Resumo: Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Verifica-se, portanto, que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988.
Palavras-chaves: Princípios. Direito do Consumidor. Hipossuficiência.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro; 3 Princípios Informativos; 4 Princípio da Vulnerabilidade; 5 Princípios da Informação e da Transparência; 6 Princípio da Boa-Fé; 7 Princípios da Equidade e da Confiança
1 Comentários Introdutórios
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro
Ab initio, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi[4] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.
Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar”[5]. Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato serem “galgados à condição de cânone escrito pelos representantes da nação ou de regra costumeira à qual democraticamente aderiu o povo” (MARQUESI, 2009).
Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[6]. Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram o ramo Consumerista da Ciência Jurídica, em especial devido à proteção dispensada pelo Ordenamento Pátrio aos consumidores, em razão da vulnerabilidade desses.
Salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Verifica-se, portanto, que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988.
Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes à Legislação Consumerista. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afastar qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.
3 Princípios Informativos
In primo locu, os denominados princípios informativos são considerados como o manancial das proposições diretoras as quais todo o desenvolvimento posterior é subordinado. Afiguram-se, com destaque, como verdadeiras fontes robustas que dão corpo ao próprio fundamento das normas jurídicas ou, ainda, como um vetor que informa o conteúdo da norma jurídica, hasteando pavilhão que orienta o legislador na confecção dos diplomas legais e o julgador na sua aplicação.
Com efeito, a proteção estatal ao consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi positivada no próprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da formulação e execução de políticas públicas, como também do exercício das atividades econômicas em geral. Ao lado disso, cuida anotar que a Carta Política conferiu ao direito do consumidor essência de meio instrumental direcionado como princípio constitucional impositivo a neutralizar o abuso do poder econômico perpetrado em detrimento das pessoas e de seu direito ao desenvolvimento e a uma existência digna e justa.
Ademais, deve-se salientar que os princípios informativos têm o fito de dar concreção e significado a tais proclamações contida no Texto Constitucional, pode- evidenciar que a Constituição Cidadã instaurou um estado de comunhão solidária entre as diversas esferas políticas, que integram a estrutura institucional da Federação brasileira, agrupando-as em torno de um fito comum, banhado do mais elevado sentido social. Além disso, os direitos do consumidor, conquanto despidos de caráter absoluto, qualificam-se, porém, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório, manifestando-se, por vezes, através dos princípios informativos, visando compor situações de antagonismos oriundos das relações de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo tão desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por extensão, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No mais, o reconhecimento dos princípios informativos, em matéria consumerista, traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidadão, estando inerente à própria acepção do Estado Democrático e Social de Direito, motivo pelo qual cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia.
4 Princípio da Vulnerabilidade
Ab initio, como é cediço, a Constituição Federal de 1988 determinou, de maneira expressa, a proteção do consumidor e a elevou a categoria de direito fundamental e princípio a ser obedecido no referente à estabilidade da ordem econômica, conforme se depreende da redação dos artigos 5º, inciso XXXII[8] e 170, inciso V[9]. O artigo 5º do Texto Constitucional, ao estabelecer que o Estado deve promover a defesa do consumidor, com clareza solar, assegura ao cidadão essa proteção como um direito fundamental, implicitamente, reconheceu a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Foi, justamente, no princípio da vulnerabilidade do consumidor que o movimento consumerista se baseou para chegar a atual legislação protetora, tendo sido, inclusive, expressamente burilado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor[10]. Como bem acentua Almeida, o princípio da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento”[11].
