Resumo: O objetivo do artigo em tela repousa na análise dos aspectos caracterizadores, natureza jurídica e efeitos jurídicos da servidão predial na condição de direito real limitado de gozo ou fruição. Neste aspecto, salta aos olhos que o vocábulo servitus significa escravidão, logo, a noção semântica assumida está fundada no sentido de submissão de alguma coisa ou pessoa a outrem ou a algo. Nas servidões prediais afixam-se relação de serviência, submissão entre dois imóveis, independentemente de quem sejam os seus titulares. Neste cenário, um imóvel serve a outro. Estabelece-se, de maneira permanente, como direito real, e não de forma eventual e transitória como direito pessoal. No painel apresentado, infere-se que a servidão substancializa um direito real de fruição ou gozo de coisa móvel alheia, limitado e imediato, que comina um encargo ao prédio serviente em proveito do dominante, pertencente a outro dono. A servidão predial um direito real de gozo ou fruição sobre imóvel alheio, detentor de aspecto acessório, perpétuo, indivisível e inalienável. Em sendo um direito real sobre coisa alheia, seu titular está munido de ação real e de direito de sequela, podendo, ainda, exercer seu direito erga omnes, desde que o instituto em comento esteja alicerçado, de modo regular, no Registro Imobiliário competente. Os métodos de pesquisa pretendidos neste artigo partem de uma pesquisa qualitativa, ancorada em revisão bibliográfica e análise dos diplomas legais pertinentes à temática.
Palavras-chaves: Servidões Prediais. Direitos Reais. Propriedade.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios sobre as Servidões Prediais; 2 Princípios Fundamentais; 3 Natureza Jurídica das Servidões Prediais; 4 Classificação das Servidões Prediais; 5 Modos de Constituição; 6 Singelo Quadro sobre os Direitos e Deveres dos Proprietários dos Prédios Dominante e Serviente; 7 Proteção Jurídica das Servidões Prediais; 8 Extinção das Servidões Prediais
1 Comentários Introdutórios sobre as Servidões Prediais
Em um primeiro momento, ao se analisar a servidão predial (servitus praediarum), cuida rememorar que as servidões notabilizaram-se à época de Roma, quando, como espancam Farias e Rosenvald[1], um prédio já prestava serviços a outro, com finalidade de acrescer o seu fito de fruição. Neste aspecto, salta aos olhos que o vocábulo servitus significa escravidão, logo, a noção semântica assumida está fundada no sentido de submissão de alguma coisa ou pessoa a outrem ou a algo. Segundo Venosa[2], nas servidões prediais afixam-se relação de serviência, submissão entre dois imóveis, independentemente de quem sejam os seus titulares. Neste cenário, um imóvel serve a outro. Estabelece-se, de maneira permanente, como direito real, e não de forma eventual e transitória como direito pessoal. Em tal aspecto, Diniz apresenta a concepção de “servidões prediais como sendo os direitos reais de gozo sobre imóveis que, em virtude de lei ou de vontade das partes, se impõem sobre o prédio serviente em benefício do dominante”[3]. No painel apresentado, infere-se que a servidão substancializa um direito real de fruição ou gozo de coisa móvel alheia, limitado e imediato, que comina um encargo ao prédio serviente em proveito do dominante, pertencente a outro dono.
Venosa[4], ainda, esclarece que se a serventia não tem utilidade para o prédio, não há que se falar em servidão, podendo, concretamente, ocorrer mera relação jurídica pessoal entre os sujeitos. A partir de tal perspectiva, a Lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916[5], que instituía o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, em seu artigo 695 preconizava que a servidão era imposta a um prédio em favor de outro, pertencente a dono diverso, sendo que, em decorrência dela, o dono do prédio serviente perderia o exercício de alguns de seus direitos dominicais ou, ainda, ficava obrigado a tolerar que dele fosse utilizado, para certo fim, o dono do prédio dominante. Por seu turno, a Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, bem como revogou o diploma legal supramencionado, em seu artigo 1.378 alardeia que “a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis”[6]. Sílvio de Salvo Venosa[7], ao analisar a redação do dispositivo civil vigente, esclarece que a estrutura é lacunosa em sua extensão, sendo sua compreensão inferior à legislação de 1916.
Maria Helena Diniz[8], ao esquadrinhar o instituto em comento, obtempera que é necessária a presença de específicos requisitos para materialização da servidão predial. O primeiro conditio faz menção à existência de um encargo que pode consistir numa obrigação de tolerar certo ato ou mesmo não praticar algo por parte do possuidor do prédio serviente. Cuida estabelecer que o ônus em comento é imposto ao prédio e não à pessoa do proprietário do prédio serviente. Venosa, oportunamente, anota que “não existe servidão sobre imóvel próprio, a qual, no que se refere ao aspecto material, é vista como simples serventia do imóvel, pois o direito do proprietário sobre coisa sua é ilimitado”[9], como regra geral a ser observada. O segundo requisito compreende a incidência num prédio em benefício de outro. Além disso, insta explicitar que a propriedade desses prédios deve ser de pessoas diversas.
Em tal diapasão, quadra estabelecer que não se confundem as servidões como o direito de vizinhança, porquanto esse é criado por lei, com o escopo de dirimir contendas entre vizinhos, ao passo que as servidões prediais decorrem de lei ou convenção, calcado em encargos que um prédio sofre em favor de outro, para o melhor aproveitamento ou utilização do prédio beneficiário. Em igual substrato, convém esclarecer que as servidões prediais, apesar de apresentarem analogia com o usufruto, não se confundem com ele, eis que: (i) o usufruto implica cessão do direito de uso e gozo da coisa ao usufrutuário, dos quais o proprietário ficará, temporariamente, privado, já as servidões prediais são encargos que não têm o condão de privar o proprietário do uso e do gozo de seu bem; (ii) o usufruto recai tanto em coisas móveis como imóveis, ao passo que as servidões prediais só cabem a bens imobiliários; (iii) o usufruto é instituído em favor de uma pessoa, já a servidão predial é estabelecida em benefício de um prédio; (iv) o usufruto é temporário e a servidão é perpétua.
