Cooperação jurídica internacional em matéria civil, tutelas de urgência e os precedentes dos tribunais superiores brasileiros

Resumo: Modificando o entendimento antes firmado pelo E. STF tem-se que a Resolução n. 09/05 do STJ, ao aludir à tutela de urgência no parágrafo 3° do artigo 4°, contemplou tanto a concessão de tutela cautelar quanto de tutela antecipada. A nova postura do STJ permite que seja atendido o devido processo legal, assegurando com mais celeridade a eficácia da sentença e dissipando as dúvidas até então existentes no sentido de que o artigo 273 do Código de Processo Civil (CPC) é aplicável aos procedimentos de homologação.


Palavras-chave: Tutelas de Urgência. Homologação de Sentença Estrangeira.


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Abstract: Before changing our understanding signed by E. STF has been that Resolution of STJ 09/05, by alluding to the protection of urgency in paragraph 3 of Article 4, covering both prudential supervision and granting of injunctive relief. The new approach allows the STJ is met due process, to ensure greater speed and effectiveness of the sentence so far dispelling the doubts existing in that Article 273 of the Code of Civil Procedure (CPC) is applicable to the approval procedures.


Keywords: Emergency Guardianship. Approval of foreign judgments.


Sumário: 1. Cooperação em Matéria Civil, Tutelas de Urgência e os precedentes dos tribunais superiores brasileiros. 2. Conclusão. 3. Referências bibliográficas


A Cooperação Internacional em matéria civil tem se dado por meio de duas vias: indireta (carta rogatória e homologação de sentença estrangeira) e direta (auxílio ou assistência direta).


Talvez a mais importante inovação contida na Resolução n. 09/05 encontre-se no parágrafo 3° do artigo 4°, ao prever a admissibilidade da tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentença estrangeira.


Assim dispõe o citado art. 4° da Resolução n. 09 do STJ:


“Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente. (…)
§3º Admite-se tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras.
” (negritos nossos).


De fato, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não continha disposição semelhante. O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, firmara jurisprudência no sentido de negar a admissibilidade da concessão de medida cautelar ou tutela antecipada em sede de homologação de sentença estrangeira[1], ao argumento de que, a se admitir a concessão de tais medidas, o STF transmudar-se-ia em verdadeira instância de execução, usurpando, assim, a competência da Justiça Federal para a execução de sentenças estrangeiras homologadas[2].


Todavia, modificando o entendimento antes firmado pelo E. STF tem-se que a Resolução n. 09/05 do STJ, ao aludir à tutela de urgência no parágrafo 3° do artigo 4°, contemplou tanto a concessão de tutela cautelar quanto de tutela antecipada. Assim sendo, valendo-nos da clássica distinção entre os conceitos[3][4], será cabível a concessão de tutela cautelar, quando comprovado, além de fumus boni iuris, o risco à efetividade do processo, não havendo, assim, satisfação do direito material que se pretenda tutelar. A tutela antecipada, por seu turno, será cabível quando estiver em risco de perecimento o próprio direito material alegado pelo autor. Trata-se, pois, de tutela satisfativa, através da qual serão antecipados os efeitos de futura sentença de futura sentença de procedência do mérito.


Aplica-se ao processo de homologação de sentença estrangeira o disposto no parágrafo 7° do artigo 273, do Código de Processo Civil, que trata da fungibilidade entre medida cautelar e antecipatória. Assim sendo, ainda que o autor requeira medida cautelar quando, na verdade, a medida tenha natureza antecipatória, ou vice-versa, poderá o Relator ou o Presidente do Superior Tribunal de Justiça conceder a medida adequada, caso sejam preenchidos os requisitos legais exigidos para seu deferimento.


Dito isso, cumpre destacar que a homologação de sentença, consiste em um processo de jurisdição contenciosa, possuindo assim, o mérito próprio[5].  De fato, o mérito do processo de homologação de sentença estrangeira não se confunde com o mérito do processo estrangeiro que ensejou a prolação da sentença homologanda. Nesta sede, o mérito do processo de homologação de sentença estrangeira consiste na chamada atribuição ou, mais tecnicamente, importação de efeitos à sentença estrangeira, ou seja, está em permitir que a eficácia original da sentença estrangeira se projete no território nacional.


