“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.” Constituição Federal de 1988
Segundo ensina o professor Victor Emanuel Christofari (2007, on line), “Direito é o conjunto de normas ou regras jurídicas que regem a conduta humana, prevendo sanções para casos de descumprimento”.
A preocupação com a degradação ambiental, ocasionada pelo processo de industrialização, pelo qual o homem passou a utilizar os recursos naturais de forma muito mais acelerada e irracional, despertou as autoridades para intensificação do processo legislativo, na busca da proteção e preservação do meio ambiente.
Para servir de instrumento de proteção do meio ambiente e da sociedade como um todo, houve a intervenção do direito em matéria ambiental.
A seguir, discorremos sobre o Direito Ambiental, seu conceito e natureza jurídica, seus princípios e sua autonomia.
1 Conceito e natureza jurídica do Direito Ambiental
Em 1981 foi promulgada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81), dando início ao desenvolvimento do Direito Ambiental brasileiro. Em seu art. 14, § 1º, diz que:
“Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.
II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
IV – à suspensão de sua atividade.
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
Em seguida, veio a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente. A Constituição Federal de 1988 trata, no Título VIII, em seu Capítulo VI, do meio ambiente, e em seu art. 225, caput, diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Com o advento da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605/98) “houve uma alteração profunda na tipificação penal das condutas, sendo que inúmeras condutas anteriormente capituladas como contravenções penais tornaram-se crimes contra o meio ambiente” (STIFELMAN, on line).
Assim, consolidou-se o Direito Ambiental brasileiro, que, como ensina Edis Milaré (2001, p. 109), “é o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”.
Trata-se de um ramo do direito difuso, ou de terceira geração, já que os interesses defendidos por esse ramo do Direito não pertencem à categoria de interesse público (Direito Público) nem de interesse privado (Direito Privado). Daí os interesses difusos, cuja proteção não cabe a um titular exclusivo, mas a toda a coletividade e a cada um de seus membros.
Dessa forma, tem como características a transindividualidade, a indivisibilidade e possuem titulares indeterminados e interligados por circunstâncias de fato. Transindividuais, porque transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual. Indivisível, porque não há como cindi-lo. Trata-se de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém em específico o possui. Possuem titulares indeterminados e interligados por circunstâncias de fato, porque não temos como precisar quais são os indivíduos afetados por ele (FIORILLO, 2007, p. 6-7).
2 Princípios do Direito Ambiental
De acordo com a doutrina majoritária, são seis os princípios do Direito Ambiental na Constituição Federal de 1988: o Princípio do desenvolvimento sustentável; o Princípio do poluidor-pagador; o Princípio da prevenção; o Princípio da participação; e o Princípio da ubiqüidade (FIORILLO, 2007, p. 28-48).
O Princípio do desenvolvimento sustentável, encontrado no caput do art. 225 da CF/88 (onde se lê: “… preservá-lo para as presentes e futuras gerações”), busca um equilíbrio entre a economia e o meio ambiente, para que os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos. Assim, caminham lado a lado a livre concorrência e a defesa do meio ambiente, a fim de que a ordem econômica esteja voltada à justiça social, conforme o disposto no inc. VI do art. 170 da CF/88:
“Constituição Federal de 1988
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”
Neste sentido:
“[…] A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II, E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.” (STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03.02.2006, p. 14).
Portanto, o desenvolvimento sustentável, de acordo com Cristiane Derani (2001, p. 132-133), visa obter um desenvolvimento harmônico da economia e da ecologia, numa correlação máxima de valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico, impondo um limite de poluição ambiental, dentro do qual a economia deve se desenvolver, proporcionando, conseqüentemente, um aumento no bem-estar social.
O Princípio do poluidor-pagador foi inicialmente definido pela Comunidade Européia, afirmando que “as pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou privado, devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-las ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que assegurem a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder competente”.
Foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pelo art. 4º, VII, sendo complementado pelo art. 14, § 1º, ambos da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81). Na Constituição Federal de 1988, encontramos o princípio previsto no art. 225, § 3º, que diz que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Conforme Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2007, p. 32-33):
“Num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de utilizar instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de alcance, esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação.”
Deve-se ressaltar que “o princípio poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos danos causados pela poluição. Seu alcance é mais amplo, incluindo todos os custos da proteção ambiental, quaisquer que eles sejam, abarcando, a nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental…” (BENJAMIN, 1993, p. 227).
O Princípio da prevenção constitui um dos princípios mais importantes que norteiam o Direito Ambiental. As medidas que evitam o nascimento de atentados ao meio ambiente devem ser priorizadas. De acordo com o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), “para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente”.
