Resumo: O presente estudo aborda a “possibilidade de compensação dos benefícios previdenciários nas indenizações por acidente de trabalho”, perpassando sobre conceitos importantes acerca dos benefícios previdenciários, dos tipos de indenizações cíveis e das modalidades de danos que podem ser causados a um trabalhador. A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho acadêmico teve base lógica dialética, na medida em que foi construída a partir da análise feita sobre o ponto de vista de diferentes autores sobre mesmo o tema, natureza exploratória, ao passo que foi necessário buscar maior familiaridade com o assunto, e uma abordagem do problema de forma qualitativa, pois foi necessário considerar a relação dinâmica entre o sistema jurídico e seus personagens, tomando por base a bibliografia própria, notadamente para a construção de conceitos e definições. Em face da grande divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, buscou-se confirmar e refutar algumas hipóteses, tendo se mostrado mais coerente a hipótese compatível com os preceitos do ordenamento jurídico pátrio, no sentido de ser possível a compensação dos benefícios previdenciários nas indenizações por acidente de trabalho, mesmo havendo correntes doutrinárias capazes de subsidiar cada posicionamento, seja no sentido de compensar ou não as verbas indenizatórias. Assim, este trabalho busca ponderar as diferentes teses doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto, a fim de compreender a forma mais acertada de se deferir os benefícios previdenciários e as indenizações cíveis aos trabalhadores acidentados, sem desconsiderar as questões sociais que estão envolvidas em um infortúnio laboral.[1]
Palavras-chave: Acidente de trabalho; Benefício previdenciário; Compensação; Indenização civil.
Abstract: This paper discusses the "possibility of compensation for pension benefits on claims for accidents at work", framing important concepts about social security benefits, the types of civil indemnity and of the modalities of the damage that can be caused to a worker. The methodology used was based on dialectic logic, in that it was built from the analysis made on the point of view of different authors on the topic, exploratory nature, whereas it was necessary to seek greater familiarity with the subject, and an approach to the problem of qualitative form, since it was necessary to consider the dynamic relationship between the legal system and their characters based on the bibliography itself, notably for the construction of concepts and definitions. In the face of great doctrinal and jurisprudential divergence on the issue, sought to confirm and refute some hypothesis, having been more consistent the hypothesis compatible with the precepts of the national legal system in order to be able the compensation of the social security benefits on claims for accidents at work, even with doctrinal currents that are able to subsidize each positioning, whether in the sense of compensating indemnity funds or not. So, this paper seeks to examine the doctrinal and jurisprudential theories to understand the most accurate way to grant pension benefits and civil compensation to injured workers, without ignoring the social issues that are involved in a labor misfortune.
Palavras-chave: Accident at work; Compensation; Indemnity civil; Social security benefit.
Sumário: 1. Introdução 2. Fundamentação teórica. 2.1. Considerações sobre o acidente de trabalho. 2.2. O acidente de trabalho sob o prisma da legislação previdenciária. 2.2.1. Benefícios previdenciários decorrentes do acidente de trabalho. 2.3. Noções sobre responsabilidade civil. 2.3.1. Pressupostos da Responsabilidade Civil. 2.4. Responsabilidade civil nos acidentes do trabalho. 2.4.1. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. 2.5. Formas de reparação por acidente de trabalho. 2.5.1. Dano material. 2.5.2. Dano moral. 2.5.3. Dano estético. 2.5.4. Perda de uma chance. 3. Possibilidade de compensação dos benefícios previdenciários nas indenizações por acidente de trabalho. 4. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho versou sobre a possibilidade de compensação dos benefícios previdenciários nas indenizações por acidente de trabalho, tendo em vista que o acidente de trabalho é um evento danoso que acomete todas as esferas trabalhistas, provocando repercussões de ordem social e financeira tanto no âmbito familiar do obreiro, como em toda a sociedade. Em face desses infortúnios laborais o trabalhador acidentado faz jus a um benefício previdenciário, concedido pelo Instituto Nacional de Seguro Social de forma objetiva e, ainda pode auferir uma indenização de natureza cível custeada pelo empregador.
Ocorre que o ordenamento jurídico pátrio ainda não possui um entendimento unificado acerca da possibilidade de compensar os valores percebidos pelo empregado a título de verbas indenizatórias, provocando grandes divergências nas decisões exaradas pelos juízes trabalhistas, e pondo em risco o princípio da segurança jurídica, um dos preceitos basilares do Estado Democrático de Direito. Pelo que, se fez necessário pesquisar a possibilidade ou não, de compensar os valores e quais os fundamentos legais e doutrinários que subsidiam as hipóteses suscitadas.
Em face da divergência doutrinária, necessário se fez elencar duas hipóteses que ao longo do estudo foram refutadas e confirmadas, a primeira delas compreende o posicionamento daqueles que são contra a compensação das verbas indenizatórias e para tanto, arguem a diferença na natureza jurídica e na finalidade de cada instituto. A outra hipótese abarca os que se manifestam a favor da compensação, e para isso invocam diversos argumentos, notadamente o de resguardar os princípios constitucionais e preservar a natureza jurídica da reparação civil, não conferindo a ela um caráter demasiadamente punitivo e desrazoável.
Buscando discutir as hipóteses acima apresentadas, firmou-se alguns objetivos ao presente estudo, quais sejam: Identificar quais são os fundamentos legais e doutrinários que justificam a compensação dos benefícios; demonstrar a natureza jurídica e a finalidade da indenização acidentária e dos benefícios previdenciários; verificar no ordenamento jurídico pátrio, fundamento legal que subsidie a compensação das verbas e compreender a aplicação do instituto do bis in idem e do enriquecimento sem causa da vítima, diante de uma situação de óbito ou de grave lesão.
Diante da necessidade de dirimir os questionamentos fez-se mister debruçar sobre literatura própria, construindo e reelaborando o conhecimento a partir do posicionamento, de renomados autores como Sebastião Geraldo de Oliveira, José Cairo Junior, Sergio Cavalieri Filho e José Afonso Dallegreve Neto, sobre o tema. Adotou-se para tanto uma metodologia de cunho bibliográfico, com base lógica dialética e natureza exploratória, tendo como abordagem do problema a forma qualitativa na medida em que se ponderou as causas e fundamentos do problema para poder solucioná-lo.
A princípio foi feito breves considerações sobre a relação trabalhista e seu advento no mundo jurídico, dando enfoque a tipificação do acidente de trabalho, ate que se assumisse a configuração atual, e elencando os tipos de acidente de trabalho previsto em lei. Já na segunda seção buscou-se caracterizar o acidente de trabalho sobre a ótica previdenciária, abordando os requisitos necessários à configuração do infortúnio e os tipos de benefícios securitários que o obreiro acidentado ou seus sucessores podem perceber.
Após a análise do acidente de trabalho e os benefícios securitários concedidos em sua razão, a terceira e a quarta seções adentraram no mérito da responsabilidade civil, apresentando a princípio algumas noções sobre o instituto e seus pressupostos e, em seguida demonstrando quais elementos se faziam imprescindíveis à configuração do dever de indenizar civilmente, nos casos de acidentes laborais.
A quinta seção, trouxe as formas de reparações cíveis e os tipos de dano a que o trabalhador acidentado esta sujeito. Ficando a cargo da sexta seção, a análise dos dados bibliográficos obtidos ao logo do estudo, e a ponderação das divergências doutrinárias sob os aspectos sociais e econômicos que um acidente de trabalho provoca a toda sociedade. Sendo, contemplado, na sétima seção, a percepção do autor sobre o tema pesquisa.
Assim, o maior objetivo deste trabalho foi realizar uma ponderação jurídica e doutrinaria sobre a possibilidade de se conceder verbas indenizatórias a um trabalhador acidentado de forma compensada ou não, sem desconsiderar a repercussão social gerada por um infortúnio laboral.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO EO ACIDENTE DE TRABALHO
Apesar de não guardar relação com natureza jus trabalhista, considera-se que a abolição da escravatura, com o advento da Lei Áurea foi o marco inicial da história do direito do trabalho, seja porque a lei pôs fim a um regime que vai de encontro com os preceitos do direito do trabalho, a escravidão, seja porque fomentou o caráter social das relações trabalhistas (SANTOS, 2008).
No período compreendido entre 1988 até 1930, o Brasil foi marcado por um crescimento relevante das relações trabalhistas no ramo cafeeiro e um emergente processo de industrialização, o qual foi palco para o início de movimentos operários, ainda sem grande expressividade, mas que já buscava melhorias para a classe trabalhista. Paralelamente a esse período, surgem alguns diplomas e normas trabalhistas que deram início, ainda que timidamente, à concessão de benefícios ao trabalhador, sendo que apenas no transpor do século XIX para o XX, é que surge a legislação acidentária do trabalho e as caixas de pensões, que até então, só contemplava os ferroviários, mas buscava atender as mais costumeiras necessidades dos trabalhadores, o reparo/apoio ao empregado acidentado/inválido (OLIVEIRA, 2013).
A legislação acidentária em questão, o decreto legislativo de nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, apesar de suas falhas, inovou juridicamente, pois, passou a conferir ao empregador a responsabilidade pelo pagamento das indenizações por acidente de trabalho, porque até então, os infortúnios laborais eram considerados como uma má sorte, infelicidade do empregado, caracterizando-se pela imprevisibilidade do evento e inevitabilidade dos efeitos, não acarretando, portanto, nenhum tipo de responsabilidade ao empregador (OLIVEIRA, 2013).
O acidente de trabalho sempre se fez presente nas relações trabalhistas, principalmente naquelas que eram prestadas com a ajuda de equipamentos industrializados, ou ferramentas, que pudessem lesionar ou limitar a capacidade do trabalhador, seja por descuido deste, seja por falta de meios que evitassem ou o protegessem do infortúnio. Prova disto é que um dos primeiros dispositivos legais relacionados ao ramo trabalhista buscou regulamentar, ainda que precariamente, a situação do obreiro lesionado.
Após o decreto nº 3.724/19, outras legislações acidentarias foram promulgadas, provocando avanços e retrocessos nos direitos dos trabalhadores, até que em 24 de julho de 1991 a lei nº 8.213, em vigência, em consonância com os fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, foi sancionada, com aspectos notadamente sociais, que ampliou o rol de beneficiários para além dos operários subordinados, conforme verifica-se no art.11 da supracitada norma.
A lei nº 8.213/91, ainda trouxe no bojo do seu art.19 um conceito para o acidente de trabalho, senão vejamos:
“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
Ocorre que, o conceito que se depreende do texto acima transcrito mostrou-se insuficiente para abarcar todos os tipos de infortúnios laborais, contemplando apenas uma espécie deles, o acidente de trabalho em sentido estrito, também denominado acidente-tipo. Deste modo, fez-se necessário acrescentar outras hipóteses que se equiparam ao acidente-tipo para os efeitos legais, pois a incapacidade do trabalhador pode advir de outras causas como: enfermidades decorrentes do acidente de trabalho; acidente de trabalho por concausas; acidentes ocorridos no local de trabalho, mas por causa diversa do exercício da atividade profissional; acidentes ocorridos no trajeto da residência para o local de trabalho, os quais serão abordados nos próximos tópicos dessaseção.
a) Acidente-tipo
Da simples leitura do art.19 da lei nº 8.213/91, verifica-se a necessidade de preencher quatro requisitos de forma cumulativa para que se configure a ocorrência do acidente do trabalho, quais sejam:
-evento danoso: o infortúnio laboral, em regra, gera consequência de ordem material, e seus efeitos normalmente são imediatos e perfeitamente identificáveis, assim pode-se dizer que a ocorrência do evento danoso é súbita e tende a provocar uma lesão imediata;
-decorrente do exercício do trabalho a serviço da empresa: faz-se mister que entre a atividade do empregado e o acidente haja uma relação de causa e efeito, ou seja, é necessário o nexo de causalidade ou nexo etiológico;
-que provoque lesão corporal ou perturbação funcional: quando o evento ocorre sem que haja lesão física ou perturbação física ou mental no trabalhador, tecnicamente não se considera acidente de trabalho. No entanto, a manifestação tardia, desde que se demonstre o nexo causal, pode ser considerada acidente de trabalho;
-que cause a morte, a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho: a incapacidade para o trabalho não implica necessariamente em afastamento das atividades laborais, podendo ser inclusive o lapso temporal necessário à realização de um exame ou procedimento médico. Em tempo, cumpre observar que a lei nº 8.213/91 foi regulamentada pelo decreto 6.042/2007 que ampliou a relação dos acidentes de trabalho.
Deste modo verifica-se que o acidente de trabalho típico é aquele sofrido pelo empregado durante o exercício de suas funções laborais, que acarreta resultado imediato, como bem define Cláudio Brandão (2006, p. 137-138):
“Trata-se de um evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de consequências geralmente imediatas, não sendo essencial a violência, podendo ocorrer sem provocar alarde ou impacto, ocasionando, meses ou anos depois de sua ocorrência, danos graves e até fatais, exigindo-se, apenas, o nexo de causalidade e a lesividade”.
b) Doença ocupacional
Como já dito, o acidente do trabalho caracteriza-se por ser um evento súbito, externo ao trabalhador, que lhe provoca lesões durante o desempenho da atividade profissional. Já a doença ocupacional consiste em um estado mórbido, patológico, que se caracteriza por ser um fenômeno lento e gradual, que se instala de forma capciosa e tende a se agravar com o passar do tempo.
É o que se vê da distinção sobre acidente de trabalho e doença ocupacional, feita por Oswaldo e Optiz (1988, apud BOSKOVIC, 2009):
“Distinguem-se sob dois aspectos: etiológico e cronológico. Caracteriza-se, em regra, o acidente pela subitaneidade e a violência, na expressão da Lei de 1919. Ao passo que, na doença, isso não ocorre, porque é um processo que tem certa duração, embora se desencadeie num momento certo, provocando a lesão corporal ou a perturbação funcional e até mesmo a morte. Pode-se acrescentar, ainda, mais um elemento diferenciador, qual seja a sua causa, que no acidente-tipo é externa, quando, quase sempre, na doença, ela se apresenta internamente devido ao processo silencioso peculiar a toda moléstia orgânica do homem.”
Apesar de possuírem conceitos distintos, a doença ocupacional foi equiparada ao acidente de trabalho, desde a primeira lei acidentária, qual seja, decreto nº 3.724/1919, no entanto, esta ainda não contava com as espécies de acidente de trabalho que só foram normatizadas com o advento da lei nº 8.213/91, como se verifica do artigo abaixo transcrito:
“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”
A doença ocupacional é gênero do qual são espécies a doença profissional ou tecnopatia e a doença do trabalho, também denominada mesopatia. As doenças profissionais são consideradas como doenças típicas, peculiares de determinada profissão, desenvolvidas em razão do exercício de atividade peculiar aquela função, ou seja, guarda relação direta com a atividade ou profissão específica. Um exemplo amplamente utilizado pela doutrina é o caso dos empregados de uma mineradora que trabalham expostos ao pó da sílica e contrai silicose (OLIVERA, 2013, p.51).
Insta observar, que este tipo de doença dispensa a comprovação de nexo de causalidade, bastando para tanto, que se demonstre a doença e o exercício na atividade a ela relacionada, como bem leciona Nascimento (1977, apud OLIVEIRA, 2013, p. 51):
“(…) Afirma Tupinambá Nascimento que nas, tecnopatias, a relação com o trabalho é presumida juris et de jure, inadimitindo prova em sentido contrário. Basta comprovar a prestação do serviço na atividade e o acometimento da doença profissional. Sinteticamente, pode-se afirmar que a doença profissional é aquela típica de determinada profissão.”
Noutro passo, o surgimento da doença do trabalho está relacionado ao ambiente onde o trabalhador presta serviço, ou ao modus operandi, ou seja, a doença resulta das condições especiais e desfavoráveis à saúde em que o trabalho é executado.
Em linhas gerais, a diferença entre a doença do trabalho e a doença profissional, parece ser muito tênue, contudo, para conceber a distinção entre as duas espécies de doença ocupacional, basta perceber que a doença do trabalho não guarda vinculação, relação direta com a profissão, e sim, com o ambiente e a atividade desenvolvida. Nesse sentido ensina Cairo Junior (2013, p.59 apud MARTINEZ, 1992, p.99):
“Wladimir Novaes Martinez ressalta a sutileza na diferenciação entre doença profissional e doença do trabalho, pontificando que a primeira se encontra intimamente ligada à profissão do obreiro, acompanhando-o inclusive, até em outras empresas, enquanto a segunda: “Deriva das condições do exercício, do ambiente do trabalho, dos instrumentos adotados, sendo própria, sobretudo, das empresas e não necessariamente conceituadas como fazendo parte do obreiro.”
A distinção entre as duas espécies de doença ocupacional, apesar de não ser tarefa fácil é de suma importância para a análise in casu do ônus da prova do nexo causal, vez que, como já exposto, o nexo de causalidade na doença profissional é presumido, já nas hipóteses de doença do trabalho, cabe ao empregado comprovar que a doença foi adquirida ou desencadeada por conta da atividade laboral desenvolvida.
Buscando regulamentar e facilitar a análise do nexo de causalidade entre as doenças ocupacionais e o labor desenvolvido, o art. 2º da Resolução nº 1.488/98 do Conselho Federal de Medicina estabeleceu que, além do exame clínico no trabalhador periciado, faz mister uma análise ampla, em que se leva em consideração o histórico clínico e ocupacional do empregado, as condições do local onde as atividades são prestadas e a natureza do trabalho desenvolvido.
Inobstante, o decreto nº 3.048/1999 ainda dispõe de uma relação de doenças ocupacionais de natureza meramente exemplificativa prevendo o art. 20 §2º, da lei nº 8.213/91, que caso se constate doença diversa daquelas que constam no artigo, poderá ser configurada hipótese de acidente de trabalho, bastando que se verifique o nexo causal entre a doença e o trabalho desenvolvido.
Inobstante, o mesmo art. 20, da lei nº 8.213/91, no seu §1º, elenca um rol restritivo, que prevê os tipos de doença que não podem ser consideradas como doença de trabalho.
“§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”.
Ocorre que, a aplicação desse artigo deve ser de todo cuidado, pois muitas doenças ocupacionais possuem natureza degenerativa, e por guardarem íntima relação com a atividade laboral, não podem ser excluídas do conceito de doença do trabalho, como por exemplo a surdez ocupacional, que decorre de um processo degenerativo das células nervosas do órgão Corti.
Além disso, prevê ainda, o §1 do art. 20 da lei nº 8. 213/91 a necessidade de a doença acarretar incapacidade para o trabalho. Mas, convém mencionar que a avaliação da capacidade laborativa deve-se ter como parâmetro as condições daquele próprio trabalhador, enquanto em atividade, e não a média dos demais operários.
c) Acidente de trabalho por concausa
O decreto nº 7.036/1944, terceira legislação acidentária, inovou no ordenamento jurídico, ao admitir a teoria das concausas nos acidentes de trabalho. A Lei nº 8.213/91, por sua vez, trouxe em seu artigo 21, previsão expressa neste sentido:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para os efeitos desta Lei:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.”
Convém destacar que a concausa consiste na contribuição multifatorial para o acometimento do resultado, ou seja, é um elemento, fato, ou causa que associado à causa principal concorre diretamente para a produção do resultado que, neste caso, é a ocorrência do acidente do trabalho.
As causas que contribuem ou agravam o acidente de trabalho podem ser de cunho extralaborais, como, por exemplo, quando um indivíduo possui doença preexistente, e em razão de um acidente de trabalho, sua enfermidade se agrava, de tal forma, que o impossibilita de dar continuidade as suas atividades laborais.
Nessa senda, cumpre analisar o ensinamento de Oliveira (2013, p.57) sobre o tema:
“No entanto, a aceitação normativa da etiologia multicausal nãodispensa a existência de uma causa eficiente, decorrente da atividadelaboral, que “haja contribuído diretamente” para o acidente dotrabalho ou situação equiparável ou, em outras palavras, a concausa não dispensa a presença da causa de origem ocupacional. Deve-severificar se o trabalho atuou como fator contributivo do acidente oudoença ocupacional; se atuou como fator desencadeante ou agravantede doenças preexistentes ou, ainda, se provocou a precocidade dedoenças comuns, mesmo daquelas de cunho degenerativo ou inerentesa grupo etário”.
Salienta-se que as concausas podem se dá por motivos preexistente, supervenientes ou concomitantes com aquela causa que desencadeou o acidente ou a doença ocupacional, por esta razão as causas preexistentes não eliminam o nexo causal, ou seja, as condições pessoais de saúde do empregado, vítima de acidente de trabalho, não excluem a responsabilidade da empregadora. O mesmo sendo verificado nas causas supervenientes que concorram de alguma forma para o agravamento da causa principal (BOSKOVIC, 2009).
d) Acidente de trajeto ou in itinere
Essa espécie de acidente de trabalho abarca as hipóteses dos acidentes ocorridos fora do estabelecimento de trabalho, mais precisamente no percurso compreendido entre a residência do trabalhador e o local da prestação de serviço.
O acidente de percurso, como também é conhecido, tem previsão no art. 20, IV da lei nº 8.213/91:
“IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: (…)
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.”
Quanto à interpretação deste dispositivo legal a doutrina e jurisprudência deram ensejo a uma grande controvérsia no que diz respeito ao entendimento do que seja o “percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela”. Tendo os Tribunais entendido que os pequenos desvios, desde que compatíveis com o percurso geralmente adotado pelo trabalhador, são compreendidos para o fim de aplicação do acidente de trajeto não se tolerando, no entanto, grandes variações quanto ao tempo e rota adotada, conforme lições de Oliveira (2013, p.60):
“Se o tempo do deslocamento (nexo cronológico) fugir do usual ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, resta descaracterizada a relação de causalidade do acidente com o trabalho. No acidente de trajeto aquele ocorrido no percurso de um para o outro local de trabalho.”
Insta observar que caso o trabalhador possua outro vínculo laboral e o acidente ocorra no percurso compreendido entre este e aquele, o trajeto será considerado também como acidente in itinere.
Por fim, vale destacar que os acidentes de percurso não são considerados para fins de indenizações civis, cabendo a eles apenas o recebimento dos benefícios previdenciários vez que, para ser atribuída ao empregador o dever de indenizar faz-se mister a presença dos elementos dano, culpa ou atividade de risco exercida pela empresa, e nexo de causalidade entre aquele e este, como será analisado ao longo deste estudo.
2.2 O ACIDENTE DE TRABALHO SOB O PRISMA DA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Para a caracterização do acidente de trabalho, faz-se necessário que o empregador comunique a ocorrência do acidente à Previdência Social, por meio da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
A Lei nº 8.213/91 determina no seu artigo 22 que todo acidente do trabalho ou doença profissional deverá ser comunicado pela empresa até o primeiro dia útil seguinte e imediatamente na ocorrência de óbito, sob pena de multa em caso de omissão.
“Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.”
Vale ressaltar que a emissão da CAT deve estar em conformidade com o formulário próprio desenvolvido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que é facilmente obtido pela internet no site da previdência social. Pois, as informações que a previdência busca obter no ato da comunicação não são apenas do ponto de vista previdenciário, estatístico e epidemiológico, mas também trabalhista e social.
Como disposto em lei, o dever de comunicar o acidente do trabalho ou situação legalmente equiparada é do empregador, contudo muitas vezes este não o faz temendo as repercussões onerosas que o acidente pode acarretar a empresa. Assim, visando não desamparar o empregado acidentado e os dependentes do trabalhador falecido, ou ainda, aquele trabalhador que por qualquer razão descobriu o acidente laboral, tardiamente, o que é comum nos casos de doenças ocupacionais, o decreto nº 3.048/1999 regulamentou o artigo 22 da Lei nº8. 213/91 conferindo legitimidade a outras pessoas para a emissão do CAT, senão vejamos:
“Art. 336. Para fins estatísticos e epidemiológicos, a empresa deverá comunicar à previdência social o acidente de que tratam os arts. 19, 20, 21 e 23 da Lei nº 8.213, de 1991, ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena da multa aplicada e cobrada na forma do art. 286 . (Redação dada pelo Decreto nº 4.032, de 2001) (…)
§ 3º Na falta de comunicação por parte da empresa, ou quando se tratar de segurado especial, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo”. (Redação dada pelo Decreto nº 4.032, de 2001)
No que diz respeito às doenças ocupacionais, a expedição do CAT se torna uma tarefa mais árdua, ao passo que, os empregadores se recusam a emitir o comunicado sob alegação de que a doença não adveio daquele trabalho ou ainda que não existe um “diagnostico firmado”, se amparando na previsão que consta no “Manual de Instrução para preenchimento do CAT” disponível no site da previdência social e que conta com a seguinte redação; “no caso de doença profissional ou do trabalho, a CAT deverá ser emitida após a conclusão do diagnóstico” (OLIVEIRA, 2013).
Assim, buscando evitar as controvérsias, e partindo do pressuposto que as normas possuem uma hierarquia, na qual o ato normativo que limita ou restringe o alcance da lei, deve ser desconsiderado, para os casos de doença ocupacional, ou qualquer outro que não se saiba precisar a data do acidente, deve-se aplicar a presunção legal conferida pelo o art. 23 da Lei 8.213/91:
“Art. 23. Considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro.”
Ademais, o INSS baixou uma portaria em dezembro de 2003, que não contraria o dispositivo legal, supracitado, apenas regulamenta-o estabelecendo a necessidade de se emitir o CAT em todos os casos de suspeita de LER/DORT[2], como ensina Oliveira (2013, p.66):
“A data em que ocorreu o sinistro é facilmente indicada na CAT quando se trata de acidente típico, mas é de difícil apuração nas doenças ocupacionais. Diante da impossibilidade prática de precisar o “momento do adoecimento”, o legislador estabeleceu, por presunção legal, como dia do acidente: a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo o que ocorrer primeiro. Como é necessário emitir a CAT quando houver suspeita de doença ocupacional, a data a ser colocada na comunicação será aquela em que o médico formulou a suspeita diagnostica.”
Entretanto, a simples emissão do CAT não é suficiente para que o trabalhador acidentado passe a receber o benefício que faz jus, já que a caracterização oficial do infortúnio laboral depende da perícia médica realizada pelo INSS, conforme lições de Oliveira (2013, p.68):
“Como se vê, o acidente ou doença comunicado pela empresa pode serou não caracterizado tecnicamente como acidente do trabalho. Se aPerícia indicar que não há nexo causal do acidente ocorrido com otrabalho, o INSS reconhecerá apenas o acidente de qualquer natureza,conferindo à vítima os benefícios previdenciários cabíveis, mas não osdireitos acidentários. Igual desfecho ocorrerá se a doença, mesmo considerando-se as possíveis concausas, não estiver relacionada aotrabalho.”
Em tempo, cumpre observar que o perito da previdência social, para fundamentar a suas conclusões quanto o nexo de causalidade existente entre a lesão (doença, distúrbio, síndrome, disfunção) e a atividade laboral, pode utilizar de outros meios que não sejam apenas o exame clínico, como por exemplo, a oitiva de testemunhas, análise do Perfil Profissiográfico Previdênciário[3](PPP), vistoria no local em que a atividade foi prestada.
Com efeito, na prática o que acontece frequentemente, é os trabalhadores acidentados se afastarem de suas atividades e passarem a perceber um benefício diverso do que teria direito, seja por desconhecerem que a doença que lhe acomete teve causa na atividade laborativa, seja porque não possuem informação dos benefícios e quando notam que não irão ter perda alguma no valor do benefício, se acomodam sem, no entanto, terem ciência dos direitos e benesses que deixarão de usufruir.
Caso o trabalhador acidentado discorde das conclusões periciais do médico do INSS ou do enquadramento feito por este acerca de sua doença, ele pode apresentar recurso administrativo junto à autarquia federal, a fim de modificar a decisão emitida pela Previdência. Se ainda assim, a decisão administrativa for desfavorável ao segurado, este pode ingressar com ação na justiça comum estadual buscando ter a sua pretensão atendida, sem ser necessário para tanto que o acidentado esgote todas as vias administrativas, conforme entendimento sumulado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal abaixo transcrito.
“STF Súmula nº 552 Regulamentação – Exigência da Exaustão da Via Administrativa Antes da Ação de Acidente do Trabalho
Com a regulamentação do Art. 15, da Lei 5.316-67, pelo Decreto 71.037-72, tornou-se exequível a exigência da exaustão da via administrativa antes do início da ação de acidente do trabalho”. (Superada pela L-006.367-1976 – RE 91742-RTJ 93/911 e RE 87160-RTJ 98/1107)
Antigamente o maior interesse dos trabalhadores para o enquadramento do acidente como infortúnio laboral, girava em torno da superioridade dos valores que os benefícios deles decorrentes possuíam perante aos demais, ensejando assim, uma grande demanda no judiciário pela caracterização do acidente de trabalho. O que levou a edição da lei nº 9.032/1995 para equiparar os valores dos benefícios previdenciários aos acidentários. Todavia, algumas diferenças, razoáveis, entre os benefícios acidentários e previdenciários ainda persistem, seja em face do evento que ensejou a concessão do benefício, seja pelas consequências que o acidente acarretará na vida do trabalhador.
Sendo constatado o acidente de trabalho alguns direitos são conferidos ao trabalhador, como por exemplo: a restituição de gastos com medicamentos, próteses e tratamentos médicos; o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) durante o período em que estiver afastado das atividades laborais e percebendo os benefícios acidentários; a estabilidade acidentária; e a indenização por danos morais, materiais e estéticos, a depender da situação em que o obreiro esteja inserido.
O trabalhador acidentado pode e deve cobrar ao seu empregador todos os valores gastos com o tratamento médico em razão do infortúnio laboral, desde que, tenha em posse todos os documentos referentes às despesas, como por exemplo, as receitas médicas e as notas fiscais dos medicamentos adquiridos.
Durante o afastamento das atividades laborais, o trabalhador tem sua remuneração suspensa, no entanto, em face da previsão legal do artigo 15, § 5º, da Lei 8.036/90 (Lei do FGTS), o recolhimento do FGTS é devido. Insta observar, que se a causa do afastamento das atividades funcionais se der por motivo diverso do acidente de trabalho, o depósito do fundo de garantia, assim como a remuneração são suspensos.
A estabilidade acidentária, também possui previsão legal no artigo 118 da Lei 8.213/91, que assegura ao trabalhador recém-convalescido estabilidade pelo prazo mínimo de 12 meses, sendo esta regra desconsiderada para os casos de dispensa por justa causa.
Apesar de ser um benefício conferido ao empregado, a estabilidade acidentária muitas vezes gera um ambiente de tensão e desarmonia no local de trabalho, pois ao encerrar o prazo legal normalmente o patrão demite o segurado ou antes disso promove uma retaliação ao funcionário, ensejando a dispensa indireta.
As indenizações por danos morais, materiais e estéticos, por sua vez, serão apreciadas em momento oportuno, em face de sua relevância.
Os direitos acima elencados são conferidos aos trabalhadores acidentados paralelamente ou de forma subsequente aos benefícios previdenciários que fizerem jus, quais sejam, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez acidentária, e pensão por morte, este devido ao beneficiário dependente, conforme estudaremos a seguir.
2.2.1. Benefícios previdenciários decorrentes do acidente de trabalho
a) Auxílio-acidente
Quando o trabalhador sofre um acidente de trabalho e ele tem que ficar mais de 15 dias consecutivos, afastado de suas atividades laborais, o mesmo requer junto ao INSS a concessão do auxílio-acidente, benefício concedido de forma provisória, que busca manter a subsistência do empregado até que a limitação funcional chegue ao fim.
Caso as lesões decorrentes do acidente de trabalho venham a ser consolidadas e em razão disto, o trabalhador venha a ter sua capacidade de trabalho comprometida, o benefício do auxílio-acidente cessará e no dia seguinte, será implantado o auxílio-doença.
Conforme dispõe o art. 18, § 1 da Lei nº 8.213/91, o auxílio-acidente é um benefício previdenciário concedido aos trabalhadores segurados do Regime Geral de Previdência Social, com exceção do empregado doméstico, do contribuinte individual e do facultativo.
Como o acidente de trabalho, em regra, possui natureza de evento imprevisível, a concessão do auxílio-acidente independe de carência, ou seja, não é exigido um tempo mínimo de contribuição, para que o trabalhador acidentado possa recebê-lo.
O valor do auxílio-acidente corresponde a 50% do salário de benefício que deu origem ao auxílio-doença ou a aposentadoria, sendo corrigido até o mês anterior ao da implantação destes. Isto porque, se deduz que a incapacidade do trabalhador foi para a função que antes exercia, não impossibilitando, portanto, o desempenho de atividade diversa (ALVARENGA, 2010).
O auxílio-acidente é o único benefício previdenciário que possui natureza indenizatória. Por isso, pode ser acumulado com auxílio-doença (que não decorra do mesmo motivo), salário-família, salário-maternidade, pensão por morte e auxílio reclusão. Deixando de ser pago, quando o trabalhador se aposentar, pois nesse caso, o valor será integrado à aposentadoria do segurado.
b) Aposentadoria por invalidez acidentária
Assim como o auxílio-acidentário, só faz jus ao benefício da aposentadoria por invalidez os segurados empregados, sendo excluído desse rol o empregado doméstico, o contribuinte individual e o facultativo.
Por figurar como uma necessidade indiscutível e merecedora de amparo social, aposentadoria por invalidez acidentária não exige carência, no entanto, em se tratando de trabalhador rural, faz-se mister a comprovação de efetivo trabalho rural nos doze meses que antecederam o acidente.
A aposentadoria por invalidez será concedida após ser constatada por perito médico do INSS, a incapacidade definitiva para qualquer trabalho que garanta a sobrevivência do segurado, independentemente do recebimento anterior do auxílio doença pelo mesmo.
Com efeito, vale ressaltar que para se deferir o benefício da aposentadoria por invalidez não deve ter como pressuposto a incapacidade para qualquer trabalho, pois o empregado pode estar apto fisicamente para retornar ao mercado de trabalho, mas, no entanto, permanecer em um quadro de contingência social, ou seja, sua capacidade física ou mental pode estra limitada a outros fatores de ordem social, intelectual ou psicológica.
Daí porque, o mais adequado seria que o trabalhador acidentado se submetesse a uma perícia realizada por uma junta médica, capaz de avaliar o estado clínico, social e psicológico para, a partir dessas conclusões poder se deferir ou não o benefício do segurado.
Insta observar, que se a incapacidade do trabalhador for de tal monta, que lhe impossibilite de ir até o local determinado para a perícia, cabe ao médico perito ir ao seu encontro e assim, realizar o múnus que lhe foi atribuído.
A implantação do benefício se dará após a efetiva comprovação da limitação total e permanente. Quando a concessão do benefício derivar do auxílio doença, o valor pago corresponderá a 100% do salário de benefício que serviu de base para o cálculo da renda inicial do auxílio doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral. Mas, se por acaso, não for precedida de auxílio doença, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% do salário de benefício (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2013).
c) Pensão por morte
A morte é a consequência mais trágica de um acidente de trabalho, e nestes casos pode ser real ou presumida. Real quando é emitido um atestado de óbito em razão do falecimento do trabalhador, e presumida nos termos previstos em lei.
Por morte presumida em acidentes de trabalho adota-se o procedimento civil, ou seja, em estando desaparecido o corpo do obreiro, a sucessão provisória será aberta e decorridos dez anos desta, declara-se a morte do trabalhador, sendo este prazo reduzido pela metade quando o trabalhador contar com mais de 80 anos. Nestes casos, vale dizer que a declaração de ausência apesar de suprir a certidão de óbito, não implica na condenação direta da autarquia ao pagamento da pensão, sendo o benefício concedido quando decorrido seis meses da declaração da ausência, conforme disciplina o art. 78 Lei 8.213/91, in verbis:
“Art. 78. Por morte presumida do segurado, declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausência, será concedida pensão provisória, na forma desta Subseção”.
Nos casos de morte presumida, o beneficiário da pensão por morte terá que apresentar a cada seis meses, documento da autoridade competente sobre o andamento do processo de declaração de morte presumida, até que seja emitida a certidão de óbito. Noutra senda, quando a morte presumida decorrer do acidente de trabalho, para que seja concedido o benefício de pensão por morte, não se exige o decurso do prazo de seis meses, nem a declaração de ausência por meio de ação judicial, bastando que o requerente comprove o desaparecimento do segurado em face do infortúnio laboral. O que por sua vez demonstra uma conduta acertada da Previdência Social, pois, caso o provedor do núcleo familiar seja presumidamente morto, os proventos em razão do seu trabalho cessarão, conferindo uma situação de vulnerabilidade financeira para seus dependentes. Cuidado esse que não foi conferindo aos demais casos de morte presumida.
