. Se uma sentença violar uma decisão, súmula ou repetitivo vai caber reclamação direta ao STJ ou ao STF.
Com advento do novo código, os juízes de primeiro grau deverão seguir o enunciado da súmula 554 do STJ e, desta forma, se deverá pôr fim às discussões em relação à responsabilidade tributária por sucessão empresarial.
CONCLUSÃO
Conforme demonstrado, as questões relacionadas à responsabilidade tributária por sucessão encontram divergência na doutrina, e um tratamento pela jurisprudência que ainda não tinha sido completamente uniformizado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Com o intuito de extinguir de vez a questão, a 1ª seção do STJ, especializada em processos de direito público, aprovou o enunciado da súmula 554.
Como visto, a súmula em questão acaba por ampliar a responsabilidade das empresas sucessoras, abrangendo assim, não só os tributos como, também, a multa seja de caráter moratória ou punitiva. A súmula é contrária ao entendimento do artigo 132 do CTN que afirma que a responsabilidade da empresa sucessora abrange apenas os tributos atinentes a fusão, não acrescentando assim as eventuais penalidades infringidas.
Para o CTN, tributo é prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção de ato ilícito. Assim sendo, o próprio Código Tributário Nacional não considera as multas integrantes do conceito de tributo, sendo essas apenas sanções aplicadas pelo não pagamento tempestivo do mesmo.
Como se não bastasse, a própria Constituição, em seu artigo 5º, XLVI, dispõe que as penalidades impostas àquele que pratica o ato ilícito são pessoais e intransferíveis.
Deste modo, conclui-se que a Súmula 554 do STJ – assim como todos os julgados neste sentido – violam não só dispositivos infraconstitucionais, como também a própria Constituição Federal. Os efeitos da mesma no mundo corporativo, em especial no mercado de fusões e aquisições, são bastante negativos, principalmente em momento de profunda crise econômica no país.
A Súmula 554 desvirtua o entendimento do Código Tributário Nacional e atende apenas aos interesses arrecadatórios do Estado, beneficiando de forma injusta os entes federativos, afastando empresas investidoras, principalmente, multinacionais estrangeiras.
Informações Sobre o Autor
Gustavo Fernandes Cordeiro
Advogado Consultor Fiscal na Papini Lacerda pós graduado em Direito Tributário pela Faculdade Milton Campos