Resumo: O objetivo desta pesquisa é descrever as principais classificações de violência contra à mulher e citar alguns dos diplomas legais utilizados na prevenção da violência contra à mulher. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre as classificações de violência, especialmente nas situações de violência contra à mulher, abordando também alguns dos principais recursos legais direcionados na prevenção e amparo dessas mulheres. Sabe-se que a violência contra a mulher é resultado de características individuais, contextuais e ambientais que, se presentes, aumentam a sua possibilidade. O conhecimento das diferentes classificações de violência contra à mulher e alguns dos direitos que a amparam. Busca-se contribuir para enriquecer o repertório sobre a violência familiar contra à mulher, oferecendo subsídios para o estabelecimento de políticas públicas em diversas áreas para minimizar os problemas derivados da violência.
Palavras chave: Violência contra a mulher. Identidade de Gênero. Saúde da mulher.
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é fenômeno universal que atinge, indistintamente, todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas, indiferente aos níveis de desenvolvimento econômico e social.
Dessa forma, a violência tem seu cunho centrado na problemática social da história da civilização onde importantes fatores se inter-relacionam, vinculando sua origem ao sistema familiar patriarcal, embalados pelas diferenças de gênero, educação, cultura e sociedade do mundo atual.
Existem inúmeros tipos de violência, não só dirigidos à mulher, mas ao homem, infanto-juvenil, e outras classificações, já que o conceito é abrangente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) violência pode ser definida como “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (Brasil, 2005).
OBJETIVOS
– Descrever as principais classificações de violência contra à mulher;
– Citar alguns diplomas legais utilizados na prevenção da violência contra à mulher.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa científica documental realizada através do levantamento bibliográfico voltado para as definições utilizadas nas classificações de violência, especialmente nas situações de violência contra à mulher, abordando também alguns dos principais recursos legais direcionados na prevenção e amparo dessas mulheres.
Foram analisadas literaturas que abordassem as classificações de violência em bancos de dados do Ministério da Saúde ; Ministério da Justiça; legislações federais, estaduais ou municipais a respeito da temática abordada ; literatura clássica sobre o assunto e banco de dados Scielo.
O levantamento da literatura foi realizado independente do ano de publicação, desde que fundamentasse o tema em questão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Há diferentes classificações de violência, conforme pode ser definido a seguir.
Primeiramente, de acordo com o Ministério da Saúde, a violência contra a mulher pode ser definida como qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como domésticos (Brasil, 2005).
A violência de gênero é voltada ao simples fato de ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino. O caráter relacional da categoria gênero diz respeito às relações de dominação e opressão que transformam as diferenças biológicas entre o sexo em desigualdades sociais ou exclusão (Lavinas, 1997).
A violência ocorrida em casa, no âmbito doméstico ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa), é classificada como violência doméstica ou intrafamiliar. Estas violências incluem abuso físico, sexual, psicológico, negligência e abandono.
A violência física é caracterizada pela ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa, podendo causar lesões internas, externas ou ambas.
No caso de violência sexual, a pessoa é obrigada a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros. De acordo com o Código Penal Brasileiro de 1940: a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, a sedução, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno (Brasil, 2009).
A violência moral é a ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação.
A violência psicológica é ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação, à auto-estima ou ao desenvolvimento pessoal.
Ainda temos a violência na forma de omissão de responsabilidade de um ou mais membros da família em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma condição física, permanente ou temporária, chamada de negligência.
E, finalmente, a violência patrimonial que implica dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.
Além da divisão em tipos de violência conforme acima especificado a Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS (1998), juntamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS), classifica os atos de violência física em:
• Ato moderado: ameaças, desde que não relativas a abuso sexual e sem uso de armas; agressões contra animais ou objetos pessoais e violência física na forma de empurrões, tapas, beliscões, sem uso de quaisquer instrumentos perfurantes, cortantes ou que gerem contusões;
• Ato severo: agressões físicas com lesões temporárias; ameaças com uso de arma, agressões físicas com cicatrizes, lesões permanentes, queimaduras e uso de arma.
Frente as diferentes formas de violência, aquela realizada contra a mulher passou a ser considerada como uma violação aos direitos humanos, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, devido à freqüência e facilidade com que é praticada ainda nos dias de hoje (ONU, 1993).
