Resumo: [1] O ativismo é exercido por grupos de pessoas com interesses afins no intuito de promover mudanças na esfera social ou política. Para o exercício do ativismo de forma ampla e rápida a Internet aparece como ferramenta imprescindível, modificando a forma como o faz, surgindo assim o ativismo digital ou ciberativismo. Com essa possibilidade, emergem novos personagens, dentre eles o consumidor 2.0, que procura modificar as relações de consumo e a forma de resolução de conflitos. Nesse contexto, o consumidor de telefonia, setor que constantemente recebe críticas, encontra espaço na internet para suas insatisfações, em dois sites principais: o Reclame Aqui e o Portal da Agencia Nacional de Telecomunicações (ANATEL). O funcionalmento destes sites, entretanto, é diferenciado, inclusive devido a natureza de cada um deles: o primeiro, particular; o segundo, governamental. O principal objetivo deste artigo é a análise comparativa dos dois sites, a qual se deu pelo metodo comparativo, de forma livre e informal. Também se pretende investigar o exercício desse ativismo, enquanto expressão máxima da liberdade de expressão, e o alegado abuso de direito por parte dos consumidores mediante análise do comportamento do Poder Judiciário frente a essas novas demandas. Para esse ponto utiliza-se, como metodologia, a pesquisa jurisprudencial e análise direta de sites, a qual permite concluir, preliminarmente, que o Judiciário encontra-se atento aos novos desafios que o ciberativismo vem propiciando na busca pela harmonização desses interesses e, no que tange a análise comoparativa dos referidos site, constata-se que há diferença substancial entre a acessibilidade dos sites e a publicização das reclamações, facilitada no site Reclame Aqui, e a diferença no poder de coerção, atribuído somente ao Portal da ANATEL, porquanto órgão governamental.
Palavras-chave: Ativismo Digital; Novas Mídias; Sociedade Informacional; Consumidor 2.0, Poder Judiciário.
Sumário: 1. O ativismo digital: a internet como uma ferramenta ao ativista; 2. O ciberconsumidor ativista; 3. Dois sites para o consumidor ativista: Reclame Aqui e Portal ANATEL; 3.1 O site Reclame Aqui; 3.2 O portal da Agência Nacional de Telecomunicações; 4. Consumidor 2.0: até onde vai a sua liberdade de expressão? 5. O Poder Judiciário frente ao comportamento do consumidor 2.0; Conclusão; Referências
INTRODUÇÃO
Atualmente, a internet encontra-se como um meio simples, econômico e extremamente rápido de acesso à informação e, potencialmente, de defesa de direitos e exercício da cidadania. Conhecida como a rede das redes, sua acessibilidade à população vem crescendo ao longo dos anos, o que a torna um meio efetivo de comunicação e expressão do cidadão. Com isso, além da utilização do espaço eletrônico para a manutenção das redes sociais e obtenção de informações, a internet vem sendo utilizada igualmente com o fim de transformar a realidade, por meio de protestos, encontros virtuais ou até mesmo simples desabafos de alguém insatisfeito por qualquer motivo. Esse movimento, chamado de ativismo digital, iniciou-se na década de 1990 e tomou proporções gigantescas ao longo dos anos.
O ciberespaço, como são chamados os espaços virtuais, inclui focos de ordem política, social e ambiental (STRESSER JUNIOR, 2010), e proporciona espaço para o exercício da verdadeira liberdade de expressão. Neste contexto, vê-se a internet como uma ágora da sociedade moderna (CASTELLS, 2004), na qual a troca de informações ocorre instantaneamente, bem como a discussão e contato dos internautas. Através dela, qualquer pessoa tem a possibilidade de expôr sua opinião ou discordar de outra exposta, sem muita dificuldade, sendo possível, assim, a construção de livre opinião através de todas as outras expostas.
Inserido igualmente no mundo virtual, o qual não é o oposto do real porquanto informações digitalizadas não deixam de ser realidade (LÉVY, 1999), também está o espaço dos consumidores insatisfeitos com compras e/ou serviços recebidos. Diferente das formas de reclamação habituais, nas quais o consumidor deve comparecer pessoalmente ao SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) das empresas, atualmente, do conforto do seu lar, na internet, é possível encontrar sites que oferecem desde informações básicas sobre seus direitos até o contato com a empresa causadora do dano, para uma concreta solução do problema. Esta mudança no relacionamento cliente-empresa, com a abertura da internet a uma grande parcela da população, tornou comum e fácil exteriorizar a insatisfação do consumidor, através de poucos cliques. É nesta esfera que surge o consumidor 2.0, o qual utiliza a internet para demonstrar suas irresignações quando a busca da solução diretamente com a empresa não resolveu o conflito.
É com base no estudo do comportamento do consumidor na internet e as possibilidades que ele encontra para exercer o ativismo que se desenvolve o presente artigo. Como se pode perceber, a internet é uma ferramenta essencial ao ativista (1), principalmente ao ciberconsumidor (2). Nesse âmbito, analisam-se as possibilidades que os consumidores de telefonia tem na web para busca de solução de conflitos, fazendo-se uma breve comparação entre o site Reclame Aqui (3.1) e o Portal da ANATEL (3.2). Após essa análise, parte-se para a identificação das repercussões jurídicas que o ciberativismo, exercido indiscriminadamente, pode causar, refletindo-se acerca da necessária observação dos limites da liberdade de expressão (4) sob pena de configurar-se abuso de direito passível de intervenção do Poder Judiciário (5).
O presente estudo conta com o emprego de pesquisa jurisprudencial, no âmbito do Poder Judiciário brasileiro a fim de identificar o posicionamento deste órgão frente aos conflitos gerados entre os consumidores ativistas e os seus fornecedores. Emprega-se, também, observação direta a determinados sites para averiguar como se desenvolvem as discussões promovidas por fóruns, blogs e demais redes sociais no intuito de identificar a conduta do consumidor frente a certos produtos e serviços, relacionando tais manifestações às regulações impostas pelo Judiciário.
Ademais, utiliza-se o método comparativo, o qual tem a finalidade de verificar semelhanças e explicar divergências (LAKATOS, MARCONI, 1993), por meio da análise individual dos sites Reclame Aqui e do Portal ANATEL. A comparação e análise deram-se pela observação direta, planejada e não participativa de forma livre e informal, nos referidos sites.
1. O ATIVISMO DIGITAL: A INTERNET COMO UMA FERRAMENTA AO ATIVISTA
O termo ativismo digital significa uma “nova forma de ação política; uma maneira de fazer política através de suportes cibernéticos; buscando a veiculação de um ideal através de uma mídia de grande alcance, é o ativismo contemporâneo praticado em rede, através da internet” (STRESSER, 2010). Resta dizer, é uma militância realizada online, através de meios eletrônicos disponíveis e acessíveis a mais internautas e com custos, no mínimo, muito menores das formas tradicionais de manifestação (tais como panfletos, palestras, etc.).
Esta militância eletrônica nasceu na década de noventa, com a inserção de grupos ativistas, representantes de minorias e outros grupos sociais na rede. Estes grupos, através de correspondências eletrônicas não solicitadas, as quais eram enviadas para milhares de pessoas, simultaneamente, atingiam a publicidade necessária para suas campanhas, como já referido, muito mais rápida e economicamente.
Com o passar do tempo, entretanto, estas práticas de e-mails em massa tornaram-se os indesejáveis spams, e perderam a “força” inicial. Assim, os grupos ativistas adaptaram-se a outras formas de ativismo, tais como as redes sociais e os blogs, nos quais as ideias são igualmente propagadas pela rede (STRESSER, 2010).
Através desta prática, pessoas ou grupos motivados buscam alcançar certas metas, exercendo de forma mais ampla a sua liberdade de expressão. Há, “um espaço de comunicação inclusivo, transparente e universal, que dá margem à renovação profunda das condições da vida pública no sentido de uma liberdade e de uma responsabilidade maior dos cidadãos” (LÉVY, 2003, p. 367).
Sem dúvida, há no ciberativismo um verdadeiro caráter democrático, pois através dele os cidadãos podem ter vez e voz. Com isso, é possível que qualquer pessoa faça o seu protesto, mostre a sua opinião e lute pelos seus ideais, por exemplo.
Apesar de ocorrer no âmbito virtual, não significa que o ativismo online não se materialize no mundo real. Mesmo sendo duas esferas independentes, é imprescindível que haja a ação, afinal, um depende do outro, desta forma, completando-se.
O que acontece no mundo real, muitas vezes pode ser reproduzido virtualmente de formas semelhantes, como, por exemplo, com a existência de abaixo assinados e petições. O ativista digital utiliza-se da facilidade que a tecnologia propicia para promover as mudanças que tanto deseja. Observa-se, neste sentido, que as redes sociais como Youtube, Facebook, Orkut e Twitter têm sido aliadas dos ativistas.
No Brasil, isto já ocorre, porquanto os ativistas brasileiros estão aliando-se às redes sociais para a realização dos seus protestos. Neste contexto, há uma forte tendência da realização do ciberativismo por parte de consumidores de produtos e serviços, demonstrando seus descontentamentos nas redes sociais, conforme será analisado a seguir.
2. O CIBERCONSUMIDOR ATIVISTA
Neste sentido, encontrando-se a internet na posição de grande aliada dos ativistas, observa-se o surgimento de novos grupos de ciberativistas, dentre os quais surge o consumidor 2..0.
Comparado com o consumidor 1.0, ou seja, ao consumidor tradicional, “o consumidor 2.0 é mais propenso a acessar informação digital e sente-se mais confortável para comprar online. Da mesma forma que o consumidor 1.0, ele confia firmemente em seus amigos, sua família e suas conexões – tanto as online como as offline” (CONSUMIDOR 2.0, 2011). Como consequência, os novos consumidores estão cada vez mais exigentes, pois há cada vez mais acesso à informação.
Assim, juntamente com o perfil do consumidor, modificaram-se as relações de consumo e, igualmente, a forma de expressar insatisfações com eventuais falhas das mercadorias/serviços.
Há algum tempo atrás, se o consumidor estivesse insatisfeito com o serviço recorria somente à loja ou fornecedor, buscando fazer um acordo e, se não obtivesse êxito, buscava o PROCON ou o Poder Judiciário para efetuar a sua reclamação. No entanto, atualmente, há uma forte tendência de os consumidores demonstrarem na rede mundial de computadores, sua insatisfação ou decepção com produtos, marcas e serviços. Como as pesquisas e compras foram realizadas nesse âmbito, ele também explicita a sua irresignação nesse meio, no intuito de compartilhá-la com outros consumidores e, se possível, ver o seu problema resolvido.
Com esta atitude, ele visa garantir os seus direitos e ao mesmo tempo exigir uma contraprestação de qualidade. Isso demonstra que os consumidores estão cansados de tentar resolver os seus problemas diretamente com os fornecedores, os quais, em muitos casos, não apresentam soluções adequadas a essas demandas.
Por tais razões, migram assim para a internet, onde a repercussão de uma reclamação é muito maior. Uma opinião expressada nas redes sociais, por exemplo, não se propaga somente na esfera consumidor x fornecedor, mas também para terceiros, que são impactados pela opinião demonstrada, seja ela boa ou ruim. Como consequência, estes ciberativistas detêm grande poder, pois parte da credibilidade da marca ou empresa está em suas mãos. Dessa forma, o ativismo realizado por eles não fica restrito só ao mundo virtual, mas traz consigo reflexos para o mundo fático.
O que se publica na internet ecoa nos negócios e nas posteriores relações de consumo entre a empresa reclamada e os possíveis adquirentes de produtos da sua marca tendo em vista que, como já mencionado, o consumidor utiliza cada vez mais, as redes sociais para pesquisas a fim de formar a sua opinião para comprar ou não determinado produto. Observa-se que o poder da recomendação exercido através destas pesquisas tem mais peso na hora de fazer o juízo do produto ou serviço do que a propaganda deste.
Apesar das limitações a um acesso pleno à internet no Brasil, percebe-se que a influência do consumidor 2.0 é cada vez mais crescente junto às empresas. Um exemplo disso pode ser visualizado na postura da fabricante de cosméticos O Boticário que passou a monitorar o que escrevem sobre a empresa em sites, blogs e fóruns de discussão na web (O PODER, 2007). Em um desses endereços eletrônicos, uma consumidora reclamou da retirada de um perfume do mercado e, seguida por diversas manifestações de apoio de outros internautas, a queixa foi considerada pertinente pela empresa, a qual está discutindo a volta do produto às prateleiras.
Com o mesmo intuito, de interação com o consumidor, em fevereiro de 2007, a Dell, fabricante de computadores, criou um site, que promove a integração com os consumidores (O PODER, 2007). Lá, os internautas podem votar no design de um novo computador e têm a chance de interferir na concepção e no desenvolvimento de produtos. A partir dessas manifestações, a empresa escolhe os consumidores mais ativos e influentes para participar do teste de equipamentos e, com isso, sua opinião acaba tendo o poder de vetar ou não um lançamento.
Em face dessa crescente força dos consumidores 2.0, percebe-se que quando a empresa não valoriza o poder do ciberconsumidor, ignorando sua reclamação, pode gerar conseqüências desastrosas a sua marca e/ou produto. Um dos principais motivos do exercício do ativismo digital por parte dos consumidores é a sua insatisfação ao não ter suas expectativas alcançadas e problemas solucionados ao contatar a empresa responsável.
Nesse sentido, ao se buscar elementos concretos acerca dessa participação ativa do consumidor nas relações de consumo, identificou-se a existência de diversos sites que vem ganhando relevância no ciberespaço, sendo que dois deles serão analisados com mais atenção no próximo tópico.
3. DOIS SITES PARA O CONSUMIDOR ATIVISTA: RECLAME AQUI E PORTAL ANATEL.
Uma das principais reclamações dos ciberconsumidores relaciona-se a produtos e serviços de telefonia. Diante dessa constatação, procurou-se analisar as especificidades do ativismo dos consumidores junto a dois sites: Reclame Aqui e do Portal da Agência Nacional de Telecomunicações. O site Reclame Aqui apresenta um ranking das empresas mais reclamadas no último ano sendo que o setor de telefonia é o que se destaca. Empresas nacionais conhecidas como Claro, Vivo e TIM encontram-se entre as 20 mais reclamadas (RANKING, 2011), apresentando ainda, baixos índices de atendimentos às reclamações dos consumidores.
Outra opção para os consumidores de telefonia no Brasil é oferecida pelo governo brasileiro no Portal da ANATEL, onde é possível realizar reclamações sobre a prestação desse tipo de serviço pelas empresas.
Nota-se que os referidos sites são importantes instrumentos para o consumidor internauta que busca a solução de suas insatisfações através do ativismo digital. Em ambos, este consumidor encontrará um espaço para efetuar reclamações e requerer uma resposta da companhia telefônica responsável pela relação de consumo.
O site Reclame Aqui é conhecido por publicizar reclamações e oferecer a empresa reclamada um espaço para resposta. Atua em qualquer reclamação de consumo, não se restringindo aos serviços de telefonia, mas apresenta esses como alvos frequentes de reclamações dos consumidores, conforme demonstra o ranking das mais reclamadas nos últimos 12 meses (RANKING, 2011).
Quanto ao Portal da ANATEL, é o site oficial da Agência Nacional de Telecomunicações. Oferece serviços por meio eletrônico, no qual o consumidor poderá expor sua reclamação e, dentro do prazo, obter resposta da empresa responsável.
Nos próximos tópicos estes sites serão abordados individualmente, explicitando-se sua natureza, história e forma de utilização pelo consumidor ativista.
3.1 O site Reclame Aqui
O site Reclame Aqui (<www.reclameaqui.com.br>) foi criado a partir de uma insatisfação de seu atual presidente, Maurício Vargas, no ano 2000. Após perder um voo de Campo Grande para São Paulo, por culpa de uma companhia aérea, Maurício perdeu negócios. Ao tentar expor a insatisfação e indignação, procurou pelos serviços de atendimento ao consumidor da empresa, os quais não corresponderam. Neste momento, Maurício Vargas notou a necessidade da criação de um canal em que o consumidor pudesse expor os problemas e a ineficiência dos canais de atendimento dessas empresas, criando o site. Atualmente, este possui três diretores: Mauricio Vargas – Fundador e Presidente, Edu Neves – Diretor Executivo e Diego Campos – Diretor de Tecnologia.
A utilização do site é facilitada. Após um breve cadastro, é possibilitado a qualquer pessoa relatar seu problema, indicando o nome da empresa responsável e apresentando publicamente todas estas informações. Em seguida, o site entra em contato com a empresa, a qual possui a opção de responder online o pedido ou manter-se inerte. De acordo com o nível de satisfação do consumidor com a empresa, o site cria rankings das melhores e piores empresas, e também dados individuais sobre cada uma delas, conforme as figuras 1 e 2.
Cabe ressaltar, entretanto, que sendo oriundo da sociedade civil, o site não possui poder de sanção ou coerção além da má publicidade da empresa, única “arma” utilizada pelos consumidores. Esta situação é diversa do Portal ANATEL, como se passa a expor.
3.2 O Portal da Agência Nacional de Telecomunicações.
O site da ANATEL (<www.anatel.gov.br>) disponibiliza informações e contato com a agência a todos os internautas, oferecendo, inclusive, o meio eletrônico de efetuar uma reclamação ou resolver alguma insatisfação, nas relações de consumo que envolverem telecomunicações.
A ANATEL foi criada pela Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. É uma autarquia administrativamente independente, financeiramente autônoma, vinculada ao Ministério das Comunicações, e não se subordina hierarquicamente a nenhum órgão do Governo ou aos Poderes políticos. Tem como atribuições precípuas outorgar, regulamentar e fiscalizar o setor das telecomunicações, além de reprimir infrações aos direitos dos usuários, mormente através de multas as empresas infratoras (HISTÓRICO, 2011).
Quanto à utilização do site pelos usuários, em relação ao site Reclame Aqui, é dificultada. Ao ingressar no site, encontram-se inúmeros menus, nos quais o consumidor deve ingressar em uma sequência de opções até aquela que propicia o cadastro. Para efetuar o cadastro, além de informar seus dados, é necessário que o consumidor receba uma senha por e-mail, para acessar ao sistema. A cada nova solicitação, a ANATEL relembra o consumidor que deve, anteriormente a esta, contatar a empresa reclamada e solicitar o número de protocolo de atendimento, para poder prosseguir o a reclamação online. Em caso de dúvida, o site fornece um manual.
Cabe ressaltar que a reclamação efetuada não é apresentada a outros internautas que buscarem a página da ANATEL. Somente a agência receberá a reclamação e resolverá a questão entre as partes, sem a publicidade conferida, por exemplo, pelo site Reclame Aqui.
Diante desta aparente dificuldade inicial, em compensação, o usuário tem a certeza de que, se a empresa infringir seus direitos e não resolver a reclamação, a ANATEL poderá impor sanções adequadas, como multas. Em comparação com o site Reclame Aqui, no qual a reclamação poderá ser simplesmente ignorada, isso representa um benefício para o consumidor lesado.
Entretanto, a má utilização dessas ferramentas que têm o intuito de auxiliar o consumidor para resolução de seus problemas com as empresas, pode gerar vários conflitos. Muitas vezes, o consumidor ativista não observa os limites de sua atuação, causando gravame à parte reclamada, o que vem sendo motivo de tutela por parte do Poder Judiciário.
Assim, necessariamente, deve-se observar o limite da liberdade de expressão na hora de exercer o ciberativismo, como será analisado a seguir.
4. CONSUMIDOR 2.0: ATÉ ONDE VAI A SUA LIBERDADE DE EXPRESSÃO?
O ativismo exercido pelos consumidores, muitas vezes pode ser tão grande que acaba afetando a imagem da empresa reclamada. Esse é um dos principais motivos que tem levado as empresas a se importarem com esse tipo de manifestação. Ao mesmo tempo, muitas empresas passaram a sustentar que o consumidor na busca do seu direito e da solução dos problemas acaba cometendo abusos e, com isso, buscam judicialmente conter tais manifestações dos ciberconsumidores.
Diante desse tipo de situação, efetivamente, deve-se analisar até onde vai a liberdade de expressão, garantida constitucionalmente através do art. 5º, IV, CF e propiciada, sem limites, pelas redes sociais e onde, em tese, começaria um abuso de direito por parte do ciberconsumidor. Esta necessidade advém do fato de que na internet o consumidor não tem barreiras para veiculação de opiniões. Assim, a linha que separa esta liberdade do abuso de direito é muito tênue.
Devido às contraprestações ineficazes por parte dos fornecedores de produtos e serviços, o consumidor utiliza as redes sociais para buscar uma solução. No entanto, a fim de uma conclusão rápida, os consumidores, de forma criativa, por vezes, abusam da liberdade de expressão que possuem, praticando um ativismo bastante forte com relação ao comportamento da empresa.
Um exemplo disso, pode ser visto no caso de um consumidor que após várias tentativas sem sucesso para solucionar uma falha com um refrigerador da marca Brastemp, postou um vídeo no YouTube no qual afirma ter ficado 90 dias sem geladeira e, por isso, precisou alimentar toda a família em restaurantes (RECLAMAÇÃO, 2011). Ele conseguiu colocar o nome da Brastemp entre os quatro assuntos mais discutidos pelo Twitter no mundo.
Como o consumidor não conseguiu resolver com a empresa, decidiu usar as redes sociais para atingi-la e sem dúvidas, através desta atitude gerou uma repercussão sem tamanho, afetando a marca. Neste caso, a imagem da empresa foi atacada, pois várias pessoas foram influenciadas pelo vídeo de reclamação do consumidor. Contudo, antes de se advogar em prol a uma limitação a esse direito de expressão, deve-se questionar a omissão da própria empresa em resolver oportunamente e pelos meios adequados a reclamação do seu consumidor.
De qualquer forma, existe ainda muita dificuldade na percepção exata do que é abuso de direito e do que é simples exercício de direito. Todavia, em linhas gerais, ele configura-se quando o ato praticado pelo consumidor causa prejuízo à outra parte da relação, de forma desproporcional ou imotivada.
Deve-se perceber no caso concreto a ocorrência do abuso, pois muitas vezes o consumidor exerce o ciberativismo, podendo prejudicar a imagem do fornecedor, mas a má qualidade do produto ou da contraprestação da empresa é notória, sendo o ativismo praticado mero exaurimento do comportamento ou omissão da empresa.
Imperioso salientar que há uma via de mão dupla, já que o consumidor pode, também, através da sua liberdade de expressão unida ao ciberativismo, agregar muito às empresas e produtos, desde que estes prestem serviços adequados e de qualidade. Os fornecedores devem estar atentos para este novo movimento que surge, a fim de oferecerem produtos e serviços cada vez mais dignos a todos.
5. O PODER JUDICIÁRIO FRENTE AO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 2.0
Devido à difícil compreensão do limite entre liberdade de expressão e abuso de direito, há uma forte tendência de o Poder Judiciário tutelar as relações jurídicas inovadoras, como a dos consumidores ciberativistas e seus respectivos fornecedores, visando harmonizar situações de conflito. Na Comarca de Concórdia, Santa Catarina, uma consumidora foi obrigada a retirar uma página da internet, de sua autoria, pois, segundo entendimento do magistrado estava denegrindo a imagem da empresa, bem como a pagar multa diária caso não o efetuasse (BRASIL, 2011).
No site criado pela consumidora, a usuária relatava que seu carro, estava há três anos estacionado devido à falhas no motor. Comprado em 2007, o carro foi levado algumas vezes para a assistência técnica da montadora, de onde sempre voltou com o mesmo problema, segundo a consumidora. Neste intervalo, a garantia do carro expirou. Inconformada, ela resolveu criar o site, para expor o seu problema. Na página, foram publicadas fotos e vídeos do carro guardado na garagem (RENAULT, 2011).
De acordo com a decisão do magistrado, apesar da consumidora ter direito à externar sua insatisfação com o produto, os limites foram extrapolados, configurando-se abuso de direito. Ademais, os danos causados pela consumidora seriam irreparáveis ou de difícil reparação, tendo em vista as fotos e vídeos que foram publicados, podendo afetar diretamente a imagem da concessionária (BRASIL, 2011).
Porém, está é uma questão nova e desafiadora para o Judiciário. No caso da consumidora da marca Renault, houve duas decisões distintas. O primeiro juiz, ao analisar o caso, indeferiu o pedido de antecipação de tutela feito pela empresa, entendendo que o ânimo ofensivo surge apenas quando a divulgação extravasa a informação, trazendo manifestação sem ligação direta com o fato narrado ou quando expressa crítica desarrazoada, revelando o intuito claro de atingir o decoro, a dignidade ou a reputação de quem relacionado ao fato noticiado, o que, segundo ele, não se vislumbra na manifestação divulgada pela ré (PODER, 2011).
Todavia, após nova análise feita por outro magistrado (pedido de reconsideração quanto ao indeferimento da antecipação de tutela), este entendeu que “a ação perpetuada pela ré, em última análise, possui intenção de prejudicar a imagem da autora perante outros consumidores e não se pode compactuar com esse tipo de atitude”. (BRASIL, 2011).
Neste viés, é clara a divergência enfrentada pelo Judiciário, não havendo pacificação acerca da matéria, até por se tratar de uma questão que está surgindo com a democratização do acesso às novas tecnologias informacionais. No entanto, percebe-se o interesse da sua tutela, a fim de que as relações de consumo online e o ciberativismo estejam em harmonia.
CONCLUSÃO
Para que haja facilidade e maior agilidade na realização do ativismo, a internet é uma forte aliada, somando forças para propagação de ideias. Surge, assim, o ciberativismo, e com ele, o consumidor 2.0. Este não usa a internet somente para pesquisa, mas a utiliza para pesquisa, interação, entendimento, relacionamento, conversas e indicações. O consumidor 2.0 é quem usa a web como uma plataforma de comunicação, veiculando suas ideias e atraindo simpatizantes para sua causa.
Nesta seara, observa-se o visível crescimento dos sites de defesa do consumidor em espaços eletrônicos, acompanhado o aumento da confiança depositada pelos cidadãos que os procuram. Estes confiam suas experiências online, no intuito de ter solucionadas suas insatisfações nas relações de consumo. Entre tantos, destacam-se o site Reclame Aqui e o Portal da ANATEL.
Através de uma breve utilização de cada um dos sites, conclui-se que a diferença de acessibilidade entre eles é imperiosa, bastando para isso uma simples tentativa de reclamação. No Reclame Aqui, basta clicar no menu “Reclame”, cadastrar-se e, em caso de dúvida, acessar o menu “Como funciona”. No site da ANATEL, por outro lado, é necessário navegar pelo site, realizar o cadastro inicial e a confirmação e, ainda, aguardar os dias que a empresa possui para responder a reclamação, além do tempo normal do processo.
Da mesma forma, resta visível diferença entre a interação entre consumidores e os serviços prestados, sendo a publicização existente somente no site privado, no qual todas as reclamações realizadas não somente estão acessíveis a todos como também ajudam a formar os rankings das melhores e piores empresas.
Nesse sentido, estes sites proporcionam grande liberdade de expressão aos ativistas. Entretanto, apesar de todos serem livres para manifestarem-se acerca das suas insatisfações, não se pode infringir o direito do outro, casos nos quais o terceiro poderá ser reparado. Este pressuposto está sendo aplicado nas relações cibernéticas entre consumidores e fornecedores, evitando abusos que comprometam a credibilidade da empresa ou do consumidor.
O Poder Judiciário está começando a enxergar a necessidade de cuidar destes conflitos que, até então, não faziam parte da sua alçada. Por isso, deve adaptar-se e buscar compreender adequadamente o fenômeno do ativismo digital pelo consumidor 2.0, no intuito de melhor solucionar as lides apresentadas. Não é possível, contudo, violar a liberdade de expressão oriundas destes casos, tendo em vista o total desrespeito de algumas empresas em relação aos direitos de seus consumidores.
Se os vícios nas relações privadas consumeiristas se virtualizaram e ganharam espaço na internet, muito se deve à própria deficiência de certas empresas em resolver adequadamente tais problemas. Por outro lado, é preciso ter consciência que a limitação é tênue, pois em muitos casos há uma inegável desproporção entre o ativismo praticado e o direito do consumidor violado. Contudo, esses são os desafios que movem o direito e que exigem um repensar constante da função do jurista na tutela de novas lides pautadas em espaços cada vez mais virtualizados.
Através da análise dos espaços abertos ao consumidor na internet, constata-se a importância deste meio nas novas relações de consumo. Com a internet, o consumidor possui maior liberdade para expressar-se, bem como maior facilidade. O espaço virtual, desta forma, viabiliza a defesa ao consumidor. Entretanto, esta defesa deve observar limites. O consumidor possui o direito de expressar sua insatisfação, mas não pode extrapolar. A grande discussão encontra-se na estipulação destes limites. Atualmente, o Poder Judiciário não apresenta uma posição consolidada sobre o tema, o que gera uma incerteza jurídica, não só para a empresa atingida como para o consumidor insatisfeito.
Portanto, o ciberconsumidor encontra na internet uma forma de ativismo simples e barato, pelo qual reivindicará seus direitos. O ativismo digital do consumidor, por sua vez, se consolida como meio eficaz para a solução de problemas nas relações entre o consumidores e a empresas, fator que impulsionará seu crescimento e confiabilidade entre seus usuários. A internet estará, assim, cada vez mais inserida nas discussões jurídicas de consumo levadas ao Poder Judiciário.
<http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=260639&assuntoPublicacao=Relat%F3rio%20Anual%202010&caminhoRel=Cidadao-Biblioteca-Acervo%20Documental&filtro=1&documentoPath=260639.pdf> Acesso em: 30 jun.2011.
<http://www.adnews.com.br/internet/112361.html> Acesso em: 1 ago. 2011.
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<http://pt.scribd.com/doc/32350802/CIBERATIVISMO-A-POLITICA-2-0-Ronald-S-Stresser-Jr> Acesso em: 10 jul. 2011.
Informações Sobre os Autores
Francieli Puntel Raminelli
Mestranda da Universidade Federal de Santa Maria, no programa de Pós-graduação em Direito, com ênfase em Direitos Emergentes da Sociedade Global. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI). Bolsista CAPES
Lohana Pinheiro Feltrin
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria
Rafael Santos de Oliveira
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010). Realizou estágio de doutorado (doutorado-sanduíche) com bolsa da CAPES na Università Degli Studi di Padova – Itália (fev-jun 2009). Mestre em Integração Latino-americana (Direito da Integração / 2005) e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, ambos pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Atualmente é Professor Adjunto na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em regime de dedicação exclusiva. Foi professor do Curso de Dirito do Centro Universitário Franciscano e professor do Curso de Direito da ULBRA campus Cachoeira do Sul-RS. Integrou de 2005 a março de 2011 o escritório de advocacia Budó & Oliveira Advogados Associados. Foi professor no curso de pós-graduação (Especialização em Direito Ambiental Constitucional) da Universidade da Região da Campanha. É autor do livro Direito Ambiental Internacional: o papel da soft law em sua efetivação e organizador do livro Direito Ambiental Contemporâne o – Prevenção e Precaução. Intregrante do Núcleo de Direito Informacional junto a Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI).
Tatiana Vielmo de Christo
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria