A Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) é a chave jurídica que possibilita somar, transferir ou averbar períodos já contribuídos a um regime de previdência para outro – seja de um Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) para o Regime Geral (RGPS/INSS), seja no sentido inverso, ou ainda entre dois regimes próprios distintos. Sem ela, servidores públicos que também tenham trabalhado na iniciativa privada e segurados do INSS que ingressam em cargo efetivo correm o risco de pagar duas vezes pela mesma parcela de tempo ou, pior, de perder parte das contribuições quando requerem aposentadoria. Este artigo disseca em profundidade cada aspecto jurídico da CTC: fundamento legal, quem tem direito, diferenças entre averbação e compensação, documentos exigidos, passo a passo para solicitar, prazos, controvérsias jurisprudenciais, erros mais comuns e estratégias para acelerar o processo.
Conceito e fundamento legal
A CTC é o documento oficial emitido pela unidade gestora de um regime previdenciário, atestando os períodos de contribuição ali registrados e o respectivo salário de contribuição. Seu fundamento principal está no § 9.º do art. 201 da Constituição Federal, nos arts. 94 a 99 da Lei 8.213/1991, nos arts. 127 a 138 do Decreto 3.048/1999, na Portaria PRES/INSS 1.382/2021 (INSS) e na Portaria MTP 19.451/2020 (regimes próprios). A base constitucional cria o mecanismo de compensação financeira entre os regimes, evitando desequilíbrio atuarial quando o tempo muda de origem.
Diferença entre CTC e averbação interna
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Averbação – é o registro do período já reconhecido dentro do mesmo regime. Ex.: servidor estadual que somará tempo de outra secretaria do mesmo estado.
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CTC – é o documento necessário para transferir tempo entre regimes distintos, possibilitando a compensação financeira. Sem CTC, o segundo regime não pode computar o tempo, sob pena de bitributação.
Quem precisa da CTC
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Servidor público efetivo que laborou com carteira assinada antes do concurso e deseja computar esse período no RPPS para se aposentar.
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Empregado da iniciativa privada que assumiu cargo efetivo e quer levar o tempo de serviço público para o INSS após exonerar-se.
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Professor, médico e militar que alternou entre regimes federais, estaduais e municipais.
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Servidor em regime celetista de estatais extintas, com tempo anterior ao 13.05.2016, para fins de aposentadoria especial.
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Pensionista ou inventariante que precise comprovar tempo do segurado falecido para pensão ou revisão.
Modalidades de CTC
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Certidão de Tempo de Contribuição Previdenciária – contém períodos e salários, voltada a aposentadoria.
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Certidão de Tempo de Contribuição Escolaridade – comprova tempo exercido em magistério.
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Certidão fracionada – quando apenas parte do tempo é transferida; o restante permanece no regime de origem.
Regras de contagem e vedação do “duplo aproveitamento”
O art. 96 da Lei 8.213 proíbe contar o mesmo período em dois benefícios. Assim, um dia utilizado na CTC não pode permanecer no regime de origem. Se o servidor usar tempo do INSS para se aposentar no RPPS, não poderá depois pedir aposentadoria pelo INSS sem devolver o período. A emissão gera anotação “certidão emitida” no CNIS, bloqueando uso simultâneo.
Documentos indispensáveis para requerer no INSS
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Requerimento padrão (Meu INSS > “Cadastrar Pedido” > “Certidão de Tempo de Contribuição”).
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Identidade e CPF.
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Relatório CNIS atualizado.
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Carnês ou GFIPs não constantes no CNIS.
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Procuração ou termo de representação, se for advogado.
Para regimes próprios, acrescentar:
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Ficha financeira ou contracheques.
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Portarias de nomeação e exoneração.
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Publicação em diário oficial de licenças sem remuneração (inatividade não conta).
Passo a passo para CTC do INSS para RPPS
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Abrir conta Gov.br e entrar no Meu INSS.
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Menu ‘Pedir CTC’ → “Certidão de Tempo de Contribuição”.
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Informar regime destinatário (ex.: Prefeitura X).
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Listar vínculos que deseja exportar.
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Anexar documentos faltantes apontados pelo sistema.
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Receber protocolo e prazo de 30 dias (art. 174-D, Decreto 3.048).
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Acompanhar em “Consultar Pedidos”. Se deferida, a certidão sai em PDF assinado digitalmente com QR Code.
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Imprimir e entregar ao RH do órgão público, que fará averbação.
Passo a passo para CTC do RPPS para INSS
Cada ente federativo possui portal ou setor de previdência. Regra geral:
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Requerer ao órgão de recursos humanos (ex.: Secretaria de Administração).
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Anexar ficha funcional, declarações de não utilização anterior, comprovantes de recolhimento.
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Aguardando despacho do órgão previdenciário estadual/municipal.
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Receber certidão em papel timbrado ou assinatura digital ICP-Brasil.
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Protocolar no Meu INSS em “Averbação de Tempo de Contribuição”.
Como lidar com períodos controversos
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Tempo insalubre – só conta com PPP/LTCAT; se o destino é o INSS, o regime próprio deve constar “tempo comum”. Conversão se faz na autarquia receptora.
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Licença sem vencimentos – exclui-se do cômputo.
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Afastamento sindical – conta se houve recolhimento.
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Serviço militar – declaração do Exército ou Marinha substitui CTC.
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Tempo rural – INSS emite certidão só após averbação por sentença ou via administrativa com documentos rurais.
Revisão, retificação e cancelamento da CTC
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Revisão – corrige erros materiais (datas, cargos).
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Retificação – acrescenta tempo esquecido, desde que o original não tenha sido utilizado.
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Cancelamento – ocorre se não for usada em cinco anos ou se o beneficiário devolvê-la.
O art. 133 do Decreto 3.048 exige que qualquer mudança seja comunicada ao INSS para atualizar compensação financeira.
Prazos legais
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30 dias para emissão da CTC pelo INSS (passível de prorrogação ± 30).
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15 dias para o RPPS averbar após receber a certidão.
Descumpridos, cabe mandado de segurança (TRF-4, ApCiv 5009981-13.2021).
Compensação financeira entre regimes
O valor transferido é calculado pelo multiplicador α sobre a média contributiva levada, considerando alíquotas e juros atuarial de 5 % a.a. A falta de compensação não impede aposentadoria do segurado (Súmula 20 TCU), mas gera passivo entre os tesouros.
Jurisprudência de destaque
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STJ, AgInt no REsp 1.471.760 – direito à CTC mesmo sem recolher contribuições patronais.
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STF, RE 1.000.300 (tema 965) – tempo de serviço prestado sem concurso não conta para RPPS.
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TNU, Tema 243 – desnecessário reconhecimento prévio no Judiciário para emitir CTC de tempo rural após 1991.
Penalidades por fraude
Falsificar período ou salário gera:
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Nulidade da aposentadoria, via art. 54 da Lei 9.784 (década decadencial só vale para boa-fé).
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Restituição em dobro de valores (art. 115, II, Lei 8.213).
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Crimes de estelionato previdenciário (art. 171, § 3.º CP) e falsidade ideológica (art. 299 CP).
Exemplos práticos
Exemplo 1 – Professora estadual que contribuiu ao INSS
Trabalhou em escola particular 2001-2010 (INSS) e na rede estadual 2011-2025. Solicita CTC ao INSS com 9 anos. RPPS averbou, atingindo 30 anos de magistério e aposentando-se integralmente.
Exemplo 2 – Policial civil ex-militar
Conta tempo das Forças Armadas (certidão do Exército) + tempo em banco privado (INSS) para completar 30 anos no RPPS estadual. Recebe três certidões distintas.
Exemplo 3 – Médico celetista que vira servidor federal
Trabalhou em hospital privado (1998-2018). Em 2019, toma posse como estatutário. Faz CTC de 20 anos ao INSS, averbada no SIAPE. Futuramente, poderá aposentar-se pela regra de transição art. 20 da EC 103/2019.
Perguntas e respostas
Posso usar a mesma CTC em concursos diferentes?
Não. O original fica retido no primeiro órgão que averbar. Para outro uso, peça segunda via.
Quanto tempo demora?
No INSS, média de 20-40 dias; em RPPS estaduais, pode chegar a 120 dias, dependendo de backlog.
É preciso reconhecimento de firma?
CTC eletrônica contém assinatura digital ICP-Brasil dispensando cartório. Papel timbrado pode exigir firma reconhecida pelo órgão de destino.
O CNIS substitui a CTC?
Não. CNIS é base informativa; CTC é ato jurídico certificador e peça obrigatória de compensação.
Tempo de contribuição concomitante (dois empregos) aparece?
Sim, mas o regime de destino contará apenas um vínculo por dia. O excedente pode ser usado para contribuição de valor (salário de benefício).
CTC pode incluir contribuições em atraso?
Somente aquelas já quitadas e validadas pelo INSS. Tempo sem recolhimento não entra.
Sou PCD; vale regra diferenciada?
A CTC não altera cálculo; a aposentadoria por deficiência ocorre no regime de destino conforme LC 142/2013 (INSS) ou normas locais de RPPS.
Posso desistir da CTC depois de emitida?
Sim, se não averbar; protocole cancelamento. Se já averbou, precisa recontar tempo e devolver valores.
CTC gera FGTS?
Não. FGTS é direito trabalhista preservado no regime celetista, independente de certidão.
Há custo para emitir CTC?
Não. É serviço gratuito, tanto no INSS quanto em RPPS.
Conclusão
A Certidão de Tempo de Contribuição é instrumento indispensável para harmonizar carreiras híbridas e garantir que cada real vertido à Previdência seja convertido em tempo reconhecido no cálculo da aposentadoria. Dominar seus requisitos formais, prazos e consequências evita a surpresa amarga de ver anos de trabalho desconsiderados no momento mais crítico da vida laboral. Para o segurado, significa aposentadoria sem lacunas; para os regimes, equilíbrio atuarial; para a sociedade, respeito à confiança legítima depositada no sistema previdenciário.