Comércio Internacional e o COVID-19

 *Dr. Gustavo Swain Kfouri, Dr. Eduardo Biacchi Gomes.

Em uma sociedade altamente globalizada, há que se repensar o espectro da ação Estatal no cenário econômico nacional e internacional. Neste sentido, os países abrem as suas fronteiras internas, de forma a incentivar o comércio e aumentar e a troca de mercadorias. O presente artigo busca refletir sobre o papel do Estado em um mundo globalizado e os impactos advindos com a pandemia do Corona vírus (COVID19), especialmente em relação aos contratos internacionais celebrados entre as empresas, nas hipóteses de inadimplemento.

Em períodos de expansão comercial, como vivenciado na década de noventa do Século passado em diante, houve uma forte expansão do livre-comércio fruto do desenvolvimento tecnológico e da globalização econômica. Até o início do ano de 2020, isto é, antes de a pandemia do COVID19 ser decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o mundo experimentou tal período de expansão comercial com retomada de crescimento, depois de crises financeiras, como aquelas decorrentes dos atentados ao World Trade Center, 2001 e a crise das hipotecas no ano de 2008.

Atualmente a humanidade vive uma crise sem precedentes com o consequente fechamento de fronteiras estatais com a retomada do poder soberano dos Estados. Cite-se o exemplo do que ocorre no continente europeu, com a proibição do ingresso de estrangeiros naquele continente.

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Adotam-se todas as medidas de segurança para combater um inimigo que sequer podemos visualizar: o COVID19, apto a causar pânico nos mercados financeiros, empresas, autoridades políticas e agentes do comércio. Há quem afirme que o vírus teria vencido o capitalismo. Acredita-se que tal reflexão, longe de ser verdadeira demonstra o contrário: o capitalismo se transformará, aprendendo novas lições com o ocorrido e se reorganizará.

Uma vez apresentado o panorama geral que a sociedade internacional atravessa, cumpre-nos analisar as relações decorrentes dos contratos internacionais celebrados nos dias de hoje, especialmente quanto ao descumprimento de suas cláusulas em decorrência de “impedimentos alheios” à vontade de uma das partes, notadamente da pandemia do COVID19.

No que toca tais instrumentos de ajustes comerciais internacionais, isto é, aqueles contratos encerrados entre empresas em países diferentes, uma das principais dificuldades existentes e que surgem principalmente no momento de sua conclusão, diz respeito à lei a ser aplicada e ao foro para dirimir as controvérsias. Comumente as partes escolhem a arbitragem como método de solução de controvérsias e a própria lei a ser aplicada nas relações contratuais.

Mecanismo interessante, criado pelo Direito Internacional Privado, dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) é a Convenção de Viena sobre Compra e Venda de Mercadorias, 1980 e recentemente ratificada pelo Brasil.

A CISG é um dos principais instrumentos utilizados pelas Partes Contratantes na celebração de contratos internacionais entre particulares, notadamente porque cria regras e procedimentos únicos a serem aplicados às transações comerciais e, na hipótese de alguma controvérsia, os árbitros, comumente a utilizam.

O grande mérito da CISG é o de eliminar discrepâncias em relação à lei a ser aplicada em relação às controvérsias decorrentes de contratos internacionais. Trata-se de um importante instrumento jurídico que cria princípios e regras harmônicas e, em determinados casos uniformes, para regulamentar o tema sobre os contratos internacionais.

O ponto central a ser trabalhado neste artigo diz respeito à hipótese de alguma das partes contratantes descumprir o contrato em virtude da existência de algum impedimento alheio à sua vontade, como casos de pandemia. Certo é que o fato, justificável e enquadrado nas hipóteses previstas na CISG representam uma situação extremamente inédita atualmente e sequer pensada pelos Estados ao elaborarem a referida Convenção.

Concretamente, nas hipóteses de pandemias, como o COVID19, aplica-se o disposto no artigo 79 da CISG[1] e que estabelece a Cláusula de Exoneração, de forma a afastar qualquer hipótese de responsabilidade contratual à parte que, em virtude da referida situação, por exemplo, descumpra o contrato em virtude de fato alheio a sua vontade, fato este imprevisto e imprevisível no momento da conclusão do contrato internacional. O evento deve ser de tal gravidade, que tenha por força frustrar o cumprimento atual e mesmo futuro das cláusulas contratuais.

A pandemia do COVID19, insere-se neste contexto e veja-se: em uma situação sem precedentes na doutrina internacionalista como na prática do comércio internacional. Finalmente, há que se repensar as relações econômicas e comerciais entre os agentes do comércio e a forma como a CISG, 1980, em relação ao artigo 79 será interpretada e aplicada. Certo é que os seus desdobramentos se darão para o futuro.

 

[1] ANNOTATED TEXT OF CISG

Article 79

(1) A party is not liable for a failure to perform any of his obligations if he proves that the failure was due to an impediment beyond his control and that he could not reasonably be expected to have taken the impediment into account at the time of the conclusion of the contract or to have avoided or overcome it or its consequences.

(2) If the party’s failure is due to the failure by a third person whom he has engaged to perform the whole or a part of the contract, that party is exempt from liability only if:

(a) he is exempt under the preceding paragraph; and

(b) the person whom he has so engaged would be so exempt if the provisions of that paragraph were applied to him.

(3) The exemption provided by this article has effect for the period during which the impediment exists.

(4) The party who fails to perform must give notice to the other party of the impediment and its effect on his ability to perform. If the notice is not received by the other party within a reasonable time after the party who fails to perform knew or ought to have known of the impediment, he is liable for damages resulting from such non-receipt.

(5) Nothing in this article prevents either party from exercising any right other than to claim damages under this Convention.

 

• Eduardo Biacchi Gomes., Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000), Especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal de Santa Catarina, 2001 e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2003). É Pós-Doutor em Estudos Culturais junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estudos realizados na Universidade de Barcelona. Advogado, atua no Direito Internacional e Direito da Integração, Direitos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: blocos econômicos, direito comunitário, direito internacional público, direito da integração, mercosul e direito constitucional, foi consultor jurídico do MERCOSUL em 2005 e 2006.

Gustavo Swain Kfouri, advogado, Mestre em Direito Constitucional pela UNIBRASIL, Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Pós-Doutorando pela UNICURITIBA, Professor Visitante da Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM, e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST.

Ambos associados à Kfouri & Gorski – Sociedade de Advogados (OAB/PR 3.006).

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