Como o projeto que atualiza a lei dos expatriados pode fomentar o intercâmbio de talentos entre os países e incentivar novas experiências para os profissionais brasileiros

Claudia Abdul Ahad Securato

A Lei nº 7064/82, que ainda regula toda e qualquer contratação de trabalhador brasileiro no Brasil para prestar serviços no exterior foi promulgada em 1982, ou seja, há mais de 30 anos. Naquele contexto, a lei objetivava conferir maior proteção aos trabalhadores hipossuficientes que eram levados ao exterior pelas grandes empresas de engenharia civil brasileiras, que iniciavam o seu processo de internacionalização. Foi por esse motivo, que a Lei foi logo apelidada de “Lei Mendes Júnior” (àquela época uma das maiores empreiteiras do país).

A lei veio, portanto, com um justificável intuito de conferir maior proteção aos trabalhadores brasileiros, em sua maioria hipossuficientes, que eram mobilizados ao exterior em projetos temporários e em países que ofereciam condições de trabalho muito diferentes das brasileiras.

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Desde então, a Lei nº 7064/82 sofreu uma única alteração, feita através da edição da Lei nº 11.962/2009, que, por sua vez, apenas alteroua redação do artigo 1º da Lei, estendendo o diploma a todos os trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviços no exterior e não apenas aqueles trabalhadores que prestavam serviços de engenharia no exterior, como outrora disciplinado.

Essa alteração pontual, entretanto, fez com a jurisprudência do TST até então consolidada através da Súmula 207[1], que dispunha, para fins de resolução de conflito de leis no espaço em questões trabalhistas, o critério da “lex loci executionis”, tomasse outro direcionamento, o que culminou com o cancelamento da Súmula em 2012.

O TST, assim, passou a aplicar o entendimento que privilegia a aplicação da legislação trabalhista brasileira aos contratos de trabalho celebrados com trabalhadores brasileiros, ainda que executados no exterior, na grande maioria dos casos. Esse entendimento acabou por resultar em uma enorme insegurança jurídica para as empresas brasileiras que mobilizam trabalhadores para prestar serviços no exterior, seja através delas ou de empresas estrangeiras a ela coligadas, em especial aquelas empresas brasileiras que compõem grupo econômico com tais empresas estrangeiras. A mesma insegurança se verifica quando uma empresa estrangeira, ainda que totalmente desvinculada de empresa brasileira, resolva oferecer um posto de trabalho a empregados nacionais no exterior.

Neste sentido, eis como exemplo alguns julgados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA – ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E SOB A ÉGIDE DO CPC/73 – LEI DE REGÊNCIA – EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL E TRANSFERIDO PARA PRESTAR SERVIÇOS NO EXTERIOR. 1. A Corte regional registrou que a autora foi contratada no Brasil, onde prestou serviços por longo período e, posteriormente, foi transferida para outra empresa do mesmo grupo em território estrangeiro. 2. Esta Corte, a partir da interpretação das Leis nos 7.064/82 e 11.962/2009, evoluiu o entendimento que culminou com a decisão proferida pelo Tribunal Pleno, pelo cancelamento da Súmula nº 207. 3. Ressalte-se que a referida Lei nº 7.064/82, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, em seu art. 3º, determina a aplicação da legislação brasileira aos empregados contratados no Brasil para prestar serviços no exterior. Agravo de instrumento desprovido. (…)(TST; ARR-81700-27.2007.5.01.0025, 7ª Turma, Relator Desembargador Convocado Francisco Rossal de Araújo, DEJT 26/10/2018).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. 1. UNICIDADE CONTRATUAL. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. 2. EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL E TRANSFERIDO PARA PRESTAR SERVIÇOS NO EXTERIOR. DEPÓSITOS DO FGTS. APLICAÇÃO DA DISCIPLINA NORMATIVA INTRODUZIDA EM 2009 NA LEI Nº 7.064/82, POR ANALOGIA, PARA OUTROS TRABALHADORES, MESMO EM SE TRATANDO DE RELAÇÕES MANTIDAS ANTERIORMENTE AO ADVENTO DA LEI Nº 11.962/2009. Extrai-se do acórdão regional que o Reclamante foi contratado no Brasil em 1995; a partir de setembro de 2001, passou a trabalhar nos Estados Unidos da América, para a matriz da Reclamada, e teve seu vínculo de emprego extinto em 2010. Nesse cenário, a Corte de origem, ante o reconhecimento da unicidade contratual, concluiu pela aplicação da legislação trabalhista brasileira quanto à obrigação de recolhimento dos depósitos do FGTS e da multa de 40%, no período de 2001 a 2010, em que a prestação laboral ocorreu no exterior, com amparo no art. 3º da Lei nº 7.064/82 e no princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador. Importante salientar que, embora a Lei nº 7.064/82 tenha sido originariamente editada para regular ” a situação de trabalhadores contratados no Brasil, ou transferidos por empresas prestadoras de serviços de engenharia, inclusive consultoria, projetos e obras, montagens, gerenciamento e congêneres, para prestar serviços no exterior ” e, com a redação conferida pela Lei nº 11.962/2009, tenha sido expressamente ampliado o seu alcance para regular, genericamente, ” a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior “, há de se considerar a viabilidade jurídica de se aplicar a disciplina normativa introduzida em 2009 na Lei nº 7.064/82, por analogia, para outros trabalhadores, mesmo em se tratando de relações mantidas anteriormente ao advento da Lei nº 11.962/2009, em razão da observância do princípio da norma mais favorável ao empregado . A referida alteração legislativa veio corroborar o entendimento já perfilhado nesta Corte quanto à aplicação de suas disposições a outros trabalhadores em situações análogas. Esse entendimento se torna mais reforçado com o cancelamento da Súmula 207 do TST (Res. 181/2012). Registre-se que o posicionamento anteriormente prevalecente nesta Corte Superior se inclinava no sentido de reconhecer a aplicação da norma mais favorável – tese que deixou de ser adotada em razão do advento do mencionado verbete sumular. Com o referido cancelamento da Súmula nº 207 por esta Corte, tornou-se incontestável a possibilidade de se fazer a analogia com uma lei mais avançada, como é o caso da Lei nº 7.064/82. Constatada, portanto, a omissão legislativa no período anterior ao advento da Lei 11.962/09, a par da ausência de incompatibilidade normativa, resulta aplicável, por analogia, aos demais trabalhadores contratados no país que se encontram prestando serviços no exterior, a disposição do art. 3º da Lei 7.064/82. Assim, correta a decisão regional que condenou a Reclamada no pagamento do FGTS + 40% de todo o período de prestação dos serviços no exterior. Julgados desta Corte. Agravo de instrumento desprovido”

(TST; AIRR-3133-11.2012.5.02.0079, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 30/08/2019).

No atual entendimento do TST, o princípio da lex loci executionis apenas segue vigorando sobre as relações contratuais firmadas em território estrangeiro, o que, por sua vez, não se aplica na maioria dos casos, uma vez que a base dos trabalhadores brasileiros e localidade onde são contratados é o território nacional.

O crescimento e a internacionalização das empresas multinacionais brasileiras, em diversos ramos de negócio, assim como a diversificação de modalidades de contratações principalmente no âmbito internacional, encontram um significativo obstáculo na Lei nº 7.064/82 e na adoção dos seus critérios diferenciados de proteção, em especial a aplicação extraterritorial da legislação trabalhista e previdenciária brasileira, que passou a praticamente inviabilizar as expatriações de brasileiros, afastando, assim, novas oportunidades e a oferta de postos de trabalho no exterior a estes trabalhadores. Isso tudo devido a já citada insegurança jurídica decorrente da aplicação do regime da Lei, assim como dos custos diretos e indiretos envolvidos nestas contratações.

Soma-se ao acima exposto, o fato da Lei nº 7.064/82 apresentar lacunas relevantes, sendo a principal delas a falta de previsão de um regime de transferência para o exterior, em definitivo.

Os dispositivos da Lei, da forma como estão atualmente redigidos, impõem, mesmo na hipótese de transferência definitiva de trabalhador brasileiro para o exterior, que a empresa (brasileira com a qual este trabalhador mantinha o vínculo no Brasil) mantenha os pagamentos das verbas trabalhistas com base na CLT, incluindo o recolhimento, no Brasil, do FGTS e do INSS.

Por esse motivo, para a empresa estrangeira que não possui nenhuma filial estabelecida no Brasil, a transferência ou mesmo a contratação de um empregado brasileiro para prestar serviços em seu benefício no exterior é simplesmente inviável, pois o recolhimento de FGTS e INSS não será possível para a empresa estrangeira nestes casos. Isso sem falar na aplicação da legislação trabalhista brasileira ao contrato de trabalho executado no exterior, o que acaba por ser um contrassenso para uma empresa estrangeira, que está obrigada a cumprir as determinações do ordenamento jurídico do país onde está sediada.

A alternativa vislumbrada por algumas empresas, nestes casos, é a rescisão do contrato de trabalho no Brasil antes da transferência permanente para o exterior, porque a rescisão de contrato não é vedada na CLT. Ocorre que, ainda, assim, a empresa corre o risco de o empregado reclamar a aplicação do regime da Lei nº. 7064/82, com grande chance de êxito, fazendo com que a transferência pretensamente definitiva seja considerada temporária. Ou seja, nem a rescisão do contrato de trabalho no Brasil é uma solução completamente isenta de riscos para as empresas que pretendam expatriar trabalhadores brasileiros.

Diante do exposto, pode-se concluir que a atualização da Lei nº. 7.064/82 é medida de extrema relevância, não só para ajudar a fomentar a internacionalização das empresas brasileiras, assim como a oferta de trabalho no exterior para os trabalhadores nacionais, experiência enriquecedora, que  possibilita a vivência internacional e o conhecimento de outras culturas.

Ainda, o ordenamento jurídico brasileiro precisa se ajustar à modernização das formas de trabalho e as configurações de grupos econômicos internacionais e as constantes transferências de empregados para prestar seus serviços em outros países que não o da contratação.

Em relação ao tema, tramita o Projeto de Lei no Senado nº 138/2017[2], que em junho deste ano foi aprovado pelo Plenário daquela casa e agora seguiu para os trâmites de aprovação na Câmara dos Deputados e que merece toda a atenção da sociedade.

Primeiramente, o Projeto de Lei inclui o “Capítulo III-A -Da Contratação ou Transferência Definitiva” e promove um avanço na Legislação dos Expatriados com a previsão de que: “nos casos em que o empregado, cujo contrato estava sendo executado no território brasileiro, tenha sido removido para o exterior, bem como nos casos de empregados cedidos à empresa sediada no estrangeiro, para trabalhar no exterior, com manutenção de vínculo trabalhista com o empregador brasileiro; se empregador e empregado decidirem, de comum acordo, após a permanência do empregado no exterior por prazo superior a 3 (três) anos, que a sua transferência terá caráter definitivo, o contrato de trabalho no Brasil será rescindido, com o pagamento de todos os direitos inerentes à rescisão contratual e a transferência convertida em contratação definitiva no exterior”.

Dessa forma, uma vez rescindido o contrato de trabalho no Brasil pela transferência definitiva do empregado para o exterior, a empresa de origem no Brasil fica desobrigada de efetuar qualquer pagamento ou recolher qualquer contribuição à Previdência Social do Brasil, FGTS, PIS/PASEP, nem qualquer outro encargo decorrente da relação empregatícia extinta.

Ademais, nas hipóteses em que haja necessidade de preenchimento de vaga de trabalho no exterior, de empresa brasileira ou de empresa estrangeira do mesmo grupo econômico, os empregados da empresa brasileira, que tiverem intenção de se fixar permanentemente no exterior poderão, mediante comum acordo, ser contratados em caráter definitivo, e serão regidos exclusivamente pela lei do local da prestação de serviços, inclusive no que tange a direitos trabalhistas e previdenciários.

Nos casos de contratações ou transferências de trabalhadores brasileiros para o exterior, as empresas responsáveis por tais mobilizações deverão assegurar a eles plena informação sobre as condições de trabalho e sobre os principais direitos trabalhistas previstos na legislação do local da prestação de serviços, aplicável ao trabalhador. Tais informações deverão constar de um termo, a ser assinado pelo trabalhador e, em caso de descumprimento, a empresa signatária do termo poderá ser demandada pelos direitos nele referidos perante a Justiça do Trabalho no Brasil.

Além dessas inovações, o Projeto de Lei também altera a redação do art.1º, I, da Lei nº 7.064782, a fim de prever que o empregado designado para prestar serviços de natureza transitória, por período não superior a 12 (doze) meses, ficará excluído do regime da mencionada Lei, desde que receba, além da passagem de ida e volta, diárias ou ajuda de custo, ou ainda, reembolso de despesas de hospedagem, alimentação e transporte, durante o período de trabalho no exterior os quais, seja qual for o respectivo valor, não terão natureza salarial. Atualmente, o período de prestação de serviços de natureza transitória previsto é de 90 (noventa) dias.

Além disso, inclui a previsão de que ficam excluídos do regime da Lei os empregados que tenham seus contratos de trabalhos suspensos ou interrompidos em razão de viagem para estudos e pesquisa no exterior, com ou sem percepção de bolsas de estudos  custeadas pelo empregador, desde que seja formalizado um termo por escrito e seja anotada a suspensão ou interrupção do contrato de trabalho na CTPS.

Há alteração também na redação do art.3o da Lei n° 7.064/82, no sentido de que a empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á a observância exclusiva da legislação do local da execução dos serviços, assegurando também ao empregado a manutenção no Brasil dos recolhimentos das contribuições para a previdência social, FGTS e PIS/PASEP.

Dessa forma, deixa de valer a regra da aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho quando mais favorável do que a legislação territorial no conjunto de normas e em relação a cada matéria.

O Projeto de Lei também altera a previsão a respeito dos valores da remuneração decorrente da transferência, podendo, a partir na nova redação, o adicional de transferência a ser recebido no exterior, de no mínimo de 25%, bem como as despesas assumidas pelo empregador para o trabalho no país de destino terem caráter indenizatório. Assim, caso a empresa forneça moradia no exterior ou outra vantagem direta ou indiretamente ao empregado e ele optar por recebê-las mediante ajuste escrito com a empresa, os valores correspondentes serão compensados no cálculo do adicional de transferência.

Além disso, a Lei atual faculta ao empregado gozar anualmente férias no Brasil, após 2 (dois) anos de permanência no exterior, correndo por conta da empresa empregadora, ou para a qual tenha sido transferido, o custeio da viagem. O Projeto de Lei modifica o dispositivo no sentido de que esse direito poderá ser antecipado a partir do primeiro ano de permanência no exterior, desde que haja previsão em instrumento coletivo de trabalho ou ajuste escrito.

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O Projeto de Lei prevê a possibilidade de o empregado retornar ao Brasil, ao término do prazo da transferência ou, antes deste, após 3 (três) anos de trabalho contínuo. O projeto de Lei altera essa previsão e passa a dispor que esse prazo poderá ser prorrogado até 5 (cinco) anos mediante ajuste escrito entre empregado e empregador.

Há também inovação no sentido de estabelecer um prazo de 60 (sessenta) dias para que o empregado ou empregador comunique a outra parte acerca da data do efetivo retorno ao Brasil, na hipótese de o serviço ou permanência do empregado no exterior deixar de ser necessário ou conveniente para a empresa ou ainda após três ou cinco anos, caso ocorra prorrogação de trabalho contínuo.

Ademais, o projeto prevê que o prazo de trabalho contínuo no exterior poderá ser estendido por sucessivos períodos de 3 (três) anos, mediante ajuste escrito entre empregado e empregador.

Ainda, com relação à necessidade de prévia autorização do Ministério do Trabalho para a contratação de trabalhador, por empresa estrangeira, para trabalhar no exterior, o Projeto de Lei altera o dispositivo e passa a prever que empresa estrangeira não estabelecida no Brasil, mas que tenha participação, direta ou indireta, de empresa brasileira em seu capital e a empresa estrangeira que tiver participação, direta ou indireta, em empresa brasileira e que mantiver procurador no Brasil com poderes especiais de representação, inclusive o de receber citação, apenas comunicará o Ministério do Trabalho e Emprego quando da contratação, sendo que apenas a empresa que não preencher os requisitos acima é que estará sujeita à prévia autorização do Ministério do Trabalho.

Portanto, nota-se no Projeto de Lei para a atualização da Lei nº 7.064/82 uma forte influência do que foi trazido pela Lei nº 13.467/2017, popularmente chamada de “Reforma Trabalhista”, com a prevalência do negociado sobre o legislado. Isso tendo em vista as diversas alterações no sentido de ser necessária a formalização de ajustes escritos para dispor sobre a relação dos empregados contratados ou transferidos com a empresa estrangeira, sendo que tais instrumentos passarão a ser reconhecidos e poderão ser utilizados como prova das condições pactuadas entre empregado e empregador perante a Justiça do Trabalho no Brasil.

 

[1]  “a relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação”

[2] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129124

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