A partir da última década, passou a ser reconhecida como um problema de saúde pública por acarretar inúmeros agravos à saúde, incluindo mortes por homicídios, suicídios ou a grande presença da ideação suicida, além de doenças sexualmente transmissíveis, doenças cardiovasculares e dores crônicas. Na prevenção, a violência é fator impeditivo do planejamento familiar, da proteção ao HIV/Aids e da prevenção a riscos obstétricos, perdas fetais e baixo peso ao nascer (Schraiber et al, 2007a).
A violência doméstica concebida da forma como foi definida não necessariamente é dirigida à mulher, mas reconhece-se que o homem é, na maioria das vezes, o agressor.
Para a erradicação de fato da violência doméstica, são necessárias além de medidas punitivas, ações que estejam voltadas para a prevenção, e, ainda, medidas de apoio que permitam, por um lado, à vítima e à sua assistência social, jurídica, necessárias à recomposição após a violência sofrida, e por outro, que proporcionem a possibilidade de reabilitação dos agressores. (Barsted, 1998)
A violência contra a mulher abrange um contexto mais amplo, envolvendo qualquer pessoa, familiar ou não, extrapolando os limites do domicílio e o contexto familiar.
Esta violência é considerada de gênero, apesar de ser frequentemente caracterizada como violência doméstica. Estudos recentes mostram a violência física por parceiro íntimo, ao menos uma vez na vida, com variação de 21% na Holanda e Suíça, ou 29% no Canadá, a 69% na Nicarágua. Estudo comparativo com 15 regiões de dez países, incluindo o Brasil, reitera a variação, as elevadas taxas de violência e o parceiro como principal agressor, mesmo com instrumentos e desenhos comuns, tendo sido encontrado, no Brasil, variações de 27% na cidade de São Paulo a 34% em levantamento feito em 15 municípios da Zona da Mata Pernambucana (Schraiber et al, 2007a).
Essa mesma autora relata, ainda, ser comum a superposição das violências física, sexual e psicológica, indicando uma ação somatória e progressiva, evoluindo das formas mais moderadas às graves e de episódio inicial para sua recorrência.
Sabe-se que a violência contra a mulher é resultado de características individuais, contextuais e ambientais que, se presentes, aumentam a sua possibilidade. Várias características podem moldar os padrões e variações nas taxas de violência intrafamiliar, ainda que não necessariamente definam quem se tornará perpetrador ou vítima. São citadas as idades, o estado civil ou a personalidade de indivíduos; hábitos de vida como o abuso de álcool e drogas ilícitas; a inserção social da família envolvendo baixa renda, pouca escolaridade e desemprego; ou ainda o papel de gênero nas relações familiares – quer presentes, quer históricas nas famílias de origem.
Do ponto de vista estratégico, a maioria das ações de proteção voltadas para mulheres agredidas tem se desenvolvido de forma independente. Uma limitação de se focalizar exclusivamente uma ou outra corrente é o obscurecimento da totalidade do quadro, que, por sua vez, impede um entendimento mais completo das causas e conseqüências. Como resultado, esta ‘compartimentalização’ inibe ações mais efetivas, reduzindo a capacidade de prover adequada segurança para todas as vítimas envolvidas (Reichenheim, 2006).
A maioria dos estudos levantados tem como objeto apenas a violência física, geralmente mensurada por atos concretos, como tapas, socos e empurrões. Em 48 pesquisas de base populacional realizadas no mundo, entre 10% e 69% das mulheres relataram ter sofrido ao menos algum episódio de violência física pelo parceiro durante a vida (Schraiber, 2007b).
As violências sexuais e psicológicas cometidas por parceiro íntimo têm sido pouco investigadas e as informações são imprecisas. Vários fatores contribuem para que a violência sexual dentro de relações de parcerias estáveis seja de difícil reconhecimento e delimitação, tendo como exemplo disso as variadas denominações dos atos de agressão (violência, estupro, abuso e, por vezes, assédio), associado ao fato de prática sexual não consensual ser considerada em muitas culturas como dever da esposa.
Da mesma forma, a definição de violência psicológica varia amplamente entre mulheres e homens de diversas culturas, acarretando dificuldades em sua definição e consequente mensuração. Entretanto, as pesquisas indicam que a violência física é normalmente acompanhada pela psicológica; e de um terço à metade dos casos, também por violência sexual (Schraiber, 2007b).
Esse tipo de agressor costuma fazer uso de uma violência que se inicia de forma lenta e silenciosa, que progride em intensidade e conseqüências. O autor de violência, em suas primeiras manifestações, não lança mão de agressões físicas, mas parte para o cerceamento da liberdade individual da vítima, avançando para o constrangimento e humilhação, criando condições psicológicas para poder agredir fisicamente à mulher, baixando-lhe a auto-estima de tal forma que ela tolere, também, as agressões físicas (Silva et al., 2007).
Estudos demonstram que a vivência da violência sofrida pelas mulheres tem marcas não visíveis, de difícil diagnóstico e que se mesclam com outros sintomas, apesar do caráter intenso e duradouro que parecem modificar o tom da voz, o brilho do olhar e até mesmo o gesticular das mãos. Essas marcas encontram-se na dimensão subjetiva e só se tornam aparentes quando são reveladas por quem as sentem. As mulheres, quando questionadas sobre seus sentimentos, costumam falar em sofrimento, tristeza e medo.
A compreensão vaga e mediana revela um aprisionamento e um encobrimento em si mesmo. São mulheres que, de certa forma, deixam-se aprisionar. Este aprisionamento se faz no espaço do convívio social e são relatados através de situações onde passam a não ter relações de contato, seja com familiares ou amigos, isolando-se de tudo e todos, referindo perda do interesse social e da convivência com os outros. O espaço, além delas mesmas, reside no espaço do lar, da casa, dos filhos, do marido, da violência. A indiferença com que essas mulheres são tratadas em casa contribui para que elas permaneçam na obscuridade. Além disso, existe outra forma de aprisionamento, que é aquele manifestado pela humilhação e vergonha que as mulheres sentem delas próprias por estarem se entregando à vivência de violência. O aprisionamento, tão profundamente arraigado, encobre em si mesmo sentimentos de negação, de submissão, de causa e de ocultamento, que reflete em uma autoestima fragilizada (Monteiro, Souza, 2007).
Apesar do alto índice de violência contra a mulher, as vítimas de agressores e outras formas de violência podem contar com programas de apoio na resolução de seus problemas familiares, tanto governamentais quanto não governamentais. Nesses programas de atendimento à vítima, percebe-se que a maioria das queixas (98%) parte de mulheres que são vítimas de alguma forma de violência no interior do espaço doméstico. É evidente a transformação da violência doméstica numa forma cada vez mais brutal de violência contra a mulher, mesmo que esta já possa contar com atendimento especializado. À primeira vista, parece haver, aí, uma contradição, já que se espera que a existência de serviços de apoio resulte na redução da demanda. Contudo, observa-se que a violência tem se agravado tanto em termos de quantidade quanto de qualidade, ou seja, as vítimas têm sofrido agressões – e aqui se faz referência, inicialmente, às agressões físicas – cada vez mais severas, que ocasionam a morte ou graves sequelas, impossibilitando as vítimas para o trabalho e complicando, ainda mais, a sua já difícil situação (Silva et al., 2007).
Ao chegar nessa situação, às mulheres vítimas de agressão, acabam tendo que optar entre a procura de ajuda em centros não governamentais de amparo às mulheres vítimas de violência doméstica, a procura de seus direitos, conforme legislação em vigor ou a permanência na situação de violência, com tendências ao agravo. Sabe-se que dificilmente a vítima procura ajuda externa nos casos de violência psicológica. A mulher tende a aceitar e justificar as atitudes do agressor, protelando a exposição de suas angústias até que uma situação de violência física, muitas vezes grave, ocorra.
Nesse sentido, abordar o tema da violência doméstica não só implica em uma análise jurídica, mas antes de tudo, em uma questão social, ceifada pelo sofrimento que a acompanha.
A violência doméstica contra a mulher, segundo dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento influi no trabalho, pois um em cada cinco dias de falta de trabalho no mundo é causado pela violência doméstica contra a mulher; na sua forma de vida, pois a cada cinco anos, a mulher vítima de violência doméstica perde um ano de vida saudável, e em seu rendimento financeiro, já que uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que a que não sofre este tipo de violência.
Verificamos, segundo os mesmos estudos, que estes problemas não são somente de ordem pessoal, mas sim, de ordem pública, já que o custo total da violência doméstica oscila entre 1,6 % à 2% do PIB de um país (Buvinic, et al, 1999).
