A circulação de pedestres nos acostamentos das rodovias é permitida pelo Código de Trânsito Brasileiro, mas sujeita a regras rigorosas de segurança que muitas vezes passam despercebidas tanto pelos caminhantes quanto pelos motoristas. Em vias rurais onde não há calçada nem passarela, o acostamento é o espaço oficialmente destinado à locomoção humana; quando ele não existe ou está obstruído, o pedestre deve caminhar no bordo da pista, sempre no sentido contrário ao fluxo de veículos. Ignorar essas determinações expõe o transeunte a multas e a riscos graves de atropelamento, ao mesmo tempo em que pode gerar responsabilidade civil e penal para o condutor que ocasionar acidente. A seguir apresentamos um guia jurídico completo sobre o tema, com análise doutrinária, exemplos práticos, estatísticas e orientações que visam proteger a vida e evitar litígios.
Fundamentos legais da circulação de pedestres em rodovias
O artigo 68 do Código de Trânsito Brasileiro assegura ao pedestre a utilização “dos acostamentos das vias rurais para circulação”, equiparando esse espaço às calçadas urbanas quanto à finalidade de trânsito humano. O artigo 70 impõe aos pedestres deveres de obediência à sinalização específica e às ordens do agente. Já o artigo 254 lista condutas proibidas — como andar na pista de rolamento quando houver acostamento disponível — e estabelece multa de valor simbólico, mas que reforça o caráter pedagógico da norma. Complementam o arcabouço jurídico resoluções do Contran que definem características mínimas do acostamento e orientações para campanhas educativas.
Conceito e função do acostamento
Acostamento é a faixa longitudinal contígua à pista de rolamento, diferenciada por cor ou material, destinada principalmente à parada de emergência de veículos. No contexto da circulação de pedestres, ele atua como “calçada rural”, oferecendo um corredor relativamente protegido em vias onde velocidade e volume de tráfego tornam perigosas as travessias aleatórias. Por não ser projetado para tráfego constante, o acostamento admite a circulação de pessoas, ciclistas e veículos não motorizados, mas proíbe a parada prolongada para fins alheios à emergência — medida que evita bloqueios e preserva o refúgio do pedestre.
Requisitos de segurança para pedestres
A legislação estabelece quatro pilares de comportamento:
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Caminhar em fila única, mantendo-se o mais distante possível da borda da pista.
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Locomover-se no sentido contrário ao fluxo de veículos, salvo em trechos de aclive ou declive acentuado que justifiquem alteração por razões de visibilidade.
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Utilizar vestimentas claras ou material refletivo entre o pôr-do-sol e o nascer do sol, facilitando a percepção pelo condutor.
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Evitar fones de ouvido, celulares ou qualquer dispositivo que reduza a atenção auditiva.
O descumprimento desses cuidados não configura infração autônoma além do artigo 254, mas pode ser interpretado como culpa concorrente em eventual ação de indenização.
Condições em que o pedestre deve abandonar o acostamento
Nem sempre o acostamento oferece a melhor proteção. Em trechos onde a vegetação invade a faixa, há obras em andamento ou veículos parados, o pedestre precisa avaliar a migração para o bordo da pista. Nessa hipótese, a regra muda: deve-se caminhar o mais próximo possível da linha externa da pista, ainda no contrafluxo, até retomar o acostamento. É prudente levantar a mão ou portar objeto refletivo para sinalizar aos motoristas a presença na pista.
Direitos e deveres do motorista ao avistar pedestre no acostamento
O condutor deve reduzir a velocidade e deslocar-se lateralmente para a faixa mais à esquerda, respeitando a distância mínima de um metro e meio quando houver ciclistas no mesmo espaço. Se a ultrapassagem implicar passar sobre a linha de divisão de faixas contínua, o motorista deve aguardar local adequado, pois a prioridade de integridade física suplanta a fluidez do tráfego. Buzinar de forma breve, durante o dia, é recomendável para alertar caminhantes desatentos, mas não se deve utilizar o farol alto de modo insistente, pois isso pode ofuscar e assustar.
Infrações relacionadas ao uso do acostamento
O pedestre que insiste em andar pela pista quando há acostamento livre incorre em infração leve, passível de multa de 50% do valor estabelecido para o pedestre, mas a autuação é rara por dificuldades práticas de fiscalização. Já o condutor que estaciona indevidamente no acostamento comete infração grave e recebe cinco pontos na carteira. Se a parada força o pedestre a ingressar na pista e ocorre acidente, caracteriza-se nexo causal que fundamenta responsabilidade civil.
Responsabilidade civil em caso de atropelamento
Na esfera civil, vigora a responsabilidade objetiva do motorista pelos danos causados a pedestres, mitigada pela comprovação de culpa exclusiva ou concorrente da vítima. Caminhar no acostamento em sentido do fluxo, por exemplo, pode reduzir ou afastar a indenização se demonstrado que a conduta impediu a reação do condutor. Porém, a jurisprudência tende a considerar a vulnerabilidade do pedestre como fator de presunção de menor culpa, sobretudo se o atropelamento ocorre de dia e em trecho reto, onde o motorista poderia visualizar a pessoa a distância.
Repercussões penais e administrativas para o condutor
Se o atropelamento resulta em lesão grave ou morte, aplica-se o crime de lesão corporal culposa ou homicídio culposo de trânsito, com penas de detenção e suspensão da habilitação. A embriaguez ao volante ou o excesso de velocidade agravam a pena em até metade. Administrativamente, o motorista sofre suspensão do direito de dirigir por até 12 meses e precisa realizar curso de reciclagem.
Pedestres e ciclistas: diferenças normativas
O ciclista que trafega pelo acostamento assume deveres adicionais: conduzir a bicicleta em fila única e usar equipamentos de segurança, podendo avançar para a pista apenas quando não houver acostamento. Diferente do pedestre, o ciclista deve seguir o sentido do fluxo de veículos para manter previsibilidade. Confundir as regras gera autuações por infração grave prevista no artigo 244, §1º, que inclui transitar em rodovias sem acostamento.
Jurisprudência relevante
Tribunais estaduais têm reconhecido a responsabilidade de concessionárias de rodovia quando a ausência de manutenção do acostamento — buracos, mato alto ou falta de roçada — obriga pedestres a deslocar-se para a pista. Sentenças recentes obrigaram concessionárias a indenizar familiares de vítimas atropeladas, mesmo que o condutor também fosse réu na ação, sob fundamento de falha na prestação do serviço público.
Estatísticas de sinistros em acostamento
Dados de seguradoras apontam que 12% dos atropelamentos em rodovias ocorrem no acostamento, e 65% envolvem pedestres caminhando no mesmo sentido dos veículos, contrariando a norma. Horário de maior incidência: entre 18h e 22h, período de menor visibilidade e maior fadiga de motoristas. Campanhas de educação vêm reduzindo esses números, mas a falta de iluminação em trechos longos ainda compromete a eficácia.
Programas de educação e sinalização preventiva
Órgãos de trânsito têm investido em faixas refletivas pintadas na borda do acostamento, instalação de totens luminosos e distribuição de coletes refletivos a moradores lindeiros de rodovias. Escolas rurais implementam projetos de “patrulha mirim”, onde crianças orientam a comunidade a usar o acostamento corretamente. Empresas de transporte rodoviário treinam motoristas para antecipar situações de pedestres à beira da estrada.
Boas práticas para pedestres
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Planejar o trajeto em horário de luz natural sempre que possível.
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Manter celulares e fones guardados enquanto caminha.
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Formar grupos pequenos, evitando conversas que reduzam a atenção.
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Parar fora do acostamento ao perceber aproximação de caminhão ou ônibus em alta velocidade.
Boas práticas para motoristas
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Reduzir velocidade ao se aproximar de aglomerações rurais, feiras às margens da rodovia ou paradas de ônibus improvisadas.
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Ajustar o espelho retrovisor direito para enxergar o bordo da via, prevenindo colisões laterais.
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Usar farol baixo ligado mesmo de dia, aumentando a visibilidade para pedestres.
Exemplo prático de caso concreto
Um grupo de romeiros percorre uma rodovia estadual em fila única sobre o acostamento, portando bandeiras refletivas. Um veículo de carga faz ultrapassagem e invade parcialmente o acostamento, causando lesões em dois pedestres. Na esfera administrativa, o motorista recebeu multa gravíssima por transitar no acostamento e por não guardar distância lateral. Na esfera civil, foi condenado a indenizar as vítimas por dano moral e material, com culpa concorrente reduzindo a indenização em 20%, pois o grupo não usava colete refletivo apesar de caminhar à noite.
Perguntas e respostas
A circulação de pedestres no acostamento é obrigatória ou facultativa?
É obrigatória quando não há calçada, passarela ou via de serviço. Caso existam alternativas seguras, o pedestre deve utilizá-las.
Posso caminhar no acostamento no mesmo sentido dos veículos?
A regra geral obriga a caminhar em contrafluxo para melhor visualização, salvo em aclives ou declives que limitem a visibilidade.
Fui multado por andar na pista de rolamento, mas o acostamento estava obstruído. Posso recorrer?
Sim, anexando fotos ou testemunhas que demonstrem a impossibilidade de uso do acostamento.
Motoristas podem parar para descanso no acostamento se não houver emergência?
Não. A parada injustificada configura infração grave.
Ciclistas podem usar o acostamento no sentido contrário?
Não. Bicicletas devem seguir o fluxo de veículos; pedestres fazem o oposto.
Qual o valor da multa para pedestres que circulam na pista?
Meio valor da infração leve cobrado de motorista, aplicada raramente por questões práticas.
Se o pedestre estiver bêbado e for atropelado no acostamento, a indenização diminui?
A embriaguez pode configurar culpa concorrente, mas dificilmente elimina o dever de indenizar, dada a vulnerabilidade da vítima.
Há diferenciação de regra em rodovias duplicadas?
Não. O acostamento mantém a mesma finalidade; a duplicação apenas reduz o risco de colisão frontal.
Conclusão
Permitir que pedestres utilizem o acostamento das rodovias é solução necessária em um país com extensas áreas rurais e infraestrutura limitada de passarelas e calçadas. Entretanto, esse direito vem acompanhado de deveres claros: caminhar no contrafluxo, em fila única, com máxima atenção e preferencialmente usando material refletivo. Do lado dos condutores, cabe reduzir velocidade, respeitar a distância lateral e evitar o uso indevido do acostamento. O desconhecimento dessas regras ainda ceifa vidas e gera litígios onerosos. Informar-se, educar-se e praticar a empatia no trânsito são medidas que garantem não apenas conformidade legal, mas também a proteção do bem jurídico maior: a vida humana.