A pensão por morte é um benefício que protege os dependentes do trabalhador falecido, devidamente cadastros junto ao INSS. E estar previsto no art. 74 da lei nº 8.213/91, in fine:
“Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III – da decisão judicial, no caso de morte presumida”
Para a concessão da pensão por morte é necessário que o requerente comprove a dependência do trabalhador falecido, e a condição de segurado do de cujus.
A dependência do segurado, pode ser facilmente comprovada, quando uma das pessoas elencadas no art. 16 da lei nº 8.213/91, abaixo transcrito, encontravam-se, na data do óbito, sob guarda, subordinação ou dependência econômica do trabalhador.
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
II – os pais;
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;”
Já a condição de segurado do de cujus, será verificada, simplesmente pelo fato dele estar filiado ao Regime Geral de Previdência Social, ou se encontrar beneficiado pelo período de graça, nos termos da lei, no momento em que faleceu.
Vale lembrar que, a dependência econômica das pessoas que compõe a primeira classe, (art. 16, I, lei nº 8.213/91) é presumida, já a das demais pessoas precisa ser comprovada.
Caso uma ordem de dependentes seja preenchida para fins de concessão do benefício, as que lhe sucedem estarão automaticamente excluídas, assim quando o dependente vier a perder a qualidade de segurado, não terá gerado direito a classe seguinte.
Já os dependentes de mesma classe, concorrem em igualdade de condições como, por exemplo, filhos do segurado falecido tem a pensão rateada igualmente entre eles, e se por acaso a qualidade de dependente de um deles cessar e a do outro persistir, o benefício será concedido integralmente àquele que faz jus.
Como visto, no artigo 16 da lei nº 8.213/91, o beneficio de pensão por morte pode ser concedido a irmão ou filho maior inválido, mas para isso faz-se necessário que a invalidez tenha sido constatada em exame médico pericial anterior ou simultâneo a data da morte, e esses dependentes não tenham sido emancipados até a data que foi constatada invalidez, caso contrário, o benefício não será concedido.
Insta observar que a concessão de pensão por morte comporta uma exceção, qual seja, o deferimento do benefício quando o óbito do trabalhador se deu em momento posterior a perda da qualidade de segurado. Isto porque, os dependentes poderão ter direito a pensão por morte, desde que o trabalhador tenha cumprido, até o dia do óbito, os requisitos para obtenção de aposentadoria ou que fique reconhecido o direito à aposentadoria por invalidez, dentro do período de manutenção da qualidade do segurado, caso em que a incapacidade deverá ser verificada por meio de parecer da perícia médica do INSS com base em atestados ou relatórios médicos, exames complementares, prontuários ou documentos equivalentes (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2009).
2.3 NOÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL
Com a independência do Brasil verificou-se a necessidade de um código para disciplinar o ordenamento jurídico e as normas sociais que passariam a viger no Império, sendo recepcionado, no entanto, as normas do direito português vigente até a edição da nova lei, conforme havia sido determinado pela Lei 20 de outubro de 1823. Não obstante a previsão legal pra organização de um novo código, a Constituição do Império, ainda determinou que a feitura das normas seriam fundadas em equidade e justiça (SANTOS, 2008).
Em atenção a esses dispositivos, o primeiro código a ser criado foi o Código Criminal de 1830, que curiosamente deu início ao instituto da responsabilidade civil, trazendo em seu bojo o princípio da reparação integral e da responsabilidade solidária. O Código criminal foi revogado em 1890, mas o capítulo que tratava sobre a responsabilidade civil, foi recepcionado, acontecendo o mesmo com o Código Civil de 1916, este por sua vez só acrescentou ao instituto as hipóteses de negligência e imprudência (SANTOS, 2008).
A princípio o sistema de responsabilidade civil tutelava basicamente o direito a propriedade, vez que buscava atender as necessidades da sociedade da época, que em sua essência era rural e tinha a economia baseada na atividade agrícola, pecuária e sem muita mão de obra assalariada. Conforme lições de Santos (2008, p.32):
“Até o advento da Revolução Industrial, o sistema de responsabilidade civil, contemplado pelo Código Criminal de 1830, protegia basicamente o direito de propriedade enquanto o direito penal, além dos crimes contra o patrimônio, tipificava o dano moral na categoria dos crimes de calúnia, injúria ou difamação. Daí a tradicional distinção entre danos materiais (à propriedade) e morais” (à pessoa).
No entanto, com a revolução industrial, o país passou a enfrentar novas dificuldades, porque junto com crescente mão de obra nas indústrias veio também o surgimento de lesões corporais durante a relação de emprego, o que implicou numa adaptação do Código Civil para atender as novas demandas sociais.
Nesse passo, cumpre observar os comentários de Belfort (2010, p.17-18) sobre o período de transição compreendido entre os meados e o final do século XIX, no qual, as relações trabalhistas e o instituto de responsabilidade civil, foram ganhando novos contornos:
“O Código Civil de 1916 representava um modelo liberal-burguês, baseado em uma sociedade agrária voltada para a exportação, em descompasso com a industrialização que ia tomando conta das economias europeias (França e Inglaterra) e norte-americana no final do século XIX.
Nesses países, o advento da sociedade industrial-consistente na adoção de novas tecnologias, no desenvolvimento do maquinismo e no crescimento e na concentração da população nas cidades – multiplicara consideravelmente o número de acidentes envolvendo máquinas e vítimas, tornando a perquirição da culpa uma atividade complexa, e ao mesmo tempo, insuficiente para a responsabilização civil.”
Por fim, o código civil de 2002, atualmente em vigência, prevê em linhas gerais, que a responsabilidade civil é imposta àqueles que praticam ato ilícito, estabelecendo ainda, a obrigação de indenizar, promover a reparação pelo dano decorrente de seu ato.
2.3.1. Pressupostos da Responsabilidade Civil
O instituto da responsabilidade civil encontra-se basicamente disposto nos artigos 186, 187 e 927, todos do Código Civil 2002, que assim dispõem:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente mora, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado à repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Da simples leitura dos artigos acima, é possível extrair quatros requisitos necessários à responsabilização civil, quais sejam: ação ou omissão; culpa; dano; nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo e o resultado danoso.
Diante da relevância de cada elemento para o presente estudo, faz-se necessário uma análise mais acurada de cada um deles.
a) Ação ou Omissão
A conduta humana é pressuposto da responsabilidade civil, vez que é por meio das suas espécies, ação ou omissão, que o indivíduo produz efeitos jurídicos. Como bem ensina Cavalieri Filho (2012, p.25):
“A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque, fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer. Consiste, pois, a ação em um movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada em alguém e assim por diante.Já a omissão, forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela inatividade, abstenção de alguma conduta devida. Vieira dizia, com absoluta propriedade, que omissão é aquilo que se faz não fazendo”.
Muito questionamento foi criado em torno da conduta omissiva, pois, se o indivíduo nada fazia, a rigor, sua conduta, ou melhor, a sua falta de ação não poderia gerar o dever de indenizar. Contudo, entende-se que a omissão só é considerada relevante para efeitos de responsabilidade civil, quando o responsável tem o dever de agir e não o faz. Esse dever de agir pode ser em razão de lei, de um negócio jurídico ou em decorrência de conduta anterior do responsável (CAVALIERI FILHO, 2012)
Em regra, só responde pelo evento danoso, aquele que deu causa por conduta própria. Todavia, a lei conferiu a responsabilidade por fato de outrem, quando o responsável esta vinculado ao agente, ou quando o ato é praticado por coisa de que é proprietário ou possuidor. Não há que se falar, no entanto, em responsabilidade civil, quando o dano não for provocado direta ou indiretamente por conduta humana, ou seja, são causa de excludente de responsabilidade os eventos em razão de caso fortuito, força maior.
Configura-se ainda outra causa de excludente de responsabilidade a culpa exclusiva da vítima, vez que não haveria cabimento responsabilizar outrem, nem mesmo a vítima por evento danoso que ela mesmo deu causa.
b) Culpa
Como ensina Ravênia Leite (2009), a culpa não é um elemento geral da responsabilidade civil e, sim, um elemento acidental, ao passo que nas condutas que geram a responsabilidade objetiva, esse elemento é dispensável, bastando nesses casos, analisar o dano, a conduta e o nexo causal entre elas.
A culpa em sentido lato abrange dois elementos, o dolo, elemento objetivo que consiste na violação de um dever ou de uma obrigação preexistente, quando a conduta do agente esta marcada pela voluntariedade da ação ou omissão, ainda que ele não tenha desejado ou previsto o resultado. E a culpa em stricto sensu, elemento subjetivo, que diz respeito ao animus agendi, quando este age com violação do cuidado objetivo, ou seja, por descuido, imperícia ou negligência, deixando de observar determinações prévias. Ressalta-se que as determinações prévias que o agente deve respeitar, consistem em cuidados básicos, que todo homem médio deve possuir na prática de atos e relações jurídicas (CAIRO JUNIOR, 2013).
De acordo com a reprovabilidade social, a doutrina e jurisprudência firmaram uma espécie de tabela abstrata, na qual constam graus de culpa, que variam de levíssima a grave. Por dispor de parâmetros subjetivos, essa tabela possibilita conclusões contraditórias, assim o legislador não estabeleceu no Código Civil 2002, qualquer referência quanto aos graus de culpa, para a fixação do quanto indenizatório.
Observa-se que esse posicionamento do legislador é muito delicado, vez que, nos casos de indenizações por perdas materiais, não cabe juízo de valor ao passo que a reparação deve corresponder ao valor do dano sofrido. Todavia, nos casos de danos morais, o critério de ponderação de graus de culpa se associado ao grau do dano, poderia ser corretamente aplicado, pois essa indenização tem caráter compensatório e não de ressarcimento pelo prejuízo sofrido.
Outra classificação que também se aplica ao elemento culpa em estricto sensu, consiste em: culpa in vigilando, que advém da falta de vigilância do responsável por pessoa ou coisa sob sua responsabilidade; e culpa in eligendo, que decorre da falta de cuidado na eleição de seu representante ou preposto.
Essa classificação, das culpas em in vigilando, in eligendo, era fundamental antes da promulgação do Código Civil de 2002, quando vigora no sistema jurídico brasileiro a culpa presumida nos casos de responsabilidade civil indireta. Atualmente, tais casos não se submetem mais ao sistema da culpa presumida, e sim à responsabilidade civil objetiva, assunto a ser tratado mais adiante.
c) Dano
A ocorrência de dano é imprescindível à configuração da responsabilidade civil, pois se não houver prejuízo ou lesão não subsistirá o dever de reparar. Como ensina Oliveira (2013, p.228) com base nas lições de Rui Stoco (2011):
“Aliás, etimologicamente, o vocábulo indenização significa tornar indene, ou seja, tornar íntegro, incólume, ileso, restaurado. Se não há prejuízo ou lesão, logicamente não há o que reparar; em termos mais singelos, seria como pretender consertar o que não foi danificado. Afirma Rui Stoco: “se não houver prova do dano, falta fundamento para a indenização. Não se admite o dano incerto, improvável ou eventual, o dano condicional e nem mesmo o dano hipotético.”
Conforme já exposto anteriormente, pode haver responsabilidade sem culpa, mas não haverá responsabilidade sem a comprovação de dano a um bem jurídico, patrimonial ou moral. O dano consiste em uma lesão, uma diminuição do bem jurídico, seja qual for à natureza deste, quer seja material, quer seja moral, que por sua vez, acarrete prejuízo ressarcível ou compensável.
O dano será concebido como material, quando afetar a esfera patrimonial do lesado, diga-se, atingir os bens passíveis de avaliação pecuniária, e consequentemente, poderem ser reparados. Conforme depreende-se das lições de Diniz (2006, p.71).
“Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.”
E o dano será moral quando alcançar interesses não patrimoniais, afetando a normalidade psicofisiológica da vítima de forma maléfica, ocasionando dor, vexame, sofrimento, humilhação, dentre outros efeitos. Há de se ressaltar que essa distinção refere-se tão somente ao objeto lesionado, uma vez que os efeitos da lesão poderão atingir a esfera moral, ainda que o dano seja material.
O dano material ainda se subdivide em danos emergentes e lucros cessantes. Esse consiste na perda efetiva da vítima, ou seja, compreende tudo aquilo que o lesado perdeu com o evento danoso, essa espécie de dano material também é conhecido como danos positivos.
Já os lucros cessantes, ou danos negativos compreende aquilo que a vítima razoavelmente deixou de ganhar, aquilo que poderia ser acrescido a seu patrimônio, caso o evento danoso não viesse a ocorrer.
Nessa senda, segue Mauricio Godinho Delgado (2012, p.621), quando, invocando a legislação civil vigente, aduz,
“Tais perdas patrimoniais traduzem dano material, que envolve, desse modo, duas dimensões, segundo o Direito Civil: aquilo que efetivamente se perdeu (dano emergente: despesas efetivadas, por exemplo) e aquilo que razoavelmente se deixou ou deixar-se-á de ganhar (lucro cessante: por exemplo, redução ou perda da capacidade laborativa). Observe que a lei civil fixa critérios relativamente objetivos para a fixação da indenização por tais danos materiais. Esta envolve “as despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença” (art.1.538, CCB/1916; art949, CCB/2002), podendo abranger, também, segundo o novo Código, a reparação “de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido” (art.949, CCB/2002). É possível que tal indenização atinja ainda o estabelecimento de “uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu” (art.1.539, CCB/1916; art.950, CCB/2002).
d) Nexo Causal
O nexo de causalidade, é o elemento que liga, relaciona a conduta e o dano, uma vez que a existência do evento danoso, ou do resultado lesivo, isoladamente, não implica no dever de reparar. Para isso, faz-se mister que entre eles haja uma relação de causa e efeito.
Em suma, percebe-se que o nexo causal tanto é pressuposto de responsabilidade, como da obrigação de indenizar, pois não são todos os danos que se mostram passíveis de ressarcimento, mas apenas àqueles ocasionados pela conduta do agente lesionador.
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS ACIDENTES DO TRABALHO
A responsabilidade civil possui duas grandes espécies, qualificadas assim, quanto ao fato gerador, quais sejam: responsabilidade civil contratual e extracontratual. A responsabilidade civil contratual decorre de uma obrigação jurídica preexistente firmada entre as partes, esta obrigação pode ser derivada da lei, de um contrato ou mesmo de um preceito geral de direito. Assim, caso uma das partes descumpra com suas obrigações pré-estabelecidas, responderá por danos, cabendo, inclusive, a parte inadimplente provar se incorreu em culpa ou dolo, ou ainda se sua conduta contempla alguma excludente de ilicitude. (LEMOS; LOPES, 2011).
Noutro norte, está a responsabilidade civil extracontratual, ou aquiliana, que se verifica quando ocorre lesão a direito subjetivo sem que haja a existência de vínculo contratual ou qualquer outra relação jurídica entre vítima e autor do dano. Nesses casos, o autor do dano não possui vínculo contratual com a vítima, mas sim, um vínculo legal (LEMOS; LOPES, 2011).
Um exemplo interessante de responsabilidade civil extracontratual pode ser percebido nas relações de trabalho, que apesar de possuir um vínculo contratual entre as partes, o empregador pode ser responsabilizado segundo esta espécie de dano, bastando para isso que o evento danoso decorra das atividades laborativas, e não esteja relacionado ao descumprimento de cláusula ou condição do contrato de trabalho (LOSSO, 2008).
Para melhor compreensão, das espécies de responsabilidade civil, e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, cabe trazer à baila as lições de Alice Monteiro de Barros (2009, p.647):
“A responsabilidade civil se aplica não só ao âmbito da respectiva disciplina, mas de todas as que derivam desse ramo, inclusive do Direito do trabalho. O dano a que alude o art. 186 do Código Civil de 2002poderá ser material e/ou moral.
Essa responsabilidade, por sua vez, poderá ser contratual ou extracontratual. A primeira configura-se quando uma das partes descumpre obrigação previamente contraída e a responsabilidade extracontratual se verifica quando o dano causado implica violação de um dever de não lesar, fora da relação convencional”.
Da responsabilidade aquiliana, ainda, advém uma subclassificação, esta por sua vez, fundada na existência ou não, do elemento culpa.
A responsabilidade civil subjetiva tem como fundamento a presença do elemento culpa ou dolo, e resta caracterizada, quando o autor da conduta age com imperícia, imprudência ou negligência.
Já na responsabilidade civil objetiva, se dispensa o elemento anímico, sendo configurada a obrigação de indenizar, simplesmente quando houver a presença do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.
2.4.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
a) Responsabilidade civil subjetiva
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, haviam-se muitas discussões acerca da responsabilidade civil do empregador no acidente de trabalho, pois os empregadores acreditavam que todo e qualquer tipo de infortúnio laboral, decorrente de suas atividades empresarias, estariam cobertos pelo seguro obrigatório, até porque o Decreto nº 24.637/1934 no seu art.12 previa que “a indenização estatuída pela presente lei exonera o empregador de pagar à vitima, pelo mesmo acidente, qualquer outra indenização de direito comum”.
Visando por fim nessa celeuma em 1963, o Superior Tribunal Federal (STF) em sessão plenário aprovou a antiga Súmula 229, com a seguinte redação: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em casos de dolo ou culpa grave do empregador.” Ocorre que a edição dessa súmula não sanou os problemas nem as possíveis dúvidas quanto à concessão da indenização acidentária, pois, um novo debate, no tocante a classificação de grau de culpa do agente, iniciou-se entre os tribunais.
Deste modo, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 7º, XXVIII, pôs fim aos embates dantes travados, prevendo que seria devida a indenização acidentária, aos acidentes em que o empregador tivesse contribuído com culpa ou dolo, independente do grau.
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”;
Com efeito, os requisitos necessários à configuração do acidente laboral se tornaram mais brandos, contemplando inclusive, a simples culpa, ainda que levíssima, como elemento suficiente para atender a este pressuposto da responsabilidade civil.
Já na responsabilidade civil subjetiva, só haverá obrigação de indenizar quando restar comprovado à presença do elemento culpa, latu sensu, na conduta do empregador, seja porque ele não forneceu os equipamentos de proteção necessários para garantir a segurança do trabalhador, seja porque não realizou a manutenção imprescindível nos instrumentos de trabalho, ou, seja por qualquer outro motivo. Como ensina Savatier (1951a,p.1 apud BELFORT, 2010, p.18):
“A culpa deve ser judicialmente provada, é, com efeito, a pedra angular da qual se deve partir para que se dê por configurada a responsabilidade civil. Essa é a obrigação que pode incumbir uma pessoa de reparar o dano causado a outrem, por fato a ela imputável, ou por fato imputado a pessoas ou coisas que dela dependem ou a ela estejam sujeitas. No magistério de Savatier (1951,a.p.1), a culpa […] é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase-delito.”
Vale ressaltar, que o risco normal da atividade da empresa não gera automaticamente o dever de reparar. Nesses casos, o trabalhador fará jus apenas aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (OLIVEIRA, 2013).
Nesse sentido é a preciosa lição de Oliveira (2013, p.96):
“O substrato do dever de indenizar tem como base o comportamento desidioso do patrão que atua de forma descuidada quanto ao cumprimento das normas de segurança, higiene ou saúde do trabalhador, propiciado, pela sua incúria, a ocorrência do acidente ou doença ocupacional. Com isso, pode-se concluir que, a rigor, o acidente não surgiu do risco da atividade, mas originou-se da conduta culposa do empregador.”
Com o advento da industrialização nas relações de trabalho, o número de acidentes envolvendo máquinas e vítimas, cresceu exponencialmente, tornando a perquirição do elemento culpa, uma tarefa árdua e quase impossível. Assim, após o evento danoso restava comprovado apenas a doença ocupacional ou acidente de trabalho e nexo de causalidade entre ele e o emprego, sem, no entanto, estar evidenciado o requisito culpa, até então imprescindível ao dever de reparação.
Nesse contexto, o Código Civil de 2002, com a edição do seu artigo 927, parágrafo único passou a admitir a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, a qual impõe responsabilidade civil independentemente de culpa, conforme será analisado no item seguinte.
b) Responsabilidade civil objetiva
Conforme já ventilado, a teoria da responsabilidade civil objetiva funda-se no dever de reparar independente de culpa do agente, ou seja, é uma responsabilidade que se justifica exclusivamente pelo fato.
Na busca de fundamentos que embasassem a responsabilidade objetiva, no final do século XIX, os juristas Raymond Saleilles e Louis Josserand, desenvolveram a teoria do risco, segundo a qual basta demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre eles, para que seja concedida a reparação, ou seja, aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes.
José Cairo Junior (2013, p.43) ensina sobra a teoria do risco:
“A atividade humana cria risco em função do seu interesse em produzir mais com menor custo. Cabe àquele que produz e controla o risco, portanto, adotar medidas necessárias para reduzi-los ou eliminá-los, sob pena de suportar suas consequências. Desse modo, quem deve suportar o ônus respectivo são aquelas pessoas que obtêm o proveito da sua própria atividade, segundo o brocardo ubiemolumentum, ibionus, ou seja, quem se beneficia do proveito deve suportar os encargos.”
Nas relações de trabalho, a aplicação da responsabilidade civil objetiva pode se dar em quatro modalidades, quais sejam: risco integral, risco profissional, risco proveito e risco criado.
Pela teoria do risco integra qualquer fato, culposo ou não, deve assegurar à vítima a reparação do dano causado, ou seja, não necessita comprovação nem do nexo de causalidade. Em razão dessa modalidade ser extremada, a sua aplicação esta condicionada a previsão legal.
A teoria do risco proveito prevê que todo aquele que retira proveito da atividade, fato causador do dano, deve repará-lo, vez que, quem goza dos encargos felizes, suporta os resultados nefastos.
Já a teoria do risco criado proclama que quem empreende alguma atividade, seja lucrativa ou não, assume os riscos decorrentes dela e responde pelos danos causados a outrem, respeitadas as excludentes de responsabilidade, notadamente, a de culpa exclusiva da vítima. Esta teoria do risco foi à adotada pelo novo Código Civil de 2002, em seu art. 927, parágrafo único. Assim, cabe trazer à baila as lições de Caio Mario (2002, apud OLIVEIRA, 2013, p.116):
“A modalidade mais aceita e que supera o embaraço anterior é a do risco criado, porquanto não indaga se houve ou não o proveito para o responsável; a reparação do dano é devida pela simples criação do risco. Segundo o saudoso Caio Mario, “o conceito de risco que melhor se adapta as condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.”
A teoria do risco profissional sustenta que o dever do empregador em indenizar surge quando ocorre um acidente com seus empregados no trabalho ou por ocasião dele, em razão da atividade ou profissão da vítima. Nesses casos, não se cogita a periculosidade da atividade profissional.
Diante de todo exposto nota-se que, apesar da teoria do risco aumentar os encargos do empregador, ela promove um tratamento mais equitativo para as vítimas, que não precisam demonstrar a culpa do empregador em relação ao evento danoso. Entretanto, diferente tratamento é dispensado ao empregador, tendo em vista que agindo ou não com os cuidados que lhe é inerente, responderá de forma objetiva, ou seja, o empregador que toma todas as providências recomendadas sofrerá com a mesma espécie de responsabilização daquele que sempre foi irresponsável e descuidado com seus empregados (DIAS, 1995).
Cumpre observar, que o advento da responsabilidade objetiva não implicou na extinção da responsabilidade subjetiva, muito pelo contrario, ambas convivem no mesmo ordenamento jurídico, sendo a responsabilidade aquiliana aplicada quando a comprovação do elemento culpa acarretar demasiado prejuízo à vítima como ocorre nas situações que envolvem acidentes de trabalho.
2.5 FORMAS DE REPARAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO
A Constituição Federal de 1988 instituiu, no seu art.7º, XXVIII, o direito que o trabalhador acidentado tem em receber indenização por parte do empregador, quando este tiver dado causa ao evento danoso. É o que se vê do artigo abaixo transcrito:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
Esta indenização está compreendida no instituto da responsabilidade civil e tem, por finalidade, promover a reparação integral de todos os danos decorrentes do acidente de trabalho, ou seja, visa restituir o statu quo ante.
Assim, verifica-se que a reparação tutelada pelo código civil não tem natureza de pena em sentido estrito, e sim de ressarcimento, compensação, indenização pelos danos, de qualquer natureza, sofridos pela vítima.
Para concessão de indenizações civis, o dano deve atender a três requisitos: ser certo, atual e subsistente, ou seja, o dano deve existir no momento da propositura da ação de responsabilidade, não podendo nesta época já ter sido reparado (CARVALHO, 2011). Por esta razão, o art. 403 CC/2002 veda a reparação a danos indiretos e imediatos, senão vejamos:
“Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”
Os acidentes de trabalham podem causar danos fatais como a invalidez, o óbito ou a redução parcial da capacidade laborativa ou podem desencadear danos reparáveis como, por exemplo, o afastamento das atividades laborativas por razoável lapso temporal.
Os infortúnios que comprometem de alguma forma a saúde do obreiro, fazem jus a indenizações cíveis, a fim de restaurar a situação inicial do trabalhador, ou promover uma compensação dele, ou de seus familiares, em face do evento danoso.
Com efeito, há casos em que os acidentes são de pequena proporção, não acarretando afastamento nem danos efetivos a saúde ou estética do trabalhador, consistindo apenas, em meros aborrecimentos ou fatos desconfortáveis, o que por sua vez, não ocasiona o dever de indenizar.
No entanto, o que se tem visto no sistema judiciário brasileiro, é uma grande demanda de ações de reparação, nas quais alguns trabalhadores buscam auferir pequenas fortunas, em razão de simples ferimentos ocorridos na prestação das atividades laborais, sob a justificativa de que todo e qualquer acidente de trabalho deve ser indenizado. Provocando na justiça brasileira uma sobrecarga de ações que possivelmente não existiria caso o instituto da responsabilidade civil nos acidentes de trabalho não tivesse ganhado tanta valoração.
Os acidentes de trabalho, em regra, podem desencadear dano de natureza moral, material ou estética, cada um deles, com critérios de fixação distintos e regramentos próprios, conforme veremos em tópicos a seguir.
2.5.1. Dano material
O dano material é concedido quando o evento danoso afeta a seara patrimonial da vítima, ocasionando a redução, a perda ou deterioração, total ou parcial, de bens materiais, suscetíveis de avaliação monetária, que sejam de sua propriedade (OLIVEIRA, 2013).
Como já dito anteriormente, os danos materiais se dividem em duas parcelas, os danos emergentes e os lucros cessantes.
a) Danos emergentes
Os danos emergentes consistem na perda imediata, no prejuízo econômico que surge em razão do acidente, ou seja, são os gastos necessários e concretos, passíveis de apuração por vias documentais (OLIVEIRA, 2013).
A reparação decorrente dos danos emergentes busca a restituição integral do patrimônio da vítima, a recomposição do estado anterior ao acidente.
b) Lucros cessantes
Já os lucros cessantes, compreende a quantia, os valores que a vítima deixou de ganhar em razão do evento danoso.
Para a apuração desse quantum indenizatório, faz-se necessário considerar parcelas razoáveis, que estejam dentro da expectativa real do trabalhador, sendo respeitadas as correções e atualizações monetárias, sem, no entanto, apreciar a mera probabilidade de alguma renda, ou seja, nos casos de acidentes laborais que torne o trabalhador totalmente incapacitado, os lucros cessantes compreenderá o valor que ele possivelmente ganharia ao longo de sua vida realizando a mesma atividade que desempenhava a época do evento danoso.
Para facilitar o entendimento do assunto Oliveira (2013, p.233) com douta sapiência, exemplifica:
“(…) Assim, se a empresa tiver um plano de cargos e salários prevendo promoção automática por antiguidade, o valor da indenização deverá considerar essa hipótese, diante da razoável certeza do fato. Se a vítima que se tornou inválida, por exemplo, tiver sido, anteriormente, aprovada em um concurso público, a partir do momento em que for nomeado o candidato que figure em seguida à sua classificação, o valor dos lucros cessantes deverá contemplar os vencimentos que ela teria no cargo”.
Insta observar que parte da Doutrina, inclusive Sebastião Geraldo de Oliveira (2013) afirma que os valores pagos a título de benefício previdenciário acidentário não servem para repor ou compensar a parcela indenizatória cabível em razão dos lucros cessantes mas, caso a compensação não ocorra verifica-se que o acidente laboral vai conferir benefícios que o trabalhador não teria caso não tivesse sido vítima do infortúnio, ao passo que ele irá auferir mensalmente valor superior ao seu salário, e muitas vezes a incapacidade não lhe torna dependente para os atos da vida cotidiana, como veremos mais adiante.
Uma espécie bem comum de lucros cessantes dentro da relação de trabalho é nos casos em que o trabalhador sofre uma incapacidade permanente, que lhe impossibilita de exercer as funções laborais, ou quando ele vem a falecer, e por esta razão é devida a prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia.
Diferentemente do instituto de pensão verificado no direito de família, a pensão decorrente do óbito do trabalhador não compreende as necessidades dos seus dependentes e sim, os rendimentos que a vítima percebia quando estava em atividade. Como o salário do empregado era devido mês a mês, o pensionamento se dará da mesma forma, sendo facultado, no entanto, ao trabalhador acidentado sobrevivente, escolher se a indenização será paga de uma vez só ou em prestações sucessivas.
Visando não desamparar o trabalhador, no decorrer de sua vida, por eventual falência do empregador, pode-se aplicar nessas relações de lucros cessantes a disposição do art.475-Q, do Código de Processo Civil, que determina a constituição de capital em garantia para o cumprimento das prestações mensais. Não havendo, portanto, que se cogitar em prisão civil do devedor de pensão, como ocorre nos casos de alimentos concedidos na relação familiar.
Apesar da constrição de capital não se da necessariamente em depósito de valores, podendo ser em bens ou títulos, o empregador muitas vezes se vê limitado financeiramente para dar continuidade à atividade empresária face ao gasto imprevisível que se viu obrigado a contrair, ao passo que, o trabalhador ainda poderá acumular rendas, atingindo valores. superior aos obtidos anteriormente.
Impende observar, que os beneficiários da pensão no caso de morte do trabalhador, nem sempre serão aquelas pessoas elencadas na linha sucessória da vitima, pois, a indenização (pensionamento) será destinada a quem efetivamente foi atingido pelo falecimento da vítima. Em regra, as pessoas mais afetadas são o cônjuge e os filhos, todavia, o núcleo familiar do trabalhador pode ser composto por outras pessoas, ou por parentes distantes, mas que serão diretamente prejudicados com o evento, e por esta razão, farão jus ao benefício da pensão.
Ademais, necessário à lembrança do que consta nos artigos 948 e 949, ambos do Código Civil, no sentido de ser devida outras indenizações ou prejuízos que o acidentado demonstre ter sofrido em razão do infortúnio.
2.5.2 Dano moral
As condutas que dão ensejo ao dano moral são àquelas que provocam a vítima um desequilíbrio psicológico, um desânimo, medo, angústia, abatimento, e todo tipo de sensação dolorosa que pode ser experimentada pela pessoa lesada (OLIVEIRA, 2013).
Com sabedoria assevera Yussef Said Cahali (2005, p.22-23 apud OLIVEIRA, 2013, p.237)
“Já Yussef Said Cahali entende que “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que esta integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devasamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”
Impende observar que as hipóteses de dano moral apresentadas pela doutrina, são meramente exemplificativas, pois, conforme Andrade (2003) o dano moral é um conceito em construção, e por estar relacionado ao desenvolvimento social e a evolução dos direitos da personalidade, tende a abarcar situações que ainda não são consideradas.
Vale ressaltar, que o dano moral não busca a reparação pelo evento danoso, até porque muitas vezes é impossível restituir ao estado inicial das coisas. Assim, essa espécie de dano, possui uma função mais compensatória, e menos indenizatória, ou seja, o valor concedido à vítima, ou seus dependentes, tem o condão de mitigar a dor ou o sofrimento, proporcionando um maior conforto material, ou satisfação seja de ordem moral ou intelectual.
Apesar de possuírem naturezas e finalidades distintas, muitas controvérsias surgiram acerca da possibilidade de cumulação dos danos materiais e morais quando decorrentes de um mesmo fato, sendo necessário a edição de uma súmula do Colento Superior Tribunal de Justiça de nº 37, para firmar o entendimento de que é possível a cumulação das indenizações.
Transpondo os danos morais para seara trabalhista, verifica-se que esse tem a sua maior aplicabilidade quando do evento danoso resulta incapacidade permanente, que em regra se da através da mutilação de membros, ou pelo evento morte que acarreta na família sentimentos que extrapolam a dor, saudade e sofrimento, atingindo todo o planejamento de uma vida, e a estrutura de um grupo familiar.
Deste modo, a indenização não será devida a fim de reparar o dano causado, mas como já dito anteriormente, com o intuito de acalmar a revolta do lesado, e facilitar seu trato diante das adversidades geradas pelo fato consumado.
2.5.3 Dano estético
O dano estético consiste em uma deformação física, morfológica sofrida pela vítima em razão do evento danoso, que desperte a atenção de terceiros, podendo, em alguns casos, ensejar até mesmo certo grau de repulsa. Sobre o conceito de dano estético leciona Diniz (2007, p.80 apud OLIVEIRA,2013, p.257):
“O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa”.
O dano estético não consiste necessariamente em uma espécie de dano e sim, em um desdobramento do dano moral. Todavia, é plenamente cabível que a vítima receba de forma cumulada o dano moral e estético quando decorridos do mesmo fato.
È o que se vê da sumula 387, do Colendo STJ, in verbis: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”
2.5.4 Perda de uma chance
É sabido que o não cabe indenizações quanto a danos incertos, hipotéticos ou que possa ocorrer eventualmente. Entretanto, foi criado uma nova espécie de indenização, que contempla eventos incerto e é concedida em decorrência da perda de uma chance da vítima em alcançar determinada vantagem (OLIVEIRA, 2013).
De acordo com essa nova categoria de indenização, o evento danoso não causou um prejuízo efetivo, mas obstou a chance da vítima de um ganho provável, ou seja, o dever de reparar é imputado ao agente não por ele ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima, mas por ter retirado dela a possibilidade de obter uma vantagem.
Como a perda de uma chance não é um tipo de dano que estar compreendido no texto legal, tampouco se amolda como um desdobramento dos danos morais ou materiais, ao passo que possui aspectos tanto de um quanto do outro, a V Jornada de Direito Civil, realizada em 2011 aprovou o Enunciado 444 que dispõe em um de seus artigos:
“Art. 927: A responsabilidade civil pela perda de uma chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstancia do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”. (Oliveira, 2013, p.261)
3 POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS NAS INDENIZAÇÕES POR ACIDENTE DE TRABALHO
O acidente de trabalho e os eventos equiparados a este provocam sérias consequências, não só ao obreiro e sua família, mas também a toda sociedade. Ao trabalhador por ter sua capacidade laboral reduzida ou cessada, a sua família que tem a sua fonte de renda diminuída ou muitas vezes perde o provedor do núcleo familiar e, a toda sociedade, seja por ter mais um indivíduo dependente da seguridade social, seja por ter mais um trabalhador fora do mercado de trabalho.
No Brasil assim como em todo o mundo, os acidentes de trabalho acontecem em números significativos todos os dias, e quando este evento danoso ocorre, o primeiro pensamento do trabalhador regularizado, é procurar o INSS para obter deste ente a concessão de um benefício, sem, no entanto, atentar para outros tipos de reparação cabíveis em razão do infortúnio laboral.
Ademais, a problemática acerca dos acidentes laborais extrapola a seara financeira, já que além da diminuição no patrimônio do trabalhador, este, quando não vem a falecer, passa a sofrer com problemas ou traumas que lhe acompanharão para o resto da vida, sentimentos carregados de inferioridade e de baixa estima. Caso o trabalhador não sobreviva ao infortúnio, a sua família e todos que dele dependiam experimentarão o amargor da saudade e muitas vezes o desequilíbrio familiar causado pela ausência daquele membro, seja pela falta de um pai na educação de seus filhos, seja na falta de um filho no sustento de seus pais, quando já idosos.
Quando um acidente laboral acontece, em regra, uma vida plenamente capaz e independente tem seu fim antecipado, simplesmente pelo fato da vitima estar realizando uma atividade que irá conferir lucro ao seu empregador, ou seja, a capacidade de trabalho de um ser humano, e até mesmo a sua vida, encontra-se subjugada a questões meramente financeiras.
Conforme foi exposto no transcorrer do presente estudo, são dois os grandes motivos que inviabilizam a concessão das indenizações civis acidentárias. O primeiro deles é a falta de conhecimento que os trabalhadores possuem acerca de seus direitos, e o outro consiste na acomodação dos empregadores, que por já realizarem o pagamento do seguro de acidente de trabalho acreditam estar desincumbidos do ônus de reparar o trabalhador pelo dano que deu causa.
Nesse passo, o Estado, buscando conferir uma proteção ao trabalhador acidentado, instituiu o Seguro Acidente do Trabalhador (SAT), que consiste em uma contribuição social adicional, que incide de 1% a 3% sobre a folha de pagamento do trabalhador, de acordo com o grau de risco da atividade predominantemente exercida na empresa. Esse seguro obrigatório visa assegurar a subsistência do trabalhador acidentado, sendo mantido pelo empregador e gerido pelo poder público, através do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). É o que se vê do art.22, II da lei nº 8.213/91, in verbis,
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave”.
Na oportunidade, cabe trazer à baila as lições José Cairo Júnior (2013, p.71) acerca do Seguro Acidente do Trabalhador e as noções de responsabilidade acidentária e comum que permeiam a contribuição, em questão.
“Desse modo, parte da responsabilidade inicial do empregador, em virtude de danos causados por acidente do trabalho, é legalmente transferida para um órgão do Estado, mais especificamente o Instituto nacional de Seguridade Social, mediante o pagamento de uma contribuição social complementar, limitando-se, aquela responsabilidade, à reparação pecuniária do lucro cessante.
Esse sistema de seguro acidentário, na forma que se apresenta atualmente no Brasil, constitui parte fundamental, porém destacada, da Seguridade Social, posto ser financiada diretamente pelo agente causador o risco, qual seja, o empresário, por meio de um recolhimento mensal variável sobre a folha de pagamento, entre 1% e 3%, de acordo com o grau de risco da sua atividade preponderante, conforme o art. 22, II, da Lei n.8.212/91”.
Os valores arrecadados pelo pagamento do SAT formam um fundo destinado aos benefícios acidentários, inclusive o de pensão por morte, e pode ter suas alíquotas alteradas seja com uma redução de até 50%, ou com a majoração de até 100%, a depender da atividade desenvolvida na empresa. Os benefícios são concedidos com base no salário de contribuição do segurado, no entanto, respeitam o limite do teto fixado por instrução normativa do Ministério da Previdência e do Ministro da Fazenda, que atualmente esta em torno de 6,1 salários mínimos (PREDOZO, 2013).
Para concessão dos benefícios acidentários, não há necessidade de se perquirir a culpa do empregador, devendo a autarquia federal implantar o benefício assim que reste comprovado o dano e o nexo de causalidade entre este e o acidente laboral. Observa-se ainda, que o deferimento do beneficio se dá de forma objetiva, em consonância a teoria do risco, espécie adotada pela legislação pátria que se afigurou como uma medida benéfica para ambas as partes, para o empregado na medida em que conferiu um maior amparo nos casos de acidentes laborais, e para o empregador que não será mais surpreendido com a imposição de indenizações vultosas.
No entanto, a dispensa da acareação do elemento culpa nos acidentes laborais, implicou em uma sensível redução das reparações monetárias, se tornando uma indenização por meio de tarifação prévia. Como bem explica José Cairo Junior (2013, p.134):
“Houve, no caso, o que se pode chamar de “transação legal”. Por um lado, a indenização não corresponderia ao total do prejuízo sofrido, como acontecia com a aplicação da responsabilidade civil de direito comum, mas em compensação instituir-se-ia a certeza de que a vítima ou seus dependentes iriam perceber aquele valor pré-fixado. O próprio empregador também foi beneficiado, já que poderia ser condenado a pagar uma indenização vultosa.”
No que diz respeito à responsabilidade objetiva acerca das indenizações acidentárias, outro entendimento não se mostraria adequado, até porque, conforme ensina Maria Helena Diniz (2006, p.502) a natureza do SAT nada mais é do que contratual-legal, em razão do vínculo trabalhista firmado entre as partes. Senão vejamos:
“A responsabilidade pelo seguro contra acidente de trabalho (CF/88, art.7º,XXVIII, 1ª parte) tem natureza contratual-legal. É eminentemente contratual por fundar-se num contrato de trabalho em que o devedor dessa responsabilidade é o patrão, e o credor, o empregado acidentado. Mas como este contrato não está à mercê da autonomia de vontade das partes, pelo fato de a lei lhe dar cobertura, nítido é o seu caráter legal. O empregador, ao celebrar o contrato de trabalho, assume o dever de garantia, responsabilizando-se pelo seguro contra qualquer acidente sofrido pelo empregado enquanto estiver exercendo seu serviço ou faina diária.”
Todavia, a reparação decorrente da arrecadação mensal prevista no art. 22, II, da lei nº 8.212/91, esbarrava em um grande problema, o de não conferir uma reparação integral ao acidentado, já que a contribuição tarifada paga pela Previdência Social nos casos de acidentes de trabalho, não contemplava os valores decorrentes de lucros cessantes ou dos danos emergentes, bem como, não levava em conta a remuneração auferida por outra fonte de renda que não fosse a que ensejou o infortúnio. Por esta razão, Cairo Junior (2013) entende ser a indenização acidentária incompleta e pré-fixada, ao passo que, a decorrente da responsabilidade civil se apresenta de forma integral.
As indenizações acidentárias previdenciárias se dão por meio do auxílio-doença acidentário, quando a lesão incapacitar o obreiro por mais de 15 dias; através da aposentadoria por invalidez, quando o evento causar incapacidade total e permanente; pela pensão por morte, quando em razão do acidente a vítima vier a falecer; ou, por fim, o auxílio acidente, nos casos em que a vítima permanece com sequelas advindas do infortúnio laboral.
Necessário se faz um adendo sobre a questão da incapacidade total, vez que, uma lesão ou doença ocupacional pode incapacitar o trabalhador apenas para o exercício de um tipo de atividade, no entanto, essa pode ser a única função laborativa que o obreiro sabia realizar, o que nos leva a crê que o acidente de trabalho que compromete o desempenho da única atividade conhecida pelo trabalhador configura uma incapacidade total, cumprindo assim, um dos requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez. Entretanto, esse não tem sido o entendimento da autarquia federal, que só concede o benefício da aposentadoria por invalidez, administrativamente quando o evento nefasto atingiu toda a capacidade do trabalhador.
A Previdência Social geralmente indefere o pleito da aposentadoria acidentária sob alegação de que o trabalhador pode ser reintegrado no mercado de trabalho, após ser submetido ao serviço obrigatório do INSS de readaptação profissional, no qual, o trabalhador é reeducado profissionalmente e socialmente para poder firmar um novo vínculo laboral (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2013). Ocorre que, muitos transtornos podem ser evitados ao trabalhador, caso o INSS, no momento da concessão do benefício realize uma análise mais acurada dos fatos e da situação sociocultural em que o segurado estar imerso, ponderando aspectos como grau de escolaridade, faixa etária e a limitação funcional no caso concreto, para evitar que o deferimento dos benefícios acidentários venha se dar de forma mais lenta e muitas vezes tardia, pelas vias judiciais.
Como já exposto anteriormente, o benefício da pensão por morte é destinado à família do de cujus e visa assegurar a subsistência das pessoas que dele dependia, sem, conferir a elas nenhum tipo de reparação pelo evento súbito, que retirou o trabalhador do seio familiar repentinamente. Este tipo de reparação por sua vez, é pleiteado pelos dependentes do obreiro ao empregador, em via judicial, e será devido caso o infortúnio não seja enquadrado em nenhuma das excludentes de responsabilidade.
A indenização civil por sua vez, é devida quando o trabalhador for vítima de um acidente de trabalho do qual resulte redução da capacidade laborativa, ou óbito, desde que o empregador tenha concorrido com o culpa ou dolo para a ocorrência do evento danoso, como prevê o artigo 7º XXXVIII da CF, in verbis:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
Apesar do artigo, acima transcrito prevê a possibilidade de um trabalhador acidentado receber a indenização acidentária e a decorrente da responsabilidade civil por parte do empregador, a redação não foi de toda nitidez, vez que, não determinou a possibilidade de compensação das verbas indenizatórias, tampouco elencou hipóteses estabelecendo a possibilidade ou não de compensar as verbas em questão.
Muito se discute sobre o assunto, pois como as relações sociais estão em constante evolução e aperfeiçoamento e a lei parece-nos limitada para contemplar diferentes situações que versem sobre o mesmo tema, até porque para a concessão de forma compensada ou não, deve-se analisar a natureza, a finalidade, e os elementos que permeiam as verbas indenizatórias.
Os que defendem a impossibilidade de compensação das parcelas indenizatórias se atêm a uma série de fatores. O primeiro deles está relacionado a presença do elemento culpa, pois a responsabilidade acidentária esta calcada na teoria do risco, e por isso a sua aplicação se da de forma objetiva, dispensando o aspecto culpa, já para se aplicar a responsabilidade de direito comum faz-se mister o elemento subjetivo, sem este a responsabilidade civil, não pode ser aplicada. Daí porque, conclui-se que enquanto a indenização securitária corresponde ao risco da atividade empresarial, a reparação cível esta fundada na conduta ilícita do trabalhador.
Fazendo referência, ao art. 7ºXXXVIII CF, Oliveira (2013, p.87) entende já estarem superadas as controvérsias acerca do tema:
“Uma vez fixada a diretriz constitucional pela cumulação, ficou superada também a pretensão do empregador de compensar a parcela recebida pela vítima, ou seus dependentes, da Previdência Social, porquanto o deferimento de um direito não exclui, nem reduz o outro. O seguro acidentário destina-se a proteger a vítima e não diminuir ou substituir a obrigação do empregador de reparar o dano causado pelo acidente ocorrido por sua culpa ou dolo. O fato gerador da indenização não foi, a rigor, o exercício do trabalho, mas o comportamento ilícito do patrão.”
No entanto, dada a máxima vênia ao posicionamento de Sebastião Geraldo de Oliveira, as suas conclusões não devem proceder, ao passo que o artigo 7ºXXXVIII CF não foi claro, tampouco ensejou o entendimento de que os valores recebidos em razão de uma indenização não poderiam ser reduzidos dos benefícios acidentários. Ficando esse entendimento a cargo do desembargador.
Alegam ainda, que apesar da denominação de seguro o benefício acidentário não confere ao trabalhador nenhum tipo de indenização, considerando o sentido estrito da palavra, apenas defere o mínimo necessário à vítima, ou seus dependentes, para assegurar a sua sobrevivência, ou seja, o benefício acidentário possui caráter eminentemente alimentar e compensatório, enquanto as indenizações pagas pelo empregador possui o condão da restitutio in integrum, o que torna as verbas acumuláveis (CAVALCANTE; JORGE NETO, 2008 apud CAIRO JUNIOR, 2013, p.137).
Na mesma esteira, segue Terezinha Lorena Saad (1999, p.241) e José Luiz Dias Campos (1988, p.1.429, apud OLIVEIRA, 2013, p.85):
“Anota Teresinha Lorena Saad que “a reparação infortunística decorre da teoria do risco, amparada pelo seguro social a cargo da Previdência Social, enquanto a responsabilidade civil comum tem como supedâneo a culpa do patrão ou seu preposto. As causas e os sujeitos passivos da obrigação de reparar são distintos.” Para José Luiz Dias Campos, “a ação de acidente do trabalho, por ser de natureza alimentar é compensatória e a responsabilidade civil é indenizatória, visando restabelecer a situação existente e anterior ao dano”
Miguel Serpa Lopes (1989, p.386-387 apud OLIVEIRA, 2013, p.88), ainda ensina que a compensação de danos só será possível quando os lucros e os prejuízos provierem do mesmo ato ilícito e que este seja tanto a causa do prejuízo quanto do lucro a ser compensado, e não somente a ocasião em que surgem e ainda, que não haja nenhum princípio legal que exclua a possibilidade de compensação, defendendo assim, que não há cabimento na compensação das indenizações acidentarias e nas de direito comum.
Ademais, Teresinha Saad (1988, apud OLIVEIRA, 2013) ainda atribui à impossibilidade de compensação das indenizações a ideia de socialização dos riscos, que abarca a participação do empregador, da União e do próprio empregado para suportar o ônus dos acidentes laborais através das contribuições previdenciárias. Cabendo exclusivamente ao empregador o pagamento da importância destinada à cobertura dos danos. Por isso, ela afirma ser impossível a compensação das verbas, já que o empregador não pode fazer uso de um benefício, que também conta com a participação do trabalhador, para poder reparar um dano decorrente de sua atividade. Todavia, o que se vê nas relações trabalhista é o empregador arcando com o ônus do SAT e com o decorrente das indenizações de direito comum, não havendo no que se falar em socialização dos riscos. Como pode ser verificado pelas observações de Santos (2008, p.70):
“A assertiva de Pontes de Miranda está correta, pois, se a vítima contrata um seguro de danos, a indenização paga pelo segurador não amortiza a reparação devida pelo responsável, o que permite a dupla indenização. Diversa é a situação do seguro de acidentes do trabalho em que o trabalhador vitimado não suporta o respectivo prêmio. Na pior das hipóteses, o trabalhador se enquadra na condição de terceiro beneficiário. Na melhor delas, como se demonstrará no próximo capítulo, o seguro social de acidentes do trabalho é seguro de acidente de trabalho é seguro de responsabilidade civil. Em nenhuma delas o seguro é custeado pelo próprio empregado.”
Deste modo, por não ser cabível a tese de socialização dos riscos, ora sustentada por Teresinha Saad, e sendo a contribuição do SAT apenas de responsabilidade do empregador, alternativa não há, senão entender pela compensação dos benefícios. Nessa esteira, continua Santos (2008, p.70-71) com suas lições:
“Ora, se nos termos do art.7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, o seguro contra acidentes do trabalho deve ser suportado pelo empregador, essa tese de cúmulo não faz o menor sentido. Ela seria aceitável somente se o custo da contribuição para o seguro contra acidentes do trabalho fosse descontado do seu salário. Como, nos termos do dispositivo constitucional, é o empregador quem suporta o encargo do seguro social, é evidente que se trata de um seguro de responsabilidade ou, na pior das hipóteses, de um seguro de danos, pago pelo empregador em benefício do trabalhador. Neste caso, por óbvio que o empregado não pode cumular o benefício do seguro social com eventual indenização devida a título de responsabilidade civil.”
A possibilidade de compensação das reparações cíveis e acidentarias, é facilmente percebível quando partimos do pressuposto que a reparação deve restituir o estado inicial das coisas e não conferir enriquecimento sem causa à vítima ao conceder reparação em importância superior ao limite do dano causado, ou ainda imputar ao empregador uma punição demasiada (OLIVEIRA, 2013), confirmando assim, a hipótese de que a compensação das verbas deve ser aplicada nas indenizações acidentarias para que não reste configurado o bis in idem para com o empregador.
Outro ponto que deve ser observado, como justificativa na compensação das verbas indenizatórias, reside no fato de em razão de um acidente de trabalho ser mobilizada duas máquinas administrativas para solução de um mesmo conflito, gerando, uma majoração nos custos da transação dos danos e consequentemente uma diminuição dos recursos públicos (SANTOS, 2008). Deste modo, outra conclusão não há, senão a de que o art. 7º XXVIII CF, se mostra defasado face às contingências sociais e a realidade financeira que a sociedade brasileira hoje enfrenta.
É o que se vê dos ensinamentos de Marco Fridolin Sommer Santos (2008, p.69):
“O fato é que não se justifica, de modo algum, o recurso a dois sistemas de compensação para solucionar a necessidade de reparação do mesmo dano sofrido pelo trabalhador. Não faz o menor sentido, não tem a menor lógica, mormente diante da escassez de recursos, manter um seguro contra acidentes de trabalho e ao mesmo tempo expandir a proteção do trabalhador na direção do regime geral de responsabilidade civil do empregador. No entender de Carlo Castronovo, essa expansão “só está a demonstrar o quanto é falso afirmar-se a consagração do sistema de seguridade social e ao mesmo tempo defender a instauração de um regime pleno de responsabilidade civil do empregador.”
Ademais, a Previdência Social ainda tem o direito de propor ação regressiva contra o empregador, quando este não observar as normas de segurança, higiene e medicina do trabalho, ou seja, quando incorrer em culpa ou dolo (CAIRO JUNIOR, 2013), conforme preceitua o art.120 da lei nº 8.213/91, abaixo transcrito,
“Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.”
A norma acima transcrita é clara e inquestionável, quando prevê a possibilidade do ressarcimento ao INSS, por parte do empregador, no que diz respeito à importância despedida ao obreiro acidentado, quando o empregador tenha concorrido com culpa ou dolo.
Impende observar que este requisito subjetivo, culpa, também é fundamento das indenizações do direito comum, e por esta razão, seria inadmissível não conceber a compensação das verbas que partem do mesmo princípio, conduta culposa ou dolosa, que ensejou o dano. Até porque, a diferença entre elas, não se restringe a fonte, pagadora, natureza ou finalidade, sendo verificada apenas no quantum indenizatório, pois uma é completa e perfeita conferindo uma reparação integral, enquanto a outra é imperfeita e incompleta, ensejando assim, a complementação e não o pagamento cumulado sem compensação (CAIRO JUNIOR, 2013).
Ainda sobre a natureza das indenizações, ora alegada pela doutrina majoritária a fim de justificar a impossibilidade de compensação, vale pontuar que assim como os benefícios acidentários as indenizações do direito comum, conforme previsto em lei, também possuem natureza alimentar, é o que se vê da simples leitura dos artigos do Código Civil abaixo colacionados.
“Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”
Pelas indenizações terem a mesma natureza e finalidade, divergindo apenas no quanto a ser pago ao trabalhador, verifica-se que a melhor solução para o conflito que atualmente permeia o ordenamento jurídico pátrio é o deferimento de ambas indenizações sendo que a indenização proveniente do direito comum seja compensada dos benefícios acidentários, a fim de assegurar a mantença do trabalhador sem comprometer a funcionabilidade da empresa a que ele estava vinculado na época do acidente laboral, nem contribuir para a rarefação dos cofres públicos.
4 CONCLUSÃO
As relações laborais se aprimoraram com o decorrer dos séculos, no entanto, a legislação nem a industrialização foram capazes de aniquilar os riscos que os empregados estão expostos durante a realização de suas funções laborais, muito pelo contrário, com o passar dos anos, novas doenças e acidentes foram classificados como inerentes as atividades de trabalho.
Buscando amenizar e conferir um tipo de reparação ao trabalhador acidentado, ainda que seja incompleta e pré-fixada, o Estado promulgou diversas leis e instituiu um tipo de seguro acidente de trabalho cujo custeio é de responsabilidade integral do empregador, já que as relações de emprego são marcadas pela busca incessante dos empregadores em auferir o máximo de lucro possível a partir do desempenho da atividade humana, exercida pelos seus empregados.
A atitude tomada por parte do governo brasileiro afigurou-se como a mais acertada, pois o empregado e/ou sua família não poderiam vê-se privado de suas necessidades básicas tampouco, sofrer com a perda de um ente querido, sem que nenhum tipo de reparação lhe fosse conferido.
Muito se discutiu sobre a finalidade e o quantum dessas verbas reparatórias (benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho), vez que, o valor destinado ao empregado acidentado e/ou seus familiares era de pequena monta e se assemelhava aos valores que o empregado receberia se estivesse na ativa, deste modo, a Constituição Federal de 1988 visando por um fim em qualquer tipo de divergência sobre o assunto, previu no seu artigo 7º a possibilidade de o empregado acidentado perceber os benefícios previdenciários sem prejuízo das indenizações cíveis paga pelo empregador.
Ocorre que a carta magna não foi de toda clareza, na medida em que não determinou a possibilidade de se compensar ou não os valores recebidos em face do acidente de trabalho, gerando assim, uma grande divergência doutrinaria e jurisprudencial.
Parte da doutrina defende que o benefício não deve ser compensado, invocando para tanto, o principio da socialização dos riscos que rege a previdência social, e que as verbas possuem diferentes naturezas e finalidades.
Nesse passo, cumpre observar que a socialização dos riscos da previdência social diz respeito aos benefícios previdenciários, vez que toda a sociedade contribui direta e indiretamente para o custeio dos benefícios que por ventura venham a ser concedidos a um trabalhador, desde que o fato gerador do benefício não guarde relação com o acidente de trabalho, pois nesses casos o beneficio concedido é de natureza acidentária e por sua vez, possui fonte de custeio própria, qual seja, os valores pago pelos empregadores em percentual que incide sobre a sua folha de pagamento e varia a depender do grau de risco da atividade desenvolvida.
O outro argumento sustentado por aqueles que se posicionam contra a impossibilidade de compensação das verbas, reside no fato das verbas previdenciárias possuírem naturezas e finalidades distintas, o que por sua vez estar, em parte, correto. Já que as verbas previdenciárias possuem caráter eminentemente alimentar e compensatório, enquanto as indenizações civis, que estão calcadas no animus do empregador, tem o condão de restituir integralmente o dano causado.
Ora, se assim fosse, o art.120 da lei nº 8.213/91 deveria ser declarado inconstitucional, pois se as verbas possuem diferentes naturezas, não haveria motivo para o INSS propor ação regressiva contra os empregadores nas causas em que este tivesse agido com dolo ou culpa. Se consideramos que o animus agendi é pressuposto para a concessão de indenizações cíveis, não se mostra plausível invocar o elemento subjetivo para subsidiar as ações regressivas relacionadas ao pagamento de benefícios previdenciários, vez que estes benefícios são concedidos de forma objetiva.
Ademais, as premissas utilizadas para justificar a impossibilidade de compensação das verbas caem por terra quando se traz à baila o princípio do bis in idem, o qual veda a imposição de uma dupla sanção sobre o mesmo fato, isso por que, se o empregador já paga a título de seguro acidente de trabalho uma indenização pré-fixada temendo futuramente a ocorrência de um evento danoso relacionado as suas atividades empresárias, não se mostra razoável que esse valor não possa ser deduzido da indenização cível que por ventura ele venha a pagar em face do mesmo fato. Confirmando assim, uma das hipóteses suscitada a favor da compensação das verbas indenizatórias.
Impende observar, que em regra a verba previdenciária percebida pelo obreiro acidentado corresponde ao salário que ele recebia antes de se acidentar, e que se paralelamente ele passa a receber uma indenização civil seja esta paga em parcela única, ou em forma de pensionamento, o trabalhador pode atingir uma renda mensal dantes inimaginável, podendo inclusive dobrar ou triplicar o valor da remuneração que ele receberia se estivesse em plena capacidade.
Vale ressaltar, que ao contrário do senso comum, muitos trabalhadores são considerados incapazes de forma permanente e total sem que esteja comprometido a sua capacidade para desempenhar as atividades cotidianas, estando apenas impossibilitado de exercer a função que antes realizava para prover o próprio sustento.
Desse modo, verifica-se que a não compensação das verbas indenizatórias podem acarretar ao empregado um enriquecimento sem causa, fenômeno este, vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Inobstante, se faz necessário verificar que em razão de um infortúnio laboral, duas máquinas administrativas são mobilizadas para solução de um mesmo conflito, provocando um aumento no custo da solução da lide e consequentemente uma diminuição dos recursos públicos, evidenciando, portanto, que a impossibilidade de compensar as verbas é um posicionamento defasado face às contingências socioeconômicas enfrentadas pela sociedade brasileira atual.
Por todo o exposto, conclui-se que as indenizações deveriam ser concedidas de forma compensada, para que o empregado acidentado não viesse a passar por privações e nem tivesse o seu direito a reparação cerceado, bem como, que o dever de indenizar do empregador não venha a comprometer a funcionalidade da empresa, a que o obreiro estava vinculado na época do acidente laboral, nem contribua para a rarefação dos cofres públicos.
Informações Sobre o Autor
Annaline de Oliveira Falcão
Advogada, Pós graduanda em direito público