Christyanne Ferreira da Costa*
Sara Morgana Silva Carvalho Lopes*
Resumo: O presente artigo aborda a família e o dever de proteção, bem com o crime de estupro de vulnerável. Como objetivo da pesquisa foi analisada a trajetória dos direitos da criança e do adolescente, bem como os crimes contra a dignidade sexual e a importância da proteção da família nesse contexto. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica abordando diversos autores que tratam dessa temática. Nesse sentido, importante analisar o papel da família nos casos em que o próprio familiar representa o algoz e agressor da criança ou adolescente. Quais são as punições para quem não cumpre o papel de proteção dos filhos?
Palavras–chave: Família. Crianças e Adolescentes. Estupro de vulnerável.
Abstract: This article addresses the family and the duty of protection, as well as the crime of rape of the vulnerable. The objective of the research was to analyze the trajectory of the rights of children and adolescents, as well as crimes against sexual dignity and the importance of protecting the family in this context. Bibliographic research was used, addressing several authors dealing with this theme. In this sense, it is important to analyze the role of the family in cases where the family member himself represents the executioner of the child or adolescent. What are the punishments for those who do not fulfill the role of protecting their children?
Keywords: Family. Children and Adolescents. Rape of vulnerable.
Sumário: Introdução. 1. Direitos da criança e do adolescente. 2. A família e o dever de proteção. 3 Dos crimes contra a dignidade sexual. 3.1 O crime de estupro. 3.2 Estupro de vulnerável. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Os direitos da Criança e do Adolescente estão definidos tanto na Constituição da República Federativa do Brasil, quanto na Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, mais conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo–os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (BRASIL, 1990).
De acordo com a Constituição Federal é dever da família, da sociedade e do Estado garantir à criança e ao adolescente os direitos fundamentais bem como a sua proteção a toda forma de violência e exploração (BRASIL, 1988).
Sendo assim, qual seria a real obrigação da família, esse artigo visa mostrar que o dever da família está além daquele estabelecido pela legislação, a família é onde a criança vai ter seu primeiro contato com a sociedade, é o local que aprenderá os valores, capazes de moldar seu caráter, daí a importância de observar como essa criança será cuidada e protegida por essa família, uma vez que, infelizmente, é no contexto familiar, que por vezes muitas crianças e adolescentes são vítimas do crime de estupro.
O estupro de vulnerável é um tema bastante complexo, pois ao mesmo tempo que é evidenciado e discutido, ainda é cercado por muita indignação social e tabus sexuais, de modo que a punição dos autores fica prejudicada, pois nem sempre a vítima é considerada. Na maioria dos casos o autor é do convívio familiar ou alguém da confiança da família e também por questões de constrangimento de expor a vítima e a família, alguns desses crimes são silenciados.
O objetivo dessa pesquisa é analisar qual a real obrigação da família para com as crianças e adolescentes no que tange ao dever de cuidado e proteção frente às mais diversas vicissitudes que essa classe em desenvolvimento sofre, a exemplo do crime de estupro de vulnerável.
Para a concretização deste trabalho aplicou-se a pesquisa bibliográfica, utilizando-se de fontes já publicadas, conhecidas como fontes secundárias, assim como os livros, monografias, artigos entre outras.
- Direitos da criança e do adolescente
A Constituição da República Federativa do Brasil tem um capítulo dedicado para a família, a criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso. Mais especificamente em seu artigo 227, a Carta Magna descreve o dever de proteção e cuidar que a família, a sociedade e o Estado possuem em relação às crianças, adolescentes e jovens:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)
A Constituição Federal ainda estabelece no § 4º do supracitado artigo, que os abusos, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes serão severamente punidos. Para entender melhor o tema vamos definir legalmente os termos criança e adolescente. O artigo segundo da lei nº 8.069/1990 define criança como sendo a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL, 1990).
A criança e o adolescente brasileiro são bem assistidos pela legislação nacional atualmente, pois além da Carta Magna, contam também com uma lei específica para tratar de seus direitos, mas ao longo da história nem sempre foi assim.
Analisando esse contexto, (ROCHA, 2015) entende que nem sempre a criança teve seus direitos garantidos, sendo sempre vítima de abusos e violência. Durante o período da antiguidade até aproximadamente o século IV as crianças tinham sua existência voltadas para servir aos interesses e bem-estar dos adultos e se apresentassem alguma má–formação eram responsabilizadas por isso sendo abandonadas pelos próprios pais. Ao completarem sete anos de idade, as crianças eram entregues a homens mais velhos e sendo sujeitadas a situações de estupro.
No período entre os séculos IV e XIII os pais se distanciaram afetivamente dos filhos e passaram a vê-los como um mal e por isso mereciam castigos físicos, tratamento violento e o abandono ou ainda serem vendidos ou entregues à escravidão ou a mosteiros e conventos, onde ficavam expostos a abusos físicos e de caráter sexual. Entre os séculos XIV e XVII ocorreu um processo de reaproximação afetiva dos pais com seus filhos, porém os castigos físicos e maus-tratos permaneceram por considerarem que a criança poderia ser um mal incontrolável (ROCHA, 2015).
Ariés (1981) apud Ferrari (2013), afirma que no período compreendido entre o final do século XVI e início do século XVII, o entendimento de infância e da moral contemporânea era muito estranho. As crianças eram tratadas naturalmente com liberdade e as brincadeiras eram grosseiras e em alguns casos até de cunho sexual, sendo que os gestos indecentes eram públicos e não “chocavam ninguém”, muito pelo contrário, eram considerados “perfeitamente naturais” (FERRARI, 2013, p. 15).
Durante o século XX as crianças passaram a ter seus direitos priorizados pela Constituição Cidadã bem como pela lei nº. 8.069/1990 que trata especificamente dos direitos da criança e do adolescente. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente é dever da família, da sociedade e do poder público, a garantia da efetivação dos direitos referentes a todos os direitos assegurados pela Constituição, priorizando o direito à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
O Estatuto da Criança e do Adolescente revolucionou ao adotar a doutrina da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, na medida em que garante a proteção a todos os direitos que dizem respeito à criança e ao adolescente, apoiando-se na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. (LIBERATI, 2007).
A legislação ainda assegura a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança, devendo todos da sociedade, independente de ser parente ou não, bem como o poder público prezar pela dignidade da criança e do adolescente, resguardando-os de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante ou que cause vexame ou constrangimento (BRASIL, 1990).
Conforme descrito no artigo 3º da Lei nº. 8.069/1990, a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes assegurados ainda os direitos previstos na legislação específica de modo que lhes seja facultado o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social dentro das devidas condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 1990).
Pode-se extrair do artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente que tanto a criança quanto o adolescente possuem direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, sendo que o Princípio da Dignidade da Pessoa humana é universalmente consagrado, e estende-se a toda e qualquer pessoa independente da idade que ela possua (DIGIÁCOMO, 2017).
A criança, como foi visto anteriormente, possui vários direitos assegurados pela legislação brasileira para que possa crescer e se desenvolver de forma saudável, tanto fisicamente quanto no aspecto psicológico. Agora o estudo apresentará a proteção que o Código Penal Brasileiro garante à criança e ao adolescente.
O Código Penal Brasileiro de 1940 tipifica vários crimes em que figuram como vítimas crianças e/ou adolescentes no intuito de evitar que tais condutas se efetivem garantindo a preservação dos direitos assegurados à criança e ao adolescente. Pode-se começar com a proteção do principal que é o direito à vida. O artigo 123 dos Crimes contra a vida, prevê a pena de detenção , de dois a seis anos para a mãe, que na influência do estado puerperal, mate o próprio filho, durante ou logo após o parto. (BRASIL, 1940).
O crime de maus-tratos é muito praticado contra crianças, sendo sua conduta descrita no artigo 136 do Código Penal, cuja pena é de detenção, de 02 (dois) meses a 01 ano, ou multa.
Esse crime, para Rogério Greco, caracteriza-se por só poder ser cometido por alguém que tenha autoridade, guarda ou exerça vigilância sobre a vítima e que ocorra com a finalidade de educação, ensino, tratamento ou custódia, sendo essa finalidade especial a sua motivação. (GRECO, 2016). Nesse caso, os pais, ou responsáveis que infringem castigos físicos às crianças.
O crime de maus–tratos pode ser visualizado nos castigos físico que muitos pais utilizam para educar e corrigir seus filhos. Segundo Rogério Greco está intimamente relacionado com os castigos físicos empregados com a finalidade de corrigir o comportamento das crianças. O agente atua com o animus corrigendi ou disciplinandi, no entanto, abusa, ou seja, vai além do permitido, no que se refere ao seu direito de corrigir ou disciplinar. (GRECO, 2016).
Não que os pais não possam corrigir os filhos, a questão é o excesso utilizado para castigar. Para Rogério Greco, os pais devem sim corrigir seus filhos, o mesmo cita até passagens bíblicas que descrevem o que deve-se fazer para educar os filhos e as consequências dessa educação, como por exemplo no Capítulo 13, versículo 24:” O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo o disciplina”., Bem como o capítulo 19, versículo 19: “Castiga teu filho, enquanto há esperança[…]”. sendo que o autor esclarece que o que caracteriza o tipo penal é o abuso, o excesso nos meios de correção ou disciplina. (GRECO, 2016).
Por ocasião da Lei nº13.010 de junho de 2014, que ficou mais conhecida como a “lei da palmada” o Estatuto da Criança e do Adolescente foi alterado com a inclusão do artigo 18-A que garante o direito da criança e do adolescente serem educados e cuidados sem a utilização de castigos físicos ou qualquer tratamento cruel ou que seja considerado degradante(GRECO, 2016). Essa lei foi bastante polemizada, pois interpretavam que essa lei vedava qualquer castigo físico, no entanto o que se busca é evitar os excessos dos castigos físicos, que em alguns casos ultrapassam o limite do aceitável.
- A família e o dever de proteção
“A família é o centro emocional e social de formação do homem” (SEREJO, 1999, p.25), a família é o local onde se aprende todas as noções, princípios e valores que o indivíduo levará por toda a vida, é também onde aprende a amar e ser amado e principalmente a compartilhar.
Por ser de tamanha importância para o individuo a família é protegida pela legislação, como podemos citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado” (SEREJO, 1995, p. 25).
A família é uma unidade, e a partir dela a sociedade foi sendo organizada, pois para que a raça humana sobrevivesse ele teve que se unir e em grupo foram sobrevivendo com um ajudando e cuidando do outro. Conforme GAMA, 2000, p. 16:
Em se tratando da célula mater da sociedade, a família sempre foi objeto de preocupação mundial, dada a sua imprescindibilidade para a sobrevivência da espécie humana, além de ser fundamental para a organização e manutenção dos Estados.
A família foi evoluindo a partir do desenvolvimento da própria sociedade bem como da economia de cada época. Sendo que no modelo romano a família era patriarcal e nuclear, havendo uma valorização da convivência e afetividade, como consequência dessa valorização a monogamia passou a ser a escolha da sociedade. (SEREJO, 1999).
A Constituição Federal valoriza a família uma vez que a mesma é a base da sociedade, representando a sustentação da estabilidade social. Prova disso são os artigos 226 da Carta Magna que afirma que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 1988) e no artigo seguinte estabelece o dever da família, juntamente com a sociedade e o Estado, garantir com absoluta prioridade os direitos da criança e do adolescente.
A família é algo tão importante que a lei assegura que a criança deve ter direito à convivência familiar, se não a sua, biológica, tem o direito de convier com uma família substituta, tratando-se de um direito personalíssimo, que não pode ser transferido, não pode ser alienado e nem transferido. É vivendo em família que o indivíduo aprende a se socializar, onde ele recebe amor e afeto que se não forem recebidos podem ocasionar comprometimento do desenvolvimento dessa criança ou adolescente. (LIBERATI, 2007).
Por ter o dever legal de proteger, nos casos em que a família ameaça ou viola os direitos da criança ou do adolescente é punida, uma vez que os pais ou guardiões não podem lesar os direitos dos filhos ou da criança sob sua guarda, deve-se sempre priorizar os direitos das crianças em detrimento até mesmo dos direitos dos pais.
Se o pai ou responsável permite ou contribui com a situação de risco pessoal para a criança que encontra-se sob sua responsabilidade, pode haver a suspensão ou até mesmo a extinção do poder familiar, com previsão legal no Código Civil, sendo então descritas no artigo 1.638 do Código Civil as situações em que ocorre a perda do poder familiar:
I-castigar imoderadamente o filho;
II-deixar o filho em abandono;
III-praticar aos contrários à moral e aos bons costumes;
IV-incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
(LIBERTAT, 2007, p. 91)
Por ser tão importante e valorizada pela legislação brasileira, e por afirmar reiteradas vezes que a família tem o dever legal de proteger e garantir a efetivação dos direitos assegurados à criança e ao adolescente que não se compreende como aquele que era o responsável pela proteção e por evitar situações de violência é o responsável por causar dor e sofrimento na vítima.
3. Dos crimes contra a dignidade sexual
A violência sexual contra a mulher sempre foi uma constante desde os tempos mais remotos. Os homens eram estimulados a desenvolver sua agressividade para ser usada nos campos de batalha e a recompensa era o direito de estuprar as mulheres do lado perdedor. Em decorrência disso as mulheres eram ensinadas a serem submissas e passivas para o caso de seu povo sair perdedor nas batalhas, uma vez que a finalidade das guerras era controle populacional devido à ausência de recursos (LABADESSA, 2010).
Como data o início dos tempos, o estupro sempre foi visto como um delito, como pode –se extrair das palavras de Fernando e Marques (1990) apud Diotto; Souto (2016) “Desde os tempos mais remotos, o estupro era considerado um delito grave com penas severas. Entre os romanos, a conjunção carnal violenta era punida com a morte pela Lex Julia de vi publica.”, sendo assim, sempre tentaram através das punições evitar a prática do crime de estupro.
Como essa prática de querer possuir a mulher independente do seu consentimento permaneceu e acontece até os dias atuais, para conter essa violação de direitos que fere a dignidade da pessoa humana o Código Penal Brasileiro, foi criado pelo presidente Getúlio Vargas através do decreto lei nº 2.848 e em seu Título VI tratava dos Crimes Contra os Costumes, sendo o Capítulo I dedicado aos Crimes contra a Liberdade Sexual.
A redação original do artigo 213 era “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: pena – reclusão de três a oito anos.” Pode-se extrair de tal artigo que no crime de estupro a vítima tinha necessariamente que ser mulher, uma vez que a redação do artigo deixa isso bem claro e consequentemente o autor teria que ser um homem para que então houvesse a conjunção carnal.
No artigo seguinte, o 214, era descrito o crime de Atentado Violento ao Pudor: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Pena: reclusão de dois a sete anos.” (BRASIL ,1940).
Com a lei Nº 12.015 de 07 de agosto de 2009 o título VI foi alterado para Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, e de acordo com Rodrigo Moraes Sá, trouxe uma visão mais voltada para as relações interpessoais e ao próprio regramento constitucional que preza pela dignidade da pessoa humana, ressaltando também que o título anterior estava ultrapassado para os padrões atuais pois ao tratar dos Crimes contra os Costumes, subentendia-se que a lei deveria determinar como as pessoas deveriam se portar sexualmente em sociedade e que como o Código Penal foi escrito em 1940 os padrões e costumes não se enquadram mais na sociedade atual. (MORAES SÁ, 2013)
Outra alteração da Lei Nº. 12.015/2009 foi a unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ambos descritos agora no artigo 213, segundo Rogério Greco, essa alteração foi importante para evitar controvérsias relativas a esses tipos penais “principalmente em relação à possibilidade de continuidade delitiva, uma vez que a jurisprudência de nosso tribunais, principalmente os Superiores, não era segura”. (GRECO, 2016, pag. 733).
3.1 O crime de estupro
O crime de estupro está tipificado no artigo 213 do Código Penal “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso”. Tendo como pena a reclusão de seis a dez anos. (BRASIL, 1940)
Para Rogério Greco o núcleo do tipo é o verbo constranger, sendo nesse caso empregado no sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual ou a qualquer outro ato libidinoso, sendo que para a consumação do crime o autor deve atuar mediante o emprego da violência ou de grave ameaça. (GRECO, 2016).
Vale ressaltar que a nova redação dada ao artigo 213 pela Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009 não define como vítima do crime de estupro somente a mulher, vale tanto para o sexo feminino quanto para o sexo masculino, mas infelizmente no nosso país a grande maioria das vítimas do crime de estupro são mulheres.
Existe em nosso país uma “cultura do estupro” onde as pessoas procuram justificar o crime através das atitudes da vítima, onde na verdade nada pode justificar esse crime absurdo.
Em decorrência das consequências gravosas que acarreta para as vítimas, o crime de estupro é enquadrado no rol dos crimes hediondos definido na Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990,sendo um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, conforme o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal.(BRASIL, 1990).
Segundo Grossi (1996) apud Diotto (2016) a violência sexual é um dos maiores medos da mulher na atualidade. A todo momento nos meios de comunicação veem se casos de estupros tanto no âmbito público quanto no privado, e o que assusta é exatamente a crueldade dos atos. A violência contra a mulher é uma das mais praticadas e menos reconhecidas no âmbito dos direitos humanos no mundo. Se manifestando de diferentes formas, desde as mais veladas até as mais evidentes, cujo extremo é a violência física. (DIOTTO; SOUTO, 2016).
3.2 Estupro de vulnerável
O crime de estupro quando praticado com vítima com idade menor que 14 anos denomina-se estupro de vulnerável e só foi incluindo no Código Penal pela Lei Nº. 12.015 de 07 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009)
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze anos):
Pena – reclusão. De 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
- 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Antes da Lei 12.015/2009, havia muita discussão sobre o crime de estupro com vítimas menores de catorze anos, se havia presunção de violência, levantavam questionamentos sobre sua vida sexual, seu relacionamento familiar, o que era esquecido é que a lei foi criada exatamente para proteger essas crianças ou adolescentes e punir aqueles que, de forma estúpida e impensada extravasavam seus desejos e aflorando sua libido com menores ainda em fase de desenvolvimento. (GRECO, 2017)
O autor do crime de estupro de vulnerável deve responder penalmente com a mesma medida em que causa dor e sofrimento para a vítima, de acordo com Rogério Greco o novo tipo penal busca punir com mais rigor comportamentos que atinjam as vítimas por ele previstas, devendo os autores de tal crime responder conforme o rigor da lei. E ele ainda diz mais:
O mundo globalizado vive e presencia a atuação de pedófilos, que se valem de inúmeros e vis artifícios, a fim de praticar algum ato sexual com crianças e adolescentes, não escapando de suas taras doentias até mesmo os recém-nascidos. A internet tem sido utilizada como um meio para atrair essas vítimas para as garras desses verdadeiros psicopatas sexuais. Vidas são destruídas em troca de pequenos momentos de prazer estúpido e imbecil. (GRECO, 2016, pg. 779)
O crime de estupro por si só já é uma conduta abominável ainda mais quando praticado contra crianças ou adolescentes chega a ser monstruoso, devendo sim o autor responder de acordo com todo o rigor possível previsto na legislação.
A questão da vulnerabilidade, segundo Rodrigo Moraes Sá (2013) “trata-se da capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso, continua, na essência, existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir” (MORAES SÁ, 2013, p.6). Uma vez que a criança não tem maturidade para discernir o que é um ato sexual ela não tem capacidade de consentir ou não e muito menos de impor sua vontade contra o autor que é maior fisicamente e mais velho.
Para Rogério Greco, apesar dos menores de 14 anos de hoje não exigirem a mesma proteção daqueles da época do Código Penal de 1940, não há o que se discutir se eles não são mais virgens ou se possuem vida sexual desregrada, suas personalidades ainda estão em formação, ou seja, seus conceitos e opiniões ainda não se consolidaram, sendo que é possível que eles não saibam a gravidade do que está acontecendo com os mesmos (GRECO, 2016).
A vítima do estupro de vulnerável ainda engloba pessoas que por doença ou deficiência mental, não possuem o discernimento necessário para a prática do ato ou que por algum motivo não possa oferecer resistência.
Nesse aspecto, a lei não visa proibir as pessoas portadoras de alguma deficiência de terem vida sexual ativa, nem punir quem pratica de forma consentida ato sexual com tais pessoas. O que a lei busca é punir quem se aproveita da incapacidade de discernimento dessas pessoas para com elas praticarem atos sexuais. (GRECO, 2016).
De acordo com Luiz Regis Prado, a vulnerabilidade, seja em razão de idade, seja em decorrência de doença ou estado da vítima, diz respeito à sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros no que diz respeito a sua sexualidade, sendo possível compreender que o legislador quis proteger as pessoas que por algum motivo não possuem discernimento para entender a gravidade do ato que com elas está sendo cometido e esboçar alguma reação, oferecer resistência aos atos que estão violando sua dignidade e liberdade sexual (PRADO, 2010.pág. 624).
O bem juridicamente protegido pelo artigo 217 – A é tanto a liberdade quanto a dignidade sexual, pois no crime de estupro de vulnerável viola-se tanto a liberdade sexual e consequentemente a dignidade da pessoa humana , poias vítima é incapaz de consentir o ato, como também seu desenvolvimento sexual (GRECO, 2016).
O sujeito ativo do crime de estupro de vulnerável pode ser tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino, no entanto quando houver conjunção carnal a relação te que ser necessariamente heterossexual, quanto à prática dos demais atos libidinosos, qualquer pessoa poderá configurar como autor (GRECO, 2017).
Em se falando de sujeito passivo, como dito anteriormente, será a pessoa (sexo masculino ou feminino) com menos de catorze anos de idade, ou que seja portadora de alguma enfermidade ou deficiência que a torne incapaz de discernir a prática de ato sexual ou que não possa oferecer resistência (GRECO, 2016).Como já dito anteriormente o crime de estupro está associado à necessidade masculina de controlar a mulher e exercer seu poder sobre ela, mais um resultado da cultura patriarcalista que domina a sociedade.(DIOTTO,2016)
Por se tratar de um crime plurissubsistente, admite tentativa e segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça “para a consumação do crime de estupro de vulnerável, não é necessária a conjunção carnal propriamente dita, mas qualquer prática de ato libidinoso contra menor” (GRECO, 2016, pag. 783), não há a necessidade de conjunção carnal, se o autor faz qualquer ato libidinosa com a vítima responderá por estupro de vulnerável.
Para Fernando Capez, o elemento subjetivo do crime de estupro de vulnerável é o dolo, consubstanciado na vontade de ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com pessoas vulneráveis seja em razão da idade ou razão de condições de saúde descritas no § 1º do artigo 217-A. Não se exige nenhuma finalidade específica, bastando apenas a vontade do autor de submeter a vítima à prática de atos sexuais (CAPEZ, 2012). Não há que se falar em estupro culposo, o crime caracteriza-se pela intenção do autor em saciar seus desejos com a vítima.
Segundo Rogério Greco, por ter os núcleos ter e praticar pressupõe-se uma conduta positiva por parte do agente, sendo assim caracterizado como um crime, em regra, comissivo. No entanto, é possível a omissão imprópria, quando o agente figurar como garante, nos termos do §2º do artigo 13 do Código Penal. É cada vez mais comum, e absurdo, a notícia em meios de comunicação de mães que permitem que maridos ou companheiros abusem sexualmente de seus filhos, “nada fazendo para impedir o estupro. Essas mães respondem pela omissão, que deverá ser punida com a mesma pena constante no preceito secundário do artigo 217-A do Código Penal” (GRECO, 2017, pág. 154).
Na ocasião em que a criança resolve contar que foi vítima de estupro ela geralmente busca a mãe, e nas ocasiões em que o agressor é o pai ou padrasto, a mãe por ser submissa ou possuir algum tipo de dependência em relação ao companheiro acaba negligenciando a denúncia da criança e torna-se cumplice do agressor, que termina sendo perdoado, devendo então ser punida conforme o artigo 217-A do Código Penal (MACEDO, 2013).
Conclusão
A família é a base da sociedade, é protegida pela Constituição e a responsável pelo cuidado e proteção com as crianças e adolescentes, só que vai além da previsão legal, família é carinho, afeto, é exemplo. A criança se espelha nos pais ou na figura que os representa, então ela vai transmitir aquilo que ela recebe, daí a importância do convívio familiar.
No entanto nem toda convivência familiar é saudável, em alguns casos a família é lugar de maus-tratos, abandono, abusos sexuais por isso é importante a fiscalização do Estado através dos conselhos tutelares e a população também pode intervir através das denúncias em casos de abuso e violência.
Referências
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