Cultura indígena e pluralismo jurídico em Rita Segato

Resumo: A cultura indígena ainda gera muita polêmica no seio da sociedade brasileira. Com suas tradições, crenças, línguas, a cultura indígena apresenta uma riqueza histórica para o Brasil. Todavia, a sociedade brasileira, de um modo geral, não se mostra preparada para compreender essa diversidade cultural. Nessa linha, a autora Rita Segato escreveu o artigo “Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo didático com legisladores”, publicado no ano de 2014 na Revista de Direito da Universidade de Brasília (UnB). O presente artigo faz uma espécie de resenha de sua obra, em razão da importância desta no contexto atual brasileiro. Objetiva-se divulgar a diversidade cultural brasileira, especialmente no que diz respeito às diferentes concepções do direito a vida. Para tanto, como metodologia utiliza-se do estudo bibliográfico. Constatou-se, ao final, que ainda há muito o que discutir acerca do pluralismo jurídico no Brasil.

Palavras-chave: Cultura Indígena. Diversidade. Pluralismo Jurídico.

Abstract: The indigenous culture still generates much controversy within the Brazilian society. With its traditions, beliefs, languages, indigenous culture has a rich history for Brazil. However, the Brazilian society, in general, shown not prepared to understand this cultural diversity. Along these lines, Rita Segato author wrote the article "Let every people weave the threads of his story: legal pluralism in didactic dialogue with legislators," published in 2014 in the Law Review at the University of Brasilia (UNB). This article is a kind of review of his work, because of the importance of the Brazilian current context. The objective is to promote the Brazilian cultural diversity, especially with regard to the different conceptions of the right to life. Therefore, as a methodology is used the bibliographical study. It was found at the end, there is still a lot to discuss about the legal pluralism in Brazil.

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Keywords: Indigenous culture. Diversity. Legal Pluralism.

Sumário: Introdução. 1. Cultura indígena e pluralismo jurídico. Conclusão. Referências.

Introdução

O artigo “Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo didático com legisladores”, trata-se de um artigo publicado pela autora Rita Laura Segato, no ano de 2014 na Revista de Direito da UNB. Esse artigo é uma versão revisada e modificada do artigo “Que cada pueblo teja los hilos de su historia. El pluralismo jurídico en diálogo didáctico con los legisladores”, publicado pela autora na Revista “Justicia y diversidad en América Latina. Pueblos indígenas ante la globalización”, da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, no Equador.

Devido a riqueza do debate trazido por Segato acerca das diferentes concepções do direito à vida, o presente artigo apresenta uma espécie de resenha de sua obra, em razão da importância desta no contexto atual brasileiro. É de conhecimento geral a riqueza cultural existente no Brasil e sua diversidade. Todavia, nem todas as pessoas, nem mesmo os Poderes executivo, legislativo e judiciário, se mostram devidamente preparados para respeitar as diversas culturas existentes no país.

Nesse sentido, Segato discute acerca do direito à vida, que possui concepções diferentes no Direito Civil brasileiro e na perspectiva da Tribo dos Suruwahas.

1 Cultura indígena e pluralismo jurídico

Segundo o texto “Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo didático com legisladores”, de Segato, no ano de 2007, o deputado federal do PT pelo Estado do Acre e Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil Henrique Afonso, propôs o Projeto de Lei nº 1057/2007, que visava combater práticas tradicionais nocivas em comunidades indígenas, tais como infanticídio ou homicídio, abuso sexual, estupro individual ou coletivo, escravidão, tortura, abandono de vulneráveis e violência doméstica, e garantir a proteção de direitos básicos aos indígenas.

O projeto foi apelidado de Lei Muwaji, em homenagem a uma mulher indígena da tribo dos Suruwahas, que se rebelou contra a tradição de sua tribo e, por esta razão, seria considerada salvadora de seu bebê que nasceu com deficiência e, por isso, teria sido condenada à morte na comunidade indígena.

É que nas comunidades indígenas, a vida não tem a mesma concepção ditada pelo Direito Civil brasileiro. Como exemplo, é possível citar a tribo Yanomami, em que o parto acontece no mato, fora da aldeia, e a mãe tem duas opções: não encostar no bebê nem o levantar em seus braços, deixando-o na terra onde caiu; ou encostar no bebê, levantá-lo em sem braços e o levar para a aldeia para um processo de humanização. Se realizar a primeira opção, significa que ele não foi acolhido no mundo da cultura e das relações sociais e, portanto, não se tornará humano, posto que na perspectiva nativa, o atributo da humanidade é uma construção coletiva, sem a qual nenhum organismo se torna humano. No caso, humanidade seria o resultado de um trabalho de humanização por parte da coletividade. Portanto, somente com a segunda opção, haveria vida. Assim, verifica-se que, na perspectiva nativa, escolher a primeira opção não significa dizer que tenha ocorrido um homicídio, posto que para a tribo, aquele ser abandonado não constituía uma vida humana, portanto, não haveria que se falar em homicídio ou infanticídio.

Uma vez que os direitos da personalidade para o Direito Civil não partem da mesma teoria das tribos indígenas, carecia-se de um melhor esclarecimento no Congresso sobre o assunto “infanticídio indígena”, para que os deputados pudessem decidir pela aprovação ou não do citado Projeto de Lei. Diante desse fato, em agosto de 2007, Segato foi convidada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional brasileiro para apresentar um argumento de cunho antropológico com a finalidade de esclarecer os parlamentares sobre o tema “infanticídio indígena”. A explicação era necessária para a formação da opinião dos parlamentares. Assim, o artigo detalha o conjunto de considerações e conhecimentos envoltos à preparação dos argumentos de Segato para a ocasião.

Em sua fala, Segato questionou o Projeto de Lei, estando cindida entre dois discursos diferentes e opostos, ambos provenientes de mulheres indígenas, as quais ela tinha conhecimento. No caso, o primeiro discurso era o repúdio que, na primeira Reunião Extraordinária da recém-criada Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), realizada nos dias 12 e 13 de julho de 2007, a Subcomissão de Gênero, Infância e Juventude tinha manifestado a respeito dessa lei. O segundo discurso era a queixa de uma indígena Yawanawa, da região fronteiriça entre Brasil e Peru, Estado do Acre. Esta indígena, durante a oficina de Direitos Humanos para mulheres indígenas assessorada e conduzida por Segato no ano de 2002 para a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), descreveu o infanticídio obrigatório de um dos gêmeos Yawanawa como fonte de intenso sofrimento para a mãe, também vítima da violência dessa prática. Nesse ponto, Segato estava diante de um confronto: a autonomia cultural versus o direito das mulheres. Dessa forma, Segato tinha a tarefa de argumentar contra a lei, mas, ao mesmo tempo, fazer uma aposta forte na transformação do costume, construindo argumentos que fossem aceitáveis ao Congresso, cuja visão era tipicamente tradicional e conservadora.

De um lado, havia a Constituição do Brasil e a Convenção 169 da OIT, defendendo o direito à diferença indígena, e de outro, a defesa da vida como um direito humano internacionalmente reconhecido. Dessa forma, a questão central da tarefa de Segato era, segundo suas palavras, “Com que argumentos nós, que defendemos a desconstrução de um estado de raiz colonial, podemos dialogar com nossos representantes e advogar pelas autonomias, quando essas implicam práticas tão inaceitáveis como a eliminação de crianças?” (sic). Segato estava, pois, diante de um caso limite para a defesa do valor da pluralidade.

O texto faz uma crítica ao Estado e sua forma de governar etnocêntrica. Segato põe em análise a vida do índio trazendo a tona sua história e realidade. Conta como desde a chegada do homem branco toda a realidade do índio tem mudado, pois trouxeram consigo doenças, desmoralização, fome e a exploração. O que o texto traz, de uma forma geral, é que Segato é contra a lei, primeiro porque o “infanticídio” é em pequeno número nas aldeias, e, segundo, porque em sua visão, o Estado não deve legislar sobre como os povos indígenas devem cuidar de suas crianças, não lhe sendo dada essa autoridade, uma vez que são povos com culturas interrompidas desde a colonização, sendo o Estado “herdeiro direto do conquistador” (sic). Para Segato, deve-se antes criminalizar o próprio Estado por inadimplência, opressão, por ser infrator e até mesmo por ser homicida dos povos indígenas.

Analisando o texto à luz do artigo 8º da Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais – que diz que ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, esses deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos – verifica-se que trata-se de uma celeuma que depende de muitos debates e estudos, pois o texto legal não adentra em razões cosmológicas, demográficas e higiênico-práticas do infanticídio, nem discute concepções de pessoa, vida e morte dos povos indígenas.

A norma brasileira, ao denominar a vida como um “direito universal”, na verdade se propõe a universalizar uma concepção sobre o que é esse direito, o que não significa que este conceito seja compreendido da mesma maneira por todas as culturas, nem mesmo que este seja um direito mínimo inerente.

Conclusão

O trabalho estudado é de extrema importância não apenas para o campo de estudos da Antropologia Jurídica no qual ele se insere, mas como para toda a coletividade, por questionar padrões, conceitos e concepções impostos pela sociedade e legislação brasileira diante de casos concretos, como é o caso da cultura indígena. Ainda há muito o que discutir acerca do pluralismo jurídico no Brasil.

 

Referências
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 306p.
SEGATO, Rita Laura. Que cada povo teça os fios da sua história: o pluralismo jurídico em diálogo com legisladores. Revista de Direito da UNB, vol. 01, n. 01, janeiro-junho, 2014. p. 65-90.

Informações Sobre os Autores

Jhéssica Luara Alves de Lima

Advogada. Professora do Curso de Direito. Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Ambiente, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA. Especialista em Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

Carmem Tassiany Alves de Lima

Assistente Social. Pesquisadora. Mestranda em Cognição, Tecnologias e Instituições pela Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA


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