No que se refere ao escopo do instituto em exposição, denota-se que a servidão predial objetiva proporcionar uma valorização do prédio dominante, tornando-o mais útil, agradável ou cômodo. Ao lado disso, cuida salientar que “a finalidade da servidão é uma utilidade ou comodidade para o prédio dominante. Existe obrigação de seu titular de suportar ou permitir. Nunca caberá ao proprietário do prédio serviente uma obrigação de fazer”[10]. Diniz[11], por sua vez, aponta que a instituição da servidão predial acarreta, inexoravelmente, uma desvalorização economia do prédio serviente, levando-se em consideração que as servidões prediais são perpétuas, acompanhando sempre os imóveis quando são transferidos. Em decorrência de tal aspecto que tais direitos são nomeados de servidões, porquanto a coisa onerada serve, ou melhor, presta uma utilidade ou vantagem real e constante ao prédio dominante.
Salta aos olhos que o direito real em exame não é estabelecido tendo em vista uma determinada pessoa, contudo em favor daquela que figurar como titular do domínio do imóvel dominante. O direito do titular da servidão não se liga a sua pessoa, mas existe tão somente em razão da relação do domínio que ele tem com o prédio dominante e, apenas, enquanto subsistir essa relação. De igual maneira, o dono do imóvel serviente é gravado pela servidão pelo simples fato de sua relação dominical com esse prédio. Tratando-se de direito real, a servidão adere à coisa, apresentando-se como um ônus que acompanha o prédio serviente em favor do dominante. Dessa maneira, a servidão serve à coisa e não ao dono, restringindo a liberdade natural da coisa[12], por isso é um direito real, ao passo que a obrigação restringe a liberdade natural da pessoa. Assim, no que tange à servidão predial autorizada em proveito de um imóvel, não poderá ela ter por objeto vantagens alheias às necessidades desse mesmo imóvel.
2 Princípios Fundamentais
Com alicerce na definição de servidão predial, é possível extrair seus princípios fundamentais, que decorrem não apenas de seus caracteres como também das normas jurídicas que a regem. O primeiro princípio está fincado na premissa que uma relação entre prédios vizinhos (praedia debent esse vicina), conquanto a contiguidade entre prédios dominante e serviente não seja essencial, porquanto, apesar de não serem vizinhos, um imóvel pode ter a servidão sobre outro, desde que se utilize daquele de alguma maneira. O segundo corolário preconiza que a servidão não pode recair sobre prédio do próprio titular, logo, é possível afixar que não existe servidão sobre a própria coisa (nulli res sua sevit), em razão da existência da servidão implicar a circunstância de que os imóveis (dominante e serviente) pertençam a donos diversos. Tal fato deriva da premissa que se o titular do dominante fosse o do serviente, não haveria que se falar em exercício de alguns dos poderes do domínio, mas de todos eles, tornando, dessa maneira, inútil a servidão sobre a coisa própria, da qual ele poderia usufruir, de modo imediato, de todas as utilidades produzidas pelo prédio.
Outro dogma basal, em sede de servidões prediais, estabelece que a servidão serve a coisa e não o dono (servitus in faciendo consistere nequit), distinguindo-se, em decorrência disso, da obrigação, porquanto o titular do domínio do imóvel serviente não se obriga à prestação de um fato positivo ou negativo, assumindo, porém, o encargo de tolerar certas limitações de seus direitos dominiais em benefício do prédio dominante, tendo o dever de não apresentar oposição para que este último desfrute das vantagens que lhe são concedidos pela servidão. “Nunca caberá ao proprietário do prédio serviente uma obrigação de fazer”[13]. Portanto, a servidão não gera uma obrigação de fazer, ma sim uma omissão (non facere) ou uma tolerância (pati), materializando o ônus que sempre acompanha o prédio serviente em proveito do dominante. Tal princípio assenta o escopo de proporcionar ao prédio dominante alguma utilidade (servitus fundo utilis esse debet), trazendo melhora para sua situação. Ao lado disso, convém, oportunamente, mencionar que são denominadas de servidões irregulares quando tal instituto constituir limitações ao prédio em favor de determinada pessoa e não de outro prédio.
Outro princípio, não é possível de uma servidão constituir outra (servitus servitutis esse non potest). Assim, o titular do domínio do imóvel dominante não tem o direito de promover ampliação da servidão a outros prédios. O quinto dogma preconiza que a servidão, uma vez constituída em benefício de um prédio, é inalienável, não podendo ser transferida total ou parcialmente, nem sequer cedida ou gravada com uma nova servidão. Conquanto o imóvel dominante e o serviente possam ser alienados, a servidão permanece aderida ao prédio que se liga desde o momento de sua constituição. Destarte, o dono do prédio dominante não pode cedê-la ou transferi-la a outrem, porquanto se o dono do prédio serviente consentir que se faça tal coisa, estar-se-ia diante de hipótese de extinção da antiga servidão e constituição de nova.
Em que pese a Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[14] (Código Civil) não conter disposição similar àquela contida no artigo 696 da Lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916[15] (Código Civil de 1916), segundo o qual não se presume a existência da servidão, mantido está o princípio em comento, posto que o artigo 1.378, segunda parte, reclama que a constituição se dê de modo expresso pelos proprietários ou por testamento, e registrada em Cartório de Imóveis. Assim, havendo dúvida quanto à existência do instituto em comento, deve-se decidir pela inexistência da servidão. “A servidão, por se tratar de limite ao pleno exercício da propriedade, não se presume, sendo sua análise sempre restritiva, competindo àquele que a alega a comprovação explícita de sua existência”[16].
Ao lado disso, só deve ser admitida a servidão predial quando ela prover de fonte reconhecida pela lei. Segundo Diniz[17], do princípio em comento surge as seguintes consequências (i) a servidão deve ser comprovada explicitamente incumbindo o ônus da prova ao que alegar a sua existência; (ii) deve-se interpretar a servidão restritivamente, eis que ela é uma limitação ao direito de propriedade; (iii) seu exercício não deve ser muito oneroso ao prédio serviente; e (iv) no conflito de provas apresentadas pelo autor e réu, deve-se decidir contra a servidão, porquanto a interpretação que vigora em relação ao instituto em comento é stricti juris.
3 Natureza Jurídica das Servidões Prediais
Farias e Rosenvald[18], de plano, concebem a servidão predial como direito real sobre coisa móvel, responsável por impor restrições a um prédio em proveito de outro, pertencentes a diferentes proprietários. Trata-se, a partir de tal ótica, de instituto que envolve uma ideia de submissão, com privação de certos poderes inerentes ao domínio do prédio serviente. Em tom de complemento, Maria Helena Diniz[19] sustenta que é a servidão predial um direito real de gozo ou fruição sobre imóvel alheio, detentor de aspecto acessório, perpétuo, indivisível e inalienável. Em sendo um direito real sobre coisa alheia, seu titular está munido de ação real e de direito de sequela, podendo, ainda, exercer seu direito erga omnes, desde que o instituto em comento esteja alicerçado, de modo regular, no Registro Imobiliário competente. É importante destacar que a servidão predial possuir caráter acessório, porquanto está atrelada a um direito principal, a saber: o direito de propriedade que lhe dá origem, eis que contrariaria o conceito de servidão caso fosse admitida sua constituição em proveito de quem não tivesse o domínio do prédio dominante.
Venosa[20] explicita que as servidões ligam-se por vínculo real a imóvel alheio, logo, não podem ser destacadas dos prédios, sob pena de materializem instituto diverso da servidão. Ao lado disso, são direitos reais acessórios, que não subsistem sem os prédios, corporificando uma importante característica, qual seja: a inseparabilidade. Atrela-se a servidão ao bem imóvel e o acompanha, seguindo-o nas mãos dos sucessores do proprietário (ambulant cum domino). Como decorrência da acessoriedade, tem-se a perpetuidade, indivisibilidade e inalienabilidade, que são seus atributos inerentes. Ademais, obtemperar faz-se carecido que o instituto em exame é considerado perpétuo em razão de ter duração indefinida, ou seja, por prazo indeterminado e nunca por termo certo, perdurando enquanto existirem os prédios a que estão aderidos. Entretanto, inexiste obstáculo para que seja constituída, por convenção, servidão ad tempus, subordinada a termo determinado ou a condição. Logo, em sendo verificado o vencimento do prazo estabelecido para sua duração ou ocorrido o implemento da condição ela extingue.
A indivisibilidade (pro parte dominii servitutem adquiri non posse) está contida, de maneira expressa, no artigo 1.386 do Código Civil[21], prescrevendo que as servidões prediais são indivisíveis, subsistindo, no caso de divisão de imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante e continuam a gravar cada uma das partes do prédio serviente, ressalvada a hipótese de, em decorrência da natureza, ou destino, só ser aplicarem a certa parte de um ou de outro. Nesta toada, consoante escólio apresentado por Maria Helena Diniz, “a servidão estabelece-se por inteiro, gravando o prédio serviente no seu todo, sendo um ônus uno e indiviso, que não pode ser partilhado”[22]. Do aspecto em exame, é possível pontuar que a servidão não se desdobra, não podendo, em razão disso, ser adquirida ou perdida por partes. É considerada como um todo único e indivisível, que grava o prédio serviente ainda que este ou o dominante sejam divididos, extinguindo-se apenas em face de alguns quinhões, se por natureza, ou por sua destinação, não puder a eles aproveitar.
Dessa maneira, ainda que sobrevenha a partilha, cada condômino quinhoeiro (caso haja pluralidade de titulares da servidão) do imóvel dominante terá o benefício íntegro da servidão que continuará gravando o prédio serviente. “Cada condômino passa a ter o direito de utilizar a servidão em sua integridade, sofrendo apenas a limitação de não poder agravar a situação do prédio serviente nem aumentar o âmbito para o qual foi criada”[23]. O exercício permanece com civilidade, moderação, logo, a servidão não poderá ser instituída em favor de parte ideal de prédio dominante, nem onerar parte ideal do prédio dominante, nem onerar parte ideal do prédio serviente. De igual forma, caso a partilha for do imóvel serviente, cada condômino estará obrigado pela servidão, não podendo desdobrá-la. Toda servidão é indivisível (servitutes dividi non possunt), tanto considerada ativa quanto passivamente, a saber: (i) do lado ativo ou de quem dela se aproveita, somente pode ser reclamada como um todo, ainda que o prédio dominante venha a ser propriedade de várias pessoas; e (ii) do lado passivo substancializa que o prédio serviente passa a diversos donos, por efeito da alienação ou herança, a servidão é una e grava cada uma das partes em que se fracione o prédio serviente, salvo se por sua natureza ou destino só se aplicar a certa parte de um ou de outro prédio.
Da indivisibilidade do instituto decorrem as consequências de que: (i) a servidão não pode ser instituída em favor da parte ideal do prédio dominante, nem pode incidir sobre parte ideal do prédio serviente; (ii) deve ser mantida a servidão ainda que o proprietário do imóvel dominante se torne condômino do serviente ou vis a vis; e (iii) defendida a servidão por um dos consortes do prédio dominante a todos aproveita a ação. Ao lado disso, dado o condicionamento da servidão a uma necessidade do prédio dominante, não é possível a transferência a outro imóvel, restando, a partir disso, sua inalienabilidade. De maneira que o seu titular não poderá associar outra pessoa ao seu exercício nem constituir novo direito real ou nova servidão. Conquanto seja insuscetível de alienação, passando a outra pessoa ou a outro prédio, é transmissível por sucessão causa mortis ou inter vivos, desde que acompanhe o prédio em suas mutações subjetivas.
4 Classificação das Servidões Prediais
Quando à natureza dos prédios, as servidões podem ser agrupadas em rústicas (servitutes praediorum rusticorum) e urbanas (servitutes praediorum urbanorum). Venosa[24] acrescenta que as servidões rústicas, em decorrência de sua importância para a sociedade romana primitiva, essencialmente agrícola, eram consideradas res emancipi, com maior proteção jurídica. Neste aspecto, é possível assinalar que são rústicas as servidos que se referem a prédios rústicos, ou seja, aqueles localizados fora do perímetro urbano. É possível mencionar como exemplo a servidão de passagem ou de trânsito que, tradicionalmente, se dividia, num crescendo, em iter, actus ou via. A servidão de iter estabelecia o direito de passar a pé ou a cavalo pelo terreno; o actus permitia a passagem conduzindo gato e utilizando carros; a via estabelecia o direito mais amplo possível de passagem, inclusive transportando e arrastando materiais. Ao lado disso, com o escopo de robustecer o acimado, é possível transcrever o seguinte entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Reintegração de posse – Servidão de passagem aparente – Direito de passagem forçada – Institutos Diferentes – Exercício da quase posse – Proteção possessória – Desmembramento de uma propriedade – Existência de serventia – Constituição de uma servidão – Perdas e danos – Prova – Necessidade. A servidão de passagem é um direito real sobre coisa alheia, instituído justamente para aumentar a comodidade e a utilidade do prédio dominante, não estando condicionado, portanto, ao encravamento deste imóvel. Difere-se do direito de passagem forçada, que decorre das relações de vizinhança e consiste num ônus imposto à propriedade de um vizinho para que o outro possa ter acesso à via pública, a uma nascente ou um porto. A servidão de caminho é descontínua e pode ser considerada aparente se deixar marcas exteriores de seu exercício, hipótese em que fará jus à proteção possessória ainda que não seja titulada, vez que a aquisição desta quase posse dá-se a partir do momento em que os atos que constituem a servidão são perpetrados com o intuito de exercer tal direito. Quando dois imóveis resultarem do desmembramento de um imóvel pertencente a uma só pessoa, no qual havia serventia visível pela qual uma das partes da propriedade prestava utilidade à outra parte, restará constituída uma servidão no momento em que os prédios passarem a pertencer a donos diversos. O êxito da demanda indenizatória depende, exclusivamente, da comprovação dos prejuízos sofridos, não bastando que o requerente apenas demonstre a existência de um fato que, em princípio, possa causar um dano”. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Décima Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível nº 1.0434.05.001398-7/001/ Relator: Desembargador Elias Camilo/ Julgado em 01.02.2007/ Publicado no DJe em 27.02.2007).
Outro exemplo de servidões rústicas é a de aquaeductus que estabelecia o direito de conduzir água pelo prédio alheio. É possível, ainda, como modalidade de servidões rústicas, mencionar: (i) o direito de buscar água em nascente do terreno vizinho (servitus aquae haustus); (ii) o direito de apascentar o gado em terreno alheio (servitus pecoris pascendi); (iii) direito de abeberar o gado no terreno vizinho (pecoris ad quam adpulsusI); (iv) direito de queimar a cal (servitus calcis quoquendae); (v) direito de tirar areia (servitus arenae fodiendae); e (vi) direito de extrair pedra (servitus cretae lapidis eximendae). Já as servidões urbanas são constituídas para os prédios localizados nos limites das cidades, vilas ou povoações e respectivos subúrbios. Ao lado disso, tais servidões podem ser convencionadas conforme as necessidades ou conveniências dos proprietários, se não bastarem as regras estabelecidas pelo direito de vizinhança. A título de exemplificação, não exaustivamente, é possível mencionar: (i) o direito de escoar água pluvial de seu telhado através de goteiras, calhas, canos ou tubos, para o prédio vizinho (servitus stillicidii vel fluminis recipiendi); (ii) o direito não criar obstáculo à entrada de luz no prédio dominante (servitus ne liminibus officiatur); (iii) o direito de meter trave na parede do vizinho (servitus tigni immittendi); (iv) o direito de abrir janelas na própria parede ou na do vizinho para obtenção de luz (servitus luminis); (v) o direito de apoiar sua edificação nas paredes, muro ou qualquer parte do prédio confinante, mediante condições preestabelecidas (servitus oneris ferendi); (vi) o direito de gozar de vista ou da janela ou do terraço de sua casa (servitus prospectu); (vii) o direito de não construir prédio além de certa altura (servitus altius non tollendi); e (viii) o direito de passar canais de esgoto no prédio vizinho (servitus cloacae).
Quanto ao modo de exercício, é possível estabelecer três classificações distintas. A primeira agrupa as servidões prediais em contínuas e descontínuas. Segundo Maria Helena Diniz[25], as servidões são consideradas contínuas quando subsistem e exercem independentemente de atos humano direto, conquanto seu exercício possa interromper-se, a exemplo da servidão de passagem de água, de energia elétrica, de iluminação ou ventilação; as descontínuas, por sua vez, são verificadas quando o seu exercício de funcionamento requer ação humana sequencial, tal como ocorre com a servidão de trânsito, a de tirar água de prédio alheio, a de extração de minerais ou a de pastagem. Ainda no tocante ao modo de exercício, uma segunda classificação divide as servidões em positivas e negativas, sendo que nessas o proprietário do prédio dominante tem direito a uma utilidade do serviente, podendo praticar neste os atos necessários a esse fim; já nas negativas o proprietário do prédio serviente deve abster-se de certo ato ou renunciar um direito que poderia exercer no prédio se não houvesse servidão. Por derradeiro, a terceira classificação agrupa as servidões em ativas e passivas, sendo que aquelas consistem no direito do dono do prédio dominante e essas no encargo do prédio serviente.
Quanto à sua exteriorização, as servidões podem ser aparentes e não aparentes. No primeiro caso, as servidões são mostradas por obras ou sinais exteriores, tal como ocorre com a servidão de aqueduto ou a de travejar parede vizinha; ao passo que as servidões não aparentes são aquelas que não se revelam externamente, a exemplo da servidão altius non tollendi, a de não abrir a janela ou a de caminho (servitus itineris), que consiste meramente no transitar por prédio alheio, não contendo, contudo, nenhuma estrada, nem marca visível. Quanto à sua origem, as servidões são classificadas em legais (advindas de imposição legal, por isso são restrições à propriedade similares à servidão), naturais (são as que decorrem das situações dos prédios) e as convencionais (são aquelas resultantes da vontade das partes, exteriorizadas por meio de contratos e cédulas testamentárias).
5 Modos de Constituição
Em consonância com o artigo 1.378 do Código Civil[26], é sabido que a servidão não se presume, logo, é imprescindível que, para ter validade erga omnes seja comprovada e o título de sua constituição seja registrado no Cartório de Registro de Imóveis. O primeiro modo de constituição se dá por meio de ato jurídico inter vivos ou causa mortis. Se for constituída por contrato, só o pode ser por quem for capaz, isto é, por quem for proprietário, enfiteuta e fiduciário. “Além da capacidade genérica para os atos da vida civil, é necessário que tenha a específica para os atos de disposição do prédio serviente”[27]. Dessa forma, todas as servidões, contínuas ou descontínuas, aparentes ou não aparentes, podem ser estabelecidas mediante contrato, que deve ser levado a registro. Salientar faz-se carecido que as servidões não aparentes somente poderão ser adquiridas pelo registro do título. Ao lado disso, cuida explicitar, consoante dicção do artigo 1.379 do Código Civil[28], a servidão não aparente não pode ser adquirida por usucapião, entretanto tanto à servida aparente como à não aparente aplicam-se os regramentos comuns dos Registros de Imóveis, eis que sua constituição é sempre uma alienação parcial de direito de propriedade.
O ato jurídico inter vivos deve ser oneroso, porquanto o proprietário do prédio serviente deve ser indenizado pela restrição que é imposta ao seu domínio. Ademais, pode ser constituído por testamento, nos termos da parte final do artigo 1.378 do Código Civil, caso em que o testador institui servidão sobre o prédio que deixa a algum beneficiário, que já receberá a sua propriedade gravada, em favor de outro prédio. O segundo modo de constituição está vinculado à sentença judicial, porquanto a Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, em seus artigos 979, inciso II[29], e 980, §2º, inciso III[30], concernente às ações de divisão e de demarcação, contempla o caso de constituição, quando necessária, de servidão com o fito de assegurar a utilização dos quinhões partilhados. Após a homologação dessa divisão do imóvel e do assento da sentença judicial no competente registro imobiliário, constituída estará a servidão que passará a produzir todos os efeitos legais. Assim, as servidões poderão ser instituídas judicialmente pela sentença que homologar a divisão, estando ela devidamente registrada.
O terceiro modo de constituição decorre da usucapião, encontrando amparo no parágrafo único do artigo 1.379 do Código Civil[31], preconizando que o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião. Caso o possuidor não tenha título, o prazo será de vinte anos. Maria Helena Diniz[32] explicita que o entendimento firmado, contudo, é de que o prazo consagrado no parágrafo único do sobredito dispositivo é de quinze anos, ao invés do prazo estabelecido na redação legal, a fim de assegurar conformidade com o sistema geral de usucapião da codificação civil. em mesmo sentido, o Enunciado nº 251, da III Jornada de Direito Civil, estabelece que “251 – Art. 1.379: O prazo máximo para o usucapião extraordinário de servidões deve ser de 15 anos, em conformidade com o sistema geral de usucapião previsto no Código Civil”[33]. Por seu turno, o artigo 941 da Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973[34] (Código de Processo Civil), concede ação de usucapião ao possuidor de servidão que, após preencher os requisitos legais, a assentar no registro imobiliário. Cuida anotar que apenas as servidões aparentes é que podem ser adquiridas por usucapião ordinária ou extraordinária porque: (i) só estas são suscetíveis de posse; (ii) só as aparentes podem ser percebidas por inspeção ocular; e (iii) só a continuidade e permanência é que caracterizam a posse para usucapir. Sobre o tema, convém transcrever os entendimentos jurisprudenciais:
“Ementa: Agravo de Instrumento – Ação de usucapião de servidão aparente – Deferimento de liminar – Desnecessidade de aferição da época da obstrução da servidão – Justificação prévia – Possibilidade de realização sem citação dos requeridos – Provas dos autos indicando a presença dos requisitos para deferimento da medida – Recurso improvido. Em se tratando de ação de usucapião de servidão aparente, baseada no art. 1.379, do CC/2002, na qual se pleiteia, liminarmente, a desobstrução de estrada, não há de se discutir se a posse é nova ou velha, para fins de se aferir a possibilidade de concessão da liminar, posto não se tratar de ação possessória. Revelando a medida de caráter acautelatória, pode-se realizar a audiência de justificação prévia, sem a citação do réu, nos termos do art. 804, CPC, quando esta puder tornar a medida ineficaz. Inexistindo elementos que impliquem censura à decisão do julgador primevo, que, ao valorar as provas coligidas aos autos, vislumbrou a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, fundamentando devidamente sua decisão para deferir a liminar, deve ser negado provimento ao recurso.” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Décima Sétima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento nº 1.0514.05.017640-3/001/ Relator: Desembargador Eduardo Mariné da Cunha/ Julgado em 02.02.2006/ Publicado no DJe em 09.03.2006)
“Ementa: Usucapião – Posse – Soma dos tempos – Possibilidade – Servidão de passagem – Acolhimento. Havendo cessão de direito, relativo à posse e domínio do bem, é possível a soma do tempo anterior ao posterior, para fins de usucapião. Ainda que exista ligação do imóvel com a via pública, há que se reconhecer a servidão de passagem, se ela já é utilizada há muito tempo, facilitando ao possuidor, o gozo de seu direito”. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível do Tribunal de Alçada/ Apelação Cível nº 2.0000.00.437519-9/000/ Relatora: Desembargadora Eulina do Carmo Almeida/ Julgado em 03.02.2005/ Publicado no DJe em 26.02.2005).
