Resumo: O presente estudo avalia o princípio da insignificância no direito penal, com o propósito de perceber a sua incidência em bens jurídicos específicos no que se refere à proteção pela lei penal. O estudo da aplicação desse princípio é feito através da construção judicial dos requisitos que orientam a aplicação do princípio da insignificância, analisando casos concretos extraídos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Analisados os requisitos no caso concreto, percebeu-se que os juízes continuam criando novos critérios o que amplia a subjetividade presente nas decisões, além da dependência das circunstâncias da situação para elaborar-se a decisão.
Palavras-Chave: Direito Penal. Princípio da insignificância. Política Criminal.
Abstract: This study evaluates the principle of insignificance in criminal law, in order to understand their impact on specific legal rights with regard to the protection under criminal law. The study of the application of this principle is done by judicial construction of the requirements that guide the application of the principle of insignificance, analyzing concrete cases extracted from the jurisprudence of the Supreme Court. analyzed the requirements in the present case, it was noticed that the judges continue creating new criteria which expands the subjectivity present in decisions, as well as dependence on the circumstances of the situation to be drawn up the decision.
Keywords: Criminal Law. Insignificance principle. Criminal Policy.
Sumário: Introdução. Estudo através do direito positivo. Construção judicial dos requisitos. Conclusão.
Introdução
O princípio da insignificância é analisado aqui por intermédio do direito penal, tendo em vista as finalidades e o cenário atual da política criminal. O objeto de estudo aparece no cotidiano jurídico como causa excludente de tipicidade dos crimes de bagatela e relacionado ao princípio da intervenção mínima, no qual o direito penal apenas é aplicado subsidiariamente quando houver prejuízo efetivo ao bem tutelado. Destaca-se nesse sentido a importância que as decisões jurídicas têm assumido no direito brasileiro ao contribuírem com a construção daquilo que se entende por direito aplicável. Também o é com o princípio da insignificância, em que a jurisprudência oriunda dos tribunais superiores estabeleceu os requisitos essenciais para sua aplicação, quais sejam: mínima ofensividade da conduta; nenhuma periculosidade da conduta; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta; e inexpressividade da lesão ou do perigo de lesão causado ao bem jurídico tutelado, dessa maneira, a pesquisa se debruçará sobre a análise da construção judicial desses requisitos por meio de casos concretos.
Estudo através do direito positivo
Em tempos de índices de criminalidade elevados, sensação de insegurança permanente entre as pessoas, noticiário cada vez mais sangrento, estudar a exclusão da tipicidade penal por intermédio da aplicação de princípio contribui com a discussão dos aspectos da segurança pública e da política criminal, punir, encarcerar, socializar, educar, institucionalizar são alguns verbos que pautam o debate e maximizam a presença do princípio da insignificância nas pesquisas acadêmicas. A percepção desse fenômeno na prática jurídica pretende que se entenda como a aplicação do princípio da insignificância é feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A primeira associação que a doutrina estabelece com o princípio da insignificância e alguma lei escrita está na Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, em seu artigo quinto, que oferece elaboração incipiente do princípio: “A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene” (DECLARAÇÃO. 1789, p. 1).
No direito comparado como no caso alemão, o Ministério Público pode dispensar a acusação, com a aprovação do tribunal competente quando a culpa do agressor é considerada de menor importância nem há interesse público no processo. A aprovação do tribunal é dispensada quando as consequências da ofensa são insignificantes e o agente não está sujeito a pena mínima (ALEMANHA, 2014).
O Código Penal Português, por sua vez, estabelece que nos crimes puníveis com pena de prisão não superior a seis meses ou com multa de até 120 dias, o tribunal poderá declarar o réu culpado sem aplicar alguma pena. Para isso impõe as condições de reparação do dano, ausência de razões de prevenção e a insignificância da ilicitude do fato e da culpa do agente (PORTUGAL, 2016).
No direito brasileiro não há previsão expressa no direito penal comum, entretanto, no Código Penal Militar (BRASIL, 1969, p. 1), nos artigos que tratam da lesão corporal levíssima e do furto atenuado se verifica a presença desse princípio:
“Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem […].
§ 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.
Art. 240 Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel […].
§ 1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país. “
Além disso, os crimes de dano, descaminho, peculato, injúria, difamação e calúnia no Código Penal comum recebem constantemente a aplicação do princípio da insignificância com base na razoabilidade da relação entre o bem jurídico protegido e os objetivos da política criminal, evitando a ampliação do número de apenados e descongestionando a justiça penal.
Construção judicial dos requisitos
As decisões judiciais tem recebido amplo destaque nos últimos anos dentro da prática do direito brasileiro. A judicialização da política é o fenômeno que amplia a participação do poder judiciário em espaços que estritamente diziam respeito a outros poderes. A relativização do princípio da separação de poderes é acompanhada da ineficácia e do enfraquecimento dos outros poderes em atenderem as demandas sociais, dessa forma, a fim de cumprir aquilo que está disposto na Constituição amplia-se a importância e a presença das decisões judiciais no cotidiano e nas pesquisas acadêmicas.
Observar o princípio da insignificância sem perceber sua aplicação nos tribunais superiores brasileiros desconectaria da prática das relações sociais a sua análise histórica, assim, propõe-se concatenar as construções teóricas em torno da sua origem com a aplicação recente do princípio na jurisprudência pátria.
Indicam-se, por isso, algumas decisões em que se confere a aplicação do princípio da insignificância no ordenamento jurídico brasileiro:
Individuo flagrado subtraindo cinco livros da biblioteca da Universidade Federal do Ceará foi denunciado pelo Ministério Público na suposta prática do crime de furto, tipificado no artigo 155 do Código Penal, passando cinco dias preso na Polícia Federal. A Defensoria Pública da União impetrou habeas corpus na Seção Judiciária daquele estado que rejeitou a denúncia, aplicando o princípio da insignificância. Entretanto, o Ministério Público interpôs recurso perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que deu prosseguimento a ação penal, tendo sido remetido ao Superior Tribunal de Justiça que rejeitou a aplicação do princípio da insignificância sob o fundamento do prejuízo gerado ao patrimônio público e a toda sociedade que não teriam acesso aos livros subtraídos. No entendimento do Ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, tal fato provocou ofensa ao interesse público primário (acesso aos livros) e secundário (patrimônio de autarquia federal). Sete anos depois da subtração dos livros, a Ministra Rosa Weber relatou o habeas corpus desse paciente, sustentando o seguinte ponto de vista: qualquer que seja a base jurídica para a aplicação do princípio da insignificância, a pontual atenuação do rigor da lei em crimes de diminuta expressão é medida necessária sob pena da criação de situações de acentuada injustiça e da incômoda sensação de identificação da justiça com o inspetor Javert. A ministra relatora argumentou que apesar de não constar nos autos os valores dos livros, as características do caso concreto deveriam ser ponderadas, entre elas a restituição dos bens e a ausência de violência ou grave ameaça que não constituiriam reprovabilidade suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância. Por maioria dos votos, a ordem foi concedida nos termos da relatora (BRASIL, 2013a).
Nessa situação observaram-se, em primeiro lugar, os aspectos processuais da aceitação da incidência do princípio da insignificância, visto que o lapso temporal entre o fato e o julgamento do habeas corpus era expressivo, o custo de movimentar a máquina pública em torno da punição de uma pessoa que devolveu o objeto do furto e havia passado alguns dias nas dependências da delegacia era inadequado, ou seja, apesar da conduta ter sido contra pessoa jurídica de direito público, ponderaram-se estas questões, as quais favoreceram o entendimento para o trancamento da ação penal.
De modo diverso do visto até agora, o princípio da insignificância tem sua aplicação rejeitada nos seguintes casos:
Uma das pacientes foi denunciada pela suposta prática de estelionato contra entidade de direito público e a outra paciente por falsidade ideológica. A primeira, enquanto funcionária da Câmara dos Deputados utilizou-se de documento ideologicamente falso, elaborado pela segunda, com o fito de perceber auxílio-transporte em valor maior do que o devido, na quantia de R$2.050,15. O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia, aplicando o princípio da insignificância; o TRF da 1ª Região deu provimento ao recurso do Ministério Público Federal; o STJ negou provimento ao recurso, afastando a aplicação desse princípio por entender que a conduta ofendeu o patrimônio público, a moral administrativa, a fé pública além de ser altamente reprovável. O ministro relator Teori Zavascki sustentou a indispensabilidade em averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo e associá-los aos objetivos da lei penal. Negou a ordem argumentando que o estelionato é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange não só a proteção do patrimônio público (bem de caráter coletivo), mas em igual medida tutela-se o interesse social, representado pela confiança recíproca que deve presidir os relacionamentos patrimoniais individuais e comerciais, por isso, independentemente do inexpressivo dano patrimonial provocado pelo caso concreto, em delitos em cuja prática se empregou ardil ou fraude certamente não se podem admitir a aplicação do princípio da insignificância. Além disso, é possível encontrar na decisão o critério que se refere à impossibilidade de aplicação do princípio aqui analisado nos casos em que o delito envolver entidade de direito público (BRASIL, 2013b).
Aqui igualmente se enxerga a presença de novo requisito que vem se consolidando judicialmente, qual seja o afastamento da aplicação do princípio da insignificância quando se tratar de condutas que atinjam pessoas jurídicas de direito público. Além disso, em juízo de ponderação o ministro relator equipara violência ou grave ameaça às características de ardil e fraude, impossibilitando a aplicação do princípio no caso de crime de estelionato, afinal independentemente do valor do objeto do crime (outro requisito que também vem se consolidando) a conduta em si já ofende bem jurídico tutelado pelo direito penal.
Demonstra-se, assim, a construção judicial dos requisitos em torno do princípio da insignificância, porquanto se torna evidente a preocupação com o grau de subjetividade existente na jurisprudência, destacando, por consequência, a necessidade de construírem-se decisões fundamentadas em critérios objetivos, o que não significa afastar por completo a aplicação desse princípio, ao contrário, quer dizer analisar com mais prudência os casos concretos de tal maneira que se construa nova percepção do direito penal neste espaço.
As dificuldades para a aplicação desse princípio do ponto de vista processual são grandes, sobretudo pelo alto grau de subjetividade que permeia as decisões nos tribunais superiores, promovendo a construção judicial de novos requisitos e a ressignificação do conteúdo deste instrumento jurídico-penal.
Conclusão
Considera-se a construção judicial dos requisitos e as alternativas apresentadas ao problema da subjetividade nas decisões, demonstrando que elas deslocam o foco do problema da insignificância para a teoria do delito, incentivando reforma da legislação penal em conjunto com o reconhecimento de que certos aspectos do direito são resultados da construção judicial.
A descriminalização de condutas também é apontada como possibilidade, visto que os custos sociais para a ordem pública no caso da manutenção da incriminação superam os benefícios; descongestionaria eficazmente a justiça penal, resguardando a efetividade da tutela jurisdicional em relação aos fatos mais graves; a tutela da propriedade ainda contará com o recurso à proteção jurídico-civil; e os agentes desses delitos na maioria das situações não são reincidentes, assim, evita-se o contato com o sistema carcerário de forma desnecessária.
Informações Sobre o Autor
Elton Roberto Rodrigues Júnior
Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Pesquisador nas áreas de crimes contra a pessoa e princípios constitucionais do direito penal