Uma gestante não pode ser demitida sem justa causa, independentemente da quantidade de faltas que acumular. A lei garante à empregada gestante estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. No entanto, a demissão pode ocorrer por justa causa, desde que a conduta da trabalhadora se enquadre em uma das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT, e as faltas sejam justificadas nesse contexto. Ou seja, não há um número exato de faltas que autorize automaticamente a demissão da gestante, mas sim a análise do comportamento da funcionária dentro das regras legais.
Neste artigo, vamos explicar com detalhes o que é a estabilidade provisória da gestante, os motivos que podem justificar uma demissão durante esse período, o papel das faltas justificadas e injustificadas, como a empresa deve agir para evitar ilegalidades, e os direitos da gestante em caso de desligamento. Também trataremos de casos práticos, decisões judiciais e os caminhos legais que a trabalhadora pode seguir caso se sinta prejudicada.
Estabilidade da gestante no emprego
A estabilidade da gestante é uma proteção legal prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Federal de 1988. Esse dispositivo garante que:
“Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”
Portanto, a gestante não pode ser demitida sem justa causa durante todo o período da gestação e nos cinco meses seguintes ao parto. Isso vale mesmo que a gravidez tenha ocorrido durante o contrato de experiência ou até mesmo em contratos temporários ou intermitentes, conforme entendimento já pacificado pelos tribunais trabalhistas.
A estabilidade tem o objetivo de garantir à mulher a tranquilidade necessária durante o período gestacional, bem como assegurar o sustento dela e do bebê recém-nascido.
A gestante pode ser demitida por justa causa?
Sim, embora a gestante tenha estabilidade provisória, ela pode ser demitida por justa causa, desde que haja motivo legal e devidamente comprovado. A justa causa está prevista no artigo 482 da CLT e se aplica quando o empregado comete uma falta grave que inviabiliza a continuidade da relação de emprego.
Entre os motivos que podem levar à justa causa estão:
- Ato de improbidade
- Insubordinação ou indisciplina
- Abandono de emprego
- Condenação criminal do empregado
- Embriaguez habitual ou em serviço
- Desídia no desempenho das funções (negligência constante)
- Violação de segredo da empresa
- Agressões físicas ou verbais contra colegas, chefes ou terceiros
- Ato lesivo à honra ou à boa fama
- Jogos de azar em serviço
A demissão por justa causa exige rigor técnico. Deve ser precedida de advertências, suspensões ou registros que comprovem que o empregador tentou corrigir a conduta antes da demissão. Caso contrário, a dispensa pode ser considerada ilegal, inclusive no caso de gestantes.
O que caracteriza o abandono de emprego
Entre os motivos que mais geram dúvidas está o abandono de emprego, especialmente quando envolve gestantes. Esse é um dos poucos casos em que faltas podem, sim, levar à demissão mesmo de uma empregada gestante.
Segundo a jurisprudência trabalhista, o abandono de emprego é caracterizado quando:
- O empregado deixa de comparecer ao trabalho por um período igual ou superior a 30 dias consecutivos, sem apresentar justificativas.
- Fica comprovado que o trabalhador não tem intenção de retornar ao trabalho.
Ou seja, o abandono de emprego envolve dois requisitos: ausência prolongada e intenção de não mais retornar. Apenas a ausência, mesmo que por mais de 30 dias, não é suficiente para configurar abandono. A empresa deve, por exemplo, enviar notificação por escrito solicitando o retorno da funcionária ao trabalho, dando prazo para justificativas.
Caso a empregada gestante não responda ou não justifique suas faltas, a empresa pode registrar o abandono e efetuar a demissão por justa causa.
Quantas faltas podem justificar a justa causa
A legislação trabalhista não define um número exato de faltas que justifique a justa causa. Cada caso precisa ser analisado individualmente, levando em conta o histórico da empregada, a gravidade da falta e as providências tomadas pela empresa.
No caso da desídia, por exemplo, a jurisprudência exige a repetição de condutas desleixadas, como atrasos constantes, faltas injustificadas frequentes, baixo desempenho, entre outros. Em geral, são necessárias advertências formais e suspensões para comprovar que a empresa tentou corrigir a conduta antes de aplicar a justa causa.
No caso de abandono de emprego, como vimos, o prazo comum é de 30 dias consecutivos de ausência sem justificativa.
Logo, uma gestante não pode ser demitida por poucas faltas isoladas, a menos que essas faltas se encaixem dentro de um contexto mais amplo de desídia, indisciplina ou abandono.
Faltas justificadas e injustificadas: o que diz a CLT
A CLT traz uma lista de hipóteses em que as faltas são legalmente justificadas, e portanto, não podem ser utilizadas para fundamentar uma demissão. As principais hipóteses estão previstas no artigo 473 da CLT:
- Até 15 dias consecutivos em caso de doença, com atestado médico
- Até 5 dias após o nascimento do filho
- Até 3 dias consecutivos por casamento
- 2 dias por falecimento de parente próximo
- 1 dia por ano para doação de sangue voluntária
- 1 dia para alistamento eleitoral
- Tempo necessário para comparecimento em juízo
No caso de gestantes, também são justificadas as ausências para:
- Exames médicos relacionados à gravidez
- Consultas de pré-natal
- Comparecimento a audiências judiciais sobre licença-maternidade ou pensão
Assim, a empresa não pode alegar essas ausências como motivo para justa causa ou penalização. Faltas com atestado médico também são justificadas e não podem motivar demissão.
O que acontece se a empresa demite a gestante sem justa causa
Se uma empresa demite uma gestante sem justa causa, mesmo que não soubesse da gravidez no momento da dispensa, essa demissão será considerada nula, e a empregada terá direito à reintegração ao emprego ou ao pagamento de indenização substitutiva.
Esse entendimento está pacificado na Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho (TST):
Súmula 244, item I – TST:
“A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, mesmo durante o contrato de experiência.”
Item III:
“O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade.”
Portanto, ainda que a empresa alegue desconhecimento da gravidez, a gestante poderá ser reintegrada ou indenizada.
Direitos da gestante demitida indevidamente
Se a gestante for demitida sem justa causa durante o período de estabilidade, ela pode ingressar com ação na Justiça do Trabalho e requerer:
- Reintegração ao emprego, com o pagamento dos salários desde a data da dispensa até o retorno.
- Caso não seja possível a reintegração (por vontade da empregada ou da empresa), poderá receber a indenização substitutiva, correspondente aos salários, férias, 13º, FGTS e demais verbas de todo o período de estabilidade.
- Multa por danos morais, em alguns casos, quando comprovada discriminação ou abuso de poder.
Exemplos práticos de faltas e seus efeitos
Exemplo 1:
Maria está grávida e faltou 4 dias ao trabalho sem justificativa. Foi advertida, mas compareceu normalmente nos dias seguintes. Nesse caso, não há justa causa. A empresa pode aplicar advertência ou desconto salarial, mas não pode demitir.
Exemplo 2:
Luciana está gestante e faltou por 35 dias consecutivos sem justificar. A empresa notificou por escrito, pediu retorno e não obteve resposta. Aqui pode-se configurar abandono de emprego, e a justa causa pode ser aplicada.
Exemplo 3:
Sandra, grávida, apresentou 3 atestados médicos em um mês. Todas as faltas são justificadas. A empresa decide demitir alegando faltas excessivas. Nesse caso, a demissão é nula e a gestante deve ser reintegrada ou indenizada.
Como a empresa deve agir diante de faltas da gestante
Para evitar ilegalidades e problemas judiciais, a empresa deve:
- Controlar e registrar todas as faltas da empregada
- Verificar se há justificativa legal (atestados, compromissos médicos etc.)
- Aplicar advertência escrita em caso de faltas injustificadas
- Repetir a advertência e aplicar suspensão em caso de reincidência
- Enviar notificação formal se a ausência ultrapassar 30 dias consecutivos
- Registrar todas as providências tomadas
- Evitar tomar decisões precipitadas ou discriminatórias
O uso da justa causa deve ser feito com cautela, sob pena de reversão judicial e condenação da empresa ao pagamento de indenizações elevadas.
Perguntas e respostas
A gestante pode ser demitida com apenas 3 faltas?
Não. Poucas faltas, mesmo que injustificadas, não caracterizam justa causa. É preciso um histórico de faltas frequentes, negligência ou abandono para justificar a dispensa.
Quantos dias de falta seguidos caracterizam abandono de emprego?
A jurisprudência trabalhista adota, em regra, 30 dias consecutivos de ausência injustificada como indício de abandono. Mas a empresa precisa notificar e comprovar a intenção da gestante de não retornar.
Faltas com atestado médico podem motivar demissão?
Não. Faltas justificadas por atestado médico não podem ser usadas como motivo para justa causa.
Se a empresa demitir a gestante sem saber da gravidez, a demissão é válida?
Não. O direito à estabilidade independe do conhecimento prévio da gravidez. A gestante pode ser reintegrada ou indenizada.
Posso optar por receber indenização em vez de voltar ao trabalho?
Sim. Se preferir não retornar à empresa, a gestante pode solicitar o pagamento da indenização referente ao período de estabilidade.
A estabilidade vale também para contratos temporários e intermitentes?
Sim. A jurisprudência tem reconhecido a estabilidade da gestante em contratos por tempo determinado, de experiência e intermitentes.
Conclusão
A legislação brasileira oferece uma ampla proteção à gestante no ambiente de trabalho, garantindo a estabilidade provisória no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Faltas isoladas, mesmo que injustificadas, não autorizam a empresa a demitir a empregada gestante. A demissão só pode ocorrer nos casos de justa causa claramente caracterizados, como o abandono de emprego, e mesmo assim, com comprovação adequada.
A empresa deve agir com responsabilidade e atenção redobrada diante de uma funcionária grávida, evitando atitudes precipitadas ou discriminatórias. Já a gestante, por sua vez, deve cumprir com seus deveres profissionais, justificar eventuais ausências e manter a comunicação com a empresa.
Nos casos em que ocorrer demissão indevida, a gestante pode buscar seus direitos judicialmente, exigindo a reintegração ou a indenização correspondente. Conhecer a lei é o primeiro passo para garantir respeito, proteção e justiça no ambiente de trabalho durante esse período tão importante na vida da mulher e de sua família.