Sabe-se que a violência contra a mulher é resultado de características individuais, contextuais e ambientais que, se presentes, aumentam a sua possibilidade. Várias características podem moldar os padrões e variações nas taxas de violência intrafamiliar, ainda que não necessariamente definam quem se tornará perpetrador ou vítima. São citadas as idades, o estado civil ou a personalidade de indivíduos; hábitos de vida como o abuso de álcool e drogas ilícitas; a inserção social da família envolvendo baixa renda, pouca escolaridade e desemprego; ou ainda o papel de gênero nas relações familiares – quer presentes, quer históricas nas famílias de origem.
Do ponto de vista estratégico, a maioria das ações de proteção voltadas para mulheres agredidas tem se desenvolvido de forma independente. Uma limitação de se focalizar exclusivamente uma ou outra corrente é o obscurecimento da totalidade do quadro, que, por sua vez, impede um entendimento mais completo das causas e consequências. Como resultado, esta ‘compartimentalização’ inibe ações mais efetivas, reduzindo a capacidade de prover adequada segurança para todas as vítimas envolvidas (Reichenheim, 2006).
Esse tipo de agressor costuma fazer uso de uma violência que se inicia de forma lenta e silenciosa, que progride em intensidade e consequências. O autor de violência, em suas primeiras manifestações, não lança mão de agressões físicas, mas parte para o cerceamento da liberdade individual da vítima, avançando para o constrangimento e humilhação, criando condições psicológicas para poder agredir fisicamente à mulher, baixando-lhe a auto-estima de tal forma que ela tolere, também, as agressões físicas (Silva et al., 2007).
Estudos demonstram que a vivência da violência sofrida pelas mulheres tem marcas não visíveis, de difícil diagnóstico e que se mesclam com outros sintomas, apesar do caráter intenso e duradouro que parecem modificar o tom da voz, o brilho do olhar e até mesmo o gesticular das mãos. Essas marcas encontram-se na dimensão subjetiva e só se tornam aparentes quando são reveladas por quem as sentem. As mulheres, quando questionadas sobre seus sentimentos, costumam falar em sofrimento, tristeza e medo.
A compreensão vaga e mediana revela um aprisionamento e um encobrimento em si mesmo. São mulheres que, de certa forma, deixam-se aprisionar. Este aprisionamento se faz no espaço do convívio social e são relatados através de situações onde passam a não ter relações de contato, seja com familiares ou amigos, isolando-se de tudo e todos, referindo perda do interesse social e da convivência com os outros. O espaço, além delas mesmas, reside no espaço do lar, da casa, dos filhos, do marido, da violência. A indiferença com que essas mulheres são tratadas em casa contribui para que elas permaneçam na obscuridade. Além disso, existe outra forma de aprisionamento, que é aquele manifestado pela humilhação e vergonha que as mulheres sentem delas próprias por estarem se entregando à vivência de violência. O aprisionamento, tão profundamente arraigado, encobre em si mesmo sentimentos de negação, de submissão, de causa e de ocultamento, que reflete em uma autoestima fragilizada (Monteiro, Souza, 2007).
Apesar do alto índice de violência contra a mulher, as vítimas de agressores e outras formas de violência podem contar com programas de apoio na resolução de seus problemas familiares, tanto governamentais quanto não governamentais. Nesses programas de atendimento à vítima, percebe-se que a maioria das queixas (98%) parte de mulheres que são vítimas de alguma forma de violência no interior do espaço doméstico. É evidente a transformação da violência doméstica numa forma cada vez mais brutal de violência contra a mulher, mesmo que esta já possa contar com atendimento especializado. À primeira vista, parece haver, aí, uma contradição, já que se espera que a existência de serviços de apoio resulte na redução da demanda. Contudo, observa-se que a violência tem se agravado tanto em termos de quantidade quanto de qualidade, ou seja, as vítimas têm sofrido agressões – e aqui se faz referência, inicialmente, às agressões físicas – cada vez mais severas, que ocasionam a morte ou graves seqüelas, impossibilitando as vítimas para o trabalho e complicando, ainda mais, a sua já difícil situação (Silva et al., 2007).
Ao chegar nessa situação, às mulheres vítimas de agressão, acabam tendo que optar entre a procura de ajuda em centros não governamentais ou governamentais de amparo às mulheres vítimas de violência doméstica, a procura de seus direitos, conforme legislação em vigor ou a permanência na situação de violência, com tendências ao agravo.
Nesse sentido, abordar o tema da violência doméstica não só implica em uma análise jurídica, mas antes de tudo, em uma questão social, histórica e cultural, ceifada pelo sofrimento que a acompanha.
O diagnóstico local mostra a dificuldade destas mulheres no entendimento da conceituação de gênero, bem como formas de enfrentamento de violência cotidianas e classificação das mesmas.
O Código Penal Brasileiro, em 1940, foi pioneiro na caracterização da agressão física do marido contra a mulher como passível de punição (Brasil, 1940).
A Lei n.º 10.886, de 17/06/04, acrescentou ao art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os parágrafos 9 e 10, criando a tipificação para a denominada “Violência Doméstica”, prevendo pena de seis meses a um ano de prisão para esse crime. Se a agressão resultar em lesões graves ou morte a pena é aumentada em um terço. Este diploma legal torna-se importante pela tipificação, pela primeira vez, exclusivamente de violência doméstica, que anteriormente, eram tratados como lesão corporal, resultando na aplicação de penas alternativas, como por exemplo, o pagamento de cestas básicas (Brasil, 1940 ; Brasil, 2004a).
A mulher vítima de violência também pode efetuar sua denúncia ou buscar orientação sobre como proteger-se do agressor no número 180, que foi criado por força da Lei nº 10.714, de 13/08/03. O número funciona 24 horas por dia, todos os dias durante a semana, fins de semana e feriados (Brasil, 2003).
O tema do afastamento do agressor é delineado de acordo com a Lei n° 10.455, de 13/05/02, que define que, em caso de violência doméstica, o juiz pode determinar como medida cautelar, o afastamento imediato do mesmo do local de convivência com a vitima, muitas vezes, do lar do casal (Brasil, 2002).
Em meados de 1980, foi criada a Delegacia da Mulher (DDM), com o objetivo de facilitar e especializar o recebimento de denúncias sobre os agressores, pois apesar de possível, é comum que as mulheres agredidas fiquem envergonhadas ou inibidas ao recorrer à uma delegacia tradicional para denunciar estas práticas de violência. O atendimento jurídico neste local é feito exclusivamente por profissionais do sexo feminino, especializadas na investigação de crimes ligados à violência contra a mulher e na orientação das vítimas.
A carta maior do nosso país, que estabelece os princípios básicos a serem seguidos por toda a legislação brasileira, estabelece em seu artigo 5º, I, que todos somos iguais perante a lei, homens e mulheres têm os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Assim, qualquer tratamento que vá contra o previsto neste artigo, configura a discriminação pelo fato de ser mulher (Brasil, 1988).
Ainda, para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Constituição Federal do Brasil, é clara ao afirmar em seu parágrafo 8º, art. 226, que: “O Estado assegurará a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações”.
O tema da violência contra a mulher encontra-se intimamente ligado aos direitos humanos. O Brasil é signatário de vários tratados e conferências internacionais sobre o tema, destacando-se a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, a Conferência Mundial de Direitos Humanos (ONU, 1993), Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), Conferência sobre a Mulher (Beijing, 1995), Conferência Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher, que foi sediada no Brasil (Brasil, 2004b).
A institucionalização de respostas públicas ao problema da violência contra a mulher se pauta pela perspectiva da cidadania e dos direitos humanos, expressa no plano normativo-legal, que por sua vez orienta a formulação de políticas públicas na direção da defesa dos direitos da mulher. Tal orientação se choca com o recorrente apelo à ordem familiar, como instância hierárquica e de subordinação da mulher, pelos atores institucionais envolvidos na atenção às vítimas, seja na polícia ou nas instâncias jurídicas subsequentes. A desqualificação da violência contra a mulher pela instituição policial ou jurídica, no sentido de minimizar seus efeitos, impulsionando a interrupção dos procedimentos legais, por meio de “suspensão” ou arquivamento de inquéritos, no período anterior à Lei nº 9.099/95 ou do favorecimento da renúncia ao direito de representação contra o acusado nas audiências de conciliação dos Juizados Especiais Criminais permanecem como obstáculos à efetivação de direitos assegurados às mulheres (Brasil, 1995 ; Brandão, 2006).
A Lei Maria da Penha surgiu da história de Maria da Penha Maia, uma vítima de agressão doméstica e familiar, que lutou por mais de 25 anos para ter seu agressor condenado. Seu marido, professor universitário, tentou matá-la duas vezes, na primeira com um tiro que resultou na paraplegia da vítima e depois eletrocutada. A investigação do caso começou rapidamente, mas a denúncia ao Ministério Público Estadual foi apresentada em 1984, tendo sido condenado somente oito anos depois, mas com recursos jurídicos, conseguiu evitar o cumprimento da pena.
A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi pioneira ao acatar a denúncia de um crime de violência doméstica, resultando na prisão do agressor em 2002, que cumpriu pena até 2004, e, atualmente encontra-se em liberdade (Secretaria de Questões de Gênero e Etnia, 2007) .
A Lei ordinária 11.340 foi promulgada em 07/08/2006, conhecida então, por “Lei Maria da Penha” e passou a prever penas mais duras para agressões contra mulheres, aumentando os mecanismos de proteção das mesmas e alterando o previsto no Código Penal, permitindo flagrante criminal e a decretação da prisão preventiva do agressor. Outrossim, extinguiu as penas pecuniárias que estabeleciam cestas básicas ou multas. A pena máxima também foi aumentada de um para três anos de detenção. Ainda, de acordo com a lei, os órgãos públicos devem contar com juízes capacitados e uma rede de apoio formada por assistentes sociais, profissionais da saúde, educação, trabalho e habitação (Brasil, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão de gênero sob o prisma da Justiça não tem sido abordada com muita frequência no ramo das ciências sociais, mas é de profunda importância para a compreensão sob a ótica daqueles que a vivenciam todos os dias.
Estudos que trabalham com a temática violência contra à mulher demonstram, acima de tudo, atos de cidadania, trazendo o conhecimento e a discussão de situações vivenciadas diariamente e à margem da proteção legítima da lei, independente desta existir ou não.
O conhecimento dos diferentes tipos de violência e como elas lentamente se instalam na vida de mulheres que dela são vítimas é um dos mecanismos de prevenção, visto que raramente a violência começa com agressão física, mas geralmente com a baixa da autoestima da vítima envolvida.
Dentro os diplomas legais de prevenção e defesa da mulher à violência doméstica, a Lei Maria da Penha foi uma conquista de uma mulher para outras mulheres, mas a questão é como a Lei se encaixa na experiência de cada uma, e como elas conseguem efetivamente usufruir desse direito. O empoderamento se faz necessário e é inútil ignorar os apelos que nos são dirigidos por inúmeras mulheres que todos os dias são submetidas a esta situação.
O tema não se esgota aqui, porém cumpre-se assim uma parte de nossas obrigações como cidadãos na busca para contribuir e enriquecer o repertório sobre a violência familiar contra à mulher, oferecendo subsídios para o estabelecimento de políticas públicas em diversas áreas a fim de minimizar os problemas derivados da violência.
Brasil. Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha: cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União. 8 ago 2006.
Informações Sobre os Autores
Evelyn Priscila Santinon
Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito pela UNISANTOS, MBA em Comércio Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e máster Management Stratégigue et Génie des Organisations – CAEE Internacional Manager pela Universidade em Grenoble, França. Docente da Faculdade de Ciências de Guarulhos e FAPPES.
Lucia Cristina Florentino Pereira da Silva
Docente do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Doutora e mestre pela Universidade de São Paulo pós-graduada em Administração Hospitalar Obstetrícia e Educação a Distância: Planejamento Implantação e Gestão
Celia Regina Maganha e Melo
Docente do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo USP. Doutora pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Patrícia Woltrich Parenti
Docente do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). Doutora e Mestre pela Universidade de São Paulo
Natalúcia Matos Araújo
Docente do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). Doutora e Mestre pela Universidade de São Paulo
Maryam Michelle Jarrouge Trintinália
Mestre pela Universidade de São Paulo, especialista de nível superior do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Dulce Maria Rosa Gualda
professor titular da Universidade de São Paulo e Revisor de periódico da Revista da Escola de Enfermagem da USP. Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1968), bem como em Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1969) , mestrado em Enfermagem pela System School Of Nursing University Of Texas At Austin (1975) e doutorado em Enfermagem pela Universidade de São Paulo (1993)