O quarto modo de constituição é a destinação do proprietário, ou seja, quando os proprietários dos dois imóveis, permanentemente, resolvem estabelecer uma serventia entre os prédios, uma vez que não há servidão se os imóveis pertencerem a um só proprietário. Ao lado disso, Diniz, com clareza ofuscante, em seu magistério, esclarece que “a servidão pode ser instituída por destinação do proprietário no caso de a mesma pessoa ter dois prédios e, criada uma serventia visível de um benefício do outro, venham mais tarde a ter donos diversos em virtude de alienação ou herança”[35], criando-se, em tal cenário, uma servidão, sem a manifestação formal do instituidor, porém originária de um ato de vontade unilateral do proprietário. Como requisito para que se adquira essa servidão por esse meio, os entendimentos jurisprudenciais tem vindicado que a servidão seja aparente, com a finalidade de proteger a boa-fé do adquirente do imóvel dominante, pois, consoante explicitam os multicitados artigos 1.378 e 1.379 do Código Civil de 2002, as servidões não aparentes só podem ser constituídas por registro no Cartório de Registro de Imóveis.
6 Singelo Quadro sobre os Direitos e Deveres dos Proprietários dos Prédios Dominante e Serviente
É sabido que o exercício da servidão acarreta aos proprietários dos prédios dominante e serviente uma série de direitos e obrigações que, concomitantemente, limitam a utilização do direito de propriedade do dono do serviente e ampliam o uso e gozo do titular do domínio do prédio dominante. Assim, o dono do prédio dominante tem o direito de: (i) usar e gozar da servidão; (ii) realizar obras necessárias à sua conservação e uso, a fim de poder atingir os objetivos da servidão, nos termos do artigo 1.380 do Código Civil[36]; (iii) reclamar a ampliação da servidão para facilitar a exploração do prédio dominante, mesmo contra a vontade do proprietário do prédio serviente, que tem, porém, o direito à indenização pelo excesso, na forma capitulada no §3º do artigo 1.385 do Código Civil[37]. Prima avultar, oportunamente que tais disposições são aplicáveis, igualmente, às servidões rústicas; (iv) renunciar à servidão[38]; e (v) remover, à sua custa, a servidão de um local a outro, desde que aumente consideravelmente sua utilidade e não prejudique o prédio serviente, em consonância com a parte final do artigo 1.384 Código Civil de 2002[39].
Entrementes, o dono do imóvel dominante tem o dever de: (i) adimplir e realizar todas as obras para uso e conservação da servidão[40], ressalvada a hipótese de existência de estipulação em sentido contrário, fazendo com que tal obrigação recaia sobre o dono do prédio serviente. Maria Helena Diniz aponta que “se a servidão pertencer a mais de um prédio, tais despesas deverão ser divididas, em partes iguais, entre os seus respectivos donos, exceto se houver estipulação firmada entre eles no título, dispondo de forma contrária”[41]; (ii) exercer a servidão de modo civilizando, evitando que haja qualquer agravo ao prédio serviente, uma vez que a servidão deve estar adstrita apenas às necessidades do prédio dominante[42]; e (iii) indenizar o dono do prédio serviente pelo excesso do uso da servidão em caso de necessidade da cultura ou indústria.
O proprietário do imóvel dominante terá o dever de indenizar o dono do prédio serviente pelo excesso ou agravação do uso da servidão em caso de necessidade, porquanto o dono do serviente somente suportará o necessário ao exercício formal e específico da servidão, submetendo-se ainda às servidões acessórias e adminículas. Dessa maneira, em se tratando de servidão em prédio destinado à cultura e à indústria, sendo carecida, para melhorar o aproveitamento econômico e social, a sua ampliação e consequente agravação do ônus, a legislação vigente, com o escopo de favorecer a qualidade da cultura ou da indústria, admite o alargamento da servidão, por meio do pagamento de uma indenização pelo excesso do encargo ao dono do serviente, que suportará a extensão da servidão até o máximo das necessidades da cultura ou da indústria. Em tal sentido, acena o entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Civil. Ação de servidão por usucapião. Ausência de irresignação recursal quanto ao usucapião propriamente dito. Necessidade de alargamento da servidão evidenciada. – Descabe discutir acerca da existência do usucapião alegado quando tal questão não restou deliberada em sede de defesa e na instância recursal. – Impõe-se o alargamento da servidão de passagem quando evidenciada a sua necessidade – em face da precariedade do local, com o difícil transporte de pessoas e veículos, restando comprovadas as dificuldades vividas pelos autores”. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Décima Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível nº 1.0056.01.001734-3/001/ Relator: Desembargador Saldanha da Fonseca/ Julgado em 14.11.2007/ Publicado no DJe em 01.12.2007).
Doutra banda, o proprietário do prédio serviente tem o direito de: (i) exonerar-se de pagar as despesas com o uso e conservação da servidão, quando tiver que suportar esse encargo, desde que abandone total ou parcialmente a propriedade em favor do proprietário do prédio dominante, materializando o abandono liberatório, e se este recusar-se a receber a propriedade do serviente, ou parte dela, será cabível o custeio das obras de conservação e uso, consoante dicção do parágrafo único do artigo 1.382 do Código Civil[43]; (ii) remover a servidão de um local para outro, que seja mais favorável à sua utilização, sem que isso implique em desvantagem ao exercício normal dos direitos do dono do prédio dominante. “Para levar a efeito tal remoção deverá comunicar previamente o titular do prédio dominante, para que possa tomar as providências necessárias”[44]. Caso não haja a comunicação, poderá o proprietário de o prédio dominante embargar, judicialmente, as obras até que as razões de remoção sejam esclarecidas; (iii) obstar que o proprietário do dominante efetive quaisquer mudanças na forma de utilização da servidão, pois esta deve manter sua destinação; (iv) cancelar a servidão, pelos meios judiciais, conquanto haja impugnação do dono do prédio dominante, nos casos de renúncia do titular da servidão, de impossibilidade de seu exercício em razão de cessação da utilidade que determinou a constituição da servidão e de resgate da servidão; e (v) cancelar a servidão, mediante prova de extinção, quando houver: a) reunião de dois prédios no domínio da mesma pessoa; b) supressão das respectivas obras em virtude de contrato ou outro título; e c) desuso por dez anos ininterruptos.
O proprietário do prédio serviente tem a obrigação de: (i) permitir que o dono do prédio dominante realize as obras necessárias à conservação e utilização da servidão ou efetuá-las, se tal dever lhe tiver sido acometido pelo contrato ou título constitutivo, hipótese em que o dono do prédio dominante poderá exigir sua execução, por meio da tutela processual específica, e o pagamento das perdas e danos; (ii) respeitar o exercício normal e legítimo da servidão, supedaneado no artigo 1.383 do Código Civil[45], de forma que se impedir o dono do prédio dominante de usufruir das vantagens oriundas da servidão ou de realizar obras para sua conservação, este poderá utilizar da ação de manutenção de posse, para defender seus direitos. Caso haja esbulho, poderá, ainda, lançar mão da ação de reintegração de posse; e (iii) pagar as despesas com a remoção da servidão e não embaraças ou diminuir as vantagens do prédio dominante, que decorrerem dessa mudança, com espeque no artigo 1.384[46] do diploma civilista.
7 Proteção Jurídica das Servidões Prediais
No sistema jurídico nacional, há um conjunto de ações que amparam as servidões prediais. A primeira a ser mencionada é a ação confessória, cujo escopo está assentado em reconhecer a sua existência, quando negada, ou contestada pelo proprietário do prédio gravado quando se vê contrariado no seu propósito pelo dono do prédio serviente, devendo, in concreto, provar a existência da servidão pelo título próprio. “A finalidade precípua da ação confessória, que tem natureza petitória, é a declaração do direito ao uso de servidão, hipótese em que, julgado procedente o pedido, o requerido é obrigado a deixar livre o uso e gozo da servidão, na forma em que foi constituída”[47]. Insta ponderar, ainda, é admitida, de maneira excepcional, o emprego da ação em comento por simples possuidor ou terceiro sem posse nem domínio.
A ação negatória pode ser empregada pelo dono do prédio serviente para provar que inexiste ônus real, ou para defender seus direitos contra o proprietário do imóvel dominante que, sem título, pretender ter servidão sobre o prédio, ou então para ampliar os direitos já existentes. “Ao dono do prédio serviente faculta-se o manejo da ação negatória para obter pronunciamento judicial acerca da inexistência do ônus real constituído pela servidão”[48]. A ação de manutenção de posse poderá ser utilizada pelo dono do prédio dominante se este tiver sua posse protestada pelo dono do serviente. Igualmente, serão cabíveis a ação de reintegração de posse, caso haja esbulho, e o interdito proibitório. A ação de usucapião será cabível nos casos expressamente previsto em lei, desde que a servidão seja aparente. Poderá ser empregada a ação de nunciação de obra nova para defender a servidão tigni immittendi. “Conforme disposto no art. 934 do CPC, a legitimidade ativa para propor a ação de nunciação de obra nova é do proprietário e do possuidor de imóvel vizinho àquele em que a obra esta sendo feita, a fim de evitar que esta prejudique […] suas servidões”[49].
8 Extinção das Servidões Prediais
Em que pese a perpetuidade, a servidão predial tem seus modos de extinção, os quais só produzirão efeitos, valendo contra terceiros, com o cancelamento do registro de seu título constitutivo, exceto se houver desapropriação, porque, em tal situação, a extinção se dá pleno iure, mediante o próprio ato expropriatório, segundo alardeia o artigo 1.387 do Código Civil[50]. Ao lado disso, as formas peculiares de extinção da servidão que levam, pelos meios judiciais, ao seu cancelamento no registro imobiliário, independentemente do consentimento do proprietário do prédio dominante, encontrando amparo na redação do artigo 1.388 do Código Civil. A primeira hipótese alude à renúncia do seu titular, que declara sua intenção de afastá-la de seu patrimônio, nos termos do artigo 1.388, inciso I, do Código Civil[51]. Consoante observação de Maria Helena Diniz, “há autores que admitem a renúncia tácita, inferida de comportamento do dono do prédio dominante, deixando de impedir que o serviente nele faça obra incompatível com o exercício da servidão”[52]. Venosa[53] aponta, ainda, que o abandono liberatório do prédio ao dono do imóvel dominante também pode ser considerada como forma de renúncia da propriedade. Nestes termos, é possível trazer à colação entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Ação cominatória c/c perdas e danos – Contrato de servidão predial – Renúncia do titular – Extinção – Possibilidade – Recurso conhecido e não provido. A servidão predial é direito real, constituído em favor de um imóvel sobre outro, pertencentes a proprietários diversos, com a finalidade de aumentar-lhe a utilidade, implicando em restrições ao prédio serviente. É hipótese de extinção da servidão a cessação da utilidade para o prédio dominante. Comprovado a perda do objeto da servidão, incabível sua manutenção e conseqüente contraprestação ao proprietário do prédio serviente. Recurso conhecido e não provido.” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Décima Quinta Câmara Cível/ Apelação Cível nº 1.0045.02.002169-2/001/ Relator: Desembargador Bitencourt Marcondes/ Julgado em 08.02.2007/ Publicado no DJe em 13.03.2007)
A segunda hipótese, por sua vez, faz menção à cessação da utilidade ou da comodidade que determina a constituição do ônus real, conforme reza o artigo 1.388, inciso II, do Código Civil[54]. Venosa, ao exemplificar a hipótese em comento, explicita que “não somente a servidão de passagem pode ser cancelada quando perde a sua razão de ser, mas também, por exemplo, a servidão de colher água, se no prédio dominante surgiu uma nascente”[55]. Já a terceira hipótese está materializada no resgate, ou seja, quando o proprietário do imóvel serviente resgatar a servidão, efetuando pagamento ao dono do prédio dominante para liberar-se o ônus, em harmonia com hipótese consagrada no artigo 1.388, inciso III, da legislação civil[56] em vigor. “Esse resgate é feito mediante escritura pública, subscrita pelo dono do prédio serviente e dominante, constando o quantum pago pelo titular do imóvel serviente ao do dominante e a anuência deste quanto ao cancelamento do registro”[57]. Cuida reconhecer que o ato de resgate equivale a uma renúncia convencional, onerosa e expressa.
No que pertine aos modos comuns que levam à extinção da servidão predial, é possível esclarecer que as hipóteses legais encontram-se consagradas no artigo 1.389 do Código de 2002[58]. A primeira é a confusão, que se dá pela reunião de dois prédios no domínio da mesma pessoa, tornando impossível, concretamente, o instituto em comento porque não pode ser constituída sobre coisa própria. Contudo, caso seja temporária a reunião dos dois imóveis na titularidade de um só proprietário, poderá ocorrer, ulteriormente, a restauração da servidão se tais prédios voltarem a pertencer a donos diversos. A segunda hipótese tange à supressão das respectivas obras nas servidões aparentes por efeito de contrato ou de outro título expresso. O artigo em comento prevê, ainda, a extinção pelo desuso durante dez anos consecutivos, em razão de tal ínterim demonstrar o desinteresse do titular e da inutilidade da servidão. Sobre tal hipótese, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que:
“Ementa: Direitos Reais e Processual Civil. Controvérsia dirimida à luz do Código Civil de 1916. Matéria constitucional. Inviabilidade. Servidão Predial e direitos de vizinhança. Institutos diversos. Artigos 573, § 2º e 576 do Código Civil de 1916. Não aplicação. Servidões prediais. Não uso. Extinção. Dez anos contínuos. Art. 710 do Código Civil/1916. 1. Embora seja dever de todo magistrado velar pela Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egr. STF, não se admite a apreciação, na via especial, de matéria constitucional. 2. A tese acerca da vulneração dos arts. 497 e 696 do Código Civil de 1916, não foi devidamente prequestionada no acórdão recorrido, tampouco foram opostos embargos de declaração, razão por que deve incidir, no ponto, o verbete n. 356 da Súmula do STF. 3. A servidão foi constituída por ato jurídico voluntário, do então proprietário do prédio serviente, devidamente transcrito no registro de imóveis competente, por isso é válida e eficaz. 4. Os artigos 573, § 2º e 576 do Código Civil de 1916 regulam as relações de vizinhança, sendo, portanto, imprestáveis para a solução de controvérsias relativas à servidão predial. 5. Como o artigo 710 do Código Civil de 1916 estabelecia que as servidões prediais extinguiam-se pelo não uso durante dez anos contínuos, o consectário lógico é que, dentro deste período, o proprietário do prédio dominante poderia fazer uso de ação real para resguardar os seus interesses, no que tange à servidão. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 207.738/SP/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 05.04.2011/ Publicado no DJe em 29.04.2011).
Além das hipóteses ora espancadas, outros modos de extinção poderão ser acrescentados. A primeira situação que merece ser elencada é o perecimento ou desaparecimento do objeto, porquanto, advindo a destruição de qualquer um dos prédios, a servidão extingue-se. O decurso do prazo, caso a servidão seja constituída a termo, ou, ainda, o implemento da condição, se ela estava subordinada. A desapropriação também será considerada, nos termos do artigo 1.387 do Código Civil[59], hipótese de extinção da servidão predial. “A convenção, se a servidão é oriunda de um ato de vontade, poderá cessar se houver manifestação volitiva contrária à sua existência, se as partes interessadas convencionarem sua extinção, cancelando o seu registro”[60]. Ao lado disso, pode-se fazer menção à preclusão do direito da servidão, em razão de atos opostos, e a resolução do domínio do prédio serviente. Neste diapasão, convém sublinhar que, em sua parte final, o artigo 1.389 do Código Civil[61] arvora que, extinta a servidão por qualquer dessas causas, incumbe ao proprietário do prédio serviente o direito de fazê-la cancelar, mediante prova da extinção.
O parágrafo único do artigo 1.387 do Código Civil obtempera que caso o prédio dominante estiver hipotecado e a servidão for mencionada no título hipotecário, será, segundo Venosa[62], também preciso, para promover o cancelamento, o consentimento do credor. Tal fato decorre da premissa que o credor hipotecário é um interessado ou proprietário em potencial e a extinção da servidão pode acarretar a diminuição do valor do imóvel. Se o credor hipotecário, depois de notificado, judicial ou extrajudicialmente, quedar-se em silêncio, deve-se interpretar tal silêncio como recusa, tendo em vista que o cancelamento da servidão será prejudicial, pois, tal como dito acima, o valor do imóvel irá diminuir, retirando-se a servidão que o favorece. Caso o credor hipotecário se manifestar favorável ao cancelamento, estará abdicando o direito de promover a excussão relativa ao gravame cancelado, podendo, contudo, satisfazer seu crédito mediante o praceamento do imóvel hipotecado. “ O cancelamento da servidão não atingirá o crédito hipotecário, apenas diminuirá a amplitude da garantia, pois restringir-se-á apenas ao imóvel, não mais abarcando a servidão” [63]. Todavia, cuida assinalar, oportunamente, que estará a anuência do credor hipotecário dispensada, para o cancelamento da servidão, que se extinguiu, se do título hipotecário nada constar a respeito da servidão predial, não sendo possível, porém, o referido credor embaraçar o cancelamento.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES