Codependência química

Autor: Mirtes Gisella Biacchi Belle Turdera*

As pessoas que sofrem com a dependência química (álcool e drogas) sofrem com as consequências e com os problemas decorrentes do comportamento. A dependência química é considerada uma doença de múltiplas causas, progressiva, familiar, crônica e incurável, porém tratável. As políticas públicas podem melhorar ou minimizar a situação destas pessoas em estado de vulnerabilidade, principalmente crianças e adolescentes, por serem pessoas em desenvolvimento e que merecem atenção especial. Contudo, as famílias desses dependentes adoecem junto com eles e também precisam de ajuda. É nesse aspecto que há uma falha na elaboração de políticas sociais. O tratamento deve ser sistêmico, pois se a família falhar o usuário falhará também. Por essa ausência de apoio às famílias é que muitas delas se tornam codependentes dos dependentes químicos.

Origem – O termo codependência teve origem nos estudos com a dependência química e foi atribuído aos familiares, partindo do princípio de que os familiares de dependentes químicos também apresentariam uma dependência, não das drogas, mas dependência emocional ou uma preocupação constante e fixa no dependente. Posteriormente, tornou-se claro que não é necessário conviver com um dependente químico para sofrer de dependência emocional.

Conceito – Codependência, Dependência Emocional ou Dependência Afetiva é a inabilidade de manter e nutrir relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo, resultando em relacionamentos difíceis, desgastados ou destrutivos. Ela é uma doença que deteriora a alma. Afeta a vida pessoal, familiar, social, os negócios, a carreira, a saúde e o crescimento espiritual. Os codependentes parecem fortes, mas se sentem indefesos. Parecem controladores, mas na realidade são controlados pelos vícios e comportamentos de outras pessoas.

Eles não percebem que cuidando excessivamente do outro, ocorre um processo de auto-anulação. Seus objetivos e necessidades acabam sendo esquecidos por ele mesmo. Auto-anulação, necessidade extrema de controlar e salvar o dependente químico, dependência patológica de cuidar, angústia, ansiedade, pena, culpa, baixa autoestima, depressão, fobia e compulsão são exemplos de sintomas que os codependentes enfrentam.

Os codependentes são, na maior parte dos casos, pais ou cônjuges que vivem em função da pessoa dependente, assumindo e responsabilizando-se por todos os comportamentos deste e preocupando-se excessivamente com seu bem-estar. À medida que a pessoa codependente abandona suas necessidades e objetivos ao longo da vida, ela entra num processo de abandono de si mesma e de autodestruição.

Como esse padrão ocorre a longo prazo, normalmente durante vários anos, resulta em muitas perdas, perda do tempo que deveria ter sido investido em si mesmo, em seu lazer, em projetos pessoais, perda de relações que poderiam ter sido saudáveis, perda de esperança em resolver o problema do outro. Isso tudo pode desencadear alguns danos para a saúde da pessoa, seja no aspecto físico, através de doenças psicossomáticas, ou no campo psicológico. Normalmente os codependentes apresentam quadros depressivos ou ansiosos acentuados.

As fases da codependência – Pesquisam mostram os estágios que uma família enfrenta quando se depara com um familiar envolvido com droga.

  1. Negação: muitas vezes a família nega que o parente é um dependente químico. Na cabeça dela só os filhos dos outros têm problemas;
  2. Desespero: pensamentos como “o que foi que eu fiz de errado? “Será que briguei de mais na infância?”, “por que está acontecendo comigo?”, “eu deveria ter dado mais atenção”, mostram que a família se sente culpada e tenta procurar respostas que, na maioria das vezes, só o dependente sabe responder. A tendência nessa fase é a agressividade e muitas cobranças;
  3. Controle: no subconsciente da família, ela acredita que pode controlar o dependente químico. Atitudes como controlar as ligações telefônicas, as saídas, verificar mochilas e gavetas e, em casos mais extremos, acorrentar o parente dentro de casa com medo de que ele saia à procura de mais drogas ou com medo dele não voltar mais, são exemplos de controles feitos nessa fase;
  4. Exaustão Emocional: é quando conseguimos encarar o adicto como doente e a dependência como uma doença e paremos de vê-los como um delinquente, forma como também a nossa sociedade o vê. Nessa fase começa-se a busca pelo tratamento. O tratamento deve ser sistêmico, pois se a família falhar, o usuário falhará também.

Causas e consequências – As causas da codependência são as mais variadas possíveis e vão desde a preocupação com o dependente químico, até o medo de perdê-lo para as drogas. Sua progressão pode desencadear depressão com pensamentos suicidas, desordens alimentares, abuso de substâncias químicas, violência familiar, relações sexuais extraconjugais ou promíscuas, emoções ou explosões intensas, hiper vigilância, ansiedade, confiança ou negação excessiva e doenças clínicas crônicas.

A codependência é um problema de saúde pública. Cabe ao governo, em conjunto com a sociedade civil, realizar audiências públicas com a finalidade de alocar recursos, que são escassos, para que os dependentes químicos e codependentes possam ter um tratamento digno.

Tratamento – Assim como no tratamento da dependência química, o codependente somente pode iniciar a modificação de seu relacionamento patológico com o dependente químico a partir do reconhecimento da sua condição de codependente. A partir daí, poderá perceber e reconhecer que seu relacionamento com o dependente químico é patológico, e que seus esforços em ajudá-lo e protegê-lo serão ineficazes se não entender que a sobriedade depende deste, e que somente o adicto poderá modificar seu comportamento, a partir do desejo de sair desta condição.

O reconhecimento e tratamento da codependência também é fundamental no tratamento do dependente químico. Em muitos casos, o auxílio ao dependente químico inicia com o tratamento dos familiares. E estes, ao compreenderem e tratarem a codependência, têm grandes chances de assumir uma nova postura, auxiliando o dependente químico de maneira efetiva. Recomenda-se como tratamento e acompanhamento aos familiares de dependentes químicos a participação em grupos de mútua ajuda, assim como acompanhamento psicológico.

Desta forma, conclui-se a necessidade de conferir uma especial proteção às vítimas da dependência química, ou seja, o dependente e seus familiares. O Estado precisa buscar avanços nos aspectos relativos à prevenção ao uso de drogas, ao tratamento e à reinserção social dos dependentes químicos. A prioridade deve ser a prevenção, evitando que se abra a porta do mundo das drogas.

Mirtes Gisella Biachi* Mirtes Gisella Biacchi Belle Turdera é Graduada em Direito, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Presidente da Comissão de Política sobre Drogas da OAB-MT subseção Cáceres, Membro Titular da Comissão de Políticas sobre Drogas da Seccional OAB-MT, advogada militante no Direito do Trabalho e Previdenciário, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da Associação Brasileira de Advogados (ABA Cuiabá) e Palestrante. Contato: [email protected]

logo Âmbito Jurídico