O dogma em comento considera o consumidor a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que o consumidor se submete ao poder de quem dispõe o controle sobre bens de produção para satisfazer suas necessidades de consumo. Em outras palavras, o consumidor se submete às condições que lhes são impostas no mercado de consumo. . A figura da vulnerabilidade, outrossim, para fins de aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, tanto pode ser a econômica, a jurídica, a social, a técnica e outras mais. Neste sentido, oportunamente, colaciona-se o entendimento jurisprudencial construído pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai:
“Ementa: Processo civil e Consumidor. Rescisão contratual cumulada com indenização. Fabricante. Adquirente. Freteiro. Hipossuficiência. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Inversão do ônus probatório. – Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto como destinatário final econômico, usufruindo do produto ou do serviço em beneficio próprio. – Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática, técnica ou econômica. – Nesta hipótese esta justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a concessão do benefício processual da inversão do ônus da prova. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1080719/MG/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/Julgado em 10.02.2009/ Publicado no DJe em 17.08.2009)
Nessa esteira, Cláudia Lima Marques[12] obtempera acerca da existência de três espécies de vulnerabilidade, a saber: técnica, na qual o consumidor não é detentor do conhecimento específicos a respeito do objeto que está adquirindo, sendo, em decorrência disso, suscetível de ser enganado mais facilmente, no que tange às características ou, ainda, quanto à unidade do bem ou do serviço prestado. A segunda espécie de vulnerabilidade é a jurídica ou científica, cujo aspecto característico está arrimado na ausência de conhecimento jurídica específicos, de contabilidade ou mesmo de economia. Ademais, a terceira espécie de vulnerabilidade é denominada de fática ou socioeconômica, atrelada à posição de monopólio, fático ou jurídico, por meio do qual o fornecedor, que em razão de sua posição de monopólio, fático ou jurídico, abalizado em seu grande poderia econômico ou mesmo em decorrência da essencialidade do serviço, impõe a sua superioridade a todos que contratam com ele.
Nessa senda, ainda, cuida salientar que a concepção estruturante da vulnerabilidade técnica é presumida para o consumidor não-profissional, como também pode ser estendido, de forma excepcional, ao profissional, destinatário fático do bem ou do serviço. Ao lado do expendido, a vulnerabilidade jurídica, conquanto seja presumida para o consumidor não-profissional e para o consumidor pessoa natural, “para os profissionais e para as pessoas jurídicas, vale a presunção em sentido contrário, presume-se que possuem conhecimentos jurídicos e econômicos mínimos, ou que possam consultar advogados e profissionais”[13], antes de firmarem a obrigação. No que concerne à vulnerabilidade fática, há que se frisar, com cores quentes, que subsiste uma presunção em favor do consumidor não-profissional, entrementes, tal conjectura não prospera em relação ao consumidor profissional e para o consumidor pessoa jurídica.
Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no Código de Defesa do Consumidor quando provar, no concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. Com efeito, é possível elencar a vulnerabilidade técnica, isto é, ausência de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço adquirido, podendo, em função disso, ser mais facilmente iludido, a vulnerabilidade jurídica, ou seja, a ausência de conhecimentos jurídicos que o auxiliariam a melhor portar-se na relação negocial, a vulnerabilidade fática, qual seja, a situação de desvantagem real, seja pelo grande poderio do fornecedor, sua situação econômica, seja pela essencialidade do bem, do qual necessita, impreterivelmente, o consumidor e por fim, a vulnerabilidade informacional que é aquela que decorre da especial importância das informações recíprocas prestadas no bojo das relações negociais, que, em regra, revelam-se deficitárias quanto ao consumidor. Colhe-se o seguinte precedente jurisprudencial, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o qual acena no seguinte sentido:
“Ementa: Agravo Interno na Apelação Cível – Preliminar de não conhecimento do recurso em razão da ausência de dialeticidade – Rejeitada – Código de Defesa do Consumidor – Inaplicabilidade – Critério do Consumidor Final – Recurso a que se nega provimento. […] 2- A priori, não somente as pessoas físicas, como também as jurídicas, podem figurar como consumidoras em uma relação comercial e, portanto, desfrutar da proteção regulamentada pela lei 8078⁄90, devendo o intérprete, ao proceder a tal identificação, atentar-se à dicção do artigo 2º do mencionado diploma, que nos mostra como aspecto caracterizador de consumidor a sua posição como destinatário final do objeto negocial. 3- Deste modo, tem-se que para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou o serviço não pode guardar qualquer relação, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele exercida, devendo, assim, ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor, o que não fora demonstrado no caso em comento. 5- Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no CDC quando provar, no concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. 5- Assim, percebe-se que a agravante não demonstrou a existência do estado de vulnerabilidade que pudesse ensejar à aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 6- Recurso a que se rejeita a preliminar e no mérito, nega-se provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Quarta Câmara Cível/ Agravo Interno – (Arts. 557/527, II CPC) em Apelação Cível Nº. 24070327713/ Rel. Desembargador Maurílio de Almeida de Abreu/ Julgado em 17.08.2010/ Publicado em 05.10.2010)
Mister se faz aduzir que não há que confundir a vulnerabilidade, enquanto princípio orientador para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a denominada hipossuficiência econômica ou técnica da parte autora, eis que, em razão do corolários emanados pelo aludido dogma, nem todo consumidor deverá ser coberto pelo véu da hipossuficiência, mesmo sendo sempre vulnerável. Plus ultra, dado ao aspecto geral da vulnerabilidade, verifica-se que as flâmulas por ela hasteadas deflui da simples situação de consumidor, ao passo que a hipossuficiência, ao reverso, reclama a presença de condições pessoais e relativas a cada consumidor, devendo-se, por extensão, confrontá-las com as condições pessoais do respectivo fornecedor.
Com efeito, a vulnerabilidade se reveste de presunção, quando o consumidor for pessoa natural, enquanto a vulnerabilidade da pessoa deve ser demonstrada e será aferida, quando o magistrado analisar a situação concreta trazida a Juízo. Ao lado disso, acinzele-se que a hipossuficiência reclama um exame acurado, analisando cada caso, já a vulnerabilidade do consumidor é inerente à sua própria condição. No mais, o princípio em estudo é traço universal de todos os consumidores, independente de sua condição econômica ou grau de instrução, motivo pelo qual seu ponto de escora está alicerçada na ausência de conhecimento técnico para a elaboração do produto ou para a prestação do serviço.
5 Princípios da Informação e da Transparência
Calha rememorar que o direito à informação se apresenta como o mais básico dos direitos do consumidor, configurando-se como verdadeiro dever-direito. Ao lado disso, cuida salientar que informação consiste no ato de comunicar, compartilhar o que se tem conhecimento de boa-fé, cooperando, assim com o outro. Como dever, a informação é motivada, em juízo ético-político-jurídico, de um lado pela própria competência técnica ou profissional do fornecedor, de outro pela inexperiência ou incapacidade do consumidor de se informar. A proeminência do dever-direito de informação é decorrente dos diversos atribuições e funções que desempenha, tanto no que tange à sustentação do modelo capitalista do livre mercado, substancializado notadamente na proteção da concorrência, assim como na viabilização de vários outros direitos relativos ao consumidor, como, por exemplo, o acesso à justiça.
Ao lado disso, insta aduzi que a informação, como integrante da extensa rubrica de princípios orientadores do Direito do Consumidor, apresente como axioma maciço a educação e a harmonia de fornecedor e consumidores, no que se referencia aos seus direitos e deveres, com o escopo de promover a melhoria do mercado de consumo. Neste sentido, com clara dicção, o artigo 4º, inciso IV, da Legislação Consumerista, ao dispor sobre os preceitos contidos na Política Nacional de Defesa do Consumidor, espanca, dentre o rol de princípios inspiradores, a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo”[14]. Destarte, salta aos olhos que a informação, neste sedimento, se apresenta como postulado da liberdade, eis que inexiste plena liberdade sem acesso à informação.
Afora isso, impõe o reconhecimento que a informação é a pedra de sustento que viabiliza a utilização, por parte dos consumidores, dos produtos comercializados com ampla segurança e de modo satisfatório aos interesses acalentados. Neste alamiré, tão somente os consumidores bem informados conseguem, de fato, usufruir, de maneira integral dos benefícios econômicos que o produto ou serviço lhe proporciona, assim como proteger-se de maneira adequada dos riscos apresentados. A proteção contra riscos, acentua-se, a obrigação de informar decorre dos ideários fundantes da obrigação de segurança que, contemporaneamente, por força das imposições legais, são colocados como premissas para o exercício de qualquer atividade profissional no mercado de consumo, assumindo verdadeira natureza autônoma. Ademais, há que se anotar que a informação é elemento preponderante ao fomento da concorrência, porquanto, em sendo os consumidores bem informados, poderão adquirir produtos e serviços, de maneira mais consciente, ou mesmo evitando a sua aquisição.
No que tange ao cânon da transparência, de modo geral, impende salientar que tal dogma tem como fértil sedimento a clareza qualitativa e quantitativa da informação que incumbe, de maneira recíprocas, às partes conceder, nas relações jurídicas. Tal escopo, acresça-se, só será alcançado a partir da adoção de medidas que impliquem no fornecimento de informações verdadeiros, objetivas e precisas ao consumidor, assim como ao fornecedor, por parte do destinatário final do produto e serviço. “Visa, também, proteger o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços”[15]. Trata-se de instrumento apto a robustecer a concepção de reequilíbrio das forças na relação de consumo, maiormente na conclusão de contratos de consumo, estabelecidos na Legislação Consumerista, como modo de alcançar a ambicionada justiça contratual. No mais, como já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça, a inobservância do axioma em destaque acarreta em sanção, pois configura como verdadeiro ilícito administrativo, devendo, portanto, o Ente Estatal, no uso de seu poder de polícia, coibir tais práticas atentatórias. Ao lado disso, colhe-se o seguinte aresto:
“Ementa: Administrativo – Regulação – Poder de Polícia Administrativa – Fiscalização de Relação de Consumo – INMETRO – Competência relacionada a aspectos de conformidade e metrologia – Deveres de Informação e de Transparência Quantitativa – Violação – Autuação – Ilícito Administrativo de Consumo – Responsabilidade Solidária dos Fornecedores – Possibilidade. 1. A Constituição Federal/88 elegeu a defesa do consumidor como fundamento da ordem econômica pátria, inciso V do art. 170, possibilitando, assim, a criação de autarquias regulatórias como o INMETRO, com competência fiscalizatória das relações de consumo sob aspectos de conformidade e metrologia. 2. As violações a deveres de informação e de transparência quantitativa representam também ilícitos administrativos de consumo que podem ser sancionados pela autarquia em tela. 3. A responsabilidade civil nos ilícitos administrativos de consumo tem a mesma natureza ontológica da responsabilidade civil na relação jurídica base de consumo. Logo, é, por disposição legal, solidária. 4. O argumento do comerciante de que não fabricou o produto e de que o fabricante foi identificado não afasta a sua responsabilidade administrativa, pois não incide, in casu, o § 5º do art. 18 do CDC. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1118302/SC/ Relator Ministro Humberto Martins/ Julgado em 01.10.2009/ Publicado no DJe em 14.10.2009)
Averbe-se, por necessário, que o princípio da transparência desfralda como pavilhão a obrigação do fornecedor de informar, de maneira prévia, o consumidor, assentando-se em conteúdo claro e correto, como, por exemplo, a respeito da qualidades do produto, da quantidade, aspectos característicos, composição e preço. Com espeque no artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor[16], verifica-se que em sendo o contrato redigido de maneira a acarretar dificuldade a compreensão de seu sentido e alcance, a avença será tida como inexistente, demonstrando, via de consequência, a atenção dispensada pelo legislador ao preceito em comento.
6 Princípio da Boa-Fé
O princípio em comento sofreu grande evolução legislativa no Direito brasileiro, sendo corolário alvo de destaque no Código de Defesa do Consumidor, como princípio fundamental, até sua inclusão expressa no novo Código Civil . Nesse sentido, a boa-fé atua também no plano da obrigação de indenizar, podendo-se vislumbrar três funções fundamentais por ela exercidas: função interpretativa, função integrativa e função de controle. Assim, a boa-fé constitui um ponto de equilíbrio dentro das relações de consumo, exigindo lealdade e honestidade nas condutas tanto do fornecedor como do consumidor todos os momentos. Com célebre lição, Sanseverino[17] acena, em seu magistério, que:
“A inexistência no Código Civil brasileiro de 1916, não impediu que a boa-fé fosse reconhecida em nosso sistema jurídico por constituir um dos princípios fundamentais do sistema de direito privado. A partir do CDC, esse obstáculo foi superado, pois a boa-fé foi consagrada como um dos princípios fundamentais das relações de consumo (art. 4º, III) e como cláusulas geral para controle de cláusulas abusivas (art. 51, IV). Assim, a partir de 1990, o princípio da boa-fé foi expressamente positivado no sistema de direito privado brasileiro, podendo ser aplicado, como fundamento no art. 4º da LICC, a todo os demais setores. No Código Civil de 2002, o princípio da boa-fé objetiva está expressamente contemplado, inserindo-se como expressão, conforme Miguel Reale, de suas diretriz ética. Exatamente a exigência ética fez com que, por meio de um modelo aberto, fosse entregue à hermenêutica declarar o significado concreto da boa-fé, cujo ditames devem ser seguidos desde a estipulação de um contrato até o término de sua execução”.
Infere-se, com supedâneo nas premissas albergadas no Código de Defesa do Consumidor, que a boa-fé, enquanto cláusula geral, manifesta sua aplicação em todas relações jurídicas constituídas em sociedade. Ao lado disso, há que se salientar que a essência de tal dogma não é hermética e estanque, ao contrário, oscila de acordo com a natureza da relação jurídica firmada entre as partes. Saliente, com efeito, que a Legislação Consumerista, de maneira expressa, agasalha tal princípio nas relações de consumo, sendo a ele conferido o papel de instrumento fundamental nas relações entre consumidores e fornecedores. “É, por conseguinte, um dever de conduta e, fundamentalmente, um princípio orientador do comportamento que cada parte deve adotar”[18]. No mais, verbaliza, com clareza solar, o inciso III do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor[19] a necessidade de harmonizar o interesse das relações de consumo, adequando a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, viabilizando, por extensão, os princípios fundantes da ordem econômica, tendo sempre a boa-fé e o equilíbrio como sustentáculos das relações firmadas entre consumidores e fornecedores.
Denota-se, desta sorte, que o princípio da boa-fé substancializa a coluna robusta que sustenta todo o arcabouço do sistema normativo, notadamente quando exige de ambos os agentes contratuais, ainda que na fase pré-contratual, a atuação com transparência nas negociações e proteção das práticas abusivas e enganosas, como na contratual propriamente dita, e compreendendo até o direito de arrependimento do comprador. Permite o corolário em comento que o julgador, por meio de uma interpretação teleológica, “aferir, com segurança, se determinada cláusula contratual impôs ou não ao consumidor obrigação considerada iníqua ou abusiva, colocando-o em desvantagem exagerada[20]”, isto é, incompatível com os postulados da boa-fé e da equidade. Ora, salta aos olhos que as pessoas, em consonância com o expendido, devem adotar um comportamento leal em toda a fase prévia à constituição de tais avenças, devendo, também, se comportar de maneira leal no desenvolvimento do entabulado.
Nessa ótica, observa-se que, em seara consumerista, a boa-fé é exigida tanto do consumidor quanto do fornecedor, já que, com transparência e harmonia, deve orientar qualquer relação de consumo, mantendo, por consequência, o equilíbrio entre os contratantes. Além disso, o princípio da boa-fé deve também ser aplicado além do que a legislação ou a avença firmada entre as partes afixa, modificando em parte o sentido que resultaria da interpretação da norma legal ou contratual, considerada em abstrato ou preenchendo lacunas porventura existentes. Igualmente, o cânon em apreço pode criar para as partes outros deveres, distintos dos constantes do entabulado ou mesmo daqueles que se encontram expressos no próprio arcabouço normativo. Os essenciais deveres instrumentais da boa-fé ambicionam em deveres de correção, cuidado e segurança, assim como informação, prestação de contas, cooperação e sigilo.
7 Princípios da Equidade e da Confiança
Em concluído o contrato, como bem pontua Cláudia Lima Marques[21], o equilíbrio de direitos e deveres deve ser manutenido, com o escopo de alcançar a justiça contratual. “O desequilíbrio contratual, sob a ótica do princípio da equidade, não exige um ato reprovável do fornecedor, mesmo que a inclusão de determinada cláusula, de flagrante abusividade, tenha sido incluída de comum acordo”[22], ainda que, de maneira consciente, seja aceita pelo consumidor-aderente. Com o intento de salvaguardar a equidade contratual, a Legislação Consumerista estabelece normas de cunho imperativo e natureza cogente, que tornam defeso a utilização de qualquer cláusula abusiva, sendo definida como aquela que garanta a obtenção de vantagem unilateral ou exagerada para o fornecedor de bens e de serviços ou, ainda, seja incompatível com a boa-fé e a equidade.
Nessa esteira, em decorrência de tais preceitos, o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor[23] obtempera que, em substancializada a ocorrência de cláusulas com tais essências, essas sofrerão de nulidade absoluta, eis que o resultado contraria as normas de ordem pública previstas no diploma legal ora aludido. Ademais, em razão do preceito da segurança, assegura-se ao consumidora adequação do produto e do serviço, evitando, por conseguinte, os riscos e prejuízos oriundos de sua utilização. Afora isso, com destaque, há que se salientar que o princípio da confiança está relacionado à adequação do produto ou do serviço aos fins que, de maneira razoável, deles se esperam.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES