Sim, é possível calcular todas as verbas trabalhistas mesmo quando o trabalhador não teve a carteira assinada. A ausência do registro formal não elimina os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde que o trabalhador consiga comprovar a existência do vínculo empregatício. Nestes casos, o cálculo trabalhista será feito considerando o período de prestação dos serviços, a remuneração recebida (ou estimada com base em provas e convenções coletivas) e as obrigações legais que o empregador deixou de cumprir, como FGTS, INSS, férias, 13º salário e demais verbas.
Neste artigo, vamos abordar todos os aspectos necessários para entender como é feito o cálculo das verbas trabalhistas em casos de trabalho sem registro, explicando cada item de forma clara e acessível. Veremos ainda como comprovar o vínculo, quais documentos podem ser usados como prova, o que diz a legislação e como o trabalhador pode cobrar esses valores judicialmente. Mesmo que o contrato tenha sido informal, a Justiça do Trabalho protege quem realmente prestou serviço de forma subordinada, pessoal, habitual e onerosa.
O que caracteriza vínculo de emprego
O vínculo empregatício é reconhecido pela CLT quando estão presentes os seguintes elementos, previstos no artigo 3º:
Pessoalidade: o trabalhador é uma pessoa física e não pode ser substituído por outra pessoa.
Subordinação: o trabalhador está sob ordens do empregador, obedecendo horário, tarefas e controle.
Onerosidade: o trabalhador recebe pagamento pelo serviço prestado.
Habitualidade: o trabalho ocorre com frequência, não é eventual.
Com esses quatro elementos, mesmo sem assinatura na carteira de trabalho, a relação é considerada um contrato de trabalho, com todos os direitos legais. Isso permite o cálculo e cobrança de todas as verbas trabalhistas retroativas.
Direitos do trabalhador sem registro
O trabalhador sem registro tem os mesmos direitos de um empregado com carteira assinada. Entre os principais estão:
- Salários mensais ou semanais
- Férias proporcionais ou vencidas acrescidas de 1/3
- 13º salário proporcional ou integral
- FGTS de todo o período trabalhado
- Multa de 40% do FGTS (em caso de dispensa sem justa causa)
- Aviso prévio (trabalhado ou indenizado)
- Recolhimento do INSS
- Horas extras, adicional noturno, periculosidade ou insalubridade, se houver
- Estabilidade provisória (ex: gestante, acidentado, membro de CIPA)
Portanto, mesmo trabalhando informalmente, o empregado pode exigir tudo o que teria direito se estivesse com o contrato formalizado. A diferença é que ele terá que comprovar a existência do vínculo para que o juiz possa determinar os pagamentos devidos.
Como comprovar o vínculo para fins de cálculo
A Justiça do Trabalho aceita diversos meios de prova para demonstrar que houve prestação de serviços com vínculo empregatício. Entre eles:
Testemunhas: colegas de trabalho, clientes, vizinhos do local onde o serviço era prestado, etc.
Mensagens: conversas no WhatsApp, e-mails, prints de conversas sobre ordens de trabalho ou pagamento.
Comprovantes de pagamento: extratos bancários, transferências, PIX, depósitos identificados.
Fotos, vídeos, uniformes: imagens que comprovem o exercício da função ou a presença no local de trabalho.
Documentos da empresa: crachá, folha de ponto, recibos de compra ou venda em nome do trabalhador.
Com essas provas, o trabalhador poderá demonstrar ao juiz da vara do trabalho que exerceu função de forma regular e subordinada. Isso autoriza o cálculo completo das verbas trabalhistas, desde o primeiro dia.
Como iniciar o cálculo trabalhista sem registro
Para calcular os valores trabalhistas devidos em contratos informais, o ponto de partida é reunir três informações principais:
- Período trabalhado: data de admissão e saída, mesmo que aproximadas.
- Salário mensal: valor que o trabalhador recebia ou que era prometido.
- Jornada de trabalho: dias e horários de trabalho (para cálculo de horas extras, adicional noturno, etc.).
Com essas informações, é possível calcular os seguintes itens:
Saldo de salário: valor proporcional aos dias trabalhados no último mês.
Aviso prévio: se a dispensa foi sem justa causa e não houve aviso, o valor corresponde a 30 dias de salário, acrescidos de 3 dias por ano trabalhado, até o limite de 90 dias (conforme reforma trabalhista).
Férias proporcionais: 1/12 por mês trabalhado, com adicional de 1/3 sobre o valor.
13º salário proporcional: também 1/12 por mês trabalhado.
FGTS: 8% do salário bruto mensal durante todo o contrato.
Multa de 40% sobre o FGTS: se a dispensa for sem justa causa.
INSS: valor a ser recolhido para fins previdenciários (recolhimento que deveria ter sido feito pela empresa).
Vamos entender cada item em mais detalhes nos próximos tópicos.
Salário e saldo de salário
O salário é o valor base para todos os demais cálculos. Se o trabalhador recebia, por exemplo, R$ 2.000,00 por mês, esse valor servirá como referência. Caso o salário não seja fixo, será feita uma média com base nos pagamentos realizados (comprovados por extratos, recibos ou testemunhas).
Se o trabalhador foi demitido no meio do mês e não recebeu, o saldo de salário corresponde aos dias trabalhados naquele mês.
Exemplo: salário de R$ 2.000,00, demissão no dia 10 de um mês com 30 dias. Saldo de salário = (2.000 ÷ 30) × 10 = R$ 666,67.
Aviso prévio
Se a empresa dispensou o trabalhador sem dar aviso prévio ou sem permitir que ele trabalhasse os 30 dias, é devido o pagamento do aviso prévio indenizado.
A regra é:
- 30 dias fixos, mais 3 dias por ano completo trabalhado, com limite de 90 dias.
Exemplo: trabalhador com 1 ano e 8 meses de serviço. Aviso prévio = 30 + 3 = 33 dias. Salário base: R$ 2.000,00. Aviso prévio indenizado = R$ 2.200,00.
No caso de contrato curto, com menos de 1 ano, o aviso prévio é de 30 dias.
Férias proporcionais + 1/3
O trabalhador tem direito a 1/12 de férias para cada mês trabalhado. Mesmo quem trabalhou menos de 1 ano faz jus ao pagamento proporcional das férias ao final do contrato.
Além disso, sobre o valor das férias incide o adicional constitucional de 1/3.
Exemplo: salário de R$ 2.000,00, trabalhou por 9 meses.
Férias = (2.000 ÷ 12) × 9 = R$ 1.500,00
Adicional de 1/3 = R$ 500,00
Total: R$ 2.000,00
13º salário proporcional
O 13º salário é calculado na proporção de 1/12 por mês trabalhado. Se o trabalhador trabalhou, por exemplo, 8 meses, terá direito a 8/12 do 13º.
Exemplo: salário de R$ 2.000,00
13º proporcional = (2.000 ÷ 12) × 8 = R$ 1.333,33
Se o contrato tiver durado menos de 15 dias em um mês, aquele mês não entra na contagem.
FGTS
O empregador é obrigado a depositar mensalmente o valor equivalente a 8% do salário bruto do trabalhador na conta vinculada ao FGTS.
Em contratos sem registro, presume-se que o empregador não fez os depósitos. Nesse caso, o juiz pode condenar o empregador a pagar os valores devidos, acrescidos da multa de 40%, se houver dispensa sem justa causa.
Exemplo: salário de R$ 2.000,00, contrato de 12 meses
FGTS mensal = 8% de R$ 2.000 = R$ 160,00
Total = R$ 160 × 12 = R$ 1.920,00
Multa de 40% = R$ 768,00
Total devido a título de FGTS + multa: R$ 2.688,00
Recolhimento do INSS
O empregador também tem a obrigação de recolher a contribuição previdenciária. O valor é descontado do salário do trabalhador e complementado com uma parte patronal. Na ausência de registro, esse recolhimento também costuma não ser feito.
Na ação judicial, o juiz pode determinar que o empregador efetue os recolhimentos para regularizar o tempo de contribuição do trabalhador junto ao INSS, garantindo acesso à aposentadoria e benefícios previdenciários.
Horas extras, adicionais e outros direitos
Se o trabalhador fazia jornada além do permitido, como trabalhar mais de 8 horas diárias ou 44 semanais, ele terá direito ao pagamento de horas extras.
As horas extras devem ser pagas com acréscimo de pelo menos 50% sobre o valor da hora normal (ou conforme convenção coletiva).
Também é possível acumular valores devidos por:
- Adicional noturno: entre 22h e 5h (acréscimo de 20%)
- Adicional de insalubridade: 10%, 20% ou 40% do salário mínimo
- Adicional de periculosidade: 30% do salário base
- Descanso semanal remunerado (DSR): se o trabalhador fazia horas extras ou recebia por comissão
Todos esses itens devem ser analisados conforme a realidade da função e do setor profissional, com base nas provas reunidas e nos acordos coletivos da categoria.
O que pode ser pedido em ação trabalhista
Em uma reclamação trabalhista pedindo o reconhecimento do vínculo de emprego sem registro, o trabalhador poderá incluir no pedido:
- Reconhecimento do vínculo empregatício com data de admissão
- Registro na carteira de trabalho
- Pagamento de salários não pagos
- Saldo de salário do mês da dispensa
- Férias proporcionais + 1/3
- 13º proporcional
- Aviso prévio
- FGTS de todo o período + multa de 40%
- Recolhimento do INSS
- Expedição de guias para seguro-desemprego (se cabível)
- Honorários advocatícios (se tiver advogado)
- Indenização por danos morais (em casos de fraude ou assédio)
Os valores devem ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros, conforme a Tabela da Justiça do Trabalho.
Ferramentas para calcular os valores
Algumas plataformas online oferecem calculadoras trabalhistas. Embora sejam apenas estimativas, podem ajudar o trabalhador a ter uma ideia dos valores devidos. Exemplos:
- Calculadora do JusBrasil
- Calculadora do site do TRT
- Planilhas de Excel personalizadas
- Consultoria com contador trabalhista
No entanto, o ideal é consultar um advogado trabalhista que possa calcular com base em provas, convenções coletivas, jurisprudência e a situação concreta.
Perguntas e respostas
Trabalhei sem carteira, posso cobrar férias e 13º?
Sim. Você tem direito a todas as verbas previstas na CLT, desde que comprove o vínculo de emprego.
Como calculo meus direitos se não sei o valor exato que deveria receber?
Você pode usar o valor que era pago de fato (comprovado) ou o piso salarial da categoria. Convenções coletivas também ajudam.
Se eu ganhava por dia, como calcular o salário mensal?
Some os valores recebidos no mês ou estime com base nos dias trabalhados. Ex: R$ 80/dia × 22 dias úteis = R$ 1.760,00.
Consigo o seguro-desemprego mesmo sem carteira assinada?
Só se o vínculo for reconhecido judicialmente. Nesse caso, o juiz pode autorizar a emissão das guias.
A empresa nunca recolheu INSS. Posso me aposentar?
Sim, se o vínculo for reconhecido judicialmente, o juiz pode determinar os recolhimentos em atraso, regularizando o tempo de contribuição.
O juiz pode obrigar a empresa a assinar minha carteira?
Sim. Mesmo após o fim do contrato, a Justiça pode determinar a anotação retroativa da CTPS.
Preciso de advogado para entrar com ação?
Não é obrigatório, mas é altamente recomendável. Um advogado pode fazer os cálculos corretamente e aumentar suas chances de sucesso.
Conclusão
Trabalhar sem registro não significa trabalhar sem direitos. A ausência de anotação na carteira de trabalho é uma infração cometida pelo empregador, mas a legislação trabalhista garante ao trabalhador a possibilidade de cobrar todas as verbas devidas por meio da Justiça. Comprovando a prestação de serviços com os elementos típicos da relação de emprego, o trabalhador pode obter o reconhecimento do vínculo e receber salários, férias, 13º, FGTS, aviso prévio e outras verbas trabalhistas, tudo com base na CLT.
O cálculo trabalhista sem registro exige atenção, documentação e provas. Mesmo que o tempo de trabalho tenha sido curto, ou que os valores não estejam documentados, é possível estimar os valores com base no piso da categoria e no que foi efetivamente pago. A Justiça do Trabalho tem sido firme no combate à informalidade, e os direitos dos trabalhadores são amplamente protegidos.
Se você esteve ou está nessa situação, busque informações, reúna provas e, se necessário, entre com ação judicial. Seu trabalho deve ser reconhecido, e seus direitos respeitados.