É por essa razão que a decisão proferida pelo E. STJ que homologa sentença estrangeira é sempre constitutiva, independentemente da natureza da sentença homologanda (declaratória, condenatória, constitutiva ou, ainda, para aqueles que admitem a classificação quinária, executiva lato sensu ou mandamental). Isso porque a sentença homologatória irá sempre criar uma situação jurídica nova, notadamente possibilitar que a sentença estrangeira produza seus regulares efeitos no Brasil[6].


Diante disso, a concessão de tutela antecipada pelo Superior Tribunal de Justiça implicará a antecipação dos efeitos de futura decisão que julgar procedente o mérito do processo de homologação. Em outras palavras, será antecipada a permissão para que algum ou alguns dos efeitos da sentença estrangeira se produzam imediatamente no território nacional.


Cabe questionar se o parágrafo 3° abrange todas as modalidades de tutela antecipada – inclusive a chamada tutela de evidência (artigo 273, II, do CPC) e a tutela antecipada baseada na “incontrovérsia do pedido” (artigo 273, parágrafo 6º), ou apenas aquela calcada na urgência (artigo 273, I, do CPC). Com efeito, entendemos que o texto da norma se mostra extremamente claro ao aludir a “tutela de urgência”, sendo certo que a clareza do texto legal consiste em limite interpretativo irretorquível ao operador do Direito. Isso posto, a nosso ver, quis o STJ permitir apenas a concessão de tais providências quando houver risco iminente. Assim sendo, refere-se a Resolução apenas à hipótese de tutela antecipada consagrada no artigo 273, inciso I do Código de Processo Civil[7].


Caberá ao Presidente do E. Superior Tribunal de Justiça apreciar o pedido de concessão de tutela de urgência na fase inicial de todos os processos de homologação, ou seja, antes do decurso do prazo para contestar. Decorrido o prazo e apresentada a contestação será competente o Ministro da Corte Especial designado para a relatoria, após a distribuição do processo.


Decorrido in albis o prazo para a apresentação de contestação, mantém-se a competência do Presidente do STJ para apreciação de eventuais medidas urgentes requeridas pelos interessados.


A medida antecipatória concedida poderá ser revista pelo presidente ou pelo relator a qualquer tempo, nos termos do art. 273, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.


Neste sentido, é tempo de o STJ rever a antiga posição do STF sobre o descabimento de medida de urgência (cautelar, antecipação de tutela etc.) em homologação de sentença estrangeira, arbitral ou judicial[8].


A jurisprudência do STJ não parece refratária à idéia e já concedeu tutela de urgência em casos envolvendo a execução de sentenças arbitrais, desde que demonstrada a aparência do bom direito e o fundado receio de dano irreparável[9].


Em conclusão, vimos que de acordo com o §3º do art. 4º da Resolução n.9 do STJ, é admissível no âmbito dos procedimentos de homologação de sentença estrangeira a concessão de tutela de urgência[10], justificando a preocupação do próprio Tribunal Superior com possíveis situações que, decorrentes de elástico lapso temporal e mesmo pelo caráter de urgência na prestação jurisdicional à qual exige o direito reclamado, possa vir a agredir direito subjetivo objeto da sentença homologanda, decorrendo daí danos de difícil reparação ao interessado.


Igualmente, o STF não autorizava o provimento cautelar, pois se considerava uma corte de contenciosidade limitada (juízo de delibação), que não possuía o exercício jurisdicional da coerção, cabendo ao juiz federal de primeira instância deferi-la somente no processo de execução. A nova postura do STJ permite que seja atendido o devido processo legal, assegurando com mais celeridade a eficácia da sentença e dissipando as dúvidas até então existentes no sentido de que o artigo 273 do Código de Processo Civil (CPC) é aplicável aos procedimentos de homologação.


 


Referências bibliográficas

THEDORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 23. ed. São Paulo, RT: Leud, 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006.

MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

 

Notas:

[1] Nesse sentido, vide: SE 6.069/FR, STF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 26/03/99; e SE 8.990/EU, STF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 26/10/04. Disponíveis no endereço eletrônico: www.stf.gov.br.

[2] Cumpre transcrever a seguinte passagem do aresto proferido pelo Min. Celso de Mello: “Sem que se demonstre a irrecorribilidade do ato sentencial (Súmula 420/STF), e sem que se observe a disciplina ritual estabelecida pela legislação brasileira, não se torna possível antecipar, provisoriamente, qualquer dos efeitos emergentes da sentença estrangeira ainda dependente de homologação. (…) De outro lado, e mesmo que estivesse formalmente comprovado o trânsito em julgado da decisão homologanda, ainda assim não seria lícito ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, sem prévia e definitiva homologação do ato sentencial estrangeiro, antecipar-lhe os efeitos.” (SE 6.069/FR, STF, julgado em 26/03/99, disponível no endereço eletrônico: www.stf.gov.br)

[3] THEDORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 23. ed. São Paulo, RT: Leud, 2006, p.79.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 131. 

[5] O mérito do processo estrangeiro e do processo brasileiro de homologação de sentença estrangeira não se confundem, até mesmo porque será homologável, inclusive, sentença estrangeira terminativa, ou seja, que sequer tenha examinado o mérito daquele processo. Isso porque, dentre outros possíveis efeitos, a sentença terminativa pode condenar o vencido ao reembolso de despesas processuais e honorários advocatícios ou ao pagamento de sanção pecuniária, fazendo emergir o interesse do vencedor em executá-la. Nesse caso, se procedente o processo de homologação, será prolatada sentença com julgamento do mérito, que curiosamente consistirá na homologação de sentença estrangeira que extinguiu o processo de origem sem julgamento do mérito. 

[6] MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Op. cit., p. 92.   

[7] De lege ferenda, reputamos de todo conveniente que por ocasião da inserção do regramento no Regimento Interno do STJ, passe a ser admitida a concessão de tutela antecipada sob suas diferentes modalidades. Isso porque a sentença estrangeira homologanda consiste em ato emanado da autoridade estrangeira competente, não sendo mais passível de modificação no país de origem. Assim sendo, caso se some a esse fator uma das hipóteses autorizadoras da concessão de tutela antecipada, consideramos recomendável o cabimento da medida. Com efeito, caso a impugnação do requerido seja meramente protelatória ou, inclusive, torne incontroverso o pedido de homologação, mostra-se de todo justificável a concessão de tutela antecipada, ponderando-se sempre, de outra parte, o periculum in mora inverso decorrente do deferimento da medida. De fato, entendemos que a solução ora defendida mostra-se mais consentânea como ideal de celeridade valorizado pela Emenda Constitucional n° 45/04, que deslocou a competência para o E. STJ, razão pela qual a reputamos mais adequada do que a opção constante da atual redação do parágrafo 3° do artigo 4° da Resolução.

[8] Cf. STF – SE 3.408 Agr – Estados Unidos; SE 6.526 – França.

[9] Cf. STJ – MC 8.485 e MC 4.278, Rel. Min. Nancy Andrighi; MC 5.503, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior)

[10] Ver, dentre outros julgados: STF, SE contestada 5.378-1, República Francesa, TP, rel. Min. Maurício Correa, j. 3-2-2000, DJU, 25-2-2000, RT, 778:193-6-2000; SE contestada 5.847, Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, TP, RTJ, 172:868-82.


Informações Sobre o Autor

Márcio Mateus Barbosa Júnior

Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela Universidade Católica de Brasília com ênfase em Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, Especialista em Direito Empresarial e Contratos pelo Centro Universitário de Brasília e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Membro de Grupo de Pesquisa da Universidade Católica de Brasília – UCB. Membro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e ABDPC – Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Atualmente é advogado, sócio fundador do escritório Barbosa, Lobo & Meireles Advogados (BL&M, Advogados, Brasil) e professor universitário na cadeira de Direito Processual Civil. Tem experiência e atua nas áreas do Direito Civil, Empresarial, Societário e Internacional.

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