Este preceito encontra-se previsto no art. 225, caput, da Constituição Federal, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Há autores que fazem distinção entre os princípios da prevenção e da precaução. Em sentido contrário Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2007, p. 42):
“Pretender desenvolver, no plano constitucional uma diferença entre prevenção e precaução seria, em nossa opinião, despiciendo. Ainda que algumas normas jurídicas no plano infraconstitucional indiquem a existência de um princípio da precaução (como, por exemplo, a diretriz descrita no art. 1º da Lei nº 11.105/2005), o comando constitucional se destina na realidade a estabelecer, em face das especificidades do direito matéria, ambiental e constitucional, a plena eficácia do art. 5º, XXXV, da Carta Magna no que se refere evidentemente à possibilidade de ocorrer qualquer ameaça ao direito ambiental.”
O Princípio da participação encontra-se disposto no Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro, que diz que “o melhor modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a participação de todos os cidadãos interessados, no nível pertinente”. Encontra-se acolhido no art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988, ao impor ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Assegura ao cidadão a possibilidade de participar das políticas públicas ambientais. Essa participação poderá dar-se em três esferas: legislativa, administrativa e processual. Na esfera legislativa, o cidadão poderá diretamente exercer a soberania popular por meio do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Na esfera administrativa, o cidadão pode utilizar-se do direito de informação, do direito de petição e do estudo prévio de impacto ambiental. Na esfera processual, o cidadão poderá utilizar-se da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do mandado de injunção, da ação civil de responsabilidade por improbidade administrativa e da ação direta de inconstitucionalidade (ANTUNES, 1999, p. 26-28).
Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2007, p. 45):
“O princípio da participação constitui ainda um dos elementos do Estado Social de Direito, porquanto todos os direitos sociais são a estrutura essencial de uma saudável qualidade de vida, que, como sabemos, é um dos pontos cardeais da tutela ambiental.”
O Princípio da ubiqüidade “vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra etc. tiver que ser criada e desenvolvida”. Visa tutelar a qualidade de vida (FIORILLO, 2007, p. 48).
3 Autonomia do Direito Ambiental
Parte da doutrina ainda não reconhece a autonomia do Direito Ambiental. Devido à interdisciplinaridade do Direito Ambiental, Toshio Mukai (1998, p. 10) afirma que “é por essa razão que nós, destacando o fato de não poder o Direito Ambiental ser concebido, entre nós, como ramo autônomo do Direito…”.
Em sentido contrário, Vladimir Passos de Freitas (2005, p. 24):
“O Direito Ambiental, apesar da evolução que o assunto vem experimentando nos últimos anos, não é totalmente aceito. Reluta-se em receber um ramo novo do Direito que se distingue de todos os demais. É que o Direito Ambiental, mesmo sendo autônomo, é dependente dos tradicionais ramos do Direito. Com efeito, é impossível imaginar o Direito Ambiental alheio ao Constitucional, ao Civil, ao Penal e ao Administrativo. Mas é impossível também como mera fração, parte de qualquer das vertentes citadas. É preciso, pois, encará-lo como algo atual, fruto das condições de vida deste final de milênio e, por isso mesmo, dotado de características e peculiaridades novas e incomuns.”
Conforme Edis Milaré (2001, p. 153):
“Como ocorreu no passado, em situações cruciais, ou de mudanças profundas, a Questão Ambiental sacudiu também a estrutura do Direito. A velha árvore da Ciência Jurídica recebeu novos enxertos. E assim se produziu um ramo novo e diferente, destinado a embasar novo tipo de relacionamento das pessoas individuais, das organizações e, enfim, de toda a sociedade com o mundo natural. O Direito Ambiental ajuda-nos a explicitar o fato de que, se a Terra é um imenso organismo vivo, nós somos a sua consciência. O espírito humano é chamado a fazer as vezes da consciência planetária. E o saber jurídico ambiental, secundado pela Ética e municiado pela Ciência, passa a co-pilotar os rumos desta nossa frágil espaçonave.”
Diverso não é o entendimento de Cristiane Derani (2001, p. 80):
“Como todo novo ramo normativo que surge, o direito ambiental responde a um conflito interno da sociedade, interpondo-se no desenvolvimento dos seus atos. Dührenmatt já nos lembrava que quando uma sociedade entra em conflito com seu presente produz leis. É exatamente o que ocorre com as normas chamadas de proteção ao meio ambiente. São elas reflexo de uma constatação social paradoxal resumida no seguinte dilema: a sociedade precisa agir dentro de seus pressupostos industriais, porém estes mesmos destinados ao prazer e ao bem-estar podem acarretar desconforto, doenças e miséria. Para o solucionamento deste conflito, desenha-se todo um novo cabedal legislativo, que, uma vez parte do ordenamento jurídico, produzirá efeitos em todos os seus ramos.”
Como vimos, não há dúvidas de que o Direito Ambiental é um ramo autônomo da Ciência Jurídica, visto que possui objeto, objetivo e princípios próprios que o diferencia dos demais ramos do Direito.
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Thomas de Carvalho Silva