Contribuição previdenciária. Cobrança pela Justiça do Trabalho


A competência atribuída à Justiça do Trabalho pela EC nº 45, de 8-12-2004, vem suscitando muitas dúvidas e incertezas.


É propósito deste artigo fixar os exatos limites constitucionais dessa atribuição e procurar, também, apontar possíveis soluções dos problemas decorrentes direta ou indiretamente da atuação da justiça trabalhista na cobrança de contribuições sociais.


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Mediante alteração do art. 114 da CF, a EC nº 45/2004 conferiu à Justiça do Trabalho a competência para “a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir” (art. 114, VIII).


O texto constitucional prescreve, com toda clareza, que a execução de ofício das contribuições sociais se refere tão somente aquelas decorrentes de sentença que proferir. Nem poderia ser de outra forma. A contribuição social, como tributo que é, requer valor determinado que traduza a existência da base de cálculo constituída por sentença condenatória em pecúnia.


Condenada a empresa reclamada no pagamento de verbas salariais cabe à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais devidas pelo empregador e pelo empregado e seus acréscimos legais.


O mesmo acontece quando a sentença trabalhista reconhece o vínculo empregatício e fixa o montante da condenação pecuniária. Porém, em relação aos períodos em que não houver condenação pecuniária em razão da prescrição do direito do reclamante, apesar do reconhecimento do vínculo empregatício, falta a competência da Justiça do Trabalho para promover a execução de ofício. Aliás, impossível essa execução sem título executivo que substitua o ato de lançamento administrativo previsto no art. 142 do CTN.


De fato, a decisão condenatória, uma vez liquidada, constitui o crédito tributário tanto quanto o lançamento administrativo que a doutrina atribui eficácia de título jurídico abstrato, conferindo executividade à obrigação tributária preexistente. Não se trata de uma inovação trazida pela EC nº 45/2004. Desde a Constituição Federal de 1946 o imposto de transmissão causa mortis já era constituído pela sentença homologatória do cálculo, nos autos do inventário ou do arrolamento.


Ocorre que, na prática, a Justiça do Trabalho vem promovendo a intimação do INSS para apresentar o cálculo das contribuições sociais pertinentes aos períodos não abrangidos pela condenação pecuniária, quer seja para o pagamento de verbas salariais ou acordo equivalente. Outras vezes, é o próprio INSS que requer nos autos da reclamatória a execução dessas contribuições sociais.


Ora, isso é extrapolar a competência que a Constituição Federal lhe atribuiu. Executar as contribuições sociais “decorrentes das sentenças que proferir”, como prescreve o texto constitucional, pressupõe condenação em verbas salariais, base de cálculo dessas contribuições sociais, ou seja, não é dado ao juiz do trabalho agir no lugar da autoridade administrativa competente para constituir o crédito tributário fora dos limites abrangidos pela sentença condenatória em pecúnia.


Exatamente nesse sentido a decisão do Colendo Supremo Tribunal Federal verificada na ementa abaixo:


“EMENTA: Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. 1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir. 2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido[1]”.


O eminente Ministro Relator em seu erudito voto acrescentou:


“De início, é bom dizer que admitir, por exemplo, a execução de uma contribuição social atinente a um salário cujo pagamento foi determinado na sentença trabalhista, ou seja, juntamente com a execução do valor principal e que lhe serve como base de cálculo, é bem diverso de admitir a execução de uma contribuição social atinente a um salário cujo pagamento não foi objeto da decisão, e que, portanto, não poderá ser executado e cujo valor é muitas vezes desconhecido”.


Resta claro que é juridicamente impossível a execução sem título executivo. A decisão judicial que se limita a reconhecer o vínculo trabalhista tem natureza meramente declaratória não comportando execução da contribuição social, que pressupõe a existência de uma decisão condenatória em pecúnia que possa servir de base de cálculo do tributo.


O que a Justiça do Trabalho pode fazer é determinar a intimação do INSS para em o querendo promover o lançamento das contribuições sociais e sua execução perante a Justiça Federal, em face do vínculo trabalhista reconhecido pela decisão que proferiu nos autos da reclamação trabalhista.


E aqui surge um problema relacionado com o prazo decadencial porque a contribuição social enquadra-se na modalidade de lançamento por homologação, cujo termo inicial é a data da ocorrência do fato gerador, nos precisos termos do § 4º, do art. 150 do CTN, salvo nas hipóteses comprovadas de dolo, fraude ou simulação.


O lançamento por homologação pressupõe a tomada de uma série de providências por parte do sujeito passivo para a constituição do crédito tributário, tais como a inclusão do empregado na folha de remuneração, a apuração periódica do montante da contribuição social devida e a comunicação ao fisco. Ausentes tais elementos não há que se falar em lançamento por homologação, pois nada existe para ser homologado pelo fisco expressamente, ou tacitamente pelo decurso do prazo de cinco anos.


Aliás, em se tratando de trabalhador na informalidade não ocorrerá o fato gerador por ele não estar incluído na folha salarial e nem existir quaisquer rendimentos do trabalho pagos ou creditados pela empresa à pessoa física. Não procede a tese de que o fato gerador da contribuição previdenciária é a existência do vínculo laboral, por se afastar da lei e da Constituição Federal (art. 22, I da Lei nº 8.212/91 e art. 195, I, a da CF).


Por isso, na hipótese aventada (trabalhador na informalidade), o prazo decadencial é o do art. 173 do CTN. Pode-se dizer que o fato gerador da contribuição social, no caso, é a sentença que reconheceu o vinculo empregatício como sucedâneo da ausência da folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados pela empresa à pessoa física que lhe preste serviço.


A dúvida maior consiste em saber se o lançamento para constituição do crédito tributário pode ou não retroagir além do prazo qüinqüenal, tendo em vista a Súmula vinculante nº 8 do STF.


Sem embargo das opiniões em contrário entendo que o órgão secundário não poderá protrair os efeitos da sentença trabalhista, reconhecedora do vínculo de emprego, para período maior do que aquele definido pela Súmula nº 8, isto é, deve ser respeitado o prazo decadencial previsto no art. 173 do CTN.


Em outras palavras, se a decisão da Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício desde dez anos atrás e condenou a empresa reclamada nas verbas salariais dos últimos dois anos, cabe à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais abrangidas na sentença condenatória e caberá ao INSS constituir o crédito tributário pertinente a outros três anos anteriores, nos termos do art. 142 do CTN, promovendo a notificação do lançamento ao sujeito passivo, para pagamento ou impugnação.





Nota: 
[1] RE nº 569.056/PA, Rel. Min. Menezes Direito, DJe-236, divulgação em 11-12-2009 e publicação em 12